terça-feira, 31 de agosto de 2010

A ida ao Niassa e os bilhetes de avião para os retornados

Bicas na baixa de Luanda, para comprar bilhetes de avião para Lisboa (net). Navio «Niassa», em baixo.


O medo de circular em Luanda medrava a cada dia que passava, disso se ressentindo principalmente a população civil. Que fugia para Lisboa, quanto podia.
O aeroporto estava pejado de pessoas, aos milhares..., e, pela cidade fora, não era raro tropeçarmos em enormes bichas de civis, à porta de agências de viagem, em busca de bilhetes de avião.
A vida na guarnição dos Cavaleiros do Norte, nas antigas instalações do Batalhão de Intendência (ao Grafanil), seguia minimamente tranquila, enquanto se riscavam os dias do calendário, até ... 8 de Setembro.
A 31 de Julho, um domingo, eu e o Neto - encarregados pelo capitão Oliveira (comandante da CCS) de fazermos a distribuição do pessoal nos beliches do «Niassa», fomos ao porto de Luanda. Para conhecimento do navio e reunião com os seus responsáveis. Não chegámos a entrar, por não estar quem tinha competência para dar luz verde à nossa missão - que ficou adiada para dia 2 de Setembro, a 3ª. feira seguinte.
Era o final da manhã e aproveitámos para flautear a vida na cosmopolita baixa de Luanda, almoçando na esplanada do Amazonas e indo comer gelados do Pólo Norte. Que luxo!...Como tinha combinado jantar com o Albano Resende, por ali andámos a cirandar - pelo 8, o 23 e o 24!!!, o Diamante Negro, a Mutamba, o Paris Versailes, a Portugália... Até que, chegado o Albano, fomos a um bar da meia alta da cidade, onde trabalhava o Neca - outro ribeirense vizinho e que eu já uma vez «achara» no Úcua, numa das minhas viagens pela estrada do café.
Já no regresso a Viana, aconteceu novo incidente no Largo Serpa Pinto, em frente ao Katekero: homens armados quiseram assaltar-nos e ameaçaram-nos. A noite «estrelava-se» de rajadas regulares e não era invulgar ouvir o estrondo de material de guerra pesado. Lá longe!!! Passámos, mas não sem mais uma vez o Neto ter de acelerar o pequeno Honda da FRAL!
«Filhos da p...!!!», gritou ele, com o pé a fundo, subindo Luanda, para a Estrada de Catete e já pelo Grafanil fora, até a Viana, onde morávamos.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O almoço para combinar correio e a ameaça de Catete



 Albano Resende e C. Viegas na Ilha de Luanda (na restinga, em cima),
o cemitério de Catete e o Hipermercado Jumbo

Sábado, dia 30 de Agosto de 1975, faz hoje 35 anos. Tenho almoço marcado com o Albano Resende, meu amigo (civil) e vizinho de aqui a 30 metros (de casa) mas que, ao tempo, está localizado em Luanda. Naturalmente, a gravíssima situação político-militar é tema de conversa na farta refeição em restaurante da ilha de Luanda, na Restinga. Meteu muitos canhângulos e pratos de camarão, antes de um recheado bife com batatas fritas e ovo a cavalo. A partida da CCS do BCAV. 8423 está marcada para 8 de Setembro, no navio «Niassa», e quero combinar com ele um esquema de correio.
O que eu queria era chegar a casa de... surpresa!
Para tal, precisava de «iludir» os dez dias de viagem marítima e de maneira a que a família e amigos não dessem por falta de correio meu, correio desse período. Para o efeito, escreveria várias cartas, dirigidas a minha mãe e pessoas mais próximas. O Albano se encarregaria de, nos dias combinados, as colocar no correio. Enquanto eu viajasse no Niassa, ninguém desconfiaria que eu já galgava os mares, para chegar a Lisboa a Águeda, a Ois da Ribeira (a minha terra).
Dei-lhe logo algumas e outras lhe entregaria nos dias 2 ou 3, lhas daria. E assim seria - até que soubemos que a viagem, afinal iria ser de avião. E no que deu isto? Em que gente houve a receber correio meu, de Angola, e eu já em casa.
Nesse dia, passei pelo cemitério de Catete - onde está sepultado José Tavares (pai do hoje meu compadre José, oficial militar francês). À saída, junto ao Jumbo - enorme hipermercado que, ao tempo, era grande atracção comercial em Luanda - e sou «espiado»por um grupo de pioneiros do chamado poder popular. Que me seguem até ao Jumbo. Estou à civil, o que complica a situação, mas ganho confiança no passo seguro, até chegar à viatura militar que me esperava. Lá passou o «perigo». A pouco mais de uma semana da viagem para Lisboa, o pior que me poderia acontecer era ter um problema. Felizmente, não o houve, mas ainda hoje sinto o frio do suor que me molhava o corpo, naquele fim de tarde bem quente, como eram as tardes de Luanda.
- JUMBO. Enorme espaço comercial na estrada da Catete, à saída de Luanda. Como são, actualmente, os grandes hipermercados de Portugal.
- CANHÂNGULO: Caneca grande de cerveja.

domingo, 29 de agosto de 2010

Embarcar com as armas apontadas para a pista...


Entrada do Campo Militar do Grafanil (em cima) e carta de Alberto Ferreira

 
«Isto não está grande coisa, mas parece-me que sempre é melhor que aí...». Era assim que Alberto Ferreira, cabo especialista da Força Aérea, me dava novas do Portugal de Agosto de 1975, a que ele chegara, de Luanda. Em carta do dia 27, dizia-me que fizera de pé na maior parte da viagem, no avião de Luanda para Lisboa. Mas «...o que me interessava era sair daí!».
Por Angola, também o BCAV. 84123 dava as últimas e o Alberto falava-me da «má informação» que circulava em Portugal sobre a situação de Angola. «Ó pá, eu nem posso falar do que sei e vi, que até parece que me querem comer...», dizia-me ela. 
Por este altura, chegou ao Grafanil um Batalhão de Intervenção e, naturalmente, procurámos gente das nossas terras. No meu caso, não achei ninguém da zona de Águeda. Mas tive uma violenta discussão com alguns militares da primeira companhia a chegar. Perguntávamos nós por novidades de Lisboa e queriam eles saber as de Luanda. Quando os avisávamos dos perigos da cidade, sugerindo-lhe as precauções que melhor entendíamos - por causa da insegurança e insuficiências da cidade... -, chamavam-nos de tropa fascista e colonialista, contra-revolucionária, sei lá que mais.
A discussão atingiu proporções muito desagradáveis, nomeadamente quando um grupo de militares do PELREC se aproximou de mim, dizendo-me que iam para a cidade e para que zona. Que não podia ser, que os praças não tinham que dar-nos satisfações, que podiam ir para onde quisessem e quando bem entendessem, sem terem que dar cavaco às hierarquias. Bom, isto, para nós, era anarquia! Para eles, era revolução!!! E bem os avisámos.
«Nós vamos embora a 8 de Setembro. Deus queira que vocês não sejam comidos e não tenham de embarcar com as armas apontadas para a pista...», alertei eu, engrossando o tom de voz, na discussão directa com um jovem alferes miliciano. Afinal, nós eramos os veteranos!
«Fascistas, colonialistas, reacionários, imperialistas !!!...», pregavam os nossos recém-chegados companheiros - a quem, em Lisboa, tinham dito que apenas precisavam de levar cremes da barba e dos dentes - que o resto, havia em Luanda. O que não era verdade. A cidade tinha problemas de abastecimentos, nomeadamente resultante da crescente fuga dos europeus.
Viriam a ter dramática estreia de fogo, no bairro do Saneamento. De tal modo, que ainda nem todo o batalhão estava em Luanda e já exigiam o regresso a Lisboa. O que nos rimos nós, de gozo..., quando fomos assistir ao plenário destes militares.
Plenário, «coisa» que não existia no nosso vocabulário. E eles queriam já voltar a Lisboa?!!! Pois, pois...
- FERREIRA. Alberto Fernando Dias Ferreira, 1º. cabo especialista da Força Aérea e meu companheiro de escola, em Águeda. Mais tarde, licenciou-se em Economia e foi quadro superior da administração fiscal. Já falecido, foi candidato a presidente e por duas vezes vereador da Câmara Municipal de Águeda.
- SANEAMENTO. Bairro onde se localizavam as residências dos governantes de Angola. O Batalhão de Intervenção teve estreia de fogo no local, que (se me lembro bem) envolveu várias mortes.

