quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O discreto Grácio que vendia bebidas no depósito de géneros...

O Moreira e o Grácio, com a esposa, no Encontro de Águeda.
Clicar na foto, para a ampliar

Aqui está o Grácio, glorioso sapador de infantaria, que de Leiria - de uma terra chamada Amor, vejam lá!... - vou para o Quitexe, para uma missão que lhe estenderam ao depósito de géneros. Era lá que ele, sempre bonacheirão, cumpridor e sempre disponível, «aviava» as bebidas que o RDM permitia à tropa e a «gulodice» de outras patentes, mais altas, ia deixando passar.
O Grácio era boa gente! E é! Ainda agora, pelo telefone, me lembrou alguns exageros da malta furrielística, avidamente sedenta de mais avios e de alguns abusos. Se estes fossem possíveis! «Era eu que vos fornecia as bebidas...», lembrou-me o Grácio, como se eu não soubesse e adivinhando-lhe um sorriso do outro lado do telefone! E lá esteve ele, sempre discreto e presente, no Encontro de Águeda, acompanhado da sua (dele) «mais que tudo!», não sei se namorada daquele tempo!
A uma qualquer altura, cumprindo ordens - como bom militar que era... - negou vender bebidas à furrielada. Não podia, tinha ordens! Aqui d´el-rei, que «não podia ser...», gritava-lhe o Machado. «Veja lá no que se mete...», avisava-o o Neto. «Ainda levas uma porrada...», azucrinava-lhe o Mosteias - que era furriel sapador, a disfarçar o riso. Até o Pires (o do Montijo), também furriel sapador, meteu colherada na querela: «Ainda te f..., ó Grácio!».
O Grácio, e muito bem, manteve a ordem recebida - ordens são ordens... - e foram os furriéis em demanda dos mais patenteados, que lá libertaram a ordem de venda. Francamente, não tenho a certeza se uma velhíssima Monks, em garrafa de cerâmica e que ainda tenho ali no bar, não foi uma das que, nessa altura foram vendidas pelo Grácio no depósito de géneros e saíram dessa «escala negocial» de outras patentes! O certo, certíssimo, é que o Grácio, o discreto Grácio, o disciplinado sapador Grácio, não foi em cantigas e, sem hesitar, cumpriu o seu dever de honra. Assim eram os bons militares e se formam os homens grandes!
- GRÁCIO: Fernando Martinho Grácio, 1º. cabo sapador. Natural e residente em Amor (Leiria).

terça-feira, 29 de setembro de 2009

A rapaziada da enfermaria militar do Quitexe...

Alfredo Coelho, Neves e Moreira, companheiros da
enfermaria militar do Quitexe. Clicar para ampliar a foto
O Encontro de Águeda foi de saudades, muitas saudades - e quantas por lá se mataram, entre abraços e recordações já trintonas!!! - e de lembranças fotográficas. Que bem sabe, recordar quando a nossa juventude andava grávida de sonhos e nada era obstáculo para que galgássemos os caminhos da nossa vida! Aqui estão, na zona da piscina da Estalagem da Pateira, o inimitável Buraquinho, o tranquilo Neves e o bem-disposto Moreira, que pelo Quitexe montaram «banca» na enfermaria e por lá ajudaram a sarar moléstias africanas e a esquecer dores físicas. E foram companheiros da grande jornada solidária que os Cavaleiros do Quitexe tão bem souberam exercer, entre os espinhos da missão militar.
Aqui, na zona da piscina, mostram e olham fotos de há 34 e 35 anos, quando semeavam sonhos e colhiam saudades, riscando os dias no calendário, «até ao nosso regresso!...». Menos um, menos um, já só faltam tantos... E olham também os menores volumes da barriga, o cinto que tinha menos furos, o cabelo que era mais vasto!!! Olham a Angola de 1974 e 1975!!!
- BURAQUINHO. Alfredor Rodrigo Ferreira Coelho, 1º. cabo de análise e depuração de águas. Empresário do sector de restauração, natural e residente em Custóias (Matosinhos).
- NEVES. Albertino Ferreira das Neves, soldado maqueiro, residente em S. Cosme (Gondomar).
- MOREIRA. Joaquim Ribeiro Moreira, soldado maqueiro, de Rãs (Penafiel).

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O furriel Lopes, enfermeiro de corpos e de almas...

O clã do furriel enfermeiro Lopes (à direita) no Encontro da Pateira de
Fermentelos. Clicar na foto, para a ampliar


O Lopes era enfermeiro, furriel enfermeiro de corpos e de almas. Andasse por ali alguém com a neura, a morrer de saudades, estressado (como agora se diria...) e logo apareceria o Lopes, a «nadar» no mar da sua permanente tranquilidade, com uma palavra de alento e ajuda e uma «injecção» de calma - ora não fosse ele alentejano.
O Lopes «passeava-se» pelo Quitexe quase sempre de farda nº. 2, sempre impecável, sempre bem vincada e sem catingas a entranhar-lhe os cheiros, pendurado no cigarro que lhe adormecia o vício, sempre ao fim de mais um dia de enfermaria. Aqui, na enfermaria, era onde zelava, muito cioso e sem uma falha, pela saúde dos cavaleiros que lá se lhe iam queixar de paludismos e moscas tsé-tsé, ou de alguma ressaca de um qualquer abuso gastronómico que metesse cucas, nocais ou n´golas a mais. Ou cachaça de cana, brandy Vital ou algum wisky bebericado nos abusos das noitadas das casernas.
O Lopes, sempre paciente como Jó e diligente, todos atendia com um sorriso quase adolescente, passando algodões e mercúrios pelas feridas do corpo e as ansiedades da alma dos quitexanos da CCS do BCAV. 8423. Ou então, sem tremuras, espetando a agulha de algum anestesiante das dores físicas.
Era (é!!!...) um tipo fixe, daqueles que apetece gravar de vez na memória - para cuidarmos não esquecer da gente boa da nossa vida. Nunca se lhe ouviu uma explosão de nervos ou inquietudes. Tudo e todos olhava e media com calma que às vezes enervava! Bom tipo, pá!!! Bom tipo este Lopes que é Cavaleiro do Quitexe e a quem, por maldade, por vezes chamávamos Seringas! Nunca aquela boa alma se aborreceu com a graça! Nunca por isso perdeu o sorriso adolescente com que excomungava as nossas almas e desarmava as nossas irreverências!
- LOPES. António Maria Verdelho da Silva Lopes,
furriel enfermeiro. Natural e residente em Vendas Novas,
cidade onde é tesoureiro das Finanças.

domingo, 27 de setembro de 2009

O Dias vagomestre e o filme perdido do aeroporto de Lisboa

Dias (furriel), Serra condutor e Silva rádio-montador, Cavaleiros do Quitexe
no Encontro de Águeda (foto António B. Reis - 933 330 333)

