sexta-feira, 31 de julho de 2009

Direito à auto-determinação e independência de Angola...


Mapa de Angola, A Província do Uíge, a verde, onde ficavam Quitexe, Aldeia Viçosa, Zalala, Santa Isabel, Vista Alegre e outras localidades por onde «missionou» o BCAV 8423

Fez agora 35 anos, a 27 de Julho, que o Presidente da República António de Spínola fez a histórica declaração sobre os territórios africanos administrados por Portugal e rafirmou o reconhecimento do direito à sua auto-determinação e independência.
Relativamente a Angola, o caso que nos interessava, o Governo Português reconhecia esse direito e anunciava-se (à ONU), disposto a aplicar as decisões das Nações Unidas a este respeito.
A notícia chegou ao Quitexe, de forma oficial, faz hoje 35 anos. Fomos (alguns)informalmente chamados à sala do Gabinete de Operações (GO) e lá nos foi dito que havia a intenção de estabelecer, em breve, contactos com os movimentos de libertação, de modo a poderem iniciar-se, logo que possível, negociações formais. Tudo bem! E quando vamos embora? Isso é que ninguém sabia. Para já, para já, há 35 anos..., registei eu (e todos) que a missão das Forças Armadas passava especialmente a vocacionar-se para a garantia da segurança das populações e construção de uma Angola nova, em ambiente de paz e fraternidade. As acções militares passavam a a funcionar de forma limitada e em defesa própria e a garantir a vida e bens da população.
O anúncio deixou-nos algo constrangidos: em defesa própria? Então já não era? Alguém nos explicou que deixávamos de ter acções ofensivas.
Reuniu logo depois o «comité» dos furriéis mais envolvidos: então vai agora vigorar aquela história de levar o tiro no pêlo e só disparar depois? Nãããã... não íamos nessa! Alguém mais ponderado nos sensibilizou para esperarmos e vermos! E assim fizemos, mas não sem nos dispensarmos de uma conversa «pé de orelha» com o comandante Almeida e Brito. Que nos descansou os receios, mas não sem um raspanete: «Deveriam ter falado primeiro com o comandante do pelotão e da Companhia...» - respectivamente, o alferes Garcia (que até estava no GO e assistiu à cena) e de Companhia (o capitão Oliveira).
- MOVIMENTOS. Vulgarmente denominados por terroristas. Operavam três em Angola, mas no Uíge era essencialmente a FNLA. O MPLA não só viria a instalar-se em 1975. A UNITA não operava na província.
- FNLA. Frente Nacional de Libertação de Angola, dirigida por Holden Roberto. Sucessora da UPA - União dos Povos de Angola.
- MPLA. Movimento Popular de Libertação de Angola, liderada por Agostinho Neto.
- UNITA. União Nacional para a Independência Total de Angola, dirigida por Jonas Savimbi.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Os companheiros oficiais milicianos do Quitexe

Pedrosa, Ribeiro, Cruz, Garcia e Hermida, alferes milicianos do BCAV 8423

Alguma coisa me andava a escapar nesta jornada de fazer saudades do Quitexe - e da nossa tropa, a última da vila angolana do norte... - era ter as caras dos nossos amigos, generosos e solidários oficiais milicianos. Os alferes!!!
Tirando o meu herói pessoal, o Garcia - bravo oficial dos «ranger´s» e comandante do PELREC, que tantas vezes já aqui apontei - todos eram algo mais velhos que nós e licenciados em engenharia. Os estudos académicos os levaram mais tarde ao verde do camuflado e à missão militar angolana. Todos gente do alto! A foto chegou-me agora, pela mão atenta do (alferes) engº. Cruz e para a história aqui ficam, da esquerda para a diireita:
- PEDROSA: Luís Manuel Pedrosa de Oliveira, alferes miliciano atirador de cavalaria, da 3ª. CCAV, em Santa Isabel. Mora em Marrazes (Leiria).
- RIBEIRO. Jaime Rodrigues Picão Ribeiro, alferes miliciano sapador, licenciado em engenharia, de 23 anos, reside no Tramagal.
- CRUZ. António Albano Araújo de Sousa Cruz, alferes miliciano mecânico-auto, licenciado em engenharia, 27 anos, residente em Santo Tirso.
- GARCIA- António Manuel Garcia, alferes miliciano de operações especiais (ranger´s), 21 anos, de Carrazeda de Ansiães (já falecido). Ver aqui: http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2009/04/o-alferes-garcia-e-o-4-de-maio-de-1975.html
- HERMIDA: José Leonel Pinto de Aragão Hermida, alferes miliciano de transmisssões, licenciado em engenharia, residente na Figueira da Foz.
Falta, da CCS, o alferes Almeida, que pode ser visto aqui:
http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2009/05/o-alferes-miliciano-almeida.html

terça-feira, 28 de julho de 2009

As mulheres de seios nus e corpo cor de ébano...

Se coisa houve que me prendeu os olhos e a curiosidade foi, chegado a Angola e começando a palmilhar os trilhos que se escondiam nas matas, descobrir mulheres que se passeavam de peitos ao léu e com a maior naturalidade do mundo. Mulheres quantas delas ainda adolescentes e de crianças às costas, carregadas na cabeça com molhos de lenha ou outra coisa qualquer! Bonitas e sensuais, despertando-nos desejos que se adivinham.
Parámos uma vez numa sanzala, não me lembro qual mas ainda muito pouco sabedores das tradições locais, e olhámos todos, todos gulosos para algumas delas, que pilavam o milho como se embalassem as crianças que seguravam nas costas de uma forma estranha.
Outras vezes, víamo-las, caminhando como gazelas, altivas, carregando água numa qualquer coisa parecida com cântaros. E para elas ficávamos a olhar, enquanto caminhavam de seios soltando-nos desejos e corpo a bambolear-se na frente dos nossos líbidos! Mostrando os seus corpos cor de ébano como se quisessem ser nossas cúmplices e ritmar os seus seios nus à nossa gulodice. Quase provocando!!!
Era assim a Angola que fomos descobrindo!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A boleia de Luanda para Vila Viçosa e daqui para o Quitexe

Posto administrativo de Aldeia Viçosa

Aldeia Viçosa era a sede da 2ª. Companhia do BCAV 8423. Situada na chamada estrada do café, que liga Luanda a Carmona, era local de fácil viagem. Num pulo, de unimog ou jeep, ou até de viatura civil (o machimbombo), estava-se em Aldeia Viçosa e não se faziam esperar os confortos de um bom encontro de amigos: o Matos, o Letras, o Melo, o Guedes, o Chitas, o Rebelo e outros.

A CCAV era comandada por um quase vizinho daqui, de Esmoriz - ao tempo praticante de voleibol (suponho que campeão nacional), capitão miliciano e engenheiro, de nome José Manuel Romeira Pinto da Cruz. O Capitão Cruz, a serenidade em pessoa e sei que um excelente comandante. Um coração de ouro!

Um dia, estando eu por Luanda no bem-bom da cidade e tendo de me apresentar a um sábado no Quitexe, pus a hipótese de ir só na 2ª.-feira. Afinal, sempre era mais um fim-de-semana na capital! Assim pensei e assim ia fazendo. Só não fiz porque me mordeu a consciência e sabia bem o quanto esperava o capitão Oliveira a oportunidade de me pôr a mão em cima. Não marquei o avião para Carmona, mas, passando no Grafanil, resolvi jogar mais pelos seguro e vai de apanhar boleia num MVL que sairia à uma hora da madrugada, por aí. Ia até Vila Viçosa, precisamente!

Lá chegado, pelo fim da manhã de sábado, precisava de chegar ao Quitexe. E como? A hora de apresentação estava próxima e a boleia civil nada fácil. Safou-me o capitão Cruz, que, sabendo da minha urgência, providenciou o transporte em veículo militar, a troco de uma qualquer razão que já não recordo. Lá fomos nós, ligeirinhos, e imaginem quem me esperava, a umas 15 horas da tarde, no seu gabinete de comandante da CCS, mesmo à esperinha que eu não chegasse! O capitão Oliveira!