sábado, 28 de agosto de 2010

O desaparecimento do Mário e da Benedita

Portugália, na baixa de Luanda, local de grande concentação de militares. É
o edifício azul. Ao seu lado direito, ficava o jornal A Província de Angola

As escaramuças da estival Luanda de 1975 explodiam todos os dias e a vida civil continuava, com milhares de portugueses a tentarem viajar para Lisboa, fugindo da guerra que se multiplicava na capital.
Amontoavam-se no aeroporto, à espera de um voo para Lisboa e por lá andei, nesse tempo, em busca da família Neves Polido (Cecília, marido e quatro filhos, mais a mãe de Cecília - minha madrinha Isolina - como já aqui falei).
A ponte aérea começara a 17 de Julho e viria a terminar a 3 de Novembro, envolvendo milhares de voos da Luanda para Lisboa, evacuando qualquer coisa parecida com meio milhão de pessoas - muitas delas já (ou) sem raízes em Portugal.
A situação política e militar evoluía: a 22 de Agosto de 1975 e através do Decreto-Lei nº 458/A-75, Portugal suspendeu o Acordo do Alvor e, a 25, foi criada a Junta Militar, que passou a assegurar a governação em Angola. A 30 de Agosto, o almirante Leonel Cardoso tomou posse do cargo de alto-comissário.
Leio agora um aerograma de minha mãe, de Agosto desse ano mas do qual, infelizmente, não consigo despistar o dia: «Fala-se aqui que o Mário e a Benedita terão desaparecido, ou que até terão sido mortos e que também não se sabe da filha, lembrei-me que como outro dia disseste que tinhas estado em casa deles, para ires ver se sabes deles». O alarme pôs-me a caminho, para o Bairro da Cuca - onde eles moravam.
Ao passar o bairro de S. Paulo, de táxi, sentimos de novo a ameaça do chamado poder popular. Lá passámos, com a minha esperança a levedar: se os encontrar, vamos comer bacalhau ao Vilela. Mas rapidamente faleceu a ideia: a casa deles, e outras do mesmo bairro da Cuca, estavam parcialmente destruídas. Por lá perguntei por eles e por eles procurei nos escombros das casas, que ainda pareciam fumegar. Nada vi, ou ouvi sobre eles.
Pensei o pior e regressei à baixa, com a ideia de falar com Rebelo Carvalheira, jornalista de A Província de Angola -, talvez ele me pudesse ajudar!!... - e qual não foi o meu espanto quando vejo, na primeira página e em primeiro plano, os rostos de Mário e de Benedita, na frente da manifestação que, na véspera, a população branca, aos milhares!..., fizera frente ao Palácio do Governo Geral. Estavam vivos!!! Faltava descobri-los! E foi o que aconteceu, com uma dica de alguém, na frente da Portugália, ao lado do Província de Angola. «A Sacor recolheu os seus empregados e famílias, pode ser que lá estejam...». E estavam! Hoje, fui ali a casa deles (a 400 metros da minha) para reviver estes dias de Luanda.
- MÁRIO E BENEDITA. Mário Tavares Coelho e Maria Benedita Pires dos Santos, ele mecânico da Sacor, ela doméstica. Conterrâneos meus, que residiam no bairro da Cuca, em Luanda.
- REBELO CARVALHEIRA. Jornalista de A Província de Angola e, mais tarde, de A Bola. Já faleceu.
- FAMÍLIA NEVES POLIDO. Ver AQUI, AQUI.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Notícias de Portugal e o Documento dos 9...

Messe de Sargentos na Avenida dos Combatentes, em Luanda, e o Coronel Melo Antunes

Agosto de 1975 foi grávido de emoções na Luanda cosmopolita que virara «cenário de guerra», de luta pelo poder, com as forças armadas portuguesas a assumirem posições controversas, no mínimo.
Um dia, na entrada da messe de sargentos - na avenida dos Combatentes (foto) - um grupo de furriéis do BCAV. 8423 foi alvo de um confrontação formal, da parte de militares portugueses, porque, minutos antes, na avenida D. João II, tínhamos intervido no sentido de sanar uma «maca» entre militares e civis - perseguidos a tiro, estes.
Já se perdiam de conta os epítetos com que éramos «baptizados» e a eles já pouco ou nada ligávamos.
De Portugal chegavam notícias da instabilidade política, com a revolução em extremos que ainda hoje não se entenderão muito bem. Vasco Gonçalves dava os últimos suspiros dos seus sucessivos governos e os Cavaleiros do Norte suspiravam pelo regresso às suas terras, aos seus seus cheiros e famílias.
Ao Grafanil, chegou o Documento dos Nove. Que me suscitou elevada e inesperada curiosidade. Mas por o seu principal subscritor ser Melo Antunes - de quem o BCAV. 8423 recordava afirmação recente - a de que as Forças Armadas impediriam a entradas da FNLA e da UNITA na capital Luanda, depois de expulsos pelo MPLA. Todos tínhamos consciência que boa parte da irrascibilidade da FNLA relativamente a nós (Cavaleiros do Norte) se devia à posição oficial portuguesa, ouvida na Emissora Oficial de Angola, ainda estávamos nós em Carmona e anunciada por aquele Conselheiro da Revolução e membro do Movimento das Forças Armadas (MFA).
Li o documento nos primeiros dias de Agosto e interpretei-o com amigos do PELREC (e outros), num dia em que estava de serviço. Assinámo-lo.
Documento dos Nove, ver AQUI.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Louvor ao Batalhão de Cavalaria 8423


A Região Militar de Angola louvou o Batalhão de Cavalaria 8423, evidenciando «o espírito humanitário que o guindou a posição de grande admiração e respeito, pela forma como conseguiu, em atitude de perfeita isenção, proteger todos os que às suas instalações se acolheram e, posteriarmente, manter a mesma atitude, para finalmente cumprir com brilhantismo uma das que certamente foi a sua mais delicada e difícil tarefa».
O louvor foi publicado na Ordem de Serviço nº. 68 da RMA, a 26 de Agosto de 1975, faz hoje 35 anos.Transcrevêmo-lo na íntegra, facilitando a leitura da imagem que o reproduz 