Olhem aqui o furriel de alimentação, o vagomestre - o Dias, sorridente e feliz, na sua gravata vermelha e a lembrar-se, certamente, das contas e cifrões que lhe deram cabo da cabeça no Quitexe, onde fazia ementas que tinham de evitar algum levantamento de rancho.
Um dia, de «castigo», o bom do comandante da CCS pôs-me de fiscal à cozinha dos praças. Eu não era lá muito querido dele e como grassava algum descontentamento entre a malta, por causa da qualidade do «rancho, ora aí estava uma boa ocasião para me «pegar»: a tropa levantava problemas e eu tinha de responder por eles. Não respondia, oru respondia menos bem..., e, pumba, RDM em cima de mim. Ainda hoje julgo que foi para isso que o capitão me pôs em tais funções! Para as quais, de resto, não tinha a menor habilitação.
Assumindo o lugar e por dever de lealdade e camaradagem, falei com o Dias, por causa das «moscas», ou das bocas que sempre se ouviram na tropa, sobre essas questões do rancho geral: «Eh pá, vê lá como é isso...», comentei com ele. «O capitão está a querer trilhar-me, vê lá se tens por aí algum rabo de palha...».
Que não me preocupasse, disse-me o Dias, com aquela tranquilidade bonacheirona que o caracterizava, a tranquilidade dos deuses: «Isto é feito aqui como mandam as regras!...».
Também era essa a minha convição, se haveria marosca seria entre as ementas que ele zelosa e cuidadosamente preparava e os géneros que chegavam à cozinha, pelo que toca a mandar... cozinhar. Abreviando a história, o meu cargo de fiscal não durou muitos dias pois, ao máximo que pude, não abdiquei do tal RDM com que sempre éramos ameaçados pelo capitão e este, por via das dúvidas - e muitas havia!!!... - e porque o meu zelo o preocupou (julgo eu), exonerou-me do dispensável e desconfortável cargo.
Mas vem aqui o Dias, não só para falar do seu rigor e competência no delicado lugar que exercia, mas também para fazer memória da cultura que semeava com o seu falar tranquilo, ou mesmo quando gargalhava nalgum momento mais divertido, nas intermináveis sabatinas do bar de sargentos. Bom companheiro, tenho para ele a dívida de perder o filme da nossa chegada ao aeroporto de Lisboa, a 8 de Setembro de 1975. Desapareceu, pelas obras aqui de casa. Foi um desgosto para mim. E muito mais para ele! Nunca me desculparei!
Um grande abraço, Dias!
- DIAS. Francisco José Brogeira Dias, furriel miliciano de alimentação. Bancário, é natural e residente no Porto.
- SERRA. Delfim de Sousa Serra, soldado condutor, de Gondomar.
- SILVA. António Jesus Pereira da Silva, soldado rádio-montador. Natural e residente em Vila Nova de Gaia.

sábado, 26 de setembro de 2009

O barbeiro às rajadas e os condutores sem medos..

Aurélio (o Barbeiro) e os condutores Vicente, Gomes e Serra. Mais atrás, reconhecem-se,
da esquerda para a direita, o Machado (de gravata), o Madaleno, o Ribeiro (de costas, de verde),
o Calçada (barbas) e o Viegas (atrás do Serra). Clicar na foto para a ampliar.

O Aurélio, aqui do lado esquerdo, era atirador de cavalaria mas «atirava-se» também aos cabelos da malta, como gato a marmelada: aparava, cortava, mondava a penugem das orelhas e, de repente, era uma rajada de pente e tesoura. Modo semântico de dizer, uma carecada!... Era o barbeiro da CCS e bom praça, sempre de gargalhada na ponta da beiça!

O Vicente, o Gomes e o Serra eram condutores e não falhavam uma curva, com o volante dos «burros de mato» na mão. Ou berliet que fosse!! Cada curva, convém lembrar, era um perigo a espreitar e os condutores-auto um alvo fácil de abater. Louve-se a coragem de todos eles, estes aqui na foto e todos os outros.

Falei de curvas, mas posso lembrar as rectas e as picadas turtuosas e poeirentas, os lamaçais e buracos que atrasavam a marcha de qualquer coluna, os pisos por onde não passou Cristo e amarguravam as angústias dos militares, as subidas íngremes de troços onde à pedrada podíamos ser emboscados e mortos, os percursos de meter medo a Deus e ao diabo! Foi toda a gente gente brava e sem medos!

Nem uma vez alguém hesitou a arrancar da parada do quartel, quantas vezes comendo o pó das madrugadas e o frio que cacimbava as nossas saídas para escoltas, patrulhamentos ou operações. A arma era o volante e não tinham granada no cinturão com que se pudessem defender. Missões arriscadas, as dos condutores! Gente de coragem!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Cavaleiros quitexanos no Encontro de Águeda

Neto, Mosteias e Morais, cavaleiros (furriéis) do Quitexe, no Encontro de Águeda


Cheguei eu à Estalagem da Pateira, que em linha recta não está a mais de dois quilómetros de minha casa, bem dentro da hora... - uma meia hora mais cedo e sossegadinho da silva... - e dou lá já com vários cavaleiros, em cavaqueira divertida, aos tiros nas saudades!!
«Nã teeeens vergôôônha?...», recalcitrou-se, a rir de boca rasgada de gozo pela boca que me «insultou», o bom do Morais, furriel mecânico-auto, por quem e por tudo, o mundo seria sempre melhor. E, na verdade, era de corar de vergonha... eu ali a morar de lado, a um pulinho, e o Morais que madrugara bem cedo, arrancando de Elvas às 6,30 horas da manhã, já ali estava, depois de «cavalgar» quilómetros atrás de quilómetros!
E o Mosteias a rir-se de gozo..., ele que não «cavalgara» muito menos, saído lá para as oito, desde Vila Nova de Santo André e de uma directa do trabalho para a felicidade de fazer o «enterro» às saudades que nos separaram anos.
Estavam mais alguns, mas eu nem os vi. Quero dizer, vi e abracei, mas a empatia estava mais virada para alguns dos que mais íntimos foram nas terras do Quitexe! Eu, quando os vi, carregava o equipamento para retrospectar o power point e quase o larguei no chão, empurrando o Pires (o de Bragança) e quase tropeçando nas escadas. E vi o Rocha!!
«Olhó Rocha, ó Pires...», gritei eu, já transpirado das primeiras emoções e depois parado a contemplar aqueles dois furriéis das transmissões, ali agarrados como namorados saudosos.
Foram estes os primeiros momentos do Encontro de Águeda. Que se sucederam, sucederam, sucederam... de cada vez que chegava mais um Cavaleiro que andou de armas pelo Quitexe e Carmona!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Tenente Luz da Secretaria do Comando do Quitexe


O capitão Luz e esposa, no Encontro dos Cavaleiros do Norte, os do Quitexe. Em cima, a
fatiar o bolo do Encontro de Águeda. Clicar nas fotos, para as ampliar

O tenente Luz, agora capitão, é, do alto dos seus lonvejos 80 anos, o menos jovem de nós. Pelo bilhete de identidade, bem entendido. Quanto ao resto... - juventude, boa disposição, alegria, serenidade, companheirismo, saber-estar... por aí adiante!... - é tão ou mais novo que nós, rapazes agora quase sexagenários!
Era o responsável pela secretaria do comando do Batalhão de Cavalaria 8423 e dele não se conhece alguém que lhe aponte um dedo. Todos gostavam do tenente Luz. Todos!!! O que, em ambiente militar e nos turbulentos tempos revolucionários de 1974 e 1975, é um milagre!

O tenente Luz falou no Encontro de Águeda: de palavras serenas, pausadas, em oratória simples e forte. Lembrou as suas emoções pessoais: era a sua terceira comissão e foi a última. «Foi o batalhão de que mais gostei, sei lá... Era um grande grupo, de muita camaradagem e grande solidariedade», disse o tenente Luz, que agora é capitão.
Lembrou nomes que nos são queridos: o comandante Almeida e Brito, que a morte levou a 20 de Junho de 2003; o alferes Garcia! Falou dos caminhos de disciplina e camaradagem que se viveram no batalhão e que hoje, quase sexagenários, todos nós reconhecemos que foram o nosso escudo invisível, protector e anjo da guarda dos momentos mais dramáticos.
O capitão Luz era o mais graduado de todos nós no Encontro de Águeda. E sabemos que é o oficial vivo de mais alta patente daquele que foi o BCAV. 8423! Eu, querendo ser simpático, bati-lhe continência: «O sr. capitão Luz dá-me licença que convide a senhora sua esposa, hoje a nossa primeira dama, para fatir o bolo da festa?!..».
O capitão Luz sorriu-se, pegou no braço da mulher da sua vida e acompanhou-a à mesa do bolo dos Cavaleiros do Norte, os do Quitexe, que se encontraram em Águeda. Eu acho que foi um momento bonito, cheio de afecto, emotivo!!! As palmas do povo cavaleiro e das amazonas que o acompanhavam, sublinharam esse instante quase romanesco!
- LUZ. Acácio Carreira da Luz, tenente do QSGE, chefe da secretaria do Comando do BCAV. 8423, no Quitexe. É capitão e reside na Marinha Grande.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O 1º. cabo Pais que agora é o Toné de Viseu