Bem me disse ele que não esperava que eu chegasse e que estava afiadinho de pressa para me castigar. Como não pôde, obrigou-me a apresentação com muda de calçado - eu estava de sapatos. Vinguei-me eu, que não era santinho nenhum, «exigindo-lhe» a continência regulamentar ao meu obrigatório cumprimento. É que, à primeira, não estava o capitão de boina! E, à segunda, não tinha cinto. Isto é: não tinha as duas coisas à primeira, sobrando-me este supremo e duplo «gozo» de o «obrigar» às NEP que ele tanto gostava de exibir. Ainda hoje, com fraqueza, sinto algum constrangimento pela figura que fiz. Com ele tive várias outras histórias, que não me «abonam» muito!

- OLIVEIRA, capitão. António Martins de Oliveira, comandante da CCS. Transitara da classe de sargentos, tendo feito o curso na Escola Central de Sargentos, em Águeda. Eu e o Neto, ambos de Águeda, não beneficiámos nada por isso.

- MVL. Movimento de Viaturas Ligeiras, camiões civis que asseguravam o transporte de mercadorias para as Forças Armadas.

- NEP. Normas de Execução Permanente.


sábado, 25 de julho de 2009

A malta das transmissões e outros que tais

Pose fotográfica do Grupo de Transmissões, nos bons dias do Quitexe (1974).
Clicar na foto, para a ampliar.


Boa parte desta malta é das transmissões. A malta da foto! E lá estão o alferes Hermida e a esposa. E os furriéis Pires e Rocha.
O grupo tem alguns «penetras», que claramente se "bateram ao retrato". Digo eu! Por exemplo, o cabo Soares, atirador e aqui a exibir, garboso, a braçadeira de cabo de dia. Mas há outros, nesta relação incompleta. A propósito, quem é que ajuda a identificar estas carinhas todas?
Em cima, Florêncio (?, atirador), ??, Soares (1º. cabo atirador), Pais (1º. cabo rádio-montador), ??, ??, Joaquim Moreira (maqueiro), Rocha (furriel de transmissões), ??, ??, alferes Hermida, ??, esposa do alferes Hermida, ??, ??, ??, ??, Miguel (?, cabo escriturário), Cabrita (soldado) e ??. De cócoras: Florindo (1º. cabo enfermeiro), Cruz (furriel rádio-montador), José Gomes (auxiliar de enfermagem), Alfredo Coelho (Buraquinho, 1º. cabo), Madaleno (1º. cabo atirador), Pires (furriel de trasmissões),??, Hipólito (?, cabo atirador), Mosteias (furriel sapador) e Vicente (1º. cabo atirador). À esquerda, sentado, está o Tomás (1º. cabo rádio-montador).
As caras, a gente conhece-as todas, e destas me lembrei! O diacho é que já lá vão 35 anos e não me sai o nome deles de debaixo da língua!!!
- NOTA: A foto foi-me enviada pelo (furriel) Pires - que também conhece
toda a gente, mas não se lembra dos nomes. Ajudem!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Molhar o pincel na sanzala do Kadilonge...


O jardim do Quitexe, aos idos dias de 1974/75, foi espaço de muitos passeios e «estratégias», não digo militares, mas... sociais. Passear por ali, descontraídamente e nomeadamente aos fins de semana, era sempre uma boa oportunidade de pôr os olhos em coisa, ou algo, ou alguém, que nos consolasse a vista!
Sei de quem (mas não digo), quem por ali contou passos sem fim só para ver passar, ao menos ver passar..., uma(s) certa(s) cachopa(s) que era(m) motivo de muitos sonhos. E era, é bem verdade, um bom sítio para matar saudades das idas a bailes e festas, às romarias que engravidavam a nossa juvenil ou adolescente alegria pré-militar!
Uma noite, por ali passava eu de patrulha, com o Madaleno e o António, vínhamos do Posto 5, a fazer ronda pelas vigias da vila, quando avistámos, meio furtivo, o caminhar apressado de um companheiro da guarnição. À civil, coisa meio anormal para a hora. Ali havia gato, assim parecia!!!Caminhava muito encostado às paredes da rua de cima, olhando para todos os lados - parecendo não nos ver a nós!
Resolvemos pregar-lhe um partida: tu por aqui, tu por acolá, cercámos o nosso homem, antes de ele passar a casa dos Correios. Emboscámo-lo! Literalmente!!! Acagaçou-se ele, coitado, apanhado assim de chofre, iam quase a passar as duas horas da manhã e cacimbava, a pouco tempo do alvorecer de um domingo de missa na Igreja da Mãe de Deus de lá da vila!
Dissemos o que tínhamos a dizer, rigidamente, autoritariamente!, impondo as regras, blá-blá-blá..., e o nosso homem sem dizer uma palavra, apenas riscava as unhas na cabeça! «Sabe, é o pincel, o pincel...» , titubeou o nosso homem, algo aturdido!
«O pincel!...», perguntei eu. E riam-se o António e o Madaleno! A gozar comigo!
Bom, o nosso homem vinha do Kadilong(u)e, uma sanzala dali ao lado, e, por ver tropa na entrada do aquartelamento, resolvera passar para a rua de cima! Pôs-se na boca dos lobos: eu, o António e o Madaleno!
Nessa tarde, fomos beber umas cucas ao Pacheco, para desanuviar! Pagou o furriel! E fiquei a saber que, afinal, o pincel tinha a ver com o molhar! Molhar o pincel!!! Ele há cada maneira de chamar nomes às coisas!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A gloriosa rapaziada do parque-auto do Quitexe

Cavaleiros do parque-auto da CCS do BCAV 8423 no Quitexe (1974).
Cliquem na foto que ela aumenta!!!

O Cuba, que é Frangãos de apelido, e também Caeiro, e José das Dores (de nome próprio), descobriu o blogue e encheu-se de brios para nos mandar fotos. Ele era mecânico-auto e, está-se mesmo a ver, mandou-nos a equipa do parque-auto, «capitaneada» pelo garboso alferes Cruz (quarto, a contar da esquerda, na fila de cima), com os sub-capitães Aires (1º. sargento, mesmo ao lado direito dele) e furriel Morais (o quarto, de óculos, a contar da direita, na segunda fila, de pé).
O Frangãos está à esquerda do alferes Cruz e as outras caras todas, pois... bem as conhecemos, mas agora lembrar o nome deles é que nem indo com a memória à oficina. Alguém pode ajudar?
A foto aparece aqui principalmente para o justo louvor a esta rapaziada do parque-auto, que era impecável na manutenção dos unimogs (os burros de mato) e das berliets com que galgávamos quilómetros atrás de quiómetros, nas picadas ou no asfalto. Até tinha um 1º. sargento porreiro, o que era uma sorte!
Aquilo tinha de estar tudo sempre num brinco, oleadinho, afinadinho, com o motor sem um ai de avarias, ou de gripe! Aquilo, digo eu, eram as viaturas!!! A gente bem sabe quanto vale um bom equipamento numa hora de aflição.
Digam para o c.viegas@mail.telepac.pt os nomes dos rapazes! Vejam lá com atenção! Eles merecem!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Olhem os cavaleiros do Quitexe já na... reserva!!