LOUVOR





Louvo o BCav 8423 porque durante o tempo em que prestou serviço no Norte de ANGOLA, nas áreas do QUITEXE e de CARMONÁ, manifestou sempre uma grande determinação, uma constante vontade de bem cumprir, um elevado espírito de disciplina e uma noção perfeita de como uma Unidade se deve adaptar às tarefas que haja que executar de perfeita harmonia com as determinações dos seus superiores hierárquicos.
Da sua acção muito beneficiaram as populações locais de todas as etnias pois pelo justo e equilibrado tratamento das missões que o BCav 8423 cumpriu ressaltaram, além das características já referidas, a aplicação de um espírito humanitário que o guindou a posição de grande admiração e respeito pela forma como conseguiu, em atitude de perfeita isenção, proteger todos os que às suas instalações se acolheram e posteriarmente manter a mesma atitude, para, finalmente, cumprir com brilhantismo uma das que certamente foi a sua mais delicada e difícil tarefa.
Da acção de todas as suas Praças, Sargentos e Oficiais se fica a dever, tanto na área do QUITEXE como na de CARMONA, o estabelecimento de um clima de segurança efectiva pelo que é com a maior justiça que em simples louvor se leva ao conhecimento de todos a forma como o BCav cumpriu a sua missão, dentro do maior espírito de disciplina, evidenciando qualidades hoje já muito raras, constituindo assim uma Unidade que mercê da acção do Comando e seus graduados nunca conheceu a chamada crise de disciplina, cumprindo exemplarmente todas as tarefas de que foi incumbido, grande parte delas em período muito sensível do processo de descolonização de ANGOLA.
OS/RMA n.° 68, de 26AG075

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Os detidos no quartel da DGS de Carmona

Fatima e José Bernardino Resende (com as filhas), o irmão Albano
Resende (sobrinha à frente), furriel Viegas e capitão Domingues, em Luanda

Os últimos dias de Luanda, e de Angola, foram vividos com bastante tensão. E intensidade. Não é excessivo recordar que a insegurança medrava na cidade, sentia-se, e todos os dias tínhamos notícia de macas. Algumas das quais quase nas nossas barbas. Por mim, feitos os serviços de ordem, passeava-me por Luanda e encontrando-me com amigos: o Alberto (que acabava a sua comissão no Força Aérea), o Nuno (furriel dos Comandos), os irmãos Resende, a Cândida e marido, o Mário e a Benedita, o Neca Taipeiro, o José Martinho. A um dia de finais de Agosto, reencontrei o capitão Domingues, primo de Fátima Resende, e recordámos uma história pouco agradável de Carmona - onde ele prestara serviço na ZMN.
Era domingo, eu estava de PM, e jantava na messe quando fui chamado pelo oficial de dia: tínhamos de ir ao antigo aquartelamento da DGS/Flechas, buscar três civis presos pela FNLA - pelas que seriam as Forças Integradas, sem MPLA. Um deles, amigo do capitão Domingues. Poupando palavras, lá fomos nós (eu, o Almeida e o Marcos), no jipe conduzido pelo Breda - que ficou à entrada do aquartelamento, com o motor em funcionamento.
O oficial de dia não estava (!!!!), o sargento de dia estava, mas semi-embriagado. E quanto a soltar os presos, está quieto!!! Nem sequer nós éramos portadores de qualquer mandato de soltura. Esgotei os meus argumentos e, já dentro do aquartelamento, convenci o sargento a deixar-nos ver os civis detidos. Que não, que não... Mas fomos! O sargento abriu a porta da cela e os três homens (ou eram quatro?) ficaram estupefactos. Mas sem uma palavra, suando frio.
«Vá lá, saiam!...». Mas eles não saíam, com medo de serem abatidos. Suponho! O sargento cambaleava e, moita-carrasco, nada de soltar os homens. O Marcos, então, puxou um dos detidos pelo braço e incentivou-o a sair. O sargento não reagiu e lá saímos todos.
O Breda mantinha o jipe trabalhar, atabalhoámo-nos todos por cima da viatura e ala que se faz tarde.
O capitão Domingues, nesse almoço de Agosto em casa dos irmãos Resende, lembrou-me o nome do amigo, mas não sabia o dos outros. E eu, 35 anos depois, não me lembro sequer da cara deles. Lembrando, porém, o espanto com que nos viram entrar na cela e os livrámos das garras da prisão!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O poder popular entre Catete e o Grafanil...

 de

Entrada do Campo Militar do Grafanil onde, no espaço do desactivado Batalhão de
Intendência, se instalou o BCAV. 8423, a 3 de Agosto de 1975

A nossa chegada ao Grafanil, ao fim da manhã de 3 de Agosto de 1975, resultou numa profunda decepção para os militares da CCS do BCAV. 8423. As instalações estavam imensamente degradadas, sujas, com móveis e camas partidas, com cheiros horríveis a empestar o ambiente - resultantes do lixo acumulado, de restos de comida e de sabe-se lá o que mais.
A prioridade da CCS foi promover a sua própria instalação e, no dia seguinte, limpar, desinfestar, pôr minimamente asseadas as instalações onde iriam ser colocados os nossos companheiros que, por terra, viajavam desde Carmona e que nós entretanto sabíamos com algum atraso e alguns problemas.
Comida, não havia - tivemos de nos socorrer de rações de combate. E cada qual, a não optar por elas, teve de se desenrascar nos aquartelamentos onde tivesse um amigo, ou no «mercado» civil. Foi o que aconteceu  a mim e ao Neto, com a sorte de termos encontrado o conterrâneo Gilberto Marques (civil), que nos levou a passear a Viana e, vejam lá..., nos pôs à disposição uma vivenda. Onde nos instalámos, com o Monteiro, até 7 de Setembro de 1975 - dia da nossa partida para Lisboa.
Logo nesse dia, «conhecemos» o «poder» do «poder popular»: fomos interpelados e ameaçados no posto da PSP entre o Grafanil e Catete. Apontaram-nos as armas, chamaram-nos os nomes que quiseram, impediam-nos de passar, gritavam slogans contra Portugal e os olhos desorbitavam-se-lhes. Queriam agredir-nos e prender-nos, sabe-se lá mais o quê.
Íamos na viatura do Gilberto e a «coisa» não foi nada fácil. O Neto chegou a perder a paciência, sentimos no corpo os arrepios do medo e fomos ajudados pela chegada de um grupo de militares adultos e dois PSP`s, que intervieram em boa hora.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O navio Niassa passou a avião...

Navio «Niassa», no qual o BCAV. 8423 chegou a ter viagem marcada. Acabámos por voltar a Lisboa de avião

A 23 de Agosto de 1975 fui, com o Neto, «nomeados» responsáveis pela carga e instalação dos praças no navio Niassa. Faltava esta!! Então e eu lá sabia alguma coisa disso? Ou o Neto?! Mas foi uma ordem do capitão Oliveira e não a discutimos. E, não a discutindo, também nos púnhamos a descoberto de qualquer perigo disciplinar.
E como é que se faria isso? Pois o barco estava em viagem de Lisboa, atracaria, descarregaria e teria de ser feita a distribuição do pessoal e bagagens, para os 10/12 dias que se previam de viagem pelo mar. Até Lisboa.
«Receberão a planta do barco, em tempo devido», disse-nos o capitão Oliveira.
Encarámos a ordem até com um certo interesse, pois poderíamos, eventualmente, aproveitar este nosso «comando» para, para com alguma facilidade, introduzir mais uns caixotes de pessoas amigas que, em Luanda, deseperadamente, nos pediam para as ajudar. Inclusivé, a minha cubicagem - que eu não iria usar.
Chegámos a estar no barco, mas, felizmente para nós, acabámos por viajar de avião, a 8 de Setembro de 1975.

domingo, 22 de agosto de 2010

Os dias bons de Luanda...

