domingo, 24 de maio de 2009

O alferes miliciano Almeida dos reabastecimentos


A um qualquer dia de Julho de 1974, no machimbombo de Luanda, chegou à vila o mais esperado «cavaleiro» do Quitexe: um tal oficial de reabastecimentos, que escapara na malha da nossa mobilização e já ia no segundo mês de «balda» á tropa. Quem era ele, quem não era e como seria, o homem era um mistério!
Chegou, finalmente, seguramente farto da viagem no incómodo machimbombo que o trazia da cosmopolita Luanda, e coube-me ir esperá-lo à rua de cima. Eu estava de sargento de dia e incumbia-me encaminhá-lo para onde devia. Era, logo ficámos a saber, o alferes miliciano José Alberto Alegria Martins de Almeida.

A olhar-se para ele, com a nossa curiosidade afiadíssima, não nos escapava o ar de cultura, de sobriedade, de inteligência, que quase pareciam envergonhá-lo. A discrição, uma quase timidez!
Então de onde é que é, como é que é, blá-blá-blá..., logo ali ficámos a saber que tínhamos homem para latas e profundas conversas. Via-se que por aquela alma levedava cultura e sabedoria! E veríamos, depois, que também competência, eficácia, talento e humanismo. Tal e qual e sem nenhum sal a mais.
Coube-me depois, por sorte de serviço, fazer-lhe o debute de oficial de dia e passámos horas no blá-blá-blá das noites de África, que sempre se tornavam misteriosas. E mais cúmplices, ainda, pela curiosidade que ele quis lavrar-me, para saber como era o Quitexe e Angola. E eu, que já era um «veterano de guerra», querendo perceber bem que homem era o nosso! E saber o que se passava por Portugal, que ao tempo se enchia das labaredas revolucionárias incendiadas em Abril anterior!

Hoje, de Marrocos, recebi conversa electrónica do amigo (ex-alferes miliciano) Almeida, a falar do blogue e da vida. Vejamos:

Olá meu (não nosso ! …) Caro Furriel Viegas:
É de Marrakech que estou a responder.

Tenho lido, com agrado, a prosa (extensíssima …) dos Cavaleiros.
É evidente que tem tido um (compreensível ) pendor furrielístico, que pode (daqui a uns séculos, quando um historiador incipiente se for basear neste documento !) levar a crer que a nossa missão não teve nem oficiais (o que não seria assim tão grave …), nem soldados (o que já é preocupante…).
Tenho o dever de escrever algo, assim me assista o engenho e a luta contra o defeito de ter uma escrita que tarda muito a estar concluída (daí, o ela depois sair como um bom assado em forno de lenha...).
Tenho poucas fotos da nossