segunda-feira, 12 de julho de 2010

O regulamento da caserna dos atiradores do Quitexe

Capitão Oliveira, alferes Cruz, Ribeiro e Garcia, furriel Viegas e 1º. cabo Louro, na sanzala do Canzenza. Ao fundo, vê-se a capela do Quitexe 

O capitão Oliveira era o nosso comandante de Companhia. Frequentou a Escola Central de Sargentos, em Águeda, e a mim e ao Neto, por daqui sermos, chamava-nos judeus. Judeus chamam à gente de Águeda. Tivemos várias impertinências ao longo da jornada de Angola, principalmente no Quitexe. Não que eu fosse belicoso e beligerante, ou indisciplinado. Não era! Mas custavam-me um bocado algumas (in)justiças. Das que sempre há numa guarnição. E, por essas ou por outras, andava apanhado de ponta!
A forma mais fácil de não ser apanhado nas curvas, era cumprir. E cumprir como deve ser, sem me deixar enredar nas malhas da lei militar e das famigeradas NEP´s. E eu assim fazia, juro que com rigor, disciplina e ordem, assim no meu jeito de «não m´apanhas, nem que te lixes...».
Um dia, recreando as NEP´s, eu e o Neto (com conhecimento do alferes Garcia) introduzimos um regulamento na caserna do PELREC, batido em papel de cera, com todos os esses e erres dos deveres militares.
Ma alguém «bufou» - havia por lá gente desta... -, como se eu e o Neto tivessemos cometido algum crime!!! E lá chegou a informação ao capitão Oliveira. Que mandou o tenente Mora demandar a história. Estaria ali um bom pé para me «saltarem» com o RDM em cima. Ora lá se via?: o PELREC com um regulamento especado na parede.
Não viu nada de especial o tenente Mora! E embora foi, levando a nova! Mas que não, que fosse «ver melhor...», assim lhe terá dito o comandante de Companhia. Mas já avisado estava eu da diligência e, de longe observando o passo acelerado do tenente Mora, pus-me em jeito.
«Malta, há por aí uns casos de indisciplina, isto não pode acontecer no PELREC...», pregava eu na caserna, alto e bom som, solene e de ar grave, atentamente ouvido pelos estupfactos companheiros do pelotão, que pouco entendiam do que se estava a passar. E, sentindo eu já o tenente Mora a escutar-me a oratória na entrada da caserna, pus-me a exaltar os valores militares, os da honra, da ordem, da disciplina, do aprumo, do atavio, da pontualidade, blá-blá-blá...,  numa exaltação de virtudes que emocionaria qualquer um.
Ouviu-me o tenente Mora, porventura espantado com os meus dotes oratórios e valores pátrios, e, contrariamente ao que eu suporia, não entrou na caserna. Lá se foi ele!!!!
Ao outro dia - o da foto... - ia a tropa em acção psicológica à sanzala do Canzenza, onde professava a filha do capitão Oliveira. Não sendo habitual ir nessas coisas, surpreendi-me que o alferes Garcia me mandasse chamar.
«Vamos ali...», disse-me ele. Ia Garcia de máquina fotográfica em punho, para a «psico», e perguntou-me pelo caminho: «Olha lá, o que é que aconteceu onem na caserna?!...». E eu ri-me!!
«Diz lá, pá!...», desafiou-me o alferes, com ar sério, mas sem conseguir disfarçar a sua cumplicidade na história.
Que não tinha acontecido nada, que tinha eu estado a falar com a malta, como era costume. Que eles queriam saber novidades do «puto», que falámos da saída à Pumbaloge e tínhamos escolhido qual soldado iria na GMC. 
"Vai-te lixar, pá!... Vai-te lixar... O tenente Mora contou tudo na messe», segredou o Garcia, com sorriso de orelha a orelha. E narrou-me a diligência ordenada pelo capitão, como acima conto. «Pois!!!...», dei-lhe eu de troco.
Já estávamos no Canzenza e fiz a devida continência ao capitão Oliveira, que tinha ido em outra viatura. «Ó furriel, você fala bem!...». Pois, ainda hoje não sou gago!
- OLIVEIRA. António Martins de Oliveira, Capitão do SGE e comandante da CCS do BCAV. 8423. Atingiu a patente de major e residia em Ovar.
- MORA. João Eloy Borges da Cunha e Mora, tenente do SGE e adjunto do comandante da CCS.
- NEP. Normas de Execução Permanente, documento regulador das Forças Armadas.
- RDM. Regulamento de Disciplina Militar.
- PUMBALOGE. Fazenda de café nos arredores do Quitexe, na estrada para Carmona.
- GMC. Viatura pesada de transporte, normalmente usada para ir a Carmona, buscar o correio. Normalmente, iam alguns militares de «boleia», para passear na cidade.
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