CCS do BCAV 8423 em Penafiel (1997/78).
Clicar na foto, para a ampliar

Há quase 12 anos, a 27 de Setembro de 1997, juntou-se parte do pessoal da CCS em Penafiel, numa organização do Monteiro - onde foram 30 magníficos da cantareira. E foi um forrobodó!!! Quero dizer: foi uma festa!! Comeu-se bem, conversou-se melhor e filtraram-se saudades, ao tempo ainda no princípio da maioridade! Só tinham passado 22 anos da nossa chegada de Angola!
Foi a última vez que o maior número de nós esteve junto e não faltou desfiar de recordações, entre a carne assada e o vinho verde que nos foram postos na mesa para refeiçoar. Se repararmos bem, notam-se algumas diferenças no igual de nós todos.
Ora olhem bem a postura solene do Cruz (quinto da esquerda para a direita, na frente), ou do Dias (o primeiro da direita). E do Machado (de alva camisa, à direita do Cruz). E para onde espreitará o Tomás (à direita do Dias)?
E o ar nobre e feliz do Morais, o do meio na segunda fila, de óculos. E a firmeza do Pires e do Rocha, à esquerda do nosso companheiro cor de laranja! E quem é este? Estou a ver-lhe a cara e não me sai o nome de debaixo da língua! Desculpa lá, pá!
Em forma estava o capitão Luz - o careca que está a ser olhado pelo careca da segunda fila (o Teixeira, estofador), à esquerda. Escapam-me alguns nomes. Vou dizer, dos outros, os que sei, sem dúvidas.
- Almeida e Brito, comandante: o primeiro do lado esquerdo, na primeira fila.
- Florindo, cabo enfermeiro: camisa branca, bigode e óculos, ao meio.
- Neto: na mesma fila, do lado direito.
- Gaiteiro: lá em cima, de bigode, agarrado à árvore.
- Alfredo Coelho, o Buraquinho: frente à árvore, de bigode e fato.
- Teixeira: primeiro, da fila a seguir, do lado esquerdo.
- Esteves: ao lado, de gravata e colete.
- Monteiro: segundo da terceira fila, de cima, da esquerda para a direita. E quem será este cabelinho branco, ao lado? Conheço-lhe a cara e não lhe baptizo o nome. E a seguir? Tenho o nome debaixo da língua e não me sai.
- Calçada: ao lado do comandante Almeida e Brito.
- Pais: à frente do Pires e do Rocha, de camisola aos losangos.
Conhecê-los, eu conheço-os todos, mas a velhice faz-me «ignorante» em relação ao nome de alguns alguns. Alguém pode ajudar?
Ah, falto eu: o segundo da terceira fila, da esquerda para a direita, com o Monteiro a «proteger-se» nos meus ombros.
Ajudem a identificar a malta!! E comeremos todos um almoço, juntos e em Setembro! Pagaremos todos!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Saudades das noites do Quitexe...


Estrada principal do Quitexe em 2004, fotos de Franklim

As noites do Quitexe foram sempre tempos de grandes animações. Fora dos tempos de serviço - ora interno, quantas vezes externo, pelas intermináveis e poeirentas picadas que nos levavam aos confins de destinos que foram de medos e quase se tornaram familiares.
Acabada a janta, na sala de recatos e fomes que era a da messe de sargentos, a gente ficava por ali na tagarelice, a mal dizer e bem dizer da vida, como se o amanhã fosse de grandes dúvidas - quando, afinal, era de sonhos!
Assunto do dia - quero dizer, da noite... - sempre para além de uma boa suecada, as inevitáveis nocais, cucas , ou ekas, ou brandys, bagaços ou wiskys para os mais golosos de álcool... - eram as saudades que nos adormeciam a alma por vezes muito mais que as saídas pelas picadas de pó, os trilhos de suspeições ou as matas de segredos que nos escondiam do mundo.
Havia quem jogasse à lerpa, a dinheiro! Não era o meu caso! Eu ia mais, nos «ósdespois»..., para uns passeios de rua, cacimbando o camuflado numa ida ao Rocha, ao Morais, ao Pacheco, pela rua de cima e passando ao lado do Clube, nem aqui vou dizer se também a alguma sanzala das fronteiras mais próximas do Quitexe. Coisas de garotos e de desejos que o bom recato de hoje não deixa contar!
Adorava as noites aluaradas e quentes, ouvindo-se na distância um ou outro uivo de um qualquer animal das matas do longe do nosso olhar - as mesmas por onde palmilhávamos patrulhas e operações militares, quando alvorecia e as estendíamos nos suores diurnos do calor africano.
As noites eram desnudadas, misteriosas, eram ardentes... diriam noites sensuais. Tudo isto me fez ser um quitexano de coração. Como toda a esta boa gente hoje se desfralda na janela deste blogue contando(-me) as saudades do Quitexe!
Hoje, falei com o Neto, o Rocha, o Moreira (enfermeiro), o Grácio (que tantas vezes nos desenfiou Monks, grades de cerveja e outras gulodices bebíveis do respectivo depósito...). Ontem, o Pires, o de Bragança... E emailou-me o Monteiro (Gasolinas...).
Cá para mim, ou muito me engano ou um destes dias ainda vamos estar por aí aos tiros às saudades e a parir da gravidez de camaradagem que se fez pelo Quitexe... - Ai vamos, vamos!!!...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A morte na picada da Fazenda Liberato

Arranjo na picada para a Fazenda do Liberato
JOSÉ LAPA
Texto e fotos
A 28 de Março de 1967, fazíamos 22 meses de comissão e uma coluna da CART 785 do BART 786, que estava sediada na Fazenda Liberato, sofreu uma emboscada, na picada do mesmo nome. Nesse encontro com o IN, nesse já longínquo dia, sofremos uma baixa, o soldado Faia, natural de Viana do Castelo, e três feridos, dois deles com gravidade.
O menos grave foi atingido com estilhaços de granada no peito. Os dois mais graves, um deles soldado atirador, foi atingido com um tiro na cara. Por sorte, foi efectuado com pistola e entrou junto ao malar do lado direito, ficando alojado no maxilar contrário. O outro ferido grave foi o soldado condutor da Mercedes, que «levou» uma rajada no joelho esquerdo. Foram evacuados para o Hospital da Base Aérea nº. 3, do Negage. O que ficou em pior estado, foi o condutor, pois regista uma grande incapacidade no joelho. Como devem calcular, foi um dia muito triste para o batalhão.
JOSÉ LAPA
CART 785 do BART 786

sexta-feira, 17 de julho de 2009

As noites das negras sensuais e bonitas...


A sossegada Casa das Transmissões estava agitada, lá se passando alguma coisa de incomum. Uma mistura de risos mal disfarçados, sussurros e incontidas gargalhadas, vestiam um mistério. Cá para mim, os rádiomontadores andavam a preparar alguma! Andavam felizes!
Depois de uma passeata já um pouco tardia e uma fugaz conversa com o Alves, junto à enfermaria, achei serem horas de cama. À entrada, quase fui “barrado” pelo Nunes, olhando-me enigmático e de faces um tanto afogueadas! Dos fundos, soavam risos e gritinhos estridentes, típicos dos jogos da cabra-cega e que me guiaram até à casa de banho.
Ao abrir a porta, deparei com uma maravilha da natureza! Uma mulher no chuveiro dos “Rápidos e Audazes”?! Esguia, escultural e, porque não dizer, bela, insinuando-se em passos provocantes, dirigiu-se à varanda que dava acesso ao quarto. Caramba, era a linda Joana da sanzala! Rapariga que alvoroçava corações e que, com o seu olhar doce, fazia vacilar os mais duros. Sabia eu que andava perdida de paixões por um soldado rádiomontador, a quem não poupava elogios e ternamente apelidava de “loirinho bonito”! Nestes termos me perguntava ansiosamente por ele. E o rapaz, voluntário e no apogeu dos seus 20 anos, sedento de loucuras fogosas, entrava no enleio típico de colegiais namorados.
Ao Nunes, não restava outra opção que não fosse sair do quarto! Casado, era um exemplo de rectidão. A sua mente jamais albergaria pensamentos (?) e actos pecaminosos! O furriel Teixeira, sargento-de-dia, como de costume lá foi à casa, em busca de dois dedos de conversa. E também, talvez, dos momentos de boa disposição que ultimamente lhe fugiam! Ex-seminarista, corava intensamente perante uma conversa mais ousada. Ao aperceber-se do acalorado ambiente que reinava, aflito..., temeu ver-se envolvido. Serenamente, apenas em nome da amizade, apelou ao bom senso e de imediato tudo voltou à normalidade. Somou 1+1 e, em tom de acusação, quase afirmou não ser a primeira vez! Será que ele tinha razão? Agora, à distância de tantos anos posso dizer que sim!
Entretanto, esguiamente e envoltas em sorrisos maliciosos, lá saíram bamboleando os corpos curvilíneos! Digo “saíram” porque, além da Joana e para espanto dos presentes, saía também a Maria, sua amiga e igualmente vistosa e linda! Os protagonistas, cujos nomes não “lembro”, optaram pelo recolhimento. Naquela noite, ter-se-ão vendido muitas convencionais palavras, quiçá de amor, que apenas serviriam para o embalo do momento!
ANTÓNIO CASAL

quinta-feira, 16 de julho de 2009

As escoltas aos arranjos da rede de estradas...