António Pais, C. Viegas e Emanuel Santos, num restaurante do Quitexe, em 1974

Pais, o rádio-montador do Quitexe, com a mulher, no Encontro de Águeda, em 2009

O Pais era 1º. cabo rádio-montador, originário de Viseu e senhor da sua boa e grande graça. Por ser de uma aldeia chamada Travassós de Cima e aqui ao lado da minha haver uma outra chamada Travassô, se calhar por isso..., sempre nos sentimos próximos e cúmplices.
A malta era toda nova e dada, acamaradava por tudo e por nada, em ambiente que é sempre bom recordar. E com saudade! Nomeadamente para umas idas aos bares da vila, para umas cervejas amariscadas (saboreava-se por lá bom camarão..) ou para alguma janta, que invariavelmente metia um bom bife com ovo a cavalo e cerveja bem fresquinha - às vezes vinho, este muito excepcionalmente (que ficava pesado à carteira...).
Não vem aqui o Pais por isso. Ou sequer pelas lisonjas que soprou para cima de mim, e repetiu, no Encontro de Águeda. Mas principalmente por aquele coração enorme que se abriu, quase chorou e se soltou de emoção quando falou da evacuação da família do alferes Cruz (ver AQUI) e foi também memória das coisas bonitas que todos vivemos por Quitexe e Carmona. Sempre em ambiente de grande camaradagem e cumplicidade, mesmo com afecto, como quem guarda no regaço as melhores coisas que tem! Sempre com responsabilidade e, deixem-me dizer, também com estoicismo e bravura.
Recordo aqui as palavras molhadas de emoção, e persistentes, do Pais, no Encontro de Águeda: «Fomos sempre amigos de todos, camaradas, companheiros e amigos!...». Fomos, sim senhor, ó Toné, que «em Viseu toda a gente sabe quem é...».
- PAIS: António Correia Lourenço Pais, 1º. cabo rádio-montador, nº. 16347773natural e residente em Travassós de Cima (Viseu). É empresário do sector eléctrico e popularmente conhecido por Toné.
- SANTOS. Emanuel Miranda dos Santos, 1º. cabo escriturário, natural da Gafanha (Ílhavo) e residente nos Estados Unidos.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Deram-me sardinha assada e arroz branco...

Albino Capela e senhora, no Encontro de Águeda (2009)

Albino Capela missionou pelo Quitexe e outras terras do Uíge, em apostolado que não tinha a ver com tropa. Mas foi um dos nossos. A missão católica, ali mesmo ao lado da capela, foi palco de muitas sabatinas - sem preconceitos e limitações, lá se falando de cultura, de fé, de desporto e de política, de tropa até e dos diversos sonhos que entusiasmavam jovens da nossa idade.
«Sempre tive as portas abertas a todos, sem constrangimentos, era amigo dos militares e os militares eram meus amigos...», lembrou ele no Encontro de Águeda, depois de falar da nossa gente e da gente nativa, que ele ensinava nos caminhos da fé, com o entusiasmo jovem de quem se dá em partilha com os outros.
Albino Capela era o padre do Quitexe, onde ficou quando de lá saímos, em Fevereiro de 1975. Juntou-se-nos em Carmona, quando os incidentes da vila quitexana precipitaram a insegurança e a fuga. E, depois, não quis integrar a coluna militar que deixou Carmona para Luanda. «Tenho de fixar com a minha gente...», disse ele ao comandante Almeida e Brito, que insistia no seu (dele) abandono da cidade, integrando-se na (que seria) epopeica coluna militar para Luanda. Que tinha mais de 700 viaturas! E ficou.
No Encontro de Águeda, lembrou as 4,30 horas da manhã de 4 de Agosto de 1975: «Fui ver-vos partir...». Assim disse e parou as palavras, como que engolindo um ai de dor e amargura. Uma semana depois, em Agosto de 1975 e apressadamente, teve de ganhar boleia num avião para Luanda, para sair do inferno de Carmona.
Albino Capela, no altar das suas emoções do Encontro de Águeda, lembrou, de emoção puxada à voz e palavras pausadas, a fome que lhe matou o BCAV. 8423, quando fugiu do Quitexe e chegou a Carmona, com a irmã e outra gente: «Deram-nos sardinha assada e arroz branco! Nunca mais vou esquecer!...».
Adivinhava-se um ápice compulsivo no falar de Albino Capela, se calhar com alguma lágrima a escorrer-lhe a face. «Nunca mais vou esquecer, deram-nos sardinha assada com arroz branco!...».
- CAPELA. António Albino Vieira Martins Capela, sacerdote católico e padre do Quitexe. Actualmente, é professor e reside em Barcelos.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O 1º. cabo Buraquinho, analista e depurador de águas

Miguel, Moreira e Alfredo Coelho (Buraquinho), gente boa do Quitexe militar de 1974/75.
Ao findo, vê-se o Fernando Grácio


Peço licença para aqui falar do Buraquinho. Apresento-o: Alfredo Rodrigo Ferreira Coelho, 1º. cabo nº. 012198/73! 1º. Cabo de Análise e Depuração de Águas, como ele sempre gosta de enfatizar. E uma declaração de interesses: o Buraquinho foi o único homem, em toda a minha vida, que sofreu consequências de uma acção disciplinar minha. E foi despromovido, de 1º. cabo a soldado. Estranhamente, talvez, sempre tivemos boas relações. De então, até hoje.
O Buraquinho botou palavra no Encontro de Águeda, espalhafatoso como sempre, de palavra solta e desbragada, teatral, emocionado e catapultador de emoções, impulsivo, altissonante, explosivo.
Contou ele o que pensou e sentiu na dramática madrugada do primeiro domingo de Junho de 1975, em Carmona. Seguramente o mais grave, o mais perigoso, o de mais histórias a fazer as memórias dos Cavaleiros do Norte!
Que se encolheu, que se riu, que se deixou amedrontar e gritou, que se sentiu herói e D. Quixote, que limpou o suor da testa com as costas das mãos, que puxou o bolso das calças e não achou lenço, que lhe tremeram as pernas de medo e sentiu um frio na barriga, nos braços e no rosto; que pegou numa arma e, quando as balas silvaram na manhã de Carmona, atirou-se para debaixo dos bancos da Berliet.
Falou da mulher angolana que lhe conquistou o coração e lhe deu dois filhos, que ali o ouviam de bocas rasgadas de sorrisos!
E falou de mim, «o meu amigo Viegas, que me passou de cabo a soldado, 1º. cabo de análise e depuração de águas». «É esta a minha especialidade, ouçam lá...», sempre ele faz questão de enfatizar.
Eu, que me conheço e conheço o Buraquinho, também não evitei um sorriso largo. E outro... A oratória do 1º. cabo de análise e depuração de água nunca mais parava, sempre extravagante nos gestos e nas palavras! Só parou quando, como quase sem querer, me passou o microfone para a mão.
Rematei eu: «Vou explicar porque é que o Buraquinho gosta assim tanto de mim. É que a mulher tem o meu apelido!...». Riram-se os Cavaleiros do Norte, misturando os aplausos com mais uns tragos dos vinhos Bairrada que se deixaram degustar nos prazeres da tarde de 12 de Setembro de 2009!
Depois disso, já o Buraquinho me emailou - envergonhando-me de elogios. Não há pai para ele!

domingo, 20 de setembro de 2009

As emoções, as paixões e a fé do Monteiro...

Monteiro e esposa Fernanda no Encontro dos Cavaleiros do Norte em Águeda


O Monteiro é do Marco e passou as «passas de Lamego» no segundo turno de instrução dos Ranger´s de 1973. Ele e, com muitos outros, também eu e o Neto. E o alferes Garcia - comandante do PELREC que integrávamos no Quitexe.
O trio «furrielístico», ainda com o vermelho de cabos milicianos no ombro, galgou os campos de Santa Margarida, por onde tivemos o IAO do BCAV 8423. Desse tempo, recordo a nossa apresentação no RC4, em antevéspera do Natal de 1973, quando logo nos quiseram pôr de serviço É o punhas!. «De serviço? Nós?!... Nem pensar, o nosso castigo já é estarmos mobilizados...», gritou o Neto, fazendo vibrar a sua rebeldia. E nós fizemos coro!

