sábado, 31 de julho de 2010

O mercado negro de escudos

O mercado negro cambial floresceu nos últimos meses de Portugal em Angola. Mil escudos do Banco de Portugal poderiam «valer» 1500, 2000, 3000 escudos de Angola - os angolares


A 31 de Julho e 1 de Agosto de 1975 chegou a Carmona uma Companhia de Comandos. Outra, mas de Pára-quedistas, ficou na Base Aérea do Negage. O objectivo era escoltar a 2ª. e a 3ª. CCAV´s do BCAV. 8423 e todos os seus equipamentos. Para o efeito, chegou também uma frota de viaturas militares. Aproximava-se a nossa saída para Luanda e já se sabia que a CCS e a 1ª. CCAV. viajariam de avião.
O cada vez mais iminente êxodo da comunidade civil europeia tormou-se mais evidente por estes dias: à romaria dos caixotes, seguiu-se outra: a da compra de escudos de Lisboa, do «puto». A razão era fácil de ver: os escudos angolanos (os angolares, na foto) não tinham cotação e cambiavam-se a elavadas percentagens cambiais, em mercados «negros» - com lucros para os vendedores. Mil escudos do Banco de Portugal poderiam «valer» 1500, 2000, 3000 angolares, muito fácilmente. Ganhava quem tinha dinheiro de Lisboa. Ganhava quem, no dito mercado negro, o comprava - pelo troco dos angolares, que nada valeriam na Europa. Como se veio a confirmar. Por mim, como já aqui disse, nunca fiz «negócio» desse.
A nível militar, reinava confiança. O reforço que chegava e as regras impostas pelo Comando na reunião de 30 de Julho, com o Estado Maior do Comando Unificado, digamos que puseram os combatentes/militares da FNLA em sentido. Nada impediria a saída da coluna militar. A tiro que tivesse de ser. 

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A operação de retirada para Luanda...

Parada do BC12, em Carmona (anos 70 do século XX)

A 30 de Julho de 1975 começou, na prática, toda a movimentação de meios que iriam dar corpo à grande operação de retirada do BCAV. 8423, de Carmona para Luanda. Poupando pormenores, sempre diremos que o entusiasmo e a animação dos  militares eram grandes, preparavam-se malas e afinavam-se missões.
A comunidade europeia, ao tempo já definitivamente convencida do que seria o futuro imediato, aproximava-se cada vez mais da tropa, procurando apoio e protecção. Que não era negada, mas que tinha implicações operacionais delicadas. E, valha a verdade, havia alguns constrangimentos a ultrapassar. Não era de modo barato que nós, nós todos!!!, que tantas vezes tínhamos sido ofendidos - quase humilhados!!!... - pela generalidade da comunidade europeia, nos víamos agora no continuado dever de apoiar.
Era esse, de resto, o desígnio assumido pelos Cavaleiros do Norte, sob o comando firme e competente do (então) tenente-coronel Almeida e Brito. Dissesse-se o que se dissesse, sentíssemos o que sentíssemos, a verdade é que tínhamos confiança ilimitada no comandante e nunca regatearíamos uma ordem dele.
Um comerciante da Rua do Comércio, meu conmhecido das minhas passagens pela loja, achou-se de coragem para me perguntar se íamos abandonar os civis. Era um dos que cuspia à passagem dos militares. Não me lembro do que respondi, mas não deve ter sido coisa boa.
Mas era conhecido o movimento de civis, junto dos comandos militares, para que pudessem integrar a coluna. A FNLA, senhora da guerra do Uíge, continuava a fazer das suas e a cidade engordava, com refugiados das fazendas de café da província.
A tropa vivia os seus dias mais calmos do mês de Julho de 1975. Que chegava ao fim!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Um «diferendo» com o alferes Garcia


O PELREC. Almeida, Albino, Messejana, Florêncio, António, Viegas, Francisco, Dionísio, Caixarias e Garcia (em cima), Vicente, Soares, Marcos, Leal, Moreira (?, transmissões), Hipólito, Cordeiro e Neto

A euforia da próxima viagem para Luanda, mesmo sabendo-se que por lá os cheiros eram mais de pólvora que dos habituais aromas africanos, foi quebrada por uma informação do alferes Garcia: o PELREC também iria na coluna terrestre. E não era para ir, destinado que estava a seguir com a CCS para Luanda, de avião. Tal qual a 1ª. Companhia!
Gerou-se farta e grossa discussão com ele, empertigado o Neto e bem irado eu! Não entendíamos como queria o alferes Garcia sacrificar o PELREC, sabendo-se, como já se sabia, que a coluna teria farto e diversificado apoio - de uma Companhia de Comandos e outra de Pára-quedistas. E da Força Aérea! E nós iríamos de avião.
A generosidade de Garcia, porém, não tinha limites - queria que o pelotão fosse na coluna. Mas sujeitar homens com 14 meses de sujeições e privações a mais esse sacrifício - que não era nevessário... - isso passava todas as nossas fronteiras do compreensão.
Marcámos passo, os três, com vigor e alguma raiva na voz e na alma, entre a parada e o refeitório, procurando esconder a nossa exaltação da curiosidade dos companheiros que por ali passavam o seu dia. «O pelotão deve ir!!!...», insistia o Garcia. Mas porquê a para quê?!
O Garcia não era homem de muitas palavras e às vezes não as escolhia muito. Falou-nos dos valores militares, da honra e da camaradagem, provocando-nos e procurando impor-nos a sua autoridade. Não a regateámos, é verdade, mas discutimos a opção que nos sugeria.
«Deveis ir...», disse-nos, já impaciente. E foi assertivo. Virou as costas mas não nos convenceu. «Olha lá, pá... isso é uma ordem, ou és tu que queres que a gente vá?!...», perguntou-lhe o Neto.
Era, afinal, Garcia que gostava que o PELREC fosse, mas vingou a ordem de operação: o PELREC foi de avião. Garcia, porém, ficou na história da coluna militar para Luanda - pondo-se como oficial às ordens do Comandante Almeida e Brito. E por lá fez história!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Os últimos dias de Carmona...

O BC12, visto do lado de Carmona. À direita, vê-se o bloco residencial militar
que foi nossa «casa» nos últimos dias da capital do Uíge

A 28 e 29 de Julho de 1975 continuaram, em Carmona, as reuniões de trabalho entre os comandos do BCAV. 8423 e a delegação do QG/RMA, para preparar a rotação do batalhão para Luanda. E já se sabia o dia de saída da CCS, de avião: 3 de Agosto, um domingo.
O regresso tranquilo, a 26, da coluna que no dia 25 partira para Salazar - aqui se juntando ao grupo que vinha de Luanda  - inspirou grande confiança nas hostes. O trânsito não tivera impedimentos - ora da FNLA, ora do MPLA - e parecia seguro que a grande coluna de rotação para a capital não iria ter problemas de maior. E, a aparecerem, a tropa responderia «à letra». O COPLAD, com ou sem vontade de tal aceitar, já não punha «impedimentos» regulamentares ao BCAV. 8423 e a guarnição multiplicou a sua confiança no comando de Almeida e Brito (1º.) e José Diogo Themudo (2º.).
«O que parece isto?!...», perguntei várias vezes ao Neto e ao Garcia. «Vai haver porrada!...?».
Escusado será dizer que, um e outro, não tinham dúvidas sobre o êxito da operação. «Eles nem se atrevem!!!...», exultava o Neto. «Está a ser preparada uma grande operação...», garantia o Garcia - que, no dia a dia, contactava directamente com os oficiais e, no Gabinete de Operações, com o capitão Falcão. Por isso, sempre bem informado.
Semelhante confiança era, naturalmente, passada para os praças. E era o nosso PELREC o que mais emotivamente vivia estes dias. Dias de muitas ansiedades! Tinha sido (era!!!), sem dúvidas, o pelotão mais sacrificado da CCS e a alvorada da saída entusiasmava-os intensamente.
«Eh furriel, nunca mais conheço a minha menina!!!...», comentou-me uma vez, o saudoso Leal - que foi dos mais bravos do PELREC e já era pai pela segunda vez. Sorri-lhe e, em ar de brincadeira, perguntei-lhe se o pai da criança não seria o padre.
Por esta altura, já estávamos no bloco residencial ao lado do BC12 e, nessa noite, eu e o Neto fomos chamados ao quartel, por um ordenança da casa da guarda.
«Já há m...», disse para o Neto. Afinal, eram os «pelrec´s» que tinham panqueca preparada, com a conivência da cozinha e da padaria. Tivemos de arranjar um garrafão de vinho. Tinto do Cartaxo!!

terça-feira, 27 de julho de 2010

A segurança que se vivia e sentia no Quitexe...