Carlos Sucena (militar), Gilberto Marques (civil), C. Viegas e J. Francisco Neto na casa de Viana

Aos 22 dias de Agosto de 1975, sabendo que o nosso regresso a Portugal seria a 8 de Setembro, já se afadigava a guarnição em antecipar as malas e alguns caixotes. Eu, o Neto e o Monteiro estávamos  nas nossas sete quintas - magníficamente instalados numa vivenda de Viana. Era de Manuel Cruz, da empresa MASCRUZ, de Águeda, que por lá instalava uma fábrica de ferragens, tal qual a FRAL, esta do pai do Neto.
A casa passou a ser poiso de largos convívios entre a malta de Águeda que por lá se achava - e era muitos os militares aguedenses que por Luanda, naquela altura, queimavam os últimos cartuchos da sua comissão. A que se juntavam muitas vezes os irmãos Resendes, todos civis mas meus amigos. Era o Albano, de resto, que nos franqueava tranportes - sempre que o Neto não podia usar o pequenino Honda da sede da FRAL, na Avenida D. João II.
A cidade tinha picos de insegurança, frequentemente se ouviam rajadas e o ribombar de morteiros, obuses e outras armas. Mas lá íamos passando nos intervalos do perigo.
A tropa do BCAV. 8423 andava toda aconselhada. Nunca andar na cidade em grupos de menos de 5/6 homens. Dizerem sempre para que zonas da cidade iam. Não reagir a provocações.
A 22 de Agosto de 1975, por uma razão da minha vida pessoal, anfitrionei os amigos da foto (mais o Monteiro, que a tirava) com cerveja e marisco. Também isto nos deixa saudades de Angola.

sábado, 21 de agosto de 2010

Medo de morte na estrada de Catete

Campo Militar do Grafanil (imagem retirada do Earth Google)

O Campo Militar do Grafanil situa(va)-se na Estrada de Catae, de Luanda para Viana. Dizia-se, ao tempo, que poderia ter cerca de 20 000 militares. Ali se instalou o BCAV. 8423, no espaço do desactivado Batalhão de Intendência.
Num dos primeiros dias de nossa estadia, saíamos em grupos para a cidade de Luanda e almoçávamos ou jantávamos no restaurante (enorme) de umas bombas de gasolina - ali perto. Ainda hoje todos desconfiamos que ali teremos comido muito cão e gato, tantas eram as refeições de coelho que se lá serviam. Centenas, em cada almoço ou jantar.
Numa das vezes em que para lá nos dirigíamos, fomos interpelados no posto de controlo da PSP por um grupo de adolescentes armados, que a todo o custo nos queriam revistar o pequeno Honda. O Neto, como sempre impulsivo, reagiu à intimação de forma violenta e rapou de um revólver que tinha comprado em Carmona. Eu, devo ter ficado branco, amarelo e de todas as cores, mas também não me dispunha a ceder.
«Somos militares!...», gritou o Neto, disposto a todas as consequências.
Oa adolescentes/crianças - os chamados pioneiros do poder popular - não se intimidaram e mantiveram a ameaça de revistar o carro. Estávamos neste impasse de medos e nervos quando de dentro do posto saíram dois ou três adultos, cada um com uma metralhadora em cada mão!!! Eu, molhava-me de suores frios, sem arma; o Neto, de revólver na mão!
Os homens disseram alguma coisa aos adolescentes/crianças armados, que se afastaram. E nós lá nos safámos. Foi a primeira vez que senti medo de morte. Era de morte o terror que se espalhava na cidade de Luanda! Todos os dias havia notícias de assaltos, raptos, buscas domiciliárias, violações e torturas,  mutilações, assassínios a sangue frio, vinganças e delacções que levaram muita gente para a prisão (e a morte?) na praça de touros, casas incendiadas e prisões, sabe-se lá o que mais.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O 1º. sargento atingido a tiro pelas costas

Junta Governativa de Angola. Da esquerda para a direita: capitão de mar e guerra Leonel Cardoso, brigadeiro Altino de Magalhães, Almirante Rosa Coutinho, coronel piloto aviador Silva Cardoso (Alto Comissário de 2 de Janeiro a 2 de Agosto de 1075) e Major Emílio Silva (foto «A Vertingem da Descolonização», do General Gonçalves Ribeiro)

RODOLFO TOMÁS
Texto

Vamos lá ver como estão essas memórias. Quem se lembra do ambiente que se vivia em Luanda, quando os primeiros homens do BCAV. 8423 chegaram lá chegaram? A CCS e da 1ª. Companhia!?
Muitos militares portugueses que lá encontrámos andavam nas ruas da cidade armados e mais pareciam "Rambos". Granadas à cintura, mais facas de mato, e alguns, vi eu, com Walther´s.
Tudo isto porque no dia 26 ou 27 (!) de Julho, um 1º. sargento português foi atingido a tiro, pelas costas, por homens do MPLA.
Depois de um comunicado na rádio, lançado pelo Alto Comissário, exigindo a entrega dos responsáveis por tão hediondo acto, tal não veio a acontecer. Resultado: foi numa manhã de domingo, alguns dias antes de nós chegarmos a Luanda, que a tropa portuguesa arrasou o aquartelamento de Vila Alice, junto ao cinema Império. A honra estava salvaguardada, desta forma mostrou-se que as FA ainda mandavam no território.
Quem se lembra deste acontecimento?
RODOLFO TOMÁS
1º. cabo rádio-montador

A situação abordada pelo Rodolfo Tomás vem descrita numa entrevista concedida pelo General da Força Aérea Silva Cardoso, que era o Alto Comissário naquela data e se demitiu logo depois. Foi recolhida pelo jornalista Rui Oliveira e pode ser lida AQUI.
Transcrevemos a parte respeitante:


