domingo, 29 de agosto de 2010

Embarcar com as armas apontadas para a pista...


Entrada do Campo Militar do Grafanil (em cima) e carta de Alberto Ferreira

 
«Isto não está grande coisa, mas parece-me que sempre é melhor que aí...». Era assim que Alberto Ferreira, cabo especialista da Força Aérea, me dava novas do Portugal de Agosto de 1975, a que ele chegara, de Luanda. Em carta do dia 27, dizia-me que fizera de pé na maior parte da viagem, no avião de Luanda para Lisboa. Mas «...o que me interessava era sair daí!».
Por Angola, também o BCAV. 84123 dava as últimas e o Alberto falava-me da «má informação» que circulava em Portugal sobre a situação de Angola. «Ó pá, eu nem posso falar do que sei e vi, que até parece que me querem comer...», dizia-me ela. 
Por este altura, chegou ao Grafanil um Batalhão de Intervenção e, naturalmente, procurámos gente das nossas terras. No meu caso, não achei ninguém da zona de Águeda. Mas tive uma violenta discussão com alguns militares da primeira companhia a chegar. Perguntávamos nós por novidades de Lisboa e queriam eles saber as de Luanda. Quando os avisávamos dos perigos da cidade, sugerindo-lhe as precauções que melhor entendíamos - por causa da insegurança e insuficiências da cidade... -, chamavam-nos de tropa fascista e colonialista, contra-revolucionária, sei lá que mais.
A discussão atingiu proporções muito desagradáveis, nomeadamente quando um grupo de militares do PELREC se aproximou de mim, dizendo-me que iam para a cidade e para que zona. Que não podia ser, que os praças não tinham que dar-nos satisfações, que podiam ir para onde quisessem e quando bem entendessem, sem terem que dar cavaco às hierarquias. Bom, isto, para nós, era anarquia! Para eles, era revolução!!! E bem os avisámos.
«Nós vamos embora a 8 de Setembro. Deus queira que vocês não sejam comidos e não tenham de embarcar com as armas apontadas para a pista...», alertei eu, engrossando o tom de voz, na discussão directa com um jovem alferes miliciano. Afinal, nós eramos os veteranos!
«Fascistas, colonialistas, reacionários, imperialistas !!!...», pregavam os nossos recém-chegados companheiros - a quem, em Lisboa, tinham dito que apenas precisavam de levar cremes da barba e dos dentes - que o resto, havia em Luanda. O que não era verdade. A cidade tinha problemas de abastecimentos, nomeadamente resultante da crescente fuga dos europeus.
Viriam a ter dramática estreia de fogo, no bairro do Saneamento. De tal modo, que ainda nem todo o batalhão estava em Luanda e já exigiam o regresso a Lisboa. O que nos rimos nós, de gozo..., quando fomos assistir ao plenário destes militares.
Plenário, «coisa» que não existia no nosso vocabulário. E eles queriam já voltar a Lisboa?!!! Pois, pois...
- FERREIRA. Alberto Fernando Dias Ferreira, 1º. cabo especialista da Força Aérea e meu companheiro de escola, em Águeda. Mais tarde, licenciou-se em Economia e foi quadro superior da administração fiscal. Já falecido, foi candidato a presidente e por duas vezes vereador da Câmara Municipal de Águeda.
- SANEAMENTO. Bairro onde se localizavam as residências dos governantes de Angola. O Batalhão de Intervenção teve estreia de fogo no local, que (se me lembro bem) envolveu várias mortes.

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