Estávamos nós pelos fins de Agosto de 1974 quando o Gabinete de Operações, interinamente comandado pelo alferes Garcia - no lugar do capitão Falcão, certamente de férias - nos deu uma ordem de operação. Iria o PELREC fazer protecção à equipa da Junta Autónima de Estradas de Angola (JAEA), que ao outro dia iria iniciar (ou continuar, não me lembro) arranjos na estrada para o Liberato. Picada, direi melhor...
Já por lá tínhamos passado duas, três ou quatro vezes, pelo que a missão nem nos preocupou muito. Era mais um serviço, até dos mais tranquilos... «Manda instalar Bredas!!!...», disse o alferes Garcia.
«Bredas?!....», perguntei eu, espantado com a ordem. Na verdade, algumas vezes saímos com este tipo de armamento - até outro e mais pesado... - mas desta vez fiquei desconfiado. Eu ia de férias dentro de dias e, francamente, não me agradaria ter problemas. «O que é que se passa?...», perguntei.
Lá me foi dito que tinham «acontecido umas escaramuças...», precisamente beliscando as brigadas da JAEA.
«Pode haver caça, cuidado...», disse o alferes Garcia, que, por estar nquelas funções, interinas, não iria connosco. E que até se mostrava de olhar pesado, qual pai que via os filhos sair para uma frente de qualquer perigo!
Fomos lá, para a picada do Liberato e, para aligeirar a história, digo aqui que prendemos dois homens, dois suspeitos que foram observados de longe com cargas de lenha, onde supostamente levariam armas. Levámo-los para o Quitexe, sem que oferecessem grande resistência, e foram apresentados ao Gabinete Especial de Informações (GEI), julgo que era assim que se passou a chamar a anterior Polícia de Investigação Militar (PIM).
Soubemos mais tarde que nós e os funcionários da JAEA estivemos algumas horas a ser observados, enquanto as máquinas terraplanavam. Como já estivéramos, numa outra altura e na picada para Zalala, onde apanhámos um dos sustos da comissão angolana: quando rebentou um pneu e nós o supusemos por uma bomba inimiga. Malhámos com o peito no chão, rastejámos, e gente houve que não se mexeu até que os olhos confirmaram não haver inimigo algum!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Cartas d´amor a um amor que não existe...

Casa do Mecânico Dias, onde funcionava a Estação dos Correios do Quitexe

É verdade, cartas d´amor, quem as não tem? Muitas, todos!!!... O SPM carregou milhões de promessas e juras, de cá para lá e de lá para cá. E eu, que d´amores me deixei ficar para mais tarde, recebia correio aos montes e não era de namoradas. De tal modo que tinha caixa postal na Estação de Correios do Quitexe! O apartado 246!! Coisa fina!!!
Um dia, decidimos - eu e mais dois «artistas»... - fazer-nos de madrinha de guerra (a caminhar para namorada...) de um jovem cavaleiro sem epístolas que lhe matassem as saudades, ou cozinhassem paixões!! Fizemos a coisa bem feita: a Filomena, assim se chamava a cachopa, era filha de fazendeiro rico, estava em Luanda (era estudante...) e rapariga sonhadora, recatada, introvertida..., que procurava um príncipe encantado mas tinha muito receio de se relacionar com militares. Conhecera o nosso cavaleiro numa passagem breve pelo Quitexe, em visita à família, mas até tinha medo de se identificar. Iriam conhecer-se melhor pelo correio.
Abreviando a história, iam-se conhecendo em... excesso! Quero dizer, o nosso cavaleiro «picou as esporas» à paixão e enamorou-se por quem não existia! Andava transfigurado, entusiasmado, enamorado!! Era uma paixão assolapada, daquelas de cair de queixos!
A coisa não podia continuar assim e tivemos de o «desiludir», a Filomena não existia!!! Foramos nós quem a «inventara», porque o quiseramos ajudar, sentindo-o psicologicamente em baixo, cheio de amarguras. «Ó coiso, desculpa lá...». Não desculpou, cortou relações, amuou, tratou-nos mal.
Uma noite, dias depois, chamou-me para jantar. Lá fomos ao Rocha. Perguntou-me, de rajada: «A miúda não existe mesmo?!...».
Encalacrei-me. Apeteceu-de dizer que sim, sim senhora, nós até sabíamos quem ela era, mas tive de o roubar ao éden que ele sonhava. Desiludi-o! Comemos e bebemos, mas sem mais falar no assunto. Em clima tenso! De regresso ao aquartelamento, ia ele a tropeçar nele, e perguntou-me: «Ó pá, como é que eu caí nesta?!...». E riu-se, riu-se à gargalhada. Nervoso e desiludido!
Rimo-nos ambos, até à deita! Tem hoje dois filhos e já é avô! Achou pouco depois o seu amor de uma vida toda!
NOTA: Este «cavaleiro» existiu mesmo e ainda hoje somos amigos, daqueles que trocam telefonemas de Natal.

terça-feira, 14 de julho de 2009

O jovem cavaleiro que ia dormir a casa...

Campo de futebol do Quitexe

O Monteiro veio aqui contar sua história de Carmona, mas eu volto atrás no tempo, para o Quitexe de 1974 e para a história de um jovem cavaleiro casado e com mulher viçosa, suscitadora de algumas invejas e desejos que não vem ao caso - coisas de «putos» irreverentes e xuxadores de dedos...
Pois, o bom do nosso amigo passava mais tempo lá por casa, que propriamente no aquartelamento. O que nós compreendíamos muito bem, mas não era muito bem visto pelos comandos. Que lhe criavam problemas.
Uma noite de serviço deu para falar de muitas coisas, como era costume..., até que, por volta da uma para as duas, deu de frosques! Foi para casa (civil...), que era ali mesmo ao lado, e apareceu logo depois um oficial. Que deu por falta deledo jovem cavaleiro que estava de serviço e não estava de serviço, o que era um grave incidente disciplinar.
Namorei como pude o bom do oficial (que também lá tinha a mulher...), «olhe, sabe como é que é?...», contando-lhe que até tínhamos estado a preparar um torneio de futebol, para animar a malta, e que ele tinha ido a casa buscar ums papéis e vinha já!!!. O mais persuasivo que pude, tentei convencer o oficial da bondade das intenções e da ausência do jovem cavaleiro. Não o convenci e a «sorte» foi que se ouviram uns disparos na noite, coisa que sempre acontecia por lá... - e isso foi motivo para desmobilizarmos a conversa e entrarmos em outro tipo de acção, felizmente sem consequências. Como também era costume.

Apareceu logo o jovem cavaleiro, meio atarantado, a correr no seu jeito desengonçado, sei lá se saído a correr de algum momento mais tórrido.
«Fulano, o cicrano deu por tua falta....».
«Que se f...!», respondeu!
Contei-lhe a desculpa do futebol: «Ó pá, mas eu nem percebo nada de futebol...».
«Olha, não sei...», resmunguei eu!
Seja como for, o jovem cavaleiro livrou-se desta, com a desculpa do torneio de futebol - que se veio realmente a realizar, entre equipas civis e militares, não me lembro de surgido da conversa daquela noite, mas sendo seguro que se realizou no campo da foto - que me foi enviada pelo (ex-furriel) Letra, que pelo Quitexe passou num pelotão de morteiros.
- CAVALEIRO. O jovem cavaleiro residia há dez anos na Figueira da Foz.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Os acidentes do «voluntário» Monteiro na estrada de Carmona para o Negage!...