A desafronta de Vila Alice


P: Pode descrever o sucedido naquele caso de Vila Alice, com o MPLA ?
R: Esse acontecimento, altamente lamentável, teve lugar em fins de Julho de 1975. Certo dia dia, já tarde, um jeep das nossas Forças Armadas, transportando um sargento e respectivo condutor, foi interceptado e mandado parar por uma patrulha do MPLA. Depois de identificados, foram autorizados a prosseguir mas, logo que a viatura se pôs em marcha, o sargento foi alvejado pelas costas, tendo ficado gravemente ferido.
P: Não houve mortos ?
R: Não. Tive conhecimento desta ocorrência, já bastante tarde, creio que depois da meia-noite. Reuni, de imediato, a Comissão Coordenadora e os Comandantes Militares. Perante a gravidade da situação, foi decidido exigir, ao MPLA, a entrega do autor do disparo cobarde e traiçoeiro, para ser julgado, de acordo com a legislação em vigor. Deixei bem claro que a entrega teria de se processar, a bem ou a mal, às primeiras horas da manhã seguinte.
P: A quem confiou a execução dessa missão ?
R: Ao Brigadeiro Heitor Almendra, Comandante do COPLAD, militar da minha inteira confiança e que gozava de grande prestígio, não só no seio das nossas Forças Armadas, como entre os militares dos movimentos. Foi-lhe conferida toda a liberdade de acção para o cumprimento da missão, usando os meios e as modalidades que julgasse mais adequadas.
P: A Comissão Coordenadora concordou com essa acção ?
R: Nem abriram a boca. Compreende-se, num caso destes, em que os nossos militares foram alvejados pelas costas ... Alguém tinha a coragem de tomar uma atitude contra uma ordem destas ?
P: Qual foi a reacção do MPLA, a essa operação ?
R: Na altura, compreenderam mas, depois, vieram explorar o sucedido, como algo criminoso da minha parte.
P: Acusaram-no de ter dado a ordem de atirar sobre a sede do MPLA, em Vila Alice ?
R: Sim. Através da Comunicação Social e não só....

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A insegurança nossa de cada dia...

Praça de Touros de Luanda, em foto aérea de 2004 (tirada da net)

Os dias de Agosto de 1975, na Luanda que fervia em vésperas de se tornar capital de um novo país, foram vividos entre a intranquilidade e receio de um incidente que poderia ocorrer a cada momento e a vida flautiada de quem, para além dos serviços de rotina, não tinha actividade operacional. A não ser alguma «urgência». Mas todos os dias eram dias de mais histórias e dramas pessoais e familiares. Principalmente entre a comunidade civil.
Os Cavaleiros do Norte eram especialmente recomendados no sentido de se movimentarem em grupos e sempre indicando (na unidade) para que zona da cidade se deslocariam. Lá seriam procurados, em caso de desaparecimento. O que felizmente nunca aconteceu.
Por estes dias, recebi um apelo de minha mãe: «Ninguém sabe da Cecília e da família. Vê lá se os descobres...». A Cecília morava em Nova Lisboa, a mais de 500 quilómetros, e minha mãe, seguramente, não tinha noção das distâncias. Tentei contactar Cecília pelo telefone do Hotel Bimbe (que era dela e do marido), mas nunca ninguém atendeu. Supus o pior e ocorreu-me a minha conversa com eles, em Abril (ver AQUI).
Procurei-os horas e dias seguidos, no aeroporto de Luanda - onde se juntava milhares e milhares de pessoas - os retornados... - na esperança de os localizar. Até anúncio de rádio fiz! Nunca tal consegui... e só vim a encontrá-los já na nossa terra natal, em Setembro de 1975.
Luanda fervilhava de boatos e falava-se em massacres permanentes, na praça de toiros. E não era rara a vez que os «stops» nos incomodavam entre a cidade e o Grafanil e este e Viana - onde eu, o Neto e o Monteiro estávamos domiciliados. Era sempre o Neto, mais afoito que eu, quem «enfrentava» a «turba» - às vezes com excessiva e perigosa generosidade.
Rajadas (principalmente de noite), rebentamento de granadas, morteiros e outro material militar tornaram-se parceiros do dia-a-dia. A pouco tempo antes segura e pacífica Luanda tornou-se uma espécie de lotaria de guerra. Insegura, crescentemente violenta e grávida de medos! A cada segundo, tudo poderia acontecer. 
- RÁDIO. A Emissora Oficial de Angola tinha, ao tempo, um programa diário (e repetido), no qual se procuravam pessoas de quem se tinha perdido o contacto.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O telegrama forjado, para os refugiados do MPLA passarem...

Alferes Garcia e capitães Falcão e Themudo na varanda do edifício do Comando do BC12

JOSÉ DIOGO THEMUDO
Capitão
Em data que não posso precisar, eu e o Coronel Ramiro Mourato, Chefe de Estado Maior do Comando de Sector de Carmona, fomos ao Negage - onde a coluna que seguia com alguns "refugiados" (famílias dos militares e simpatizantes do MPLA), com destino a Luanda, foi impedida por militares da FNLA de continuar a sua marcha.
Falando com os responsáveis locais da FNLA, estes diziam que toda aquela gente queria fugir para Luanda para depois se reorganizar e voltar, em força, à sua terra. As famílias e os simpatizantes do MPLA sabiam que, se ficassem e sem a protecção das nossas tropas, seriam mortos e por isso queriam fugir.
Para evitar mais derrame de sangue, o Coronel Mourato voltou para Carmona e, com o General Leão Correia, forjaram um telegrama que chegou às minhas mãos e às mãos dos responsáveis da FNLA, supostamente enviado pelo Ministro do Interior, Ngola Kabango, onde dava ordens às tropas da FNLA para deixarem passar a coluna. E assim, após algumas horas de conversações, a coluna partiu para Luanda -  onde chegou sem mais problemas.
JOSÉ DIOGO THEMUDO
Capitão
- THEMUDO: José Diogo da Mota e Silva Themudo, capitão de cavalaria, foi 2º. comandante do BCAV. 8423 de Março a Setembro de 1975. Residente em Lisboa, é aposentado, com a patente de coronel. 
- NOTA: O relato refere-se à evacuação de civis
e militantes do MPLA, depois da sua derrota militar de
Carmona, nos primeiros dias de Junho de 1975

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O BCAV. 8423 cumpriu a sua missão! Outros, não!!!

Antigo BC12, de onde saiu o BCAV.8423 a 4 de Agosto de 1955 (foto de 2004)


ANTÓNIO ALBANO CRUZ
Texto (fim)

A terminar, guardo na memória o discreto momento do arrear da bandeira Portuguesa no quartel de Carmona. Sei que devo ter algures uma fotografia, com o companheiro e amigo Alferes Garcia, desse acto emotivo e solene que decorreu com a maior simplicidade e longe dos olhares de praticamente toda a gente.
Não sei se o nosso tenente Luz saberá do que foi feito dessa e das outras bandeiras que fomos retirando dos lugares que deixamos para trás. Será que alguma ficou para a história do nosso Batalhão?

É já convicção de muitos, militares e civis, que, apesar de todo o tipo de dificuldades, o Batalhão de Cavalaria 8423, ao contrário de outros que na altura não se queriam comprometer ou se julgavam progressistas..., cumpriu heróica e patrioticamente o seu dever, respeitando e fazendo-se respeitar pelas populações em geral e, sobretudo, pelos três movimentos de libertação.
Parabens pelo blogue, que nos ajuda a não perdermos a memória e a mantermo-nos unidos na defesa dos princípios patrióticos que nos levaram àquela missão.
A. A. CRUZ
- CRUZ. António Albano Araújo de Sousa Cruz, alferes miliciano, comandante do Pelotão Mecânico-Auto. Engenheiro, natural e residente em Santo Tirso.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A epopeia que foi deixar Carmona, a solidariedade e a amizade...

Pioneiros, adolescentes armados. O chamado Poder Popular (foto da net)

ANTÓNIO ALBANO CRUZ
Texto (continuação)

Ao chegar ao Grafanil, recordo-me de ter falado com um reporter inglês e de sermos filmados com um “garboso” militar do MPLA, com menos de 14 anos de idade, de camuflado e Kalachnikov, que estava ali a fazer guarda.