O Posto 5, ponto de sentinela da vila do Quitexe, na estrada para Luanda.
Viegas e Miguel, em Cima), António Casal (em baixo)

ANTÓNIO CASAL
Texto

A pacatez e segurança vividas na vila do Quitexe eram uma realidade - como por aqui já várias vezes foi referido.
Circulava-se tranquilamente e os próprios civis bem sabiam que nada tinham a temer. A segurança era plena, como muitas vezes eles próprios diziam.
Mas ela não existia por mero acaso! Existia graças às acções militares e até muito agressivas, mas que não deixavam o IN pôr o pé em ramo verde! Durante o período em que estive no Quitexe, muitas foram as operações realizadas e que obrigavam os operacionais a um esforço alguma vezes questionado pelos comandantes de grupo!
«Assim, os homens não aguentam!»..., disse algumas vezes o alferes Freitasm ao então major de operações! Este "aperto" de operações durou cerca de três meses, findos os quais o comando considerou estar limpo o perímetro de segurança. Perímetro que não se limitava ao Quitexe mas também às fazendas da área.
Claro que o perímetro nunca esteve devidamente limpo! Era impossível! E afirmar o contrário seria, no mínimo, fantasiar! Aliás, o IN assistia a sessões de cinema no Quitexe e a prova, além de outras, consistia no facto de, quando capturados, estarem ainda em posse dos bilhetes! Não era por acaso que, embora esporadicamente, eram feitas rusgas com o apoio do GE´s. Em quem nunca confiámos, diga-se!!!
Ainda sobre as operações de grande envergadura na zona do Quitexe, recordo o mês de Novembro de 1972, talvez um dos meses mais "quentes" que vivemos. A última acção desenvolvida naquele mês, esteve a cargo de uma Companhia de Pára-Quedistas mas as coisas não decorreram da melhor forma, sofrendo uma baixa logo no 1º dia - um 1º. sargento.
Tudo isto a propósito da segurança que se vivia na vila, mas que não era obra do acaso mas, sim, fruto de muito trabalho e disciplina.
Mas sair sem escolta era um grande risco, que apenas um fazendeiro, que eu me recorde, assumia - o Bastos, cuja casa viria a ser residência do Comandante dos Cavaleiros. E que caro lhe ia ficando!!
O Posto 5 ainda chegou a ser atacado, de noite, estávamos há apenas dois meses na vila. Talvez para nos testar, pensámos nós. Ou preferimos pensar!...
ANTÓNIO CASAL
Batalhão de Caçadores 3879,
no Quitexe em 1972/73

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A saída para Salazar e as escaramuças de Carmona

Bar do Eugénio, em Carmona (foto de 2004), perto do «nocturno» Diamante Negro

A 25 de Julho de 1975,a coluna militar do BCAV. 8423 saiu de Carmona e chegou a Salazar - o objectivo traçado para esta terceira tentativa. Dois dias antes, sem que eu possa aqui contar o que passou (por não saber os pormenores) , o comandante Almeida e Brito e outros oficiais reuniram com a FNLA e impuseram argumentos e força.
Quem lê esta narrativa, pode ajuizar do estado de espírito da guarnição, em face das duas anteriores tentativas de saída: «Ou vamos para avançar, nem que seja a tiro, ou não saímos de Carmona...».  Outra saída, seria uma desonra. E era também o descrédito junto da população europeia - que finalmente tinha ganho a noção de uma realidade dramática que se adivinhava para os seus dias seguintes e se tornava mais próxima da tropa. 
Os patrulhamentos continuavam na cidade, a Polícia Militar via o seu trabalho avolumar-se - para acudir a pequenos conflitos, principalmente gerados de provocações e ofensas de alguns civis, aos tropas. «Cobardes||...», era substantivo com que vulgarmente se adjectivavam os militares. E traidores, filhos desta e daquela, de cabras e do que lhes vinha à cabeça. Numa das vezes, perto do Bar do Eugénio, soltou-se grossa escaramuça entre um grupo de jovens civis e militares, que obrigou à intervenção do piquete de serviço. Vinha uns do bar Diamante Negro, ali por perto, e vadiavam outras pela noite adentro. De cuspidelas a insultos, caminhou-se num instante. E, como a espuma, a pancadaria fez espilrar sangue de alguns.
«Cobardes!!! Traidores!...», gritavam os jovens. Como se os militares do BCAV. 8423 tivessem culpa das contas que alguns nativos queriam ajustar com quem supostamente os teria explorado! Não foram fáceis os últimos dias de Carmona!

domingo, 25 de julho de 2010

O Quitexe a ferro e fogo... (2 - fim)

1ºs. cabos Novo e Deus, ambos da 3ª. CCAV. 8423, junto da avioneta
que evacuou os feridos do Quitexe



MANUEL DEUS
Texto

O facto mais marcante do período quente do Quitexe - de que ontem aqui se falou - foi o «frente-a-frente» de um combatente do FNLA e outro do MPLA,  na delegação.
O homem do MPLA foi levado para o nosso aquartelamento, pelas nossas tropas, e tinha o tórax perfurado (um buraquinho no peito e um buracão nas costas). Vomitava sangue.
O homem da FNLA apareceu por entre o capim, em frente à nossa porta de armas, rastejando e com as pernas completamente desfeitas.
Ao verem-se, olhos nos olhos, o ódio era tanto, que o homem do MPLA (que ainda estava «quente» e por isso se mantinha em pé, amparado pela nossa tropa), quis avançar para o outro, que estava no chão, a uns 3 metros de distância, recebendo assistência da nossa equipa de enfermagem.
Por ironia do destino, foram ambos evacuados para Luanda na mesma avioneta (foto), onde não sei se algum deles terá chegado com vida.
Manuel Deus

sábado, 24 de julho de 2010

O Quitexe a ferro e fogo... (1)

O Quitexe teve momentos de «ferro e fogo», no tempo da 3ª. CCAV. 8423. Em
cima, o 1º. cabo Deus na frente da Delegação da FNLA/UNITA, onde se vêem estragos de um ataque do MPLA



