quinta-feira, 1 de julho de 2010

A história do Buraquinho na primeira pessoa

Alfredo Coelho, o Buraquinho, em pose de combate, frente à enfermaria do
Quitexe, em 1974. Ao fundo, vê-se a messe de sargentos (edifício com varandim)


O 1º. cabo Alfredo Coelho, o Buraquinho, vem aqui contar a versão (actualizada) do que nos estoriou no Encontro de Ferreira do Zêzere.
Assim: 

Eu não disse que fui 3 vezes preso. Única e simplesmente disse que apanhei 10 dias de prisão disciplinar, pela CCS do Batalhão de Cavalaria 8423, tendo o Comando de Sector (Carmona) aumentado a punição de 10 para 20 dias de prisão disciplinar agravada, o que deu origem à minha despromoção. Entretanto, na ZMN (Zona Militar do Norte) agravou de 20 para 30 dias de prisão disciplinar agravada. Não havia mais Sectores, senão ainda agravaria mais.
Talvez seja essa a confusão gerada.
Com respeito a ter fugido de avião, foi no dia 23 de Junho de 1974, num domingo, da Base Aérea nº. 3, do Negage, estando eu acompanhado pelo 1º. cabo enfermeiro José Gomes e o maqueiro Joaquim Moreira (Penafiel). Disse-lhes para se irem embora para o Quitexe, que eu já não voltava para lá, porque tinha outras coisas em vista. E eles ficaram preocupados comigo. Meti-me num avião Noratlas, conhecido por Barriga de Jinguba, e fui parar à Base Aérea nº. 9, de Luanda. E nunca mais me esqueço desse dia, porque foi pelo S. João e quando sobrevoava Luanda vi as fogueiras como tradição portuguesa.
Quando saí do avião, eram aproximadamente 23 horas e fiquei à deriva no aeroporto. Olhei para um avião dos TAM - um Boeing 727 que ia com militares para Lisboa - e entrei nele com ideias de fugir para Portugal. Porém, no momento em que foram retiradas as escadas, eu dei um berro para o cabo da Força Aérea, pois tinha de me ir embora, porque não pertencia a este avião, e, então, atirei-me da porta do avião para a pista. Quando cheguei ao meio da pista, o avião já ia no ar e as lágrimas correram-me pela cara abaixo, arrependido por não ter seguido viagem, conforme os velhinhos que iam no avião me diziam: “Deixa-te ir, que depois de estares em Portugal ninguém te procura!...”.
Ao fundo da pista, vi uns pirilampos que seriam de uma ambulância, aproximei-me e perguntei ao condutor para onde iam. Iam para o Hospital Militar de Luanda (HML). Eu disse: “Sou do serviço de saúde, vou-vos acompanhar”.
Ao chegar aos serviços de urgências encontrei-me com os colegas furriéis do meu curso de enfermagem e de analistas que estavam de serviço nas urgências, contei-lhes o que se passou e pedi-lhes apoio. Deram-me de comer e dormir e no dia seguinte fui tratar da minha situação na secretaria do HML, dizendo que tinha vindo  trazer um militar gravemente ferido do Negage a Luanda aos serviços de urgências, e queria que me dessem um documento para comprovar a minha presença ali e me enviassem para o Quitexe. Mandaram-me para o Quartel dos Adidos, para depois me transportarem para o Quitexe. Durante o tempo em que estive nos Adidos, à espera de transporte, fui dado como desaparecido da CCS durante 5 dias.
Quando cheguei à Companhia, fui direito para o meu quarto e só queria dormir. O médico dr.Leal, ao ter conhecimento da minha chegada, disse-me para no dia seguinte ir ter com ele, com o furriel enfermeiro Lopes, para me apresentar na secretaria do comando. Aqui, o tenente Luz disse-me que, pelo menos, ia apanhar 90 dias de prisão, mas eu disse-lhe que tinha um documento do HML e eles ficaram admirados.
Ao entregar esse documento, o tenente Luz disse que eu fui bastante desenrascado e, então, fizeram-me uma proposta, para eu ir explorar a sala do soldado, uma vez que era desenrascado, e eu então fui.
Aí ganhei quanto quis e nunca faltou cerveja e tabaco aos enfermeiros, enquanto lá estive. O sargento Luzia disse que nunca teve um militar a dar tanto lucro num bar como eu, tanto em Angola como em Moçambique das duas comissões que fez.
ALFREDO COELHO
(BURAQUINHO)

2 comentários:

Deus disse...

Pelos vistos a CCS não tratava bem o pessoal!
O Fur. amanuense, pirou-se e não pensou mais no assunto. O "buraquinho" pirou-se e pensou melhor, porque tinha um buraquinho ao fundo das costas...
Espero que o "buraquinho" não leve a mal este comentário em tom de brincadeira!
Do pouco tempo que passei com a CCS no Quitexe, não tenho grandes recordações, no entanto, lembro-me do buraquinho que não conseguia passar despercebido.
Por curiosidade: qual a origem da alcunha "buraquinho"?

Alfredo Coelho (Buraquinho) disse...

A origem da alcunha de "BURAQUINHO" veio quando eu estava em Tavira no C.I.S.M.I.( Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria ) quando eu estava na instrução nocturna. Um dos soldados instruendo que me acompanhava, perguntou-me se eu tinha verificado bem a carta topográfica e se tinha tirado o azimute, e eu respondi-lhe que sim. Então ele respondeu, olha que isto vai dar buraco, e nunca mais vamos sair da serra para fora para chegarmos ao quartel a tempo, e então eu disse-lhes, tende calma que eu vou arranjar uma solução ( …e o instruendo já nervoso e a chorar, porque era um copinho de leite, e ficava com o fim-de-semana cortado caso nós chegássemos para alem do tempo marcado…). Então mais uma vez peguei na carta topográfica e na bússola, e com as coordenadas tirei o azimute em que por casualidade deu-me um bom ponto de referência, e eu disse-lhes, pronto rapazes; já estamos safos, encontrei um buraquinho para sairmos da serra, e vamos chegar a tempo ao quartel. Quando estávamos a formar batalhão em Santa Margarida, eu estava acompanhado com os elementos do serviço de saúde, quando apareceu um Cabo Miliciano que era do meu curso em Tavira e me diz: Ó!! !!! Alfredo , por aqui? Foste tu que nos valeste quando estivemos em Tavira e disseste “encontrei um BURAQUINHO “ . Os elementos de serviço de saúde da nossa companhia que me acompanhavam naquele momento acharam piada e começaram a rir, e puseram-me a alcunha de buraquinho. Foi assim a história da alcunha de “BURAQUINHO “. Como poderão verificar nada tem a ver com o meu nome; Eu sou : Alfredo Rodrigo Ferreira Coelho . Mas enfim ! a vida é mesmo assim.