O BC12, onde se aquartelou o BCAV. 8423, de Março a Agosto de 1975
Sábado, 2 de Agosto de 1975. É véspera da saída da CCS, de Carmona para Luanda. E já se sabe que a partida de Luanda para Lisboa seria em Setembro. Há alívios e ansiedades na alma dos Cavaleiros do Norte.
O ambiente na guarnição está calmo. Faço a minha mala e dou conta que não tenho espaço para o correio. O meu estimado correio, cheio de aerogramas e cartas que, um a um, uma a uma, fui numerando e guardando na pequena mala preta que levara com artigos pessoais e livros. Um, dois, três,100 e mas aerogramas e cartas, deste e daquele, numeradas até ao infinito.
Neste dia, recebo correio do Alberto, que agora reli - dando «novas» das «velhas» escaramuças de Luanda. «Isto está fogo, não sei onde isto irá parar...», dizia-me ele. De Portugal, as perguntas eram as mesmas de sempre: «Quando vens, quando chegas?».
Resolvo o transporte do meu correio com uma velha mala cedida pelo Pires, o de Bragança! Enchia-a, tal como a tenho ali no sotão - a cheirar a pó e a saudades. Acamo os molhos de aerogramas e cartas e dou uma volta, nostálgica, pelo álbum de fotografias. A cada uma, associo um, dois, três... momentos. Sinto a dor funda de sofrimentos que passaram e revejo-os, ressinto-os, imaginando os peitos e corações que não rebentaram sob o fogo da metralha, nas picadas e trilhos que ficavam para trás. Dou-me por feliz!!!
Sentado na cama do bloco residencial ao lado do BC12, desfio memórias das mães negras que levavam crianças penduradas nas costas e pilavam a fuba de colheitas magras que lhes matavam a fome! Lembro a velha, de peitos caídos, a cachimbar na porta da palhota da aldeia do Talambanza e fazia fumaças, em núvens leves e rotinadas, esperando a noite de mais um dos seus dias! Recordo os meninos negros, sujos de ranho e de terra, de olhos grandes e a pedir-nos a lata da ração de combate que tantas vezes lhes matava a fome. «Vejo» as mulheres de peitos negros e firmes, que dançavam em corropio, ao som de batuques e mais batuques, enchendo as noites de luar e de cios que nos aguçavam apetites. Faço memória das noites de Angola, noites sensuais e ardentes!..., que nos engravidavam a alma de sonhos! Revejo momentos de evolução operacional, que nos gretavam os pés no calor das botas e faziam os olhos cair-se em lágrimas furtivas e de muitos medos. Sem felizmente nos pôr lutos!
Desfio a memória visual de todos os soldados do PELREC, e todos os outros que foram a minha família de Angola, irmãos meus, meus primos, meus amigos, meus companheiros de todos os dias, homens que carregaram mochilas e armas pela selva adentro, estremecendo - como eu!... - a cada barulho, a cada dor, a cada suspiro, a cada charco de lama feito com o nosso suor, a cada armadilha que se descobriu e não matou!, a cada incidente que nos encheu de medos e perigou os duros e dramáticos dias de Carmona. Homens iguais a mim, meus irmãos, com famílias, amigos, pais, namoradas, mulheres e filhos a rezarem por nós, pelo nosso regresso! Lembro-me das dores físicas, e das mentais!!!, que se cicatrizaram na alma nos 15 meses que se faziam da nossa comissão!
Eu e o Neto voltámos a cidade, com outros amigos, todos trajando a alma civil que se fardava numa comissão que nos honrava! A partida era amanhã, do aeroporto de Carmona. Às 10 horas. Viajámos pela cidade num adeus que se mantém até hoje. Regado de saudades!
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