MANUEL DEUS
Texto

Quitexe foi uma pacata e tranquila vila, no período que antecedeu os confrontos entre os movimentos de libertação - MPLA a FNLA e a UNITA.
Efectivamente, nos primeiros meses de 1975, os confrontos que tiveram início em Luanda rapidamente alastraram a todo o território angolano e, obviamente, o Quitexe não foi excepção.
Então, começaram as desconfianças entre os três  movimentos e, rapidamente começaram a medir forças. O facto da FNLA ser considerado o movimento mais forte localmente, não evitou que temporariamente fosse obrigado a deixar o Quitexe, dando-se início a uma fase de «agora mandas tu, agora mando eu».
Apesar de terem passado muitos anos, recordo que,  durante algumas semanas, a 3ª. CCAV. passou por momentos muito difíceis, tentando manter a ordem de forma pacífica e neutral.
O nosso comandante, capitão Fernandes, fazendo valer as suas características diplomáticas, todos os dias chamava ao comando os vários comissários políticos, conseguindo que todos prometessem acabar com os conflitos armados, nesse mesmo instante. Apesar disso, todos os dias e ao romper da aurora, as «kalache» eram o nosso despertador.
Recordo uma noite, em que todos fomos atiradores. Independentemente da especialidade de cada um, fomos distribuídos em todo o perímetro do aquartelamento, não faltando as cafeteiras de café toda a noite, para espantar o sono. A noite estava escura, o que permitia ver melhor as balas tracejantes que sobrevoavam as nossas cabeças. Todavia, a ordem era para não actuar. Só se fossemos atacados directamente.
Durante o tempo que estive em Angola, só por duas ocasiões peguei numa G3. Foi neste período escaldante do Quitexe e na retirada de Carmona para Luanda, por sinal também muito explosiva.
MANUEL DEUS
Ver post de amanhã

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Reunião preparatória da saída para Luanda

Furriel Viegas nos últimos dias da messe de sargentos do Bairro Montanha Pinto (em cima). Em baixo: furriéis Mosteias, Viegas, Bento, Cruz e Pires na varanda do bloco ao lado do BC12 (Julho de 1975) nas vésperas da partida para Luanda

A 23 de Julho de 1975 reuniram os comandos do BCAV. 8423 com elementos do Quartel General da Região Militar de Angola (QG/RMA), para preparar a saída de Carmona para Luanda. Não sei, obviamente, o que se falou, mas os obstáculos criados nas duas anteriores tentativas de saída seguramente estiveram na mesa.
O clima de crispação com a FNLA fragilizava qualquer clima de confiança. E a Companhia de Forças Integradas, entretanto instalada no aquartelamento da DGS, também pouco ou nada colaborava no sentido de as coisas evoluírem mas civilizada e pacificamente. Assumia, aliás, posições pouco amistosas - até provocadoras!!!... - relativamente às Forças Armadas Portuguesas.
Tínhamos contra nós a inamizade das forças que seriam a nova autoridade militar local e o desdém da população europeia. Esta, cada vez mais fragilizada, por consequência das ostensivas provocações e ameaças dos futuros novos senhores. Dramas que, 35 anos depois, se recordam sem entrar em pormenores! Para não fazer juízos de valor. Para não recordar sofrimentos alheios - que nós vivemos de forma diferente.
«Vamos embora a 3 de Agosto», contou-nos o alferes Garcia. «Vamos ficar no Grafanil para aí um mês e logo a seguir para Portugal».
Por esta altura, em data que não consigo recordar, abandonámos a messe do bairro Montanha Pinto e fomos para um bloco residencial militar, a uns 100 metros - entre o quartel e a cidade. Foi um passo para a desejada viagem para Luanda!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Galões e divisas para os graduados das Forças Integradas


Viegas, Mosteias e Neto, na messe de sargentos de Carmona.
Mandei esta foto para minha mãe, faz hoje 35 anos


Acabei de reler um aerograma de minha mãe, recebido por volta do 22 de Julho de 1975, tem data de 19: «Dizem por aqui que vocês se vem embora, quando é que tu vens?». Recordo-me bem de o ter lido, no bar de sargentos do BC12, enquanto o Machado fazia o negócio da compra da aparelhagem de som. A minha mãe por cá, cheia de fé e a rezar pelos meus dias, e eu por lá, sem saber do que seria ao menos o dia seguinte.
Respondi-lhe logo, que o SPM estava para sair no avião das 5 horas da tarde: «Não sabemos, mas fique tranquila que por aqui está tudo bem. A pancada que ouve dizer que há em Luanda, não é connosco, nós estamos a 300 e tal quilómetros». Mas não a iludi, como ela mesmo depois me contou. Agora, ao reler o que citei, senti uma enorme nostalgia. Nesse dia, mandei-lhe a foto de se vê nesta postagem, com uma legenda: Como vê,  sue filho está todo nove horas. O da direita, de pêra, é o Francisco Neto, o de Águeda"
A vida por Carmona continuava, entretanto, com todas as escaramuças que por lá se viviam, muitas delas agora já esquecidas. A 17 de Julho, tinha decorrido a cerimónia de entrega de galões e divisas aos graduados da Companhia de Forças Integradas - exortados a assumirem «os seus deveres militares e as responsabilidades de chefia». Um deles, cujo nome naturalmente não recordo, veio mostrar a divisa de furriel, a brilhar - como lhe brilhavam os olhos de alegria. A guerra, porém, com todos os seus constrangimentos, lavrava por Angola fora e eles não iriam ter tarefa fácil. Como não tiveram.
«Quer beber uma cerveja?...», perguntei-lhe eu? Que sim. E fomos ao bar dos sargentos do BC12. Era um bar simples, de salão enorme e muitas mesas, de balcão grande e corrido - onde o Lages servia com a sua habitual lentidão. E lá foi uma, lá foram duas, três cervejas..., cada um.
«Eu não bebes mais!...», disse o novo furriel, no sotaque africano que pluraliza as vogais e dá graça ao seu falar. 
Bebe, pois!!!! «Ao futuro d´Angola!!!...», disse-lhe eu, já com o Lages a abrir duas cucas, bem geladinhas. Ele bebeu.
Na parada, cochichou-me ao ouvido, com a palma da mão espalmada: «Eu não sabes, esfurrié... mas vais haver muitos maca!!!...».
Infelizmente, a profecia saiu certa.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Segunda saída fracassada da coluna militar para Luanda

A coluna militar sairia de Carmona, por Camabatela e Salazar, pelo Dondo e até Luanda. Tenente-coronel Almeida e Brito (em baixo)


A 21 de Julho de 1975, a segunda tentativa de saída da coluna militar de Carmona para Luanda, via Negage e Salazar, voltou a fracassar - «impedida» não sei já se pela FNLA (porque saía de uma zona que alegadamente controlaria), se do MPLA (porque ia de uma zona da FNLA para as áreas que controlava).
O fiasco - assim lhe chamo eu, agora... - gerou fartíssima desilusão entre a guarnição, que se sentiu desautorizada e envergonhada. Afinal, o que era isto?? Não podíamos avançar, não podíamos disparar, ia a coluna e tinha de, cobardemente, voltar para trás? As virtudes militares - as da honra, da coragem, da nobreza, do servir... - estavam a ser fragilizadas na praça pública. «Comer-nos-iam»  os movimentos e nós ficávamos assim, acobardados e vencidos?! 
Não sei o que pensaram os nossos companheiros oficiais milicianos - acho que nunca falámos sobre isto... - e muito menos os do quadro. Mas, reunidos no bar de sargentos do BC12, um grupo de furriéis avançou para uma conversa com o comandante Almeida e Brito. Exigindo explicações! 
Não estou muito autorizado a falar sobre o que aconteceu nas duas colunas recambiadas - por delas não ter feito parte... -, mas a desilusão era solidariamente assumida. Isto não podia ser!!! E foi o que, respeitosa mas reivindicadamente, dissemos ao comandante Almeida e Brito, que nos recebeu no bar de oficiais. Falou o Machado, lavrando ideias sobre uma situação delicada e que envergonhava a tropa. Interveio o Neto, não se apoucando muito nas palavras, querendo explicações e decisões. Disse eu da minha justiça, reclamando a autoridade que a tropa estava a perder. Manifestou-se o Mosteias, impiedoso no julgamento sobre a  inépcia dos militares, que eram barrados na estrada por homens armados e desorganizados. Resumindo, a voltar a sair, só com ordem para avançar a todo o custo. A tiro fosse!!! À porrada, à deflagração de pólvora, ao sangue que se derramasse!
Considerou Almeida e Brito o que melhor entendeu, falando de reuniões com o Comando Unificado de Carmona e o Quartel General, em Luanda. Era grande psicólogo, Almeida e Brito!!! Reinspirou-nos confiança. Anos mais tarde, no quartel-general da Região Militar Centro, em Coimbra, falou-me da decisão que na altura tinha interiorizado mas não contou: se não chegasse a acordo com o QG da Região Militar de Angola, para a evacuação, o BCAV. 8423 arrancaria de Carmona desse por onde desse.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Vamos embora a 3 de Agosto...


Há grande azáfama no BC12, aos idos dias de 20 de Julho de 1975 - faz hoje 35 anos. É domingo e a guarnição - mais folgada com a instalação, na cidade, de todo o BCAV. 8423 - tranquiliza-se das emoções, temores e agitação dos dias anteriores. Fecham-se os caixotes e carregam-se as Berliets que hão-de rumar a Luanda, pelo Negage, Camabatela, Salazar e Dondo - pois está não «passável» a estrada do café, que levaria mais rapidamente a Luanda, pelas nossas antigas bandas do Quitexe, Aldeia Viçosa, Vista Alegre e Ponte do Dange, mais adiante pelo Quibaxe, Úcua, Caxito e Cacuaco, por onde se conflituavam MPLA e FNLA, em luta fraticida e a trocar metralha que muito sangue por lá fez. Não nos íamos meter na guerra.
Já é certa a data de saída da CCS: 3 de Agosto, um domingo -  dia de festa na pateira da minha Ois da Ribeira. Ele há coincidências!!... Já os incidentes de 1 de Junho tinham coincidido com a festa de Nossa Senhora de Fátima. A jantar no restaurante Escape, com o Neto, refiro-lhe estas coincidências - que ele dá ao desbarato. Mais lhe interessa o «irmos embora..., fartos disto!».
O Neto - cujo apelido (igual ao de Agostinho, líder do MPLA) alguns constrangimentos lhe criou, supondo-o os «fnla´s» como um inimigo - tinha interesses em Angola, na cidade de Viana, mas o desejo maior é voltar a Águeda, ao colo da família e aos braços da sua Ni!
«Mas olha lá, o que é que achas que vai ser disto?...», perguntei-lhe eu.
Não havia resposta. «Será o que for...», disse o Neto.
Conhecia-se a movimentação dos cidadãos brancos, nomeadamente em Luanda, no sentido de criar um partido político, mas entre avanços e recuos, confrontações, acusações, ameaças, dedos apontados e retaliações pouco cristãs, o mais que se poderia esperar era que a esperança de paz não morresse. Mas faleceu, como hoje se sabe.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A indústria de caixotes e os negócios com civis...


A partir de 19 de Julho de 1975, começou a reorganizar-se a coluna militar que iria para Luanda, transportando carga do batalhão. Que não pudera avançar no dia 13, "impedida" pela forças da FNLA. E a tropa não tinha ordem de forçar o avanço.
Sabia-se já, entretanto, que a partida do BCAV. 8423 seria nos primeiros dias de Agosto e levedava o entusiasmo da guarnição. Ir ara Luanda significava fazermos vésperas de partir para Lisboa, para as nossas casas. E como se faziam saudades dos cheiros e dos sons das nossas terras!, o afecto das nossas famílias.
Ao tempo - e desde há várias semanas... - florescia por aqueles lados a indústria dos... caixotes. De madeira. Os os civis - e também os militares... - arrumavam neles os seus bens, de toda a natureza. Para mandar para Portugal. Era a via de assegurar o transporte das suas pequenas ou grandes fortunas.
Os militares tinham direito a um metro cúbico, se me lembro bem!!! Metro cúbico que, naturalmente, ultrapassava muito as nossas necessidades, pelo que se tornaram rapidamente objecto de negócio. Compravam os civis, a bom dinheiro!!! Vendiam os militares!!! O que importava era encaixotar e mandar para Lisboa.
Todos nos recordamos, por 1975, 76 e anos seguintes, dos milhares e milhares de caixotes abandonados no porto de Lisboa - onde se perderam muitos bens. Onde muita gente ficou mais pobre!
Em Carmona, éramos literalmente assediados pelos europeus, para lhes vendermos a cubicagem. À sucapa!!! Alguns caixotes forma despachados de Luanda em nome de militares - tomando sabe-se lá que caminhos.
Por mim, não vendi, não dei, não usei!!! E por isso muito mal tratado por uma família que insistentemente - e por mais de uma vez... - me aliciou na Rua do Comércio. Os nomes que ouvi não cabiam no meu estatuto de solteiro e bom rapaz, nem de filho de mãe viúva que em Portugal rezava por mim! Fiz-lhes ver isso e recalcitraram os aliciadores. Estes, como outros - de outras vezes. Chegaram a prometer-me habilitações literárias falsas, ou carta de condução de pesados e motociclos! A mim e outros!
Foram dias que doeram e são hoje amargas recordações da terra angolana.

domingo, 18 de julho de 2010

O tenente Mora e o transporte de valores do Banco de Portugal

Banco de Portugal, em Carmona (foto de Jorge Cruz Oliveira, 1973)

Aos primeiros dias de Julho de 1975, estando o PELREC de piquete, fomos chamados pelo tenente Mora. «Vão fazer uma escolta. Saem dentro de 10 minutos!!!...». Ordens são ordens e lá se aprontou a rapaziada, formando descontraídamente na frente do gabinete do capitão Oliveira, o comandante da CCS: «Vão fazer segurança a um transporte do Banco de Portugal, mas o tenente Mora vai convosco...».
A escolta era do banco para o aeroporto. Viemos a saber que seriam valores em dinheiro e outros, mas, obviamente, nunca soubemos exactamente o que transportavam as pesadas malas que carregámos nas viaturas militares e depositámos no bojo do avião, guardadas a 30 armas.
O estranho, para nós, era o tenente Mora ir connosco. O tenente Mora?!!!
Bom, a verdade é que, de camuflado, arma na mão e botas a brilhar, escanhoadíssimo, subiu para um jipe e deu ordem de arranque da coluna, ainda na parada do BC12. «Ó meu tenente, não há engano?», perguntou-lhe o Neto. O Neto, como todos nós, estava espantado. O tenente Mora na coluna?
Levantou-se ele do jipe, bateu o tacão no asfalto da parada e ordenou, de voz empolgada: «A coluna vai sob meu comando!». Bateu a pala e voltou à viatura.  Tá bom, tenente é tenente!!! E lá fomos nós em direcção ao Banco de Portugal.
De mão pousada no pequeno pára-brisas do jipe, o tenente Mora lá ia, ufano e garboso, a comandar a coluna, na viatura da frente. A certa altura, mudou de rumo e dirigiu-se (dirigimo-nos) à messe de oficiais. Saltou o tenente e os dois ordenanças que o acompanhava e ficámos nós, sentados nos Unimogs - à espera. E desfez-se o mistério: o tenente Mora ia buscar a mulher, uma senhora de etnia indiana, que ia embarcar no avião para Luanda e, daí, não sei se para Lisboa.
E lá foi o avião, com duas fortunas: a do Banco de Portugal e a do tenente Mora.

sábado, 17 de julho de 2010

Os homens do Toyota amarelo com armas pesadas na frente do BC12

Quartel do BC12, onde estava o BCAV. 8423. Vêem-se a porta
d´armas (ao centro) e as torres de vigia. Alferes Garcia e furriel miliciano Viegas, em baixo