Saída para o Negage, na cidade de Carmona. Para a
esquerda, ia-se para o Quitexe e Luanda

Texto de
(Furriel) José A. Monteiro

A dada altura, aí por Abril ou Maio de 1975, apareceram no BC12, em Carmona, um capitão e um tenente da Comissão de Saneamento e era preciso levá-los ao aeroporto do Negage, para seguirem para Luanda. Pareceu-me bem ir «dar uma volta», não escalei ninguém e, com o condutor do Comandante, lá fomos levar os figuraços.
A viagem corria bem, até que em sítio que a estrada começava a ter declive acentuado, a viatura fez vários peões e caiu pela ravina - completamente aos trambolhões. O jipe ficou logo sem a capota traseira e eu fui cuspido. O capitão com a perna partida e fractura exposta, o tenente com um grande golpe nas costas, eu com o camufulado completamente rasgado e pequenas escoriações e o condutor completamente ileso, sem um arranhão.
A dose, a bem dizer, foi conforme a graduação.
Mas isto não iria ficar por aqui. Ao ouvir uma viatura, ao longe, corri para a estrada a pedir socorro. Era um abastado fazendeiro, de Mercedes, que, ao ver-me de repente a aparecer na sua frente, no meio da estrada, ficou algo confuso, pois não via mais ninguém, o que lhe terá parecido surreal.
Lá parou, expliquei-lhe o que tinha sucedido e que era preciso ir rapidamente a Carmona buscar uma ambulância. Avisei o condutor e o tenente, sugeri que não mexessem no capitão, por causa da fratura exposta.
«Voámos» até Carmona e de imediato seguiu uma ambulância, ficando o parque-auto a mobilizar-se para ir buscar o jippe. Ao local do acidente, vejo uma carrinha de caixa aberta cheia de nativos e com o capitão deitado em cima das almofadas do jippe. De nada tinham valido as recomendações feitas para não mexerem no capitão. Foi pegar nele, metê-lo na ambulância e seguir rápido para o Negage. Foi logo evacuado para Luanda.
Mas o dia estava ainda para nos pregar mais surpresas. Já no regresso a Carmona e ao chegar ao local do acidente, vejam: a Berliet que tinha saído em socorro, estava de rodados para o ar, em plena estrada. Constatou-se que havia naquele sítio uma grande mancha de óleo, que atravessava a estrada de lés-a-lés e seria o motivo dos acidentes. Não sabemos se foi obra do acaso, ou se foi posto para causar baixas à tropa. Os militares da berliet, felizmente pouco ou nada tiverem.
Ao oferecer-me voluntário para esta missão, a coisa podia ter corrido para o torto.

domingo, 12 de julho de 2009

Os «próbrema...» do mês de Julho de 1974 no Quitexe e arredores

Alferes Sampaio (oficial de dia) e Garcia, com o furriel Viegas,
momentos antes de mais uma partida em missão fora do Quitexe

O mês de Julho de 1974 foi particularmente activo, em termos da relação do BCAV 8423 com as autoridades regionais, população civil e pessoal das muitas fazendas a nossa área de acção. Se por uns breves oito dias de Junho, nos sentímos, diria, apoiados pela experiência do BCA 4211, que rendêramos, agora, fizesse chuva e fizesse sol, éramos nós quem tinha de dar o corpo ao manifesto. Pois que déssemos!

Para trás das costas, estavam já as primeiras saídas à mata (nomedamnte a operação de estreia, de três dias a gotejar suores sei lá por onde), algumas escoltas, vários piquetes, colunas de logística e o comando já tinha feito toda a rotação pelas subunidades e destacamentos - o que começou a partir de 14 de Junho, dia do adeus aos caçadores da 4211. Pelo que coube ao PELREC, já tínhamos palmilhado umas picadas das redondezas e comido o pó dos «caminhos» de Luísa Maria. Logo chegaram os das fazendas do Negrão, Pumba Loge, Liberato, Guerra, Buzinaria, Isabel Maria, Minervina, Chandragoa. E aos povos do Quitoque, Quimassabi e outros, cujos nomes a memória já não lembra.

Por esse tempo, numa das operações a nível de Sector, soubéramos da amputação de um pé a um soldado Comando, que pisara uma mina anti-pessoal. E que fôra capturado um IN, depois posto em liberdade. Outra memória destes dias, é a de um grupo de Sanza Pombo ter sido emboscado, embora só com tiros de... aviso. E a do grupo que estava em Vista Alegre, que «recebeu» um antigo GE - que fora raptado na área de Bolongongo e entregou à tropa a primeira arma «capturada» do BCAV 8423, uma espingarda semi-automática Simonov.
Uma coisa que pessoalmente me atormentava, pelos tempos inexperientes e sempre cheios de reticências e medos que eram os das nossas saídas, pela picada fora e embrenhados nas matas de perigos e sombras que Deus por lá fez, era ouvir nativos ou os GE´s a falar língua que eu não entendesse. «Põe-te atento, podem estar a tramar alguma coisa...», avisara-me o Casares, furriel da 4211, de quem recebi a «herança» dos GE´s.

«E os p´robrêma, pá... os próbrêma...», valha a verdade, é que raramente os ouvia falar «os língua esportuguesa, pá»! E apenas era parecida, quando a falavam!

sábado, 11 de julho de 2009

As "borracheiras" que se apanhavam na tropa...

Furréis Monteiro e Viegas, rodeando o 1º. sargento Luzia, no bar do
Quitexe (em cima) e os mesmos Monteiro e Viegas no jardim da messe de
sargentos de Carmona, no bairro Montanha Pinto (em baixo)


Toda a gente fala de enormes bebedeiras na tropa, expondo-as como troféus de vida! Bebedeiras no sentido literal: mesmo a cair de queixos, já sem segurar as pernas, a tropeçar e vomitar, etc. e tal. Com toda a franqueza, não me lembro de alguma vez ter apanhado alguma, lá pela tropa ou mesmo na vida civil - que já vai em 56 anos e tal. Um copito a mais, porventura, quiçá, talvez, quem sabe?!... Ora uma bebedeira assim dessa maneira, acho que não!
Mas o (furriel) Monteiro, num comentário de hoje, diz que, e cito-o, «por falar em brandy, a maior borracheira que eu apanhei em terras de Angola foi com o Viegas».
E, sem dúvidas, afirma que «bebemos os dois uma garrafa de brandy "MOSCA", no bar de sargentos....», sublinhando ainda que «depois, foi ir até ao quarto de gatas, pois já não havia força nas pernas».
«É verdade...», diz o Monteiro, sem dúvidas.
Meu caro Monteiro: nós apanhámos uma bebedeira no bar de sargentos e fomos os dois de gatas para o quarto?!!! Qual quarto? O teu? O meu? Se tu o dizes!!!... Eu não me lembro. Agora deixa-me falar e refresca lá a tua memória: eu era pouco de álcool a essa densidade. Ainda hoje digo que só duas vezes bebi bagaço em toda a minha vida e se olhar para a fotografia que se publica neste sábado (a de cima), verás que estamos, eu e tu, a rodear o teu amigo 1º. sargento Luzia, no bar, mas os três de cerveja na mão. Eram os costumes!
Ainda hoje gosto de uma boa cerveja, é verdade, de um bom vinho ou de um especial espumante bruto! São estas as minhas bebidas preferidas, mais a água - e venho até de um almoço de grupo, que fez 40 anos de vida e demorou oito horas! Oito horas, o almoço! Sem eu tocar nesse tipo de álcool. É do meu feitio, o que é que tu queres?!

Bom, mas está bem, eu vou admitir por «certo» que apanhámos essa tal borracheira (se tu o dizes..), só que, a ser assim, devíamos ter, seguramente, uma boa razão para afogar qualquer mágoa. Lembras-te de qual?
E diz-me lá tu, olhando para a fotografia de baixo: então quem é que conduzia o veículo?! É que já nesse tempo era perigoso conduzir depois de ter bebido!
- MONTEIRO: José Augusto Guedes Monteiro, furriel miliciano de Operações Especiais (Ranger´s), natural de Vila Boa de Quires (Marco de Canaveses) e, reformado, residente em Paredes (Porto). Companheiro: recorda-me lá melhor essa borracheira, pois preciso de a pôr no meu currículo. Mas não digas nada a ninguém, por causa das minhas vergonhas!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Amores nascidos na terra angolana do Quitexe...