«Nós vamos é passar o Natal a casa!!!...». E (des)enfiámo-nos os três, no SIMCA 1100 do Neto, «marchando» para Águeda, sem olhar para trás. Cá chegámos, mas a destempo do autocarro, eram já perto das nove horas da noite, e o Monteiro teve de apanhar boleia para o Porto, onde um irmão o iria buscar. Telefonámos do café Parreirinha e o sargento dia do RC4 ainda lá deve estar à nossa espera!

A vida, ainda em Santa Margarida e depois em Angola, de alguma maneira «desfez» o trio - que ficou mais duo, o Neto e eu ... - com o Monteiro de G3 mais instalada na secretaria e as nossas a viajarem mais pelas picadas e matas do Uíge. Do Quitexe, entre outras histórias, recordou-me agora uma monumental enfrascadela (dele, digo eu...) de brandy Macieira, num dia (noite) em que eu estava de serviço. Não me lembro!!!

O Monteiro falou no Encontro de Águeda: da graça de ser Cavaleiro do Norte e do Deus que nos acompanhou, da fé que alimentou almas e das aventuras a que, na verdejante idade desse tempo, sempre nos arriscávamos, sem cuidar algumas vezes de perigos. Da amizade que galgou 34 anos, das emoções e perigos dos dias mais graves e da honra de termos servido Portugal. Assim é que é falar!

Não disse ele, mas lembro eu as intermináveis gravações de cassetes, enviadas com recados e muitas juras de amor para a sua Nani! E lá estava ela, no Encontro de Águeda: «Era e é o meu amor, o meu amor de sempre, está mais linda que nunca!...». Vaidoso, o Monteiro! E lá tem as suas razões!

- RC4. Regimento de Cavalaria 4, em Santa Margarida. A unidade de mobilização do BCAV. 8423.

- IAO. Instrução Altamente Operacional, período de preparação militar que antecedia a partida para os cenários de guerra.

- MONTEIRO. José Augusto Guedes Monteiro, furriel miliciano de operações Especiais (Ranger´s). Aposentado dos Transportes Colectivos do Porto e empresário. Natural de Vila Boa de Quires (Marco de Canaveses) e residente em Paredes (Porto).

- NANI. Fernanda Queirós, professora primária, a namorada de então e hoje esposa de JAG Monteiro.

sábado, 19 de setembro de 2009

O Pires e o Caixarias fizeram anos de casados no Encontro dos Cavaleiros do Norte


Pires, com Licínia, a sua mulher de sempre, no Encontro de Águeda, no dia em que faziam 33 anos de casados!!! Houve beijos na boca!!! À esquerda, vê-s eo Monteiro (Gasolinas) e à direira, Ni e Nani, esposas de Neto e Monteiro (furriéis), na foto de cima. Na de baixo, Raúl Caxarias e mulher!



O Pires - o Pires de Bragança... - era dos mais sossegados de todos nós, os Cavaleiros do Quitexe! Furriel de transmissões, transmontano, fazia o seu dia-a-dia na tranquilidade do aquartelamento, a ouvir-nos contar histórias atrás de histórias, sempre que voltávamos de algum patrulhamento, de alguma escolta ou de alguma operação militar. Que narrávamos aos aquartelados do Quitexe sempre de forma épica, empolgada e intencionalmente exagerada!
O Pires, a páginas tantas, andava mortinho por ir numa operação, fosse ela qual fosse! A todo o custo queria ir conhecer os cheiros da mata e o pó das picadas. Foi a 4 de Novembro de 1974, como AQUI se conta. Mas o Pires, o de Bragança, vem aqui por outra razão. Razão de amor! É que ele, a 12 de Setembro de 2009, dia do Encontro de Águeda, fazia 33 anos de casado!!
Então eu, que nestas coisas sou meio travesso, puxei do microfone e das palavras mais açucaradas que soube e, frase ante frase, fui lembrando as paixões que a tropa gerou, os amores que multiplicou, que... ludibriou, blá-blá-blá!... Mesmo a jeito, estava ali ao lado o Buraquinho que, lembrei eu, se tinha deixado conquistar de amores em Angola e por lá casou. Falando de amores, envergonhei o Pires! Pois... é que «hoje faz 33 anos de casado!!!».
O Pires ficou meio engasgado, envergonhado, atrapalhado, mas não de livrou do beijo de boda! Na boca, pois... diante das palmas e gritos da cavalaria! E como o primeiro não agradou, bota o segundo!! E o terceiro!!!
Não foi só o Pires! O Raúl Caixarias, bravo atirador de cavalaria, também estava em vésperas de festejar anos de casamento, a 19 de Setembro (hoje). Pois levante-se lá o Raúl e a sua amada, para trejurar amores e fazer o boca-a-boca destes momentos!!! E assim foi, com palmas e os incentivos adequados ao dia! Não digo quais!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O Neto falou dele e por todos nós...

Neto e Pires (de Bragança) no Encontro dos Cavaleiros do Quitexe.
Clicar na foto, para ampliar


O Neto não é de floreados nas palavras, mas é de acção e emoções fortes e sentidas. Vibrantes e empolgadas! Furriel miliciano de Operações Especiais (os Ranger´s), foi meu companheiro de Junho de 1973 a Setembro de 1975, de Lamego a Luanda, passando por Quitexe e Carmona. Já fôra meu compincha na escola e é-o ainda na vida de hoje, em Águeda - de onde somos!
Alguém aqui já nos chamou furriéis-gémeos e isso fomos, desde o tempo que nos preparou para Angola, por Lamego e Santa Margarida. E nos sacramentou nos dias mais duros e aflitos do Quitexe e Carmona, por onde africanizámos a alma.

O Neto interveio no Encontro dos Cavaleiros do Norte, os da CCS do Quitexe, e falou das suas dores mais recentes, deixando-se emocionar pelos momentos deste ano que lhe enlutaram a alma e a vida pessoal. Olhava-o a mulher, a Ni - já seu amor desde esses tempos..., concentrada de ansiedade, roendo o dedo indicador, com a alma a abrir-se às emoções que engravidaram a tarde quitexana da pateira. «O que vais dizer, Xico?!...», calculo eu que ela se tenha interrogado.

E disse o Neto que, nestes seus momentos de dor, se sentiu mais forte porque isso aprendera a ser nos Ranger´s. Mais forte, quando os dramas, as tragédias e os medos nos espreitam e enlutam a alma! Que essa força a multiplicou por Angola, onde - e agora digo eu... - semeou companheirismo, colheu empatias, dividiu afectos e foi um bravo e garboso militar! Um português de Águeda e sem medos, sem hesitações na hora de dar o passo em frente e assumir a verdade e a luta pela justiça; de segurar no colo a bondade de ser amigo e ter a generosidade de se dar, quando outros precisam, por mais precisados!

«Devo esta força interior, que me ajudou e ajuda a ser mais forte..., ao que aprendi nos Ranger´s e que a nossa missão em Angola fez melhor e maior...», disse o Neto, de voz quase a sumir-se e como que olhando o céu de imagens que se faziam em espelho nas caras religiosamente atentas dos Cavaleiros do Quitexe deste encontro de Águeda!

O Neto não é homem de floreados nas palavras! Não é!!! Mas mesmo a sumirem-se e a fazerem silêncios, disse tudo por nós, falando dele! Ranger, yaaaaaaa!!!

- NETO. José Francisco Rodrigues Neto, furriel miliciano de Operações Especiais (Ranger´s), do PELREC do BCAV 8423. É empresário, natural e residente em Águeda.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O Machado «beduíno» que era... menino de coro!

Machado e o seu amor, Emília (a Mila do Gerez), que lhe deu um filho
médico e lhe multiplicou a alma de homem bom!
!

O Machado é rapaz de grande «rodagem», que já era bem visível no Quitexe, em lutas e discussões que eternizavam a sua coragem e esclarecimento para defender os interesses dos mais pequenos. E ele, que não é propriamente alto, foi sempre gigante na assumpção da solidariedade e da camaradagem, quando se tratou de defender os que menos podiam.
Um dia, ele, eu e o Neto, fomos chamados ao comando da CCS, que nos queria puxar as orelhas e fazer vítimas do RDM. É o fazias. olha aí! Disparou o Machado uma rajada de razões, juntou-se-lhe o Neto de metralhadora em riste e complementei eu, verbalizando o enterro das ameaças do capitão. Lá se foi a gineta do oficial! Com quem ele se metera!
O Machado, que se eternizou no Quitexe por todos apelidar de Beduíno... - e quantas piadas e sátiras se multiplicaram pelo uso banalizado desta graça!... - botou discurso no Encontro de Águeda. Falando de solidariedade, de amizade, de camaradagem, de sentimento. E eu, que sempre o vi forte, determinado, empolgado..., daqueles de antes quebrar que torcer, notei-lhe um embaraço na emoção. Um nó a embargar-lhe a garganta!
Que bonita foi, Machadinho, aquela tua saudação ao padre Albino Capela, que a vida fez nosso companheiro no Quitexe, entre as graças de Deus que ele por lá missionava e a nossa bondade de cristãos mais ou menos praticantes!!! Gostei!!! E gostei muito mais por saber que, afinal e naquele tempo, eras menino do coro paroquial quitexano! Eu não sabia, só descobri isso apenas agora, 34 anos e quatro dias depois de chegarmos de Angola. Valeu, que por mais outra razão não fosse, o Encontro de Águeda! E descobri também que a tua voz zangada, quando tínhamos de discutir com sargentos e oficiais, era afinal ensaiada no coro da Missão do Quitexe! Seu beduíno!...
- MACHADO. Manuel Afonso Machado, furriel miliciano mecânico de armamento, natural de Covelo do Gerez (Montalegre). Quadro superior de EDP, residente em Braga.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O alferes Cruz de oficial dia na madrugada da guerra....

Margarida e António Albano Cruz, amazona e cavaleiro
do Quitexe de 1974/75 (em cima). Em baixo, à esquerda, António Pais


Cruz é nome repetente na CCS do BCAV 8423! Há o Cruz alferes e o Cruz furriel. Este tem sido, por estes nossos 34 anos de civis, meu companheiro de muitas «jantas»! Cruz, o alferes, voltei a vê-lo agora: charmoso, hein!! E bem acompanhado pela doce Margarida dos seus amores! Tão amores, tão amores que a levou de mala aviada e filho no colo para o Quitexe de 1974. E para a Carmona de 75. Bate aqui o ponto!
O (alferes) Cruz, que é engenheiro de formação e vocação dada aos cantos corais, orou na convívio da pateira. Orou emocionado, de coração a pular de alegria e com a nostalgia das saudades dos tempos angolanos que nos fizeram mais homens! Falou com uma sílaba e outra a saltar por cima de outra e de nó entalado na garganta. Eu conto: estava ele de oficial de dia, no BC12 e na madrugada em que rebentaram as «macas» de Carmona. Sabe-se lá!!!! A metralha soltava-se na madrugada, sem escolher alvo ou inimigos; e sem se saber por quem era e para onde era atirada. E ele, alferes Cruz, de oficial de dia, com a mulher e o filho na cidade! Margarida e o bebé Ricardo em perigo e ele sem poder sair do quartel, sem o poder abandonar. Até que pôde: o comandante Almeida e Brito até lhe emprestou o carro, o «carocha» preto: «Vai lá, vai rápido...!».
Não arrancou o velho «carocha», com o motor a trabalhar..., e Cruz ficou ainda mais enervado e ansioso: «O meu filho, a minha mulher!...». E o «carocha» não andava. Com os nervos, Cruz não o tinha destravado.
Olharam-no alguns soldados, na parada! Os momentos eram de grande tensão! Bravos cavaleiros do norte, mesmo sem sequer serem atiradores da valente cavalaria portuguesa, deram-lhe a força solidária. «O meu alferes não vai sozinho... vamos consigo!!!».
Que não e que sim. Foram e vieram, em viatura militar, com Cruz de filho agarrado ao peito e a «música» negra dos silvos das balas e dos morteiros a estrelarem os céus de Carmona. As rajadas a comporem uma estranha sinfonia! Chegaram ao BC12!
«Quanto eu gostava de me lembrar dos nomes desses rapazes!! Quanto gostava, aqui!...». E quase uma lágrima se lhe soltou na barba grisalha, na tarde do Encontro de Águeda, com Margarida, a suave Margarida dos sonhos e da vida de Cruz, a dar-lhe a mão e a força. «Como eu gostava!! Desculpem, estou emocionado!!!...».
De trás, falou o António Pais, rádio-montador, de Viseu. «Um, fui eu!...».
Muitas lágrimas se soltaram e esconderam naquele momento, na sala Pato Real da Estalagem da Pateira. Os dedos indicadores, muito disfarçadamente, secaram a água de emoção que nos caiu dos olhos! Foram cúmplices com as memórias que casaram um mar de emoções, entre mordidelas de lábios e puxar de lenços!
- CRUZ. António Albano de Araújo Sousa Cruz. Alferes miliciano mecânico, natural de Santo Tirso. Fez a comissão acompanhado da esposa Margarida, médica, e do filho Ricardo, o bebé-mascote da CCS do BCAV. 8423.
- PAIS. António Correia Lourenço Pais, 1º. cabo rádio-montador, empresário do sector eléctrico em Viseu, de onde é natural.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Cada um de nós tem uma memória... do BCAV. 8423

Almeida e Ribeiro, alferes milicianos e Cavaleiros do Norte. Repare-se
no power point, mostrando a rua principal do Quitexe. Clicar na foto, para a ampliar

Almeida, o alferes dos reabastecimentos, fez oração de memórias no encontro dos Cavaleiros do Norte, os do Quitexe: «Hoje não estão 45, ou 45 ou 50 pessoas com uma memória; são memórias diferentes, filtradas pelo tempo, corrigidas e apagadas de coisas menos boas...».
José Alberto Alegria Martins de Almeida, arquitecto e economista, cônsul de Marrocos, homem da coisa e da causa públicas, o alferes que recebi, fazendo eu de sargento de dia, a descer do machimbombo do Quitexe em Julho de 1974, teve no encontro de Águeda a memória da sua história - 34 anos depois! «A nossa memória, com a idade, está mais requintada e refinada, são muitas memórias...».
Espreitava-se alguma emoção no mexer tremido do microfone, a desfiar as suas memórias e reacções e aprendizagens: «Sempre fui anti-militarista, até chegar ao Batalhão Cavalaria 8423. Bastou-me meia hora a falar com o nosso comandante, para ficar do lado da disciplina e da cavalaria!...».
O comandante era Almeida e Brito, tenente coronel - que a morte levou há três anos, já general aposentado. Era competente e disciplinador: «Sobrevivemos graças a essa disciplina, à cadeia de comando que aprendemos a respeitar, foi essa cadeia de comando que nos salvou. É essa hierarquia que estamos aqui a celebrar!...».
E festejámos! Festejámos todos! E com palmas, também no momento em que todos, de pé e de nó na garganta, ovacionámos aqueles que foram nossos companheiros no Quitexe e Carmona e já não estão connosco. Mas estão nas nossas memórias, todas diferentes e todas iguais no festejar do que nos levou e trouxe de Angola!
- ALMEIDA. José Alberto Alegria Martins de Almeida, alferes miliciano de reabastecimentos. Economista, arquitecto e empresário, cônsul de Marrocos no Algarve e residente em Albufeira. Reportamos a sua intervenção no Encontro de Águeda.
- RIBEIRO. Jaime Rodrigues Picão Ribeiro, alferes miliciano sapador. Engenheiro e formador, residente no Tramagal.
- FOTO. António Bastos, 933 330 333

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

: Um encontro que me deixou saudades...e muitas até às lágrimas !!!



Pego nas palavras de Albino Capela, que sacerdotou pelo Quitexe no tempo em que por lá jornadeámos e nos veio dar uma lição de humildade, no encontro de Águeda - não pelo que disse do que foi o BCAV 8423 nos duros dias do Uíge, mas pela frase que dá nome a esta prosa: «Um encontro que me deixou saudades... e muitas, até às lágrimas !!!». Foi assim o encontro dos Cavaleiros do Quitexe!
Eu não sei se deva contar, mas conto: saí da sala, às tantas, do meio do almoço, por causa de um inesperado telefonema profissional. E dei, sem querer, com um garboso cavaleiro a choramingar, furtando-se por perto do balcão do bar. «Então?!...», perguntei eu. Senti-me agarrado pela força enorme de um homem da minha geração e do meu PELREC, que comigo (e outros) se deu, sem nada pedir de troco, em missões de risco que podiam sacrificar vidas.
Já se tinham vivido momentos de apaixonada emoção: o da leitura do mail do cidadão angolano agradecido pelo que fez o BCAV 8423 pelas vidas de muita gente nos sangrentos tempos de Junho de 1975; já tinham explodido as palmas de homenagem aos nossos mortos; já alguns de nós, em oração, tinham aberto o coração e a palavra para falar de nós - do companheirismo, da solidariedade, da saudade!
Voltei à sala e momentos depois lá estava o nosso bravo e quase sexagenário Cavaleiro do Quitexe, animado até ao limite, feliz, emocionado. «Já há muito tempo que não via o meu marido assim...», disse a mulher, na hora dos abraços do adeus. As lágrimas dele era de emoção e de alegria!
Volto a Albino Capela, para citar «as alegrias profundas» desta tarde de reencontro dos que, idos de Portugal para uma missão militar, voltaram quitexanos do coração: foi «um encontro que me deixou saudades... e muitas, até às lágrimas!!!...».

domingo, 13 de setembro de 2009

O encontro da CCS do BCAV. 8423 em Águeda. Foi bonita a festa, pá!

A esposa do capitão Luz fez o corte do golo do Emcontro de Cavaleiros do Quitexe

O power-point do Encontro dos Cavaleiros do Quitexe. E eu aqui estou,
com o crachá e o boné do dia. Clicar para ampliar as fotos.


O encontro dos Cavaleiros do Norte, os do Quitexe, ontem em Águeda, foi um mar cheio de saudades que se mataram e de lágrimas vivas de emoção e alegria. Foi bonito!!! Foi bonita a festa, pá!
Os aperitivos na piscina, já depois dos muitos abraços e reencontros da entrada da estalagem, foram tempo para consolar os olhos e os corações dos muitos que «cavalgaram» estradas de Portugal, de norte a sul - à procura dos amigos que a missão juntou em 1974 e 1975, que por Angola se multiplicaram de amizades, solidariedades e afectos mas que se tinham deixado de ver, de contactar, dalguns nem se sabendo se existiam.
O Almeida veio de Albufeira, no Algarve. O Pires, chegou de Bragança, no outro extremo de Portugal. Vejam lá como é este milagre de "cavalgar" amizades, as destes cavaleiros e amazonas que se enfeitiçaram pelo Quitexe e por Angola!!!...
Momento emotivo foi o da leitura do email de um cidadão angolano que, sem saber do nosso encontro, veio agradecer ao BCAV. 8423 a ajuda que salvou milhares de vidas, nos dramáticos momentos de Junho de 1975 - na cidade de Carmona (Uíge).
Outro momento de emoção - e forte!!, muito forte!!!... - foi quando foram recordados os nomes dos «cavaleiros» que morte já levou. «Aqueles amigos com quem partilhámos alegrias e tristezas, momentos de glória ou de tragédia, de coragem e de bravura, ou até de alguns medos que nos deixaram mais inseguros...», disse o (ex-furriel) Viegas, citando «os alguns dos nossos melhores, que já não estão connosco» .
Não se pediu um minuto de silêncio. Pediram-se palmas! Muitas palmas!!! Os Cavaleiros do Quitexe ovacionaram e emocionaram-se, de pé e em saudades regadas de lágrimas e nós de garganta, em homenagem aos amigos que partiram!
O comandante Almeida e Brito, de quem aprendemos a disciplina e o respeito; o capitão Oliveira e o tenente Mora, alguns sargentos!! O Garcia, o nosso querido Garcia, o garboso e bravo homem de todas as coragens e afectos, que a morte nos roubou ao serviço do país! Os nossos companheiros do PELREC - o Almeida, o Vicente, o Leal... Também o Medeiros, o Louro Farinhas, todos quantos a morte já levou!
E houve discursos, discursos emocionados, orações empolgadas e sentidas!! Aqui viremos falar deles, nos próximos dias. Por hoje, recordamos a «continência» ao tenente (agora capitão) Luz, pedindo-lhe que acompanhasse a senhora sua esposa para que, «como nossa primeira dama...», fatiasse o bolo da festa! Palmas, muitas palmas...
O power-point preparado para a festa, foi passando imagens do Quitexe de 1974 e 1975, com os nossos rostos juvenis que por lá cumpriram a sua campanha militar, assumindo a missão que o país lhes pediu e a que não fugiram. E imagens do Quitexe de hoje!
Foi bonita a festa, pá...

sábado, 12 de setembro de 2009

Cavaleiros do Norte tiveram Encontro de Águeda

O grupo de antigos militares da CCS do BCAV 8423 que reuniu a 12 de
Setembro de 2009, na Estalagem da Pateira, em Águeda. Clicar na foto, para a ampliar

Os rapazes da CCS do BCAV 8423 juntaram-se hoje, no encontro da Pateira de Fermentelos, em Águeda. Alguns «galoparam» quilómetros que não lembraria ao diabo, para comer a sopa. O (alferes) Almeida fez mais de 2000, desde Marraquexe, em Marrocos, e parando em Albufeira - aonde voltou. O (furriel) Morais «picou as esporas» desde Elvas. "Saí às 6 e pouco da manhã...", contou ele feliz e de boca rasgada em sorriso. O Mosteias pôs toda a cavalagem do seu Audi a«voar» desde Sines. O mesmo fez o Zambujo. O Pires «montou-se" na sela do seu Vectra desde Bragança. Eu, que sou daqui a dez quilómetros, não fui o primeiro a chegar. Quase me senti envergonhado. Mas foi tudo uma festa, a que não faltou sequer o toque de clarim, para o rancho. Viremos com alguns história deste encontro nos próximos dias.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Angolano agradece vidas que o BCAV 8423 salvou...


Parada do BC12, com berliets a recolher civis , nos dias dos dramáticos
acontecimentos de Junho de 1975. Clicar, para ampliar

Amanhã é da de encontro da CCS do BCAV. 8423. Vai ser um dia de festa e de emoções. Aqui falaremos delas. O que me traz hoje, aqui, é um mail que hoje mesmo recebi de um cidadão angolano, a quem pedi autorização para o editar. Fala de nós, com um agradecimento de 34 anos.
Ei-lo:

Olá Celestino:
Eu sou angolano e fui acolhido de braços abertos no BC 12, em Junho de 1975, em Carmona (Uíge), quando acontecerem os incidentes da cidade. Gostei da maneira carinhosa como eu, minha família e várias outras famílias fomos recebidos, alojados e alimentados por vós, durante cerca de 10 dias, até que no dia 14 de Junho de 1975, a comitiva terrestre se preparara para a viagem a Luanda, bem escoltada por vós. Fica aí a minha consideração por esse vosso gesto carinhoso, pois livraram muitas vidas que se encontravam em perigo.
Atenciosamente,
Eugénio

Amigo Eugénio:
O BCAV 8423 fez o
que devia. E o que pôde! O seu
gesto, emociona-nos.
Felicidades para Angola!
CV
- BC12. Batalhão de Caçadores, em Carmona (Uíge).
Onde o BCAV. 8423 esteve de Fevereiro a Agosto de 1975.
Milhares de cidadãos civis ali foram socorridos nos dramáticos
dias de Junho de 1975.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Saudades do alferes Garcia...