Julho de 1975, meados do mês de maior ansiedade, insegurança e dúvidas no BCAV. 8423, em Carmona. Dia 17, é uma 5ª. feira. As escaramuças da cidade continuam a inquietar a guarnição que, porém, continua muito confiante na capacidade de liderança do comandante Almeida e Brito. Estou de serviço, de sargento de dia.
Ao princípio da tarde, o plantão da entrada principal fez-nos sinal: um grupo de militantes da FNLA, com duas metralhadoras instaladas num jeep Toyota amarelo, andava a passar repetidas vezes frente ao BC12, na estrada de asfalto, para o Songo. Ia e vinha e afrouxava a marcha, sempre na frente da porta d´armas, apontando as metralhadoras ao quartel. Os homens estavam agitados, gesticulavam muito, gritavam em dialecto inentendível, soltavam slogans revolucionários que nós conhecíamos de ouvido! Em provocação iminente!
Ficámos de alerta imediato e o piquete, que por ali estava perto - disperso entre a parada, as casernas e o bar dos praças -, rapidamente se formou, em ordem de combate. 
Avisei o alferes Garcia, o oficial de dia - que estava no primeiro piso do edifício do comando. Desceu, num instante: «Já sabem o que temos de fazer...», disse ele, enquanto ajustava o cinturão, de G3 pendurada no braço esquerdo e já de culatra atrás.
Tomámos posições de defesa. À Walter de serviço, juntei a G3, as cartucheiras, granadas defensivas e ofensivas. Operadores e municiadores das metralhadoras pesadas assumiram os seus lugares. O suor frio, suor frio em tarde de imenso calor africano, escorria-nos cara abaixo e molhava-nos o camuflado! Sentia-se uma ansiedade enorme, a gelar-nos a barriga!
«Como é?! Aguenta-se?...», perguntei ao alferes Garcia, também ele armado até aos dentes e de novo no piso de cima - já com um ou dois grupos do PELREC, que rapidamente se lhe juntaram. Não me recordo do nome deles.
«Vamos ver!... Ó pá!!!... Calma, sem fogo!...», respondeu-me ele, com a habitual firmeza, sem uma hesitação. «Manda reforço para as traseiras, tomem posições...».
Os homens do Toyota amarelo voltaram a passar e, agora, como que a provocar-nos, de olhar esgaseado e insolente, pararam em frente à guarita do plantão, com o jeep virado para a porta principal e de metralhadoras levantadas, sugerindo que iriam disparar. «Temos merda!... Filhos da p...», disse um dos militares da guarda. Não me recordo do nome, mas lembro-me dele a desabotoar a camisa do camuflado, a ofegar..., como quem oferece o peito às balas! 
Eu, emocionalmente controlado (julgo...), passei o dedo indicador direito pelas calças do camuflado, aligeirando-lhe a humidade do suor e da ansiedade. E passei-o no gatilho da G3, apontada para a estrada.
«Vê-se alguma coisa no capinzal?!...», perguntei, pela rádio, ao Garcia - que no primeiro piso coordenava aquele dramático momento. «Nada!... Tudo em ordem!...». Atrás do capinzal, sabia-se lá?!!!!, poderia estar uma multidão de homens, para nos atacar. Havia e sentiam-se latentes as ameaças dos vários ontens, ameaças de bombardeamento ao BC12, de cerco ao quartel..., de vinganças que se multiplicavam em ódios incontrolados, se não fossem dadas armas à FNLA.
Os homens do Toyota amarelo, uns cinco ou seis..., agitavam as armas no ar e continuavam com gritos em dialecto inentendível, visivelmente perturbados. Mesmo na frente da guarita do plantão, a dois/três metros do nosso companheiro de serviço, que ali estava fragilizado e indefeso. Gargalhavam muito, como doidos, e empurravam-se uns aos outros, em histeria que nos engravidava de incógnitas!
«Posição?!...», perguntou-me o Garcia.
«É à primeira!!..», disse-lhe eu, sem tirar o dedo do gatilho. «Estão na mira, é rajada, f...-los todos». E passei o indicador direito pelo gatilho da G3, umas duas, três, quatro vezes, como que lhe aveludando a rapidez do tiro. A mente fervilhava de emoções e adivinhava a cadência: «Trrrrrrrááa-tá-tá-tá... Trrrrrráááááá-tá-tá-ta!!!...». E já (ante)via o sangue a esguichar-se dos corpos que tombariam! Já ouvia explosão das granadas defensivas a espartilhá-los pelo ar. Já via a bandeira Portuguesa a continuar tremulante, no mastro da porta d´armas do quartel. O armamento pesado a espantar os nossos fantasmas, varrendo o inimigo. Iam ser momentos épicos! Tudo isto nos motivou para o «sem medo» daquela hora de iminente tragédia.
Mas tínhamos de ser muito cautelosos, na linha de fogo estava um dos nossos - o soldado de plantão, amargurando-se no desconforto e fragilidade da guarita.
Estranhamente, os homens do jeep Toyota amarelo deram volta e foram-se embora! Sempre a gargalhar, a gritar, histericamente, como doidos.
«Liambados!...», disse um dos nossos homens, de quem também não lembro o nome, mas de quem recordo vê-lo a passar o lenço verde na testa suada de frios e a soltar vernáculos aqui indizíveis.
Os minutos seguintes foram de intenso dramatismo. Os plantões das torres do edifício do comando, porém e ainda bem..., não divisavam nada no horizonte que se galgava para além do capinzal!! Até onde os seus olhos viam!!! Ficámos mais descansados. E mais descansados ainda quando o comando Português interpelou o Estado Maior Unificado - que coordenava as Forças Militares Mistas. O que falaram, não sei. Mas a guarnição tranquilizou-se.
Os homens do Toyota amarelo, afinal - veio a saber-se... -, estavam embriagados e teriam agido por conta própria. Nunca mais se soube deles.
À noite, no refeitório dos praças, na tonificante refeição que nos consolou os estômagos e entre a coloquialidadde de uma garfada e o sabor refrescante de uma Nocal, confidenciou-me o Garcia, em «segredo militar»: «A saída para Luanda é nos primeiros dias de Agosto». Assim viria a ser.
«E se houvesse tiros, pá?!...», perguntei eu, a olhá-lo com maneio de cabeça, de cima para baixo e de baixo para cima. «E se houvesse tiros?!...».
«Fooooooogo!!!!...fogo, fogo, fogo!!!!», gargalhou o Garcia, cofiando o bigode que ao tempo lhe adornava o seu rosto de coragem e, acredito eu - tenho a certeza... -, absolutamente seguro que os nossos homens não hesitariam um momento. Assim tivesse de ser!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Ameaça de bombardeamentoao BC12...

Parada do BC12, vista da varanda do edifício de comando - onde um oficial quis instalar uma metadladora pesada, para reagir ao ataque/Bombardeamento da FNLA


A data que não posso precisar, chegou ao BC12 a ameaça de bombardeamento, anunciada pela FNLA. Foi pelos meados do Julho de 1975, as exigências «fnla´s» eram cada vez mais estranhamente ameaçadoras e tomaram-se as devidas precauções, embora não se acreditando muito que tal viesse a acontecer. Mas entrámos em prevenção acima da simples, embora despercebida de boa parte da guarnição.
Os desaires militares do movimento «respiravam-se» em Carmona - porventura o seu útimo refúgio. E as exigências passavam por armamento - como já aqui foi dito.
É desse tempo, por estes dias de Julho de 1975, o tenente Mora mandar montar uma metralhadora pesada (MG42) na varanda do comando no quartel para fazer fogo sobre a parada, quando os bandidos entrassem no quartel. Os bandidos, entenda-se como sendo os militantes armados da FNLA.