Jardim do Quitexe (em cima) e 1º. Cabo Alfredo Coelho (o Buraquinho, ao lado)


Fala-se tanto aqui de paixão pelo Quitexe, blá, blá, blá... que hoje não hesito em trazer aqui uma verdadeira história de amor, história nascida e desemvolvida em ninhos de sonhos e cios quitexanos.
O Alfredo era cabo analista de depósitos de águas, uma estranha (!) especialidade militar, e logo por isto um curioso caso entre a tropa. Analista de depósitos de águas?! Mas o que é isso? Bom, o bom do Alfredo passava ao lado dessa nossa «azia» e fazia enfermagens e massajava alguns quadros militares, com dores de artrites e reumatismos! Era jovem como nós e rapaz de irascibilidades várias, inquieto, palavroso e de comportamento algo ousado para os meus hábitos e gostos. Com ele tive o único caso disciplinar de todo o meu tempo de Angola - por razões que agora não são chamadas. Mas ficámos amigos! O que chamo é a sua história de amor com uma angolana do sul, de pele cor de ébano e com o meu apelido - a jovem e bonita Viegas!
Apaixonou-se o Alfredo, coisa que seria a mais natural do mundo mas que aos ares do Quitexe militar nos fazia sorrir imenso e em ar até de troça, por ser ele quem era (irreverente e quem nós nunca veríamos a dizer sim no altar...) e por ser amada uma mulher de cor diferente. O Alfredo, quisesse ou não quisesse, gostasse ou não gostasse, lá se sujeitou à brejeirice dos nossos comentários e malícias, a ácidos e jocosos delírios opinativos - embora nunca provocadores e muito menos redutores do nosso respeito e companheirismo.
Bom, para abreviar a história, levou-a ele ao altar, já por cá, e jurou-lhe amor eterno! São hoje pais de uma psicóloga, no Porto, e de um adolescente de 16 anos, estudante. Falei com ele há dias e não vos vou roubar deste prazer: continua apaixonado!!! Disse-me, feliz: «É a minha mulher, pá!... Ó Viegas, nunca me esqueço de ti, pois tens o mesmo apelido da minha mulher!...». E a voz dele até parecia saber a açúcar derretido!
Querem paixão mais consolidada, 34 anos depois?!
E sabem quem era este Alfredo? Quem?!
Eu digo, esperem lá: era o Buraquinho, que ali mal se vê na (má) foto que dele consegui localizar no meu álbum d´Angola!
- ALFREDO. Alfredo Rodrigo Ferreira Coelho, o Buraquinho, 1º. cabo analista de depósitos de água. Tem um café em Custóias, no Largo António Sérgio

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A construção dos aquartelamentos do Liberato e de Santa Isabel

Fazenda de Santa Isabel, em 1968. Ali esteve instalada a 3ª. CAV
do BCAV 8423, entre 1974 e 1975.

LUÍS PATRIARCA
Autor do texto (ao lado)

As operações militares pelas serras do Pingano, Vale do Loge, Quibinda, Terreiro, Camabatela, Fazenda Negrão, etc., etc., eram de uma regularidade que nos punha a vida em apuros, além de se acumular a protecção à coluna civil, desde Aldeia Viçosa até ao Piri, e volta, e aquelas pequenas operações chamadas de acções, com apenas uma secção ou um pelotão.
A minha companhia, que inicialmente ficou no Liberato e por lá se manteve durante um ano, antes de ir para a Aldeia Viçosa, ainda arcava com a perigosidade da picada entre a fazenda e a Aldeia Viçosa. Eu próprio, no dia 17-07-0967 (para ser tudo em sete), sofri com a minha secção uma emboscada nessa picada. Este caminho, decerca de 40 kms., era feito praticamente todos os dias, quer para o reabastecimento, com tudo o que ele englobava - quer para transportar o pessoal para as operações e regresso e ida novamente, para os ir buscar.
Toda a gente tem histórias para contar e eu também, mas o meu batalhão desbravou ainda muito terreno para os que lhe seguiram.
Quando chegámos à fazenda Liberato, o aquartelamento era um aglomerado de tábuas e chapas de zinco, constituindo umas barracas. Quando de lá saímos, ficou um aquartelamento já com boas condições - com um bom refeitório uma boa arrecadação e afins. Quando fomos para a Aldeia Viçosa, novamente obras e o aquartelamento que lá fizemos já deveria ser aquele que viu quando por lá passou anos mais tarde. A companhia 1706 que estava em Santa Isabel fez o aquartelamento todo novo (...). A Companhia 1705 foi a mais beneficiada nesse capítulo. No Zalala, tinha boas instalações, além de electricidade 24 horas por dia.
Só as férias nos davam folga, mas mesmo essas normalmente eram gozadas em Luanda e, se se tinha que ir de coluna, era uma grande chatice. No meu caso, ou ia a Negage, à base aérea, para apanhar o Noratlas, ou ia a Carmona, no avião da DTA.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Para a frente, Zalala..., e sem demora...

Altar de Nossa Senhora de Fátima, em Zalala

Imediatamente após chegar Quitexe, meti na cabeça ir a Zalala. Pelo que indaguei, não iria ser fácil. Não era rota muitas vezes traçada e, diga-se em abono da verdade, nada desejada! Tornava-se necessário estar escalado ou que, em troca por outro colega e devidamente autorizado, pudesse seguir viagem e «matar» a minha curiosidade - que me acompanhava do outro lado do mar e era imperativo satisfazer.
O alferes Louro estranhava tanta ansiedade e o alferes Gama entendia que eu não estava bom da cabeça! Para eles, não fazia muito sentido, na medida em que tínhamos acabado de chegar e eu insistia em visitar a «toca do lobo», como alguns “velhinhos” lhe chamavam - em parte para assustar!
Passados 15 dias no Quitexe, lá fui eu em passo de corrida aperaltar-me todo para a tal aventura. Finalmente tinha conseguido ser “encaixado” e para regalo de outro que não mostrava grande apetite por aquelas famosas paragens! Garanto que em dois minutos estava pronto e com a G3 na mão! Pois… há muitas coisas que a tropa nos ensinou e esta foi uma delas! Pelo menos a mim!... Qual passo lento, qual preguiça, qual mau acordar, qual brilhantina! Para a frente era Zalala e... sem demora!
Os primeiros quilómetros foram cinco estrelas mas quando entrámos no serpentear, aquilo começou a meter respeito. Fizemos o percurso “limpinho” e eis finalmente a tão badalada Zalala. Devorei com os olhos tudo à minha volta, peguei na máquina fotográfica e lá fui eu direitinho para o altar de Nossa Senhora de Fátima. Pois é… em Zalala havia este altar, com imagem e tudo! Quantos lhe terão pedido ajuda em horas aflitivas?!
Foram certamente muitos, como muitas foram essas horas!
Saboreei Zalala ao máximo! No regresso ao Quitexe, mantive-me em silêncio. Seria talvez um silêncio condoído! Alimentada pelos relatos, a minha imaginação tinha sido tão fértil que, quando confrontada com a realidade, toda ela deixou de fazer sentido. Também por isso eu insisto em dizer que não se consegue entender África, se não a sentirmos no corpo e na alma.
A não ser por obrigação, eu já não voltaria a Zalala e já estava com saudades porque aquele sítio teimava em dizer-me muito. De lá recebi muitas cartas e aerogramas e para lá enviei outras tantas. Notícias que se trocavam, sempre na ânsia de se saber que tudo estava realmente bem. E também desabafos “camuflados” em frases bem dispostas!
Consegui cumprir a minha promessa e trazer o registo em foto do altar onde o meu irmão tantas vezes pediu protecção!
Eu sei que a 12 de Maio de 1970 se curvou perante este altar, a pedir as suas graças. Ele sabe que a 12 de Maio de 1972 me curvei perante este altar a pedir, quem sabe, as mesmas graças. Iluminado por velas, lá ficou a aguardar os pedidos e súplicas de crentes e não crentes. Até quando, eu não sei!...
A. CASAL

terça-feira, 7 de julho de 2009

Aqueles que, de nós, se vão para a outra vida!

Furriéis Farinhas e Viegas, à porta da Casa dos Furriéis, no Quitexe,
numa manhã de um domingo de Outubro/Novembro de 1974

O blogue trouxe-me a notícia do passamento de mais dois companheiros do Quitexe: o furriel Farinhas e o 1º. cabo Almeida. Dois amigos que vimos pela última vez a 8 de Setembro de 1975, no aeroporto de Lisboa.

O Farinhas era furriel miliciano sapador, de Amarante. Algo circunspecto, de poucas falas, de ideias firmes sobre os seus princípios morais e éticos, era seguramente um excelente camarada. Introspecto e sempre de muitas poucas falas, guardou segredos que não nos ajudaram a ajudá-lo, quando terá precisado. E nós sabíamos. Dele, recordo uma noite algo constrangida para ambos, estava eu de sargento de dia, matando horas pela noite fora. O Farinhas estava com um problema, falou dele muito nervoso e revoltado, fumando, fumando, fumando... e parecia não querer sair dele, como se quisesse auto-imolar-se na fogueira das suas reticências. Levou a sua posição até ao fim, declinando o nosso apoio e sujeitando-se à disciplina militar.

Falei com ele, ao telefone, em 1996, creio eu..., para que participasse no encontro do batalhão. Trabalhava nos Serviços Florestais e, salvo erro, tinha voltado dos Estados Unidos. Não participou no encontro. Morreu a 14 de Julho de 2005.

Joaquim Figueiredo de Almeida, 1º. cabo atirador de cavalaria, de Pedrogão, em Penamacor. Garboso militar do PELREC! Julgo que seria pastor, antes de chegar à recruta e, depois, à especialidade, em Santa Margarida. Algo o fez atrasar-se dois anos no cumprimento do serviço militar, lembro-me bem. Era o mais velho de nós. Muito introspectivo, era rigorosamente disciplinado, de poucas falas e humilde. Nunca se lhe ouviu uma queixa do que quer que fosse. Faleceu a 28 de Fevereiro de 2009.

Estes companheiros juntam-se a outros que a vida já levou de nós: o alferes Garcia, o cabo Vicente, o soldado Leal! Aqui lhe deixamos o nosso e respeito e saudade!

segunda-feira, 6 de julho de 2009

As férias angolanas dos «transmissões» Pires e Rocha


Furriel Pires na marginal de Luanda (ao lado) e
furriéis Pires ( o mesmo, quase de costas), Aldeagas,
Cruz, Graciano, Rocha, Letras, Monteiro e Carvalho,
à porta da Casa dos Furriéis, no Quitexe.
Clicar as fotos, para as ampliar

O Pires (de Bragança) e o Rocha (de Gaia) eram furriéis milicianos de transmissões. A pacatez bragançana «casava-se» bem com a tranquilidade gaiense. Era a discrição em corpo de militar. Moravam ali ao lado do nosso quarto e deles ambos não vinha mal que ao mundo fizesse. Quer isto dizer que eramos todos afins. E amigos.
O Pires, agora já a gozar as delícias da reforma, depois de 30 anos a servir a República, mandou um sumário das suas férias angolanas. Ei-lo:
(...) gosto muito de ler as passagens do blog, recordando todo esse tempo maravilhoso. Pelo menos para mim. Acabei de ler a descrição das tuas férias "nos Angola", pois as minhas e as do Rocha foram idênticas, só que nós andamos sempre na aventura da boleia, poupando nas viagens para gastar nas noitadas e estadias.
Na verdade, foi um mês que eu nunca mais esqueço, pois corremos quase Angola toda, à boleia. Ainda no tempo em que Angola era cruzada de Norte a Sul e de Este a Oeste pelos camionistas e sem qualquer risco. Isto, apesar de, no regresso a Luanda, quando vínhamos do sul, sermos surpreendidos com um grande tiroteio na estrada de Catete, entre o MPLA e a FNLA. Ficámmos ali entre uma a duas horas, até que as balas tracejantes deixaram de se ver e ouvir e apareceu um corajoso com a carrinha estacionada na frente da fila de viaturas, que nos levou até à baixa.
Procurámos um hotel para pernoitarmos, mas estava tudo cheio, pois a população dos bairros fôra toda para a baixa, com medo. Sabes onde fomos parar? À fortaleza! E fomos muito bem recebidos pelos nossos camaradas militares. No dia seguinte, fomos para o hotel Europa, até iniciarmos outra grande aventura: a ida para Carmona por estrada, com um viajante de textêis. Ainda fomos ao aeroporto, para irmos de avião mas só havia voo por empo que não nos interesssva, pois tínhamos de nos apresentar antes.
A viagem foi uma grande aventura (a ida para Carmona, por estrada...) e de risco muito elevado, devido aos vários controlos que tivemos durante o percurso, mas felizmente correu bem!
- PIRES. José dos Santos Pires, furriel miliciano de transmissões, de Bragança. Aposentado da GNR.
- ROCHA. Nélson dos Remédios da Silva Rocha, furriel miliciano de transmissões, de Valadares (Gaia). Técnico de vendas.

domingo, 5 de julho de 2009

As minhas férias em Angola...

Férias em Angola, quais guerras, quais quês?!!! Rafael, Fátima, C. Viegas,
Idalina e Saudade, com o pequeno Valter, em Nova Lisboa. A foto foi tirada pelo (furriel) Cruz


Então e a malta ia para Angola, carregar-se de armas e encher-se de guerras e aquilo era para ali um fadinho chorado, uma drama diário com alguidares cheios de sangue, actos fúnebres e cemitérios de medos?! Nada disso!
Já por aqui contei que o Quitexe era uma vila atractiva e Carmona ainda mais, muito mais aliciante. E de Luanda nem falar!!! Enchia as medidas e por lá cirandei vastas vezes! A cidade e os seus desafios enchiam todas as medidas e desejos da rapaziada dos 21 para 22/23 anos, de sangue na guelra e almas grávidas de desejos. Todos os desejos!!!
Havia também uma coisa chamada... férias.
Por opção, não quis vir a Portugal, das duas vezes e meses a que tive direito- em Setembro de 1974 e Abril de 1975! Andei por lá, a galgar terras e conhecer gentes, reencontrando amigos e familiares. Sempre fui muito dado a estas coisas do aparecer de surpresa e lá andei eu a bater à porta dos irmãos Resende, da Cândida, do Mário e da Benedita e o Zé Martinho (em Luanda), dos primos Mário, Cecília Neves e Clemente Pinheiro, na Gabela! Por Setembro! Ou, já em Abril de 1975, a mesma Cecília e também Orlando Rino e os irmãos Óscar e Nélson, que tinham sido meus colegas de escola; e o primo Manuel Viegas e família, em Nova Lisboa!
Por estes dois meses «bati» estradas por Lobito e Benguela, Alto Hama, Caala, Sá da Bandeira e Moçâmedes, Silva Porto. Fiz a inesquecível viagem ferroviária de Nova Lisboa para o Lobito/Benguela, com o Cruz! Depois, de avião para Luanda! Foi no fundo, um verdadeiro trota-mundos, com um amigo ou familiar em cada lado, descobrindo e descodificando com eles os grandes e misteriosos feitiços da gigante Angola.
A foto de hoje ilustra um desses momentos de relaxe e fraternidade, em frente ao Colégio de Nossa Senhora da Assumpção, de Nova Lisboa, onde se vê o marido de Cecília Neves (Rafael Polido) com os filhos Fátima, Idalina e Saudade e eu, com as mãos sobre o Valter. Eram netos e genro de meu padrinho Arménio, que morreu na Gabela, vítima de um acidente. Por lá estava também a viúva, minha madrinha Isolina. Férias em família, com quem eu falava em grandes fôlegos, como se estivesse aqui no adro, à saída de missa, fazendo o sumário da semana! Belas férias, com a minha gente!!!