Alferes Garcia, em cima, com Ricardo Cruz (filho do alferes Cruz) ao colo,
na varanda do edifício do comando do BC12, em Carmona

ANTÓNIO A. CRUZ *
Texto
Regressado de férias, ocupei-me a ler o site sobre o nosso passado de combatentes. E não posso, a quente, deixar de dizer aquilo que neste momento me vai na alma. Antes de mais, Viegas, as minhas mais sinceras felicitações e agradecimento pela excelente ideia e iniciativa.
Pertenci ao pelotão-auto, uma parte de um todo coeso e disciplinado que era o nosso Batalhão de Cavalaria 8423. Honra seja feita ao Comandante Almeida e Brito, que nos soube incutir, com mais ou menos sacrifícios, a dignidade, a disciplina e o companheirismo que sempre nos guiaram e nos permitiram regressar de cabeça levantada e com o sentido do dever cumprido.
Fiz grandes amigos em Angola. Na força da juventude, na adversidade e isolamento, desenvolvem-se laços de amizade que noutras condições seriam muito difíceis. Eu e minha esposa Margarida, que sempre me acompanhou, fizemos amigos que nunca esqueceremos e com alguns dos quais mantivemos - e mantemos - uma grande e verdadeira amizade.
Vou hoje recordar um dos mais próximos, que infelizmente já não se encontra entre nós e com quem a nossa amizade e convívio se manteve para além do ultramar.
O António Garcia, o alferes Garcia!! Valente, corajoso, amigo com quem todos podíamos contar, bem disposto e atento a tudo e todos, recordo-o a brincar com o meu filho Ricardo e, com grande brio e coragem, à frente do seu pelotão, à porta da messe de oficiais, disposto a fazer frente aos sublevados da companhia do Liberato.
Recordo as nossas idas às companhias de Vila Viçosa, Zalala, Santa Isabel e fazenda Vamba. Eu e os meus homens com a missão do controle de armas e viaturas, ele com os seus «pelrec´s» a zelarem pela nossa segurança.
Encontrámo-nos cá várias vezes, ou sempre que podíamos, e era com tanta paixão que falávamos de África que as nossas esposas se repetiam: «Vocês não sabem falar de outra coisa?...».
Fui com o José Alberto Alegria (o alferes Almeida) ao seu casamento, a Carrazeda de Ansiães, onde fomos recebidos de braços abertos. Penso que houve foguetes. O Garcia era mesmo assim. Com ele, a amizade tinha de ser sentida e vivida.
Mais tarde, estando a Margarida, como médica, a fazer o serviço à periferia em Carrazeda e não havendo facilidade de hospedagem, o Garcia e a Olga, sua esposa, não descansaram enquanto não dispusemos da casa de um familiar em Pombal de Ansiães. Que terra, que gente, que comezainas e felizes momentos passamos com ele e seus familiares e amigos.
De um momento para o outro, o jornal de todos os dias, friamente, trouxe a triste notícia da sua morte e fez-se o vazio. O Garcia morreu de acidente, em serviço - ao serviço dos outros como gostava de estar.
Jamais o esquecerei.
ANTÓNIO ALBANO CRUZ
- ANTÓNIO A. CRUZ. António Albano de Araújo Sousa Cruz, alferes miliciano mecânico. É engenheiro mecânico e é natural e reside em Santo Tirso.
- NOTA PESSOAL: Fui um dos homens que actuou sob o comando do Alferes Garcia. Já aqui, neste blogue, lhe prestei continência de saudade, de respeito e de homenagem! Fui um dos que, do PELREC, perfilou armas em frente à messe de oficiais do Quitexe para (irmos) fazer frente aos sublevados do Liberato! Foram momentos de grande tensão, de mil pensamentos a voar, de cá para lá, por todo o lado e para todos nomes e para toda a gente. Quero que se saiba que, debaixo do comando do alferes Garcia, nunca houve um passo atrás, um medo que nos fragilizasse, algo ou alguém que nos acobardasse. O PELREC sentia-se sempre maior, sob o comando do Garcia. Saudades, amigo!!! Sei que tenho procuração de todos nós, para te lembrar aqui!E sempre! - CV

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O Quitexe católico no tempo dos Cavaleiros do Norte

A Igreja do Quitexe em 2008

ALBINO CAPELA
Texto

Recordo bem os motivos que me levaram de Luanda para o Quitexe. Seria uma espécie de degredo, mas não o foi. Desde logo, fiquei encarregado da Missão Católica do Quitexe, que compreendia a área do Quitexe, Aldeia Viçosa e Vista Alegre.
Perante área tão grande, procurei organizar a minha actuação, do ponto de vista religioso. Celebraria sempre no Quitexe e depois iria a Aldeia Viçosa e Vista Alegre. Aqui começou o bom e o bonito. Para ir a Vista Alegre, era preciso escolta militar e eu desconhecia tal coisa. Cheguei ao controlo, em Aldeia Viçosa, e o soldado que estava de serviço disse-me que não podia passar e eu..., cheio de pena porque tinha trabalho em Vista Alegre, fui falar com o Comandante da Companhia e ele dispensou-me imediatamente um Unimog, ou dois, com muitos soldados. Ia no meu carro e pensava: "Sou uma pessoa importante, até vou com escolta"...
Depois aprendi a mentir (um padre a mentir!!!!...), como qualquer outro camionista, e lá passava livremente até Vista Alegre. Qual era a mentira? "Vou para a Fazenda Madeira e Marques...». Mas como todos os camionistas diziam que iam para lá, os soldados comentavam: "Madeira e Marques deve ser uma grande cidade".
Devo esclarecer que Madeira e Marques era (ainda é?) uma fazenda de café muito bem organizada e orientada pelo seu gerente, o Zé da Madeira e Marques. E agora as recordações vêm-me em atropelo: este Zé, grande amigo, bem como a família, veio a morrer em Luanda, em circunstâncias muito difíceis de esclarecer. Mais tarde, soube que a sua esposa estava em Alijó, funcionária dos CTT. Para ela, se me está a ler, um grande beijo do Padre Albino. Era assim que eu era conhecido.
Gostava imenso das pessoas do Quitexe e, quando digo Quitexe, quero dizer Quitexe, Aldeia Viçosa, Vista Alegre e Cambamba. Sempre fui muito bem recebido por toda a gente. Quando ia celebrar missa a uma sanzala, os nativos faziam uma festa: cantavam, dançavam, tocavam batuque. E nesse dia sabia-se que havia churrasco na casa do soba.
No Quitexe propriamente dito, na Vila do Quitexe, falava com toda a gente (era tão pouca!...) e mantenho ainda contactos com algumas pessoas que de lá vieram. Gostava imenso de receber na minha casa "os tropas" e lá falávamos de tudo. Era bons momentos, que não se podem esquecer. A todos estes momentos - contacto com as gentes, com os fazendeiros, como pessoal das fazendas, com os nativos das sanzalas, etc... - voltarei, se Deus quiser nos "próximos capítulos".
ALBINO CAPELA
ALBINO CAPELA. Padre do Quitexe
no tempo do BCAV 8423

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Faz hoje 34 anos!...

Aeroporto Internacional de Luanda, nos anos 70 (foto de Rui Ribeiro)

Avião dos TAM. Terá sido neste, ou parecido, que regressámos a Lisboa, faz hoje 34 anos