Ordem recusada e incumprida pelo furriel Machado, com a veemência que dele tão bem conhecíamos, aprudentando-se em relação a um eventual ataque - que seria um banho de sangue.
«O meu tenente, nem pense!!!... Não monto metralhadora nenhuma...», gritou, esbaforido, o sempre impulsivo Machado - que era mecânico de armamento.
O tenente Mora pensar, pensou... mas desmobilizou  a ideia - ante a veemência e racionalidade da posição de Machado, que desobedecia a uma ordem que, a cumprir-se, sabe-le lá que tragédias provocaria. Imagine-se uma metralhadora MG42 a disparar para a parada, a matar os nosso companheiros.
Havia postos avançados de defesa à volta do aquartelamento, cheirava-se a pólvora que tiroteava aos longes do BC12, mas seria ousadia a mais a FNLA concretizar a ameaça de bombardeamento do quartel. Os Cavaleiros do Norte andavam em pulgas, tensos e ansiosos, mas reagiriam em toda a força. Seguramente com valentia. A nossa capacidade de fogo explodiria por tudo quanto fosse sítio de perigo. Sem um medo!
O que se passava, na verdade, é que o clima de tensão que se vivia poderia explodir a cada momento - acossado e aumentado, que estava, pelo impedimento de saída da coluna do dia 13 de Julho, pela irascibilidade dos «fnla´s», pelos insultos e xenofobias qu se atiravam á cara dos militares.~
A ameaça de ataque ao quartel era a última gota!!! Estávamos todos em alerta, prontos para nos entrincheirarmos em posições de combate. Felizmente, não houve um tiro!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Oa boatos e a exigência de armas, pela FNLA...


Cruzamento da Rua do Comércio com a Avenida de Portugal, em Carmona (anos 70)

Dia 15 de Julho de 1975, Carmona, Angola!!! A guarnição militar continua a viver momentos de muitas dúvidas. Os menos graduados - soldados, 1º.s cabos, furriéis... - pouco sabem, ou nada, do que se passa nos altos comandos. Mas a tensão leveda a cada momento que passa.
Os furriéis e alferes milicianos - eternos «passe vite» destas coisas da tropa... - são permanentemente bombardeados com perguntas: «Quando vamos embora?, o que é que se passa?, não podemos disparar»; e se eles nos atacam?».
Sabe-se já que a saída para Luanda depende apenas do COPLAD. E é isso que o comandante Almeida e Brito negoceia com a hierarquia. Soube eu anos mais tarde - da boca dele próprio e numa conversa no QG da Região Militar Centro, em Coimbra, de que que era 2º. comandante, com o comandante Pires Tavares, general, meu conterrâneo de Águeda - que, sob ameaças do Quartel General da Região Militar de Angola, qualquer decisão que tomasse seria vista à luz do RDM.
A 15 de Julho, faz hoje 35 anos, corre de novo ampliado boato no BC12: a FNLA exigia a entrega de armas - neste caso, as do arsenal do antigo aquartelamento da PIDE.
Não era boato!
Mas, muito hábil, Almeida e Brito «negociou» o interesse da guarnição e da comunidade civil. «Não se preocupem!!! Eu sei o que estamos a fazer», disse-nos o comandante, com o eu usual desafio: «Conto convosco!!!...».
E sempre contou.
Podia pensar-se disto que o poder militar tinha caído fora da cadeia hierárquica? Poder pensar, podia-se. Mas nunca foi verdade. Sempre fomos reivindicativos, pois fomos (e falo dos furriéis...), mas também sempre disciplinados, cumpridores e sacerdotes da ordem e defensores da vida.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Espancamentos e mortes, violações, saques, assaltos!!!

Vista parcial e aérea da cidade de Carmona, nos anos 70 do século XX

Os acontecimentos precipitavam-se de dia para dia, em Carmona e nos meados de Julho de1975. A cidade «engordava» com a chegada permanente de refugiados das fazendas e povoações de menor densidade populacional - algumas delas queixando-se e sofrendo represálias, depois da saída da tropa.
Eram muitos, centenas, milhares!!!..., os populares angolanos que fugiam das sanzalas e fazendas, onde se sentiam perseguidos e inseguros. E há relatos - que nunca confirmei pessoalmente... - de espancamentos e mortes, violações, saques, assaltos!!!
Poupemos as palavras de drama e tragédia, de ódios levados ao extremo, com que se viveram estes meados de Julho em Carmona - onde o BCAV. 8423 já estava reagrupado e mantinha, a custos e sacrifícios muito elevados, a neutralidade activa que terá evitado muito derramamento de sangue.
Foi notória a chegada de gente e mais gente, de todas as etnias - africanas e europeias. De dedo apontado à tropa! Principalmente os europeus, que ali tinham feito uma vida e se viam em vésperas de perder tudo o que tinham construído e nas fronteiras de um futuro inseguro! Temendo pela vida!
Aqui e ali ouviam-se relatos de vinganças físicas - as dos ex-trabalhadores das mil fazendas da café e outras lavras que tiravam deforço do (próximo ex) colono. Lá acudia a tropa! Os assaltos repetiam-se na cidade, à luz do dia.

Furriel Farinhas faleceu há 5 anos

Furriéis Farinhas e Viegas, à porta da Casa dos Furriéis (1974)

Joaquim Augusto Loio Farinhas jornadeou pelo Quitexe e Carmona como furriel milliciano sapador, do pelotão comandado pelo alferes Ribeiro. Abandonou-nos em Março de 1975, por razões disciplinares. Faleceu faz hoje cinco anos, a14 de Julho de 2005, vítima de doença - em Amarante, a sua terra natal. 
Dele recordo ser companheiro certo mas instrospecto, talvez menos expansivo e compaginado com as nossas irreverências. Dele, não tenho dúvidas que era seguramente um excelente camarada. Ao tempo, guardou segredos comportamentais que não nos deixaram ajudá-lo. Nem ele quis, quando na verdade precisaria.
Aqui fica a nossa saudade, a nossa continência, o nosso até um dia destes, neste dia de cinco anos depois da sua morte. Até um dia, Farinhas!
Ver AQUI.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Os dias incertos e perigosos de Carmona, em Julho de 1975


Avenida de Portugal, em Carmona (anos 70 do século passado)


A 13 de Julho de 1975, os combatentes da FNLA fizeram um cerco ao quartel do Negage, onde estava instalada a Companhia de Caçadores 4741. Pediam armas. No mesmo dia, a FNLA fez um comício em Carmona, no qual foram proferidas afirmações e slogans anti-portugueses. O piquete do BC12 estava sempre pronto para qualquer intervenção.
A guarnição militar da cidade estava de prevenção, embora simples. Toda ela.
«Havia que tomar uma decisão para os dias futuros. Ficar em Carmona, com o total descrédito das nossas tropas e perigosamente alvo das queixas dos ataques da FNLA, nomeadamente reivindicando os desequilíbrios de outros lugares; ou sair, antecipando o regresso a Luanda, num salvar de face e tentando evitar males futuros», lê-se no Livro da Unidade - seguramente reflectindo o clima de instabilidade, insegurança e perigos que se viviam na província do Uíge.
Uma coluna militar que transportaria material do BCAV. 8423 para Luanda, tivera de voltar para trás - impedida por combatentes da FNLA, alegando que as NT iam para território controlado pelo MPLA. As NT não tinham autorização para «forçar» o avanço na estrada, por Negage e Salazar, ao Dondo e até à capital. Pretendia-se a tudo o custo evitar o derramamento de sangue. O simples disparar de um tiro poderia suscitar mortandades inimagináveis.
Um grupo de furriéis, por estes dias, chegou à fala com o comandante Almeida e Brito - querendo saber coisas do que se passava. Mas pouco soubemos. Apenas que se negociava com o COPLAD a nossa saída para Luanda. Lembro-me de nos dizer, no bar dos oficiais do 1º. piso do comando, coisa parecida com isto: «Conto convosco...». Anos mais, tarde, em Coimbra, dir-me-ia que se chegou a pensar a avançar para Luanda, mesmo sem autorização do COPLAD.
Uma sessão no Cinema Moreno foi interrompida quando a sombra da noite escondia rostos e bocas que blasfemavam contra as NT.  
Desde 8 de Julho que toda a 3ª. CCAV. estava em Carmona. Desde o dia 1 que começara a abandonar o Quitexe. Definitivamente! Luanda andava esquecida do menos de meio milhar de militares que, no Uíge, e sentia abandonada pelo seu próprio país.
- COPLAD. Comando Operacional de Luanda.
- NT. Nossas Tropas.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O regulamento da caserna dos atiradores do Quitexe