Não se pense que a imagem deste soldado - e a de outros como ele - me causou qualquer estranheza, ou espanto, pois tive a oportunidade de apreciar outras, tanto ou mais bizarras e surreais.
Em Salazar, por exemplo, a de uma patrulha de 6 soldados num «burro do mato» (Unimog 411), um com uma vistosa gravata por cima do camuflado; outro, de sobretudo beje impecável, um outro com um véu de noiva e, ao lado do condutor, o comandante da força, o maior..., de chapéu de palha enfiado.
Imagine-se as pilhagens que por ali não houveram!
Naqueles dias, a azáfama e as emoções foram tantas que eu, que normalmente andava com o gravador e as máquinas de fotografar e filmar, quase nada tenho sobre esta coluna de militares e civis. Quanto ao resto, resta-me a esperança de um dia passar alguns filmes super 8 para DVD e recuperar algumas gravações e fotografias.
Penso que a adversidade de uns e as dificuldades de outros proporcionaram momentos de solidariedade e até amizade que noutras condições não eram possíveis. Ultrapassados os complexos, os constrangimentos, os ódios e ressentimentos gerados com a descolonização, começa a ver-se fazer a história das estórias de todos nós, Portugueses, que nasceram ou viveram ou lutaram nas províncias ultramarinas e estou convicto que a epopeia que foi deixar Carmona e trazer connosco milhares de retornados será, um dia, um bom pretexto para um livro e um filme.
A. A. CRUZ
Alferes miliciano
(continua)

domingo, 15 de agosto de 2010

A Scânia abandonada e os jeeps enterrados no Grafanil...

O pelotão do Parque-Auto, comandado pelo alferes Cruz (quarto, em cima, da esquerda para a direita, de bigode), seguiu na coluna de Carmona para Luanda. 1º. sargento Aires (o terceiro, de óculos) e furriel Morais (de óculos, quarto da 2º. fila, da direita para a esquerda). Entrada de Lucala (em baixo)


ANTÓNIO ALBANO CRUZ
Texto (continuação)

Já perto do Lucala, um camião Scânia, contratado a um civil e carregado com dois jeeps e o material e equipamentos de manutenção-auto, estava com problemas nos travões. Rapidamente os nossos mecânicos detectaram um tubo do circuito de travões inutilizado. Tentou-se tudo, mas não conseguimos resolver o problema. Colocado  ao nosso comandante, o tenente-coronel Almeida e Brito, via rádio, pois a coluna tinha vários quilómetros de comprimento, a ordem mais uma vez foi: «Salvem o que puderem e deixem ficar a viatura...».

O dono da Scânia estava desesperado e implorava por Deus que o deixássemos continuar, pois avançaria com todo o cuidado e, em Salazar (Dalatando), que já não estava longe, haveria de encontrar alguém que lhe resolvesse o problema. A Scânia era o bem mais precioso que lhe restava e ainda acalentava a esperança de, com ela, chegar à Africa do Sul. Permitimos que continuasse no fim da coluna, devagar e com muito cuidado mas, passados 5 ou 10 quilómetros não consegiu segurá-la e a Scânia caiu numa valeta. Aí, já não havia tempo a perder e tivemos que a deixar.
Ao chegar a Luanda (Grafanil), tivemos de fazer os autos de extravio dos jeeps e alguns equipamentos e como se isso não bastasse - só quem os fazia sabia o que custava... - passados alguns dias recebemos uma mensagem do batalhão de Salazar a dizer que tinham lá dois jeeps e que os fossemos buscar. Tentámos esquecer a mensagem pois os jeeps já não faziam parte do nosso inventário, mas passados uns dias lá estavam eles no Grafanil.
No meio de toda a confusão gerada com o aproximar da partida e da independência, o mais fácil era fazer desaparecer os jeeps - que acabaram por ser enterrados.
Recordo ainda que, a meio da viagem e sob tensão e muita expectativa, o nosso Comandante recorreu a Daniel Chipenda para podermos continuar em segurança. Recordo que fiz a viagem num Land Rover, que pertencia à PIDE/DGS de Carmona, e que nas duas noites de viagem, foi debaixo dele que descansei.
A. A. CRUZ
Alferes Miliciano
(continua)

sábado, 14 de agosto de 2010

Paiol a arder e rebentamentos contínuos em Carmona

Alferes Cruz (1º. plano) e furriéis milicianos Viegas e Machado


ANTÓNIO ALBANO CRUZ
Texto

A coluna militar saiu de Carmona para Luanda no dia 4 de Agosto de 1975, fez agora 35 anos.Os dois dias e meio da viagem e os que os antecederam foram dias que não esqueceremos fácilmente.
Ao pelotão-auto, que praticamente integrou na totalidade a coluna, requeria-se alguma responsabilidade quanto aos combustíveis e operacionalidade das viaturas que a integravam. Relativamente aos combustíveis e lubrificantes, era importante que não faltassem às viaturas militares mas havia que socorrer também as viaturas civis fretadas pelas nossas tropas e todas as civis ligeiras e pesadas que nos acompanhavam. Penso que fizemos tudo o que era possível para, até à ultima hora, satisfazer e consolar todos, não apenas relativamente aos combustíveis e transporte mas também a bens pessoais esquecidos - como o BI ou certificados de habilitações e outros documentos, ou umas simples fotografias de família, que os retornados não queriam nem por nada perder.
Era angustiante ver o desespero daqueles que, querendo salvar o mínimo imprescindível, se viam obrigados a deixar tudo, só porque lhes faltava segurança, transporte ou combustível.
Fui dos ultimos a sair de Carmona e recordo-me termos deixado a parada do quartel cheia de mobiliário e uma sala cheia de todo o tipo de armas empilhadas. Lembro-me ainda que quando já iamos a uns quilómetros de Carmona, ouvimos uns fortes estrondos e, olhando para trás, vimos o paiol de munições a arder e com rebentamentos contínuos.
Fiz a viagem praticamente na cauda da coluna, logo à frente da companhia de pára-quedistas que a fechava, e isso permitiu-me ver o que ficava para trás. E o que ficava para trás mexia connosco, a uns mais que outros, e recordo-me, por exemplo, de ver que, num acto de desespero e com granadas, se destruiu uma viatura e o que nela se encontrava.
“Se não podemos levar a Berliet, também não fica para eles …”, ouviu-se.
A. A. CRUZ
Alferes miliciano
(continua)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Disparos e voos rasantes dos FIAT´s da Força Aérea

Helicanhão (em cima) e Fiat da Força Aérea Portuguesa apoiaram o movimento da coluna do BCAV. 8423, de Carmona para Luanda - de 4 a 6 de Agosto de 1975 (fotos da net)