Há 34 anos, faz hoje, voltámos a Lisboa - voando de Luanda! Foi um dia de festa, de alegria e de emoção. Eu, regressei à minha terra de Ois da Ribeira, perto de Águeda, e por cá me mantenho. Sempre a lembrar-me de Angola, dos seus cheiros e sons, das suas gentes que aprendemos a amar, dos seus momentos de festa, das glórias e (quase) tragédias dos 15 meses em que por lá suspirámos de saudades e crescemos mais amadurecidos para o mundo.
O dia 8 de Setembro, há 34 anos, era suspirado há muito: vínhamos para a nossa terra e a nossa gente. A noite de véspera foi mal dormida, como os ontens e os anteontens que nos fizeram por lá andar a despedir-nos de amigos que iam ficar. A última ceia foi de pastéis, muitos pastéis, cerveja e vinho branco, muito vinho branco, meio quente e meio fresco... - «ementa» que nos arranjou um civil cujo nome não recordo. E gostava de recordar. Os soldados, na sua irreverência generosa e meia transbelhada, fizeram das suas pela noite fora, no Destacamento que nos coube no Grafanil... - sujo à nossa chegada de Carmona, quase nauseabundo, e aceleradamente asseado ao abrir de Agosto, para a chegada dos cavaleiros que do Uíge vieram por terra em jornada de mil perigos.
As berliets, ainda era madrugada do hoje de 1975, encheram-se de malas e sacos, para o aeroporto internacional de Luanda. Voámos por menos de oito horas e chegámos a Lisboa ao fim da tarde. Faz hoje 34 anos!
Com o Neto, trazidos pelo Benício, que era condutor da fábrica do pai e a Lisboa nos foi buscar, parámos num restaurante de Alcoentre e comemos bacalhau assado, com vinho branco. Que saudades! Cheguei aqui a casa, perto da uma hora da madrugada - já com o Neto a enlaçar-se na família, na Bicha Moura (Águeda). Fui a casa de minha irmã, para que viesse a casa acordar a nossa mãe, ao tempo recém-viúva e doente!
Ninguém sabia que eu chegava. Foi um segredo que consegui guardar até ao fim. Quando me viu, olhou-me minha mãe, emocionada mas segura, como ainda hoje, aos 88 anos: «Então já vieste, rapaz?!!!!...».
Há momentos que nunca esquecem! Na manhã de 9 de Setembro, acordei e fui ver a vaca, os porcos, as galinhas, os coelhos. Ouvi o badalar do sino, dando as horas! Tinha saudades destes cheiros e destes sons!
- TAM. Transportes Aéreos Militares, que assegurava os transportes de militares entre Lisboa e as capitais das chamadas províncias ultramarinas.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A Ceia de Natal do Quitexe de 1974

Rocha, Fonseca, Viegas, Belo e Flora, da esquerda para a direita. Monteiro, Pires
(sapador), Machado (de cigarro na boca), Lages e ??? (a rir) da direita para a esquerda.
Noite de Natal do Quitexe, em 1974. Clicar na foto, para a ampliar


O Machado, o imitável Machado, que a todos nós, na suas fúrias de humor, nos tratava por Beduínos, pôs-se de cuidados e despachou-me algumas fotos dos tempos que, em Angola, nos fizeram amigos já por cá vão 35 anos e mais uns meses.
A foto é de um momento muito especial: o jantar de Natal no Quitexe. Natal de 1974! Como se vê, a boa disposição não faltava e para trás das costas e do coração estavam, de certeza e naquele momento, os tremeliques da saudade e o desgosto da separação daqueles de quem mais gostávamos!
Aquilo era tudo gente fixe! E que pena tenho eu de não conseguir identificar todos quantos aqui dividiam estes momentos, momentos que fermentavam amizades de uma vida e empatias que nos tornavam cúmplices!
Repare-se no pormenor de apenas eu estar de camuflado: estava de serviço! Estar de serviço era uma espécie de «fatalidade» pessoal nos dias mais significativos do ano. Ele foi no Natal, ele foi na passagen de ano de 1974, ele foi no carnaval de 1975 e francamente acho que só não foi na páscoa porque andava a cirandar por Angola, num precioso mês de férias que dividi, juntando-me e convivendo, com o Cruz - o furriel.
Volto à foto: foi tirada no refeitório do Quitexe, o sítio de honra da CCS - onde todos nós éramos mais iguais e sem patentes!

domingo, 6 de setembro de 2009

Setembro de férias e alguns incidentes militares no BCAV 8423

Vista parcial da cidade da Gabela, destacando-se a Igreja Matriz - que conheci faz agora 35 anos

Restauração da picada para a Fazenda do Liberato (foto de José Lapa)

O mês de Setembro, que ontem aqui falei calmo, no 1974 do Quitexe, não foi tanto assim na Zona de Acção do BCAV. 8423. Por exemplo, no aquartelamento de Vista Alegre - onde estava a CCAC. 209, essencialmente formada por militares do RI 20. Aos 27, e por causa de anteriores incidentes internos, aconteceram graves problemas disciplinares.
Quem mo lembrou, por telemóvel, foi um Cavaleiro do Norte - que esta tarde me veio dizer que tal foram os incidentes que, depois de controlados, passaram para a alçada disciplinar do Comando do Sector de Uíge, em Carmona. O que não era coisa pouca!
Assim avivada a memória, o Setembro de 1974 foi militarmente pouco activo (como já aqui foi dito), mas com algumas rotações. Parte da 3ª. CCAV, estacionada em Santa Isabel, passou para uma fazenda que o (furriel) Carvalho - o meu contacto de hoje - não soube identificar. Talvez a de Além-Lucunga! E, ao que me lembro, assim avivado na memória, a 1ª. CCAV. dispensou dois grupos de combate para o BC12, em Carmona.
Eu, vestido de civil em férias, parti de Luanda à boleia de um amigo do Albano Resende, num velocíssimo Toyota alta gama da época, e galguei para aí uns 400 quilómetros, por rectas de quilómetros e a cento e tais à hora de média, à procura do carinho amigo de familiares na Gabela: os irmãos Mário e Cecília, filhos da minha madrinha Isolina - que também por lá estava. Depois, também o Clemente, igualente parente próximo e en«m cuja fazenda dormi uma noite. Por lá conheci muitas coisas, por exemplo a grandiosidade da Fazenda CADA - que até tinha hospital e apeadeiro ferroviário próprioas. Foram das bonitos, que multiplicaram a cada vez mais inspirada minha paixão por Angola.
Estão ali a ver a igreja, na foto? Conhecia-a nesse tempo e mal imaginaria eu que, anos mais tarde, já neste século, fosse um conterrâneo de Águeda a dirigir a sua restauração. E que até na minha paróquia de Óis da Ribeira se colectassem oferendas para as obras que o padre Augusto Farias promoveu, em favor da comunidade católica gabelense! É o destino!

sábado, 5 de setembro de 2009

Tempos de Setembro, de serenidade e aplastamento de dúvidas...

Avenida principal do Quitexe (Rua de Baixo). Ao fundo, frente à palmeira, vê-se
o edifício de rés do chão onde funcionava a enfermaria militar

O Quitexe que deixei para férias, em Setembro de 1974, foi um Quitexe bem mais tranquilo que o que conhecemos em Junho, com actividade operacional bem mais reduzida e concentrada nas malhas urbanas.
As saídas em operações e patrulhamentos na chamada mata eram já bem mais raras, abundando no entanto as escoltas e operações de stop em zonas urbanas e semi-urbanas mais movimentadas.
Num que creio ter sido o único contacto que consegui para o Quitexe, por telefonema da Gabela combinado via postal com o Xico Neto (naquele tempo não havia telemóveis e até os telefones eram raros...), soube de algumas actividades operacionais de alguma tensão, nomeadamente com os camionistas da chamada estrada do café - de Luanda a Carmona. Porquê?! Havia muitas dúvidas instaladas e suspeitas de transporte e movimentações de armamento e munições. Já no Quitexe, vim a saber de alguns incidentes e o próprio PELREC (já em Maio ou Junho de 1975) viria a ter um muito desagradável e perigoso, por causa de um desses transportes, simulados num carregamento de café.
As fazendas, já por Agosto e Setembro, e depois..., instabilizaram-se de alguma maneira, devido aos aliciamentos feitos aos trabalhadores, no sentido de suspenderem os contratos - o que significaria a perda das colheitas. Algumas vezes, os militares foram chamados a intervir e nem sempre isso foi fácil.
Os tempos que se adivinhavam de mudança, eram ainda, todavia, carregados de incertezas e aplastados de dúvidas.
A tropa, ambicionando regressar a Lsboa, ainda teve que acorrer a alguns ataques na área florestal, a madeireiros, e a uma viatura da Junta Autónoma de Estradas de Angola (JAEA). E sabia-se que em outras áreas do Subsector Militar o chamado IN teve intervenção muito mais activa. Na zona de acção do BCAV 8423, começaram a conhecer-se grupo de activistas da FNLA, principalmente nas sanzalas. E alguns misturados com o povo negro e branco, nos cafés e bares da vila.