Capitão Oliveira, alferes Cruz, Ribeiro e Garcia, furriel Viegas e 1º. cabo Louro, na sanzala do Canzenza. Ao fundo, vê-se a capela do Quitexe 

O capitão Oliveira era o nosso comandante de Companhia. Frequentou a Escola Central de Sargentos, em Águeda, e a mim e ao Neto, por daqui sermos, chamava-nos judeus. Judeus chamam à gente de Águeda. Tivemos várias impertinências ao longo da jornada de Angola, principalmente no Quitexe. Não que eu fosse belicoso e beligerante, ou indisciplinado. Não era! Mas custavam-me um bocado algumas (in)justiças. Das que sempre há numa guarnição. E, por essas ou por outras, andava apanhado de ponta!
A forma mais fácil de não ser apanhado nas curvas, era cumprir. E cumprir como deve ser, sem me deixar enredar nas malhas da lei militar e das famigeradas NEP´s. E eu assim fazia, juro que com rigor, disciplina e ordem, assim no meu jeito de «não m´apanhas, nem que te lixes...».
Um dia, recreando as NEP´s, eu e o Neto (com conhecimento do alferes Garcia) introduzimos um regulamento na caserna do PELREC, batido em papel de cera, com todos os esses e erres dos deveres militares.
Ma alguém «bufou» - havia por lá gente desta... -, como se eu e o Neto tivessemos cometido algum crime!!! E lá chegou a informação ao capitão Oliveira. Que mandou o tenente Mora demandar a história. Estaria ali um bom pé para me «saltarem» com o RDM em cima. Ora lá se via?: o PELREC com um regulamento especado na parede.
Não viu nada de especial o tenente Mora! E embora foi, levando a nova! Mas que não, que fosse «ver melhor...», assim lhe terá dito o comandante de Companhia. Mas já avisado estava eu da diligência e, de longe observando o passo acelerado do tenente Mora, pus-me em jeito.
«Malta, há por aí uns casos de indisciplina, isto não pode acontecer no PELREC...», pregava eu na caserna, alto e bom som, solene e de ar grave, atentamente ouvido pelos estupfactos companheiros do pelotão, que pouco entendiam do que se estava a passar. E, sentindo eu já o tenente Mora a escutar-me a oratória na entrada da caserna, pus-me a exaltar os valores militares, os da honra, da ordem, da disciplina, do aprumo, do atavio, da pontualidade, blá-blá-blá...,  numa exaltação de virtudes que emocionaria qualquer um.
Ouviu-me o tenente Mora, porventura espantado com os meus dotes oratórios e valores pátrios, e, contrariamente ao que eu suporia, não entrou na caserna. Lá se foi ele!!!!
Ao outro dia - o da foto... - ia a tropa em acção psicológica à sanzala do Canzenza, onde professava a filha do capitão Oliveira. Não sendo habitual ir nessas coisas, surpreendi-me que o alferes Garcia me mandasse chamar.
«Vamos ali...», disse-me ele. Ia Garcia de máquina fotográfica em punho, para a «psico», e perguntou-me pelo caminho: «Olha lá, o que é que aconteceu onem na caserna?!...». E eu ri-me!!
«Diz lá, pá!...», desafiou-me o alferes, com ar sério, mas sem conseguir disfarçar a sua cumplicidade na história.
Que não tinha acontecido nada, que tinha eu estado a falar com a malta, como era costume. Que eles queriam saber novidades do «puto», que falámos da saída à Pumbaloge e tínhamos escolhido qual soldado iria na GMC. 
"Vai-te lixar, pá!... Vai-te lixar... O tenente Mora contou tudo na messe», segredou o Garcia, com sorriso de orelha a orelha. E narrou-me a diligência ordenada pelo capitão, como acima conto. «Pois!!!...», dei-lhe eu de troco.
Já estávamos no Canzenza e fiz a devida continência ao capitão Oliveira, que tinha ido em outra viatura. «Ó furriel, você fala bem!...». Pois, ainda hoje não sou gago!
- OLIVEIRA. António Martins de Oliveira, Capitão do SGE e comandante da CCS do BCAV. 8423. Atingiu a patente de major e residia em Ovar.
- MORA. João Eloy Borges da Cunha e Mora, tenente do SGE e adjunto do comandante da CCS.
- NEP. Normas de Execução Permanente, documento regulador das Forças Armadas.
- RDM. Regulamento de Disciplina Militar.
- PUMBALOGE. Fazenda de café nos arredores do Quitexe, na estrada para Carmona.
- GMC. Viatura pesada de transporte, normalmente usada para ir a Carmona, buscar o correio. Normalmente, iam alguns militares de «boleia», para passear na cidade.
Ver AQUI.
AQUI.

sábado, 10 de julho de 2010

A parada do Quitexe

Parada do Quitexe, em 1974. Foto do 1º. cabo sapador José A. N. Louro, cedida pelo filho (1º. sargento Sérgio Louro)

A parada do Quitexe dava para tudo, até para umas boas partidas de futebol, como nesta foto se adivinha - a ver pela "farda" dos poderosos atletas e cavaleiros do norte que por ali se passeiam em calções. Talvez nalgum treino para alguma partida no pelado campo de futebol da vila - onde se disputaram rijos despiques entre militares e entre estes e os civis. 
Por ali cirandava a tropa toda: eram as casernas, os balneários, a cozinha, o refeitório, as oficinas. Vêem-se ali até as duas bombas de combustível. E este espaço arrelvado, à frente, era privilegiado para tirar umas boas fotos para as famílias e namoradas! Quantas lá se terão tirado!!!!
A parada era também, invariavelmente, o local de concentração dos grupos operacionais - quando chegavam os momentos de véspera de saída para operações, escoltas ou patrulhamentos. Por exemplo, ver AQUI. E quantas angústias aqui se sentiram, quando partíamos para o desconhecido, para as picadas de pó e mil perigos e armadilhas que se alongavam pelas matas do norte de Angola, por vezes em escoltas a alguma gente que não nos respeitava tanto que merecesse esse sacrifício e esses riscos; e para patrulhamentos e operações que nos deixavam a esperança em coma, como se adivinhássemos lutos que felizmente não aconteceram.
Desta parada, tenho várias recordações, boas e más, paridas algumas da minha irreverência anti-poder e, quiçá, também de alguma ligeireza de actos - como aquela de apresentar a Companhia ao capitão Oliveira. Ver AQUI.
E ocorre-me agora a brincadeira de pormos o PELREC em formação de ginástica - calção, camisola de abas e sapatilhas brancas, coisa nunca vista no Quitexe... - para um cross que, como «objectivo» final, tinha o de obrigar um militar a tomar banho, no balneário. Banho, coisa que el não tomaria iria para meses e disso se queixavam os companheiros de caserna.
Enfim, de uma parada, quantas coisas não se poderiam recordar. Esquecendo as más, mas sublinhando as boas!!!

