sábado, 28 de agosto de 2010

O desaparecimento do Mário e da Benedita

Portugália, na baixa de Luanda, local de grande concentação de militares. É
o edifício azul. Ao seu lado direito, ficava o jornal A Província de Angola

As escaramuças da estival Luanda de 1975 explodiam todos os dias e a vida civil continuava, com milhares de portugueses a tentarem viajar para Lisboa, fugindo da guerra que se multiplicava na capital.
Amontoavam-se no aeroporto, à espera de um voo para Lisboa e por lá andei, nesse tempo, em busca da família Neves Polido (Cecília, marido e quatro filhos, mais a mãe de Cecília - minha madrinha Isolina - como já aqui falei).
A ponte aérea começara a 17 de Julho e viria a terminar a 3 de Novembro, envolvendo milhares de voos da Luanda para Lisboa, evacuando qualquer coisa parecida com meio milhão de pessoas - muitas delas já (ou) sem raízes em Portugal.
A situação política e militar evoluía: a 22 de Agosto de 1975 e através do Decreto-Lei nº 458/A-75, Portugal suspendeu o Acordo do Alvor e, a 25, foi criada a Junta Militar, que passou a assegurar a governação em Angola. A 30 de Agosto, o almirante Leonel Cardoso tomou posse do cargo de alto-comissário.
Leio agora um aerograma de minha mãe, de Agosto desse ano mas do qual, infelizmente, não consigo despistar o dia: «Fala-se aqui que o Mário e a Benedita terão desaparecido, ou que até terão sido mortos e que também não se sabe da filha, lembrei-me que como outro dia disseste que tinhas estado em casa deles, para ires ver se sabes deles». O alarme pôs-me a caminho, para o Bairro da Cuca - onde eles moravam.
Ao passar o bairro de S. Paulo, de táxi, sentimos de novo a ameaça do chamado poder popular. Lá passámos, com a minha esperança a levedar: se os encontrar, vamos comer bacalhau ao Vilela. Mas rapidamente faleceu a ideia: a casa deles, e outras do mesmo bairro da Cuca, estavam parcialmente destruídas. Por lá perguntei por eles e por eles procurei nos escombros das casas, que ainda pareciam fumegar. Nada vi, ou ouvi sobre eles.
Pensei o pior e regressei à baixa, com a ideia de falar com Rebelo Carvalheira, jornalista de A Província de Angola -, talvez ele me pudesse ajudar!!... - e qual não foi o meu espanto quando vejo, na primeira página e em primeiro plano, os rostos de Mário e de Benedita, na frente da manifestação que, na véspera, a população branca, aos milhares!..., fizera frente ao Palácio do Governo Geral. Estavam vivos!!! Faltava descobri-los! E foi o que aconteceu, com uma dica de alguém, na frente da Portugália, ao lado do Província de Angola. «A Sacor recolheu os seus empregados e famílias, pode ser que lá estejam...». E estavam! Hoje, fui ali a casa deles (a 400 metros da minha) para reviver estes dias de Luanda.
- MÁRIO E BENEDITA. Mário Tavares Coelho e Maria Benedita Pires dos Santos, ele mecânico da Sacor, ela doméstica. Conterrâneos meus, que residiam no bairro da Cuca, em Luanda.
- REBELO CARVALHEIRA. Jornalista de A Província de Angola e, mais tarde, de A Bola. Já faleceu.
- FAMÍLIA NEVES POLIDO. Ver AQUI, AQUI.

1 comentário:

joao de miranda m. disse...

Bom texto. Traça um bom retrato da situação ao tempo.