MANUEL DEUS
Texto

Passado o episódio dos heli-canhões (ver ontem), recomeçámos a nossa viagem, agora com os ouvidos mais apurados, não fosse o diabo tecê-las.
Entretanto, a coluna não parava de aumentar. Por cada povoação que passávamos, por mais pequena que fosse, havia sempre quem se juntasse a nós. Fazia pena ver as famílias a separarem-se. Ficavam os homens e partiam as mulheres e crianças.
A viagem decorreu sem problemas, até que chegámos ao limite, digamos assim, do domínio da FNLA. Aí, eles jogaram a última cartada. Como é sabido por relatos anteriores, os FNLA queriam que lhes entregássemos os carros, armas, enfim tudo. Como isso não aconteceu, nem podia acontecer de forma alguma, tinham a última chance de nos experimentar.
Desta vez, foram os FIAT da Força Aérea, com os seus disparos e voos rasantes, bastante sonoros e eficazes, que puseram cobro à situação.
Foram duas situações com muito stresse, a juntar à outra do Quitexe,descrita noutro relato, que marcaram.
Como a viagem durou dois dias, tivemos uma noitada de completa vigia, em que cada um se tentou proteger o melhor possível do muito cacimbo, frio e ansiedade...
Recordo-me de me ter deitado debaixo do unimogue, sobre o alcatrão.
Manuel Deus
1º. cabo op. cripto da 3ª. CCAV. 8423

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Ataque da FNLA à coluna para Luanda

Militares da 3ª. CCAV. 8423 com alguns civis da coluna militar


MANUEL DEUS
Texto

As colunas militares que transportavam os caixotes com os haveres das tropas foram impedidas de avançar para Luanda. Já aqui se falou disso. E creio que esse transporte só foi conseguido à terceira tentativa.
Assim, e depois dos acontecimentos de Luanda (era dito pela FNLA que Rosa Coutinho tinha entregue armas, munições, carros, etc. ao MPLA) e das ameaças às tropas portuguesas feitas pelo FNLA, em Carmona, argumentando com os acontecimentos de Luanda, ninguém, mas mesmo ninguém, esperava qualquer tipo de facilidade na saída da coluna final.
A 3ª. Companhia do BCAV. 8423 já tinha experiência de «entregar as chaves», primeiro as da fazenda de Santa Isabel (pacífica...), depois as de Quitexe (em ambiente escaldante!!!) e tinha agora, com a 2ª. Companhia, uma Companhia de Comandos e outra de Pára-quedistas (muito "cacimbados", dizia-se, de comissões de serviço em Moçambique e na Guiné), tinha agora uma missão muito mais delicada. Não se tratava de entregar só as chaves, mas fazer todo um percurso de retirada.
Confesso que depois da tantos anos, só me lembro (se calhar felizmente) de passagens que marcam qualquer um para toda a vida. Por isso, desde já lanço o desafio a quem melhor se lembrar dos acontecimentos (estou seguro que haverá quem...), venha ao blogue dizer de sua justiça.
Feitos os preparos logísticos, as quatro companhias partiram no 4 de Agosto de 1975, bem cedo, de Carmona. Havia que avançar o mais possível.
À medida que o conta-quilómetros avançava, a coluna ia-se estendendo, com viaturas civis intercaladas com as militares.
Seguia à frente a Companhia de Comandos, depois as duas companhias do BCAV. 8423, civis e, a fechar, os Páras.
Com muitos quilómetros já feitos, passávamos num vale e tivemos "festa"! Colocados em pontos mais altos, os guerrilheiros da FNLA fizeram-se anunciar através das suas «kalaches». Imediatamente, a coluna abrandou, de forma a podermos ficar mais juntos e menos expostos. As nossas tropas responderam, mas foram dois héli-canhões que nos deram uma grande ajuda, espantando a «caça». Pelos vistos, eles nunca gostaram muito de «objectos voadores!»
Não acaba aqui...
MANUEL DEUS
1º. cabo da 3ª. CCAV. 8423
(continua)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Razões humanitárias na razão da coluna terrestre

Militares da 3ª. CCAV. do BCAV. 8423 na coluna de Carmona para Luanda


MANUEL DEUS
Texto
A coluna de Carmona para Luanda incluía a 2ª. e a 3ª. Companhias do Batalhão de Cavalaria 8423. A viagem por terra era absolutamente necessária, pois era impossível que todo o batalhão utilizasse o meio aéreo para regressar a Luanda. Por questões de logística, dado que seria impossível proceder ao transporte de toda a frota automóvel, as armas, munições e diverso material, utilizando o meio aéreo.
Por questões de segurança, dados que os últimos a sair seriam um alvo demasiado fácil de abater.
Por questões humanitárias, pois a retirada das tropas por terra era (e foi) a única forma de garantir protecção à população civil da região do Uíge e todo o corredor de Carmona a Luanda, via cidade de Salazar.
Os civis africanos, mas principalmente os europeus, queriam dirigir-se a tudo o custo para Luanda, dadas as ameaças de que eram alvo por parte dos movimentos de libertação, que lhes provocavam ansiedade e a certeza de que tinha chegado o momento de salvar os dedos e as vidas.

Os anéis, esses estavam irremediavelmente perdidos.
Houve ainda vários chefes de família que mandavam as mulheres e as crianças, ficando eles numa última tentativa de poder salvar mais alguns bens, ou na esperança de que as coisas não fossem tão más como a realidade mostrava.

A coluna militar, ou melhor civil-militar (a certa altura eram mais civis do que militares), chegou a Luanda com quilómetros de comprimento.
MANUEL DEUS
1º. cabo da 3ª. CCAV. 8423

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Dever cumprido!

Entrada principal do Campo Militar do Grafanil, nos arredores de Luanda,
antes de Viana e na estrada de Catete


Os bravos Cavaleiros do Norte, chegados de Carmona por via terrestre, tiveram um curso período de repouso, nas instalações do Batalhão de Intendência do Grafanil - minimamente «higienizadas» pela CCS que chegara dias antes. Foi tempo de alguns «avisos» sobre como sobreviver em Luanda, reagir às provocações e às emoções.
A cidade ciactrizava as consequências dos combates que levaram ao MPLA a expulsar a FNLA e a UNITA e o ambiente era muito hostil à tropa. Mais ainda ao BCAV. 8423 que, por ser de formação pré-25 de Abril, era apontado como colonialista e, pior que isso, contra-revolucionário. Pelos próprios militares portugueses, que nos apontavam dedos e  acusações que nós não entendíamos. Chegaram a acontecer algumas confrontações, felizmente sem consequências especiais.
O batalhão ficou a cumprir missões de unidade de reserva da Região Militar de Angola e teve esporádicas intervenções na cidade. Nomeadamente, num grave incidente no Bairro do Saneamento - onde viviam vários membros do Governo Provisório de Angola - ali valendo a uma companhia de intervenção recém-chegada de Lisboa, muito revolucionária e ainda mais mal preparada, que se viu «emboscada» entre dois fogos. 
A necessidade de responder aos compromissos tomados com os movimentos de libertação, quando aos efectivos militares a estacionar em Angola, reduziu as comissões militares para 15 meses - o que nos antecipava a partida, para Setembro (como veio a acontecer).
«Sem pretender fazer doutrina sobre factos passados, mas ainda bem presentes, julga-se que bastará sentir-se que se parte com a consciência de haver cumprido o dever que nos solicitaram e que nem sempre foi fácil de cumprir», considerou, então, o comandante Almeida e Brito.
E havia a certeza dessa consciência? «Julga-se que sim», considerou o tenente-coronel que liderou os Cavaleiros do Norte, demasiadamente modesto na sua opinião, tendo em conta a odisseia que se tinha acabado de viver e que, pela frente, ainda tinha dias muito incertos. 

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A chegada ao Grafanil, com reportagem da BBC...

Dondo (em baixo) a Luanda, 174 quilómetros da última etapa da coluna do BCAV. 8423, de Carmona até ao Grafanil - assinalado no ponto pequeno, a vermelho. A chegada teve cobertura da BBC


Dondo, a 174 qulómetros de Luanda, foi a segunda e última noite de descanso e vigilância da coluna dos Cavaleiros do Norte. Noite de alvoroço e expectactiva. Para trás, ficavam já dois dias e duas noites de vários perigos, de viaturas abandonadas, barreiras armadas e agressivas, ameaças e dramas - principalmente vividos pela comunidade civil.
«Havia barreiras na estrada, com homens armados a impedir a passagem dos carros e alegando que quem fosse nascido em Angola não passava...», recorda-se Eugénia Duarte, ao tempo com dez anos e nossa contemporânea no Quitexe. Uma das civis que integrou a coluna.
A coluna arrancou do Dondo às 7 horas da manhã. Às 10, foi sobrevoada por dois aviões Fiat e um helicóptero, este com uma equipa de reportagem da BBC. Às 11, passou por Catete e o Grafanil recebeu-a a partir do meio dia, com um tempo de escoamento de 45 minutos. Terminava, assim, o movimento do Batalhão de Cavalaria 8423 de Carmona para Luanda, após 570 quilómetros e 58,45 horas, trazendo entre 700 a 800 viaturas. Sem uma morte!!! Sem um ferido!!!
Terminava também a odisseia de milhares de civis que, à chegada a Luanda, choravam por se sentirem salvos.
A missão, considerou na altura o comandante Almeida e Brito, «terá sido a mais difícil do batalhão, mas também a que bem demonstrou o seu «querer e saber querer», conduzindo uma operação que, forçosamente, terá de ser um pilar bem marcante da sua história».
Recordo-me da chegada ao Grafanil, ainda na estrada Catete, depois de Viana. Muitos de nós, armados quanto podíamos, fomos esperar a coluna. Foram momentos particularmente emocionantes, entre a alegria do reencontro com os nossos companheiros e o olhar dos dramas vivos dos civis - que choravam e riam, se abraçavam uns aos outros e aos militares e reencontravam com amigos e familiares de Luanda. Sentiam-se a salvo, depois das tragédias que cada qual viveu na província do Uíge e no decorrer da coluna.

domingo, 8 de agosto de 2010

O helicóptero alvejado entre Lucala e Salazar...

O itinerário da coluna militar que saiu de Carmona para Luanda, assinalado a vermelho. O percurso mais curto, a verde, estava «impedido» no Caxito e Cacuaco (clicar na imagem, para a ampliar)



Samba Cajú ficou para trás às 6,30 horas de 5 de Agosto mas logo depois, no controlo à saída da vila, na estrada para o  Luanda, «surgiram novas dificuldades, novamente torneadas», mas que levaram a um atraso de mais de duas horas.
A marcha foi retomada às 8,30 e chegou-se a Vila Flor às 11 da manhã, debaixo de um calor tórrido e a mesma ansiedade e nervosismo. O que vai acontecer?! As dificuldades logísticas aumentavam e cada quilómetro galgado na estrada era sempre um tempo expectável para qualquer escaramuça. Essencialmente porque as forças locais que se cruzavam com a coluna não queriam deixar passar os civis. E apareciam gente de todo o tipo, adultos e adolescentes, armados e ameaçadores.
Mais viaturas de civis se juntaram em Vila Flor, casando as suas esperanças de «fuga» na protecção militar. Entrou-se, logo depois, em «terra de ninguém», nem da FNLA, nem do MPLA, e ordenou-se uma paragem, para reagrupamento das largas centenas de viaturas - numa coluna que, em alguns momentos, terá atingido os 20 quilómetros, entre a frente e a rectaguarda.
Os helicópteros estacionados em Salazar (actual Dalatando) continuavam às ordens da coluna e foram «requisitados», para reconhecimento do itinerário. Um deles foi alvejado. Confirmava-se a pior suspeita: o MPLA estava disposto a tudo, para evitar a passagem da coluna. Mais negociações. Recordo-me de o comandante Almeida e Brito me contar, em Coimbra (nos anos 80, era ele 2º. comandante da Região Militar Centro) que o segundo dia foi decisivo e dramático. A designação «terra de ninguém», na prática,  significava que tudo podia acontecer. E o ataque ao helicóptero foi um mau sintoma. Valeu a acção negocial terrestre, num contacto directo com o MPLA, por volta das 13,30 horas.
Há distância de 35 anos, feitos há três dias, podem imaginar-se os constrangimentos, os medos, as dores que se sentiram na dramática coluna de 700 para 800 viaturas que ia de Carmona para Luanda, depois do ataque a um meio aéreo.
Em Lucala, por volta das 14 horas, abandonou-se outra viatura e seguiu-se Salazar. A cidade demorou quatro horas a atravessar, entre as 16 e as 20, «dado terem de se resolver inúmeras avarias». Abandonou-se mais uma viatura e a coluna retomou a marcha, «incorporando na testa uma companhia de pára-quedistas que se encontrava de reserva», no Comando Territorial de Salazar.
Chegou-se ao Dondo às 23 horas, com nova interrupção de marcha e descanso.

sábado, 7 de agosto de 2010

A chegada da coluna a Samba Cajú

Samba Cajú, em 2006, foto de Jorge Cruz. Por aqui passou e estacionou
a coluna militar do BCAV. 8423, de 4 para 5 de Agosto de 1975

As dificuldades vividas no Negage «esgotaram os nervos» da coluna saída de Carmona para Luanda. Mas, cito o Livro da Unidade, «estavam vencidas das primeiras dificuldades».
A coluna, já reorganizada e agora com cerca de 700 viaturas -  entre militares e civis!... - arrancou da cidade às 18 horas de 4 de Agosto de 1975 e, uma hora depois,«sem problemas», passou o controlo de Camabatela - onde «recebeu» mais dezenas, talvez centenas de civis.
«Foi o renascer da esperança para essa gente, foi o acreditar na missão das NT», lê-se no Livro da Unidade, em referência aos civis «colados» à coluna militar.
Tiros, ameaças, deflagrar de bombas, mais perto ou mais distantemente da coluna militar, foi «hábito» de ouvir que rapidamente se criou, entre todos - militares e civis. Às 20,30 horas desse mesmo dia 4 de Agosto de 1975, estacionaram em Samba Cajú, para pernoitar, refazer estratégias, reparar viaturas, comer e descansar - sempre de vigilância atenta, pois não era bem-vinda a sua passagem, quer pela FNLA quer pelo MPLA.
O pelotão-auto da CCS, que na sua quase totalidade integrou a coluna, tinha a responsabilidade quanto aos combustíveis e operacionalidade das viaturas e aqui se apostou e ganhou na competência do alferes Cruz e dos seus homens.
«Era decisivo que não faltassem combustíveis e lubrificantes às viaturas militares mas havia também que socorrer as viaturas civis fretadas pelas nossas tropas e todas aquelas civis ligeiras e pesadas que nos acompanhavam», recordou, agora, o então alferes Cruz, que pouco descansou nesses dois dias e meio de viagem e debaixo do Land Rover que lhe serviu de transporte.