A (não) sabotagem da luz eléctrica do Quitexe

Alferes Ribeiro e Garcia, tenentes Luz e Mora, no Quitexe (1974)

Milicianos e profissionais, sempre houve boa relação entre os oficiais do BCAV. 8423. A foto mostra os alferes milicianos Ribeiro (sapadores) e Garcia (PELREC, os atiradores) e os tenentes Luz e Mora na avenida principal do Quitexe - com o edifício do comando do Batalhão em fundo. Todos a olhar para uma qualquer coisa, ou alguém, que lhes interessasse.
O tenente Mora era uma figura curiosa, dada a episódios singulares. Todos recordamos, com graça e respeito, a sua exigência de palada - o convencionado cumprimento entre militares, a que eram obrigados os inferiores hierárquicos. Pois o tenente Mora, quando por qualquer lapso ou distracção não lha batiam, batia-a ele aos subalternos, como quem nos espetava um chá, a chamar a nossa atenção. E lá tínhamos nós que levantar a mão direita e fazer sentido, em palada de cortesia.
Uma noite, no Quitexe, tendo-se ele oferecido para fazer de oficial-de-dia (a que não era obrigado, mas que fazia para «poupar os nossos alferes...»), fazia eu de sargento-de-dia e juntámo-nos em longa conversa sobre espirituais hindus - de que eu não entendia nada, mas saberia ele, que era casado com uma senhora indiana. Ouvia-o o mais atentamente que podia, até que chegou a meia noite, hora em que cessava a iluminação fornecida pela administração pública e entravam em funcionamento os geradores militares - que um homem de serviço ia ligar. E era sempre assim: por fracção de segundos, não havia luz no aquartelamento.
«Sabotagem!...», gritou o tenente Mora, que não saberia desse pormenor dos geradores.
Que não era nada, disse e insisti eu. Que era assim todas as noites, qual sabotagem qual carapuça!!
Estávamos a conversar na frente da messe de oficiais e bem tinha eu visto passar o militar que ia ligar o gerador. Portanto, tudo como devia ser. Só que a habitual fracção de segundo, foi mais além uns centésimos e a luz demorou. Coisa que também não era especialmente preocupante.
«É sabotagem, Viegas... temos de tomar decisões!!!...», gritou o tenente, já a rastejar junto ao separador da avenida principal do Quitexe. Tinha visto qualquer coisa para o lado da administração civil e, pronto, o inimigo vinha dali. «Rasteje e avance!!!...», ordenou-me o tenente Mora. E eu de pé, descontraído, a dizer-lhe que não era nada.
Nesse momento, a vila e a toda a guarnição militar recuperaram a luz e lá se levantou o tenente, recuperado do susto. «Você é um homem calmo e de coragem...», disse-me o refeito tenente Mora. «Vou pôr isso no relatório...».
Não sei se pôs, mas a história de alguma maneira se fez lenda na guarnição. 
- MORA. João Eloy Borges da Cunha e Mora, tenente do SGE e adjunto do Comandante da Companhia de Comando e Serviços (CCS), dfo BCAV. 8423. 
 - Ver Tenente Luz, AQUI.
- Tenente Mora, AQUI.
- Alferes Garcia, AQUI.
- Alferes Ribeiro, AQUI.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Os Cavaleiros de Santa Isabel em Coruche

A 3ª. Companhia reunida em Coruche (clicar na imagem, para a ampliar)

A 3ª. Companhia esteve reunida em Coruche, a 5 de Junho. Já aqui falámos disso, mas é agora possível editar a foto dos bravos Cavaleiros de Santa Isabel - por gentileza do Manuel Deus. Olhem só para estes pré-sexagenários!!!
O almoço-convívio foi já o nono e, quem são eles quem são? Pois, na fila de baixo, da esquerda para a direita, são o Abílio Pinto Cunha (soldado clarim), Eurípedes Jacinto Pestana Pavanito (condutor), José Manuel Nunes Eusébio (soldado atirador), Arlindo Gonçalves Parente Novo (condutor), Manuel Ramos Deus (1º. cabo operador cripto), José Fernando da Costa Carvalho (furriel miliciano atirador), Floro Gomes Teixeira (1º. cabo auxiliar de enfermagem) e João Augusto Martins Cardoso (furriel miliciano de transmissões).
A fila do meio mostra José Maria da Costa Carrilho (1º. cabo mecânico auto-rodas), Carlos Manuel Leitão Felizardo (mecânico auto-rodas), José Paulo de Oliveira Fernandes (capitão miliciano, comandante da companhia), Manuel José Friezas (soldado auxiliar de cozinha), Manuel Pereira Francisco (soldado atirador), António Coelho Moita (soldado atirador), Carlos Almeida Silva (alferes miliciano atirador), Custódio Fernandes Guia (soldado atirador), Ângelo Simões Teixeira (soldado de transmisssões) e um "infiltrado".
Atrás, na terceira, vêem-se José de Oliveira Novo (soldado radiotelegrafista), Raúl Rosa da Graça (soldado atirador), Abílio Pimenta Gonçalves (1º. cabo operador-cripto), ????, Armando Mendes da Silva (soldado clarim) e Henrique  Ferreira Ramos (condutor).
Ver AQUI.
e AQUI.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os instruendos angolanos na carreira de tiro


Militares do (que seria em 1975) exército nacional de Angola 

Íamos aí pelos finais de Junho, princípios de Julho de 1975, e formava-se aquele que não chegaria a ser o exército de Angola. Escriturários ensinavam a escrita, enfermeiros a enfermagem, carpinteiros a carpinteirar, condutores a conduzir, mecânicos a mecanizar, atiradores a dar... tiros.
A minha rifa de miliciano de Operações Especiais - os Ranger´s!!! - levou-me a, com o Neto, assessorar o alferes Garcia nas nobres artes da ordem unida e de acertar nos alvos. Era ele o Oficial de Tiro e nós, ambos furriéis milicianos, os monitores. 
Descia-se a rampa em frente ao BC12 para a carreira de tiro instalado abaixo, no meio de um capinzal e com algumas poucas sombras de imbondeiro, preparavam-se as linhas de tiro, municiavam-se os homens e, zás, os futuros militares do exército angolano flagelavam os alvos. Isto, digo eu... pois raramente lhes acertavam e muito menos na mouche. Coisa estranha!!! A 60 metros não acertavam nos alvos?!
E lá íamos nós, de joelhos, de cócoras, deitados, a exemplificar posições de tiro e, trrrrááááá-tá-tá-tá..., rapidamente a despejar as 20 balas da cartucheira nos alvos. «Estão a ver? É assim... faz-se o ponto de mira, coronha bem apoiada e.. tiro», explicávamos nós - o Garcia, o Neto, eu!
Mais quais quê, lá acertavam uma de vez em quando!
Por razões de segurança, nunca nos aproximávamos dos homens, no momento dos disparos. As ordens de fogo eram gritadas pelo alferes Garcia e nós recuávamos das linhas, depois da inspecção aos instruendos. Olhando-os de trás, não nos passaria pela cabeça o que, afinal, se passava: os bons dos nossos homens, ao fazerem a  mira, não fechavam o olho. Apontavam a arma pelo meio da testa e, zás, fogo para a frente - razão primeira de não acertarem.
«Exemplifica aí, ó Viegas», ordenou-me o alferes Garcia.
Eu peguei na G3 de um dos homens, minuciei-a e apontei um imbondeiro. «Olhem para acolá!....». E zuniram as balas e caiu um ramo da árvore, ante o espanto geral.
«A mira tira-se assim...», disse eu, circunspecto, de nariz empinado e meio a gozar do êxito do derrame. Não expliquei mas toda a gente sabia que o imbondeiro é oco. Por isso, caiu o ramo. Mas por momentos passei por ser o melhor atirador do mundo. Mas só até que o Neto, com a sua minúcia e certeza de tiro, e só com um!!!, acertasse na mouche do alvo, a 80 metros
«Como podes, esfurrié?!! Com´és possibe?!...»,  espantavam-se os nossos irmãos angolanos, ali postos a instruentos da nossa técnica de tiro.
O alferes Garcia, a deliciar-se com a situação, passeava os óculos Ryban, verdes, por cima das carapinhas. «Temos de vir aqui muitas vezes!!! Muitas vezes, pá!....», disse ele, reportando-se aos instruendos.Voltámos algumas, mas não muitas.