sábado, 4 de julho de 2009

A visita de médico e o «esfurrié Veigas» do BCAV 8423

Furriéis Viegas e Pires (do Montijo) com crianças e mulheres
na aldeia do Talabanza, arredores da vila do Quitexe
Uma das nossas primeiras saídas transportadas foi em visita de médico. Literalmente. O capitão médico dr. Leal ia em serviço de consultas itinerantes, levava medicamentos, consultava, receitava, media tensões e febres, ajudava o bom povo das sanzalas e os contratados do Huambo e famílias, que iam para o Uíge fazer as campanhas do café.
Saíamos de madrugada, ainda sem o sol nascer, e lá íamos nós picada fora, com destino marcado e contactos fixados com fazendas e aldeias. Foi nessa viagem que descobri o nascer do sol de Angola, mesmo a chegar a uma fazenda, quando já saíam centenas, talvez milhares de bailundos para o cafezal.
A coluna parou no enorme terreiro da seca, era para nós a hora de comer parte da ração e aproximaram-se de nós dezenas de miúdos, rodeando-nos O que nos incomodou. E atemorizou! O que é que estes tipos querem? Viemos a saber: queriam parte da nossa ração.
O facto era insólito para nós, que no geral até detestávamos as rações e bem as daríamos sem grande custo. E suscitou alguns constrangimentos e desconfianças. E, e é por isso que aqui vem a história, causou-me um estranho medo. A mim, um dos miúdos tratou-me por «esfurrié Veigas».
O quê, pá?
«Esfurrié Veigas, me dá teu ração...».
Como era possível ele saber o meu nome, embora dito de forma errada? Foi uma dúvida que só desfiz meses depois, em Maio de 1975: um dos gerrilheiros da FNLA chamava-se Viegas (como eu), tinha passados em vésperas pela tal fazenda e referira haver no novo batalhão um furriel com o mesmo apelido. Coisa que o miúdo «apanhou», sei lá como! Só que diziam Veigas, trocando as duas primeiras vogais. Como sabiam tal coisa, nunca soube. E como fui reconhecido? Bem, ainda hoje não sei!
O dr. Leal fez as consultas que tinha a fazer, dividimos as rações com os «putos» e ficámos de mãos a abanar para os da fazenda e aldeias seguintes. Todos no-las pediam e já não tínhamos o que dar. Ainda hoje sinto essa dor de alma! E lembro as inquietações que senti nas semanas seguintes: mas como é que estando eu há dias no Quitexe as crianças da fazenda sabiam o meu nome?
- CAPITÃO LEAL. Manuel Soares Cipriano Leal, médico do Hospital Militar de Luanda, destacado no BCAV 8423, no Quitexe. Reside em Fafe.
- FOTO: A foto deste poste é do meu arquivo pessoal e nada tem a ver com a história. É meramente ilustrativa.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

As vidas boas dos cavaleiros do norte!....

Furriéis Fernandes e Graciano, um guerrilheiro da FNLA e
furriéis Neto (em cima), Rocha, Querido e Cardoso (em baixo)

Tenho cá para mim que esta fotografia deve ser de Novembro de 1974. E reparem no olhar feliz daqueles rapazinhos todos, ali rodeando aquele que o Neto identifica, em foto para a namorada Ni, como «um irmão do FNLA».
A tropa, nomeadamente no então chamado ultramar, fomentava altos níveis de camaradagem e gerava, quase espontâneamente, amizades para uma vida - por muitos intervalos que esta traga. Todos os «civis» são furriéis em traje de lazer, estavam certamente em algum passeio pelas belezas paisagística dos arredores do Quitexe. Digo isto porque, reparem, o Graciano é o único que está de camuflado e armado de Walter, a arma usada por quem estava de serviço no aquartelamento! A sair seria de G3 e outros etc´s. Eu, para não estar na foto, devia estar de serviço no quartel. Talvez sargento de dia!
O Neto puxou pelos neurónios e não se lembra.
Provavelmente, foi alguma «caçada» dominical em alguma fazenda das proximidades - por onde era habitual passarem «delegações» militares, no âmbito da política da aproximação à sociedade local - descentralizando empatias. O que, valha a verdade, nem sempre correu bem.
A foto vem aqui, porém, não por isso mas para ilustrar o ar de felicidade desta boa malta quitexana do BCAV 8423: todos sorridentes, sem forçar; de pose altiva e descontraída, em puro momento de lazer e fulgor psicológico e emocional. E quanto à tal guerra?! Ora, até ali estava um guerrilheiro da FNLA!!!!
Assim se semearam as muitas e boas amizades que hoje perduram!
- FERNANDES. António da Costa Fernandes, furriel miliciano atirador de cavalaria, da 3ª. CCAV (Santa Isabel). Professor em Braga.
- GRACIANO. Graciano Correia da Silva, furriel miliciano atirador de cavalaria, da 3ª. CCAV (Santa Isabel). Produtor vinícola, de Lamego.
- NETO. Jose Francisco Rodrigues Neto, furriel miliciano de operações especiais «Ranger´s», da CCS (Quitexe), industrial em Águeda.
- ROCHA. Nélson dos Remédios da Silva Rocha, furriel de transmisssões da CCS (Quitexe). Técnico de vendas, de Valadares (Gaia).
- QUERIDO. José Adelino Borges Querido, furriel miliciano atirador de cavalaria, da 3ª. CCAV (Santa Isabel), de Lisboa.
- CARDOSO. João Augusto Martins Cardoso, furiel miliciano de transmissões, da 3ª. CCAV (Santa Isabel). De Arganil e residente em Coimbra, aposentado da função pública.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Saudades do Garcia, do Vicente e do Leal!


Alferes Garcia e soldado Leal (em cima)
e cabo Vicente (ao lado).
Três cavaleiros do Quitexe que são
já flores da nossa saudade!

Três amigos e irmãos do PELREC já partiram para o além: o Garcia, o Vicente, o Leal!!! De todos, há uma mão-cheia de pequenas e grandes histórias com que aqui poderia dimensionar o seu carácter, a grandeza da sua (deles) alma e a generosidade com que nos tornámos fraternos comensais do mesmo pão de coragem que nos levou e trouxe a terras de Angola. Sem alguma vez dizerem não ao que quer que fosse!
O Garcia era o nosso comandante de pelotão, alferes miliciano de Operações Especiais (Ranger´s). O terceiro curso de 1973, em Lamego, identificou-nos e aproximou-nos; Santa Margarida tornou-nos confrades de missão; Angola, o Quitexe e Carmona, tornaram-nos irmãos. Tive o gosto de conhecer os pais (em Pombal de Ansiães) e a esposa, no Porto (em casa do casal), já depois de Angola. Faleceu em 1979 (80?) num acidente de viação, era inspector da Judiciária.
O Vicente era cabo atirador, de Vila Moreira. Quantas missões tivemos juntos, sem nunca o Vicente se atemorizar fosse com o que ou quem fosse, sempre valente, corajoso e determinado, sem alguma vez recuar um passo, se o passo tinha de ser em frente. Faleceu em meados dos anos 90, contou-me uma filha, em recado da mãe viúva! Este sítio onde escrevo, é testemunha do entusiasmo com que se dividiu pelos primeiros encontros da CCS e do BCAV 8423, em telefonemas de horas!
O Leal, soldado atirador de cavalaria, da Caxaria (Pombal). Soube ontem da sua morte, já acontecida a 18 de Junho de 2007. De repente, nos braços da mulher, com um ai de fim de vida, um ai solto e meio sumido, como se não se queixasse de nada!... Na casa que foi o ninho de amor de uma vida. Já era casado e pai, quando andámos pelo Quitexe - para onde partiu com a mulher de novo grávida. E com que ternura ele nos falava da família! A vida fez-nos encontrar mais meia-dúzia de vezes, era ele ajudante de motorista.
O melhor que ontem soube dizer à viúva, ao ouvi-la na sua narrativa de dor, foi apenas isto: «Tenha a certeza que todos nós gostávamos dele!!!!....».
Dele, o Leal!!! E digo aqui: do Garcia e do Vicente!
Um abraço, amigos!
- GARCIA. António Manuel Garcia, alferes miliciano de operações especiais (ranger´s), natural de Pombal de Ansiães (Carrazeda de Ansiães).
- VICENTE. Jorge Luís Domingues Vicente, cabo atirador de cavalaria, natural de Vila Moreira (Alcanena).
- LEAL. Manuel Leal da Silva, soldado atirador de cavalaria, natural de Caxaria (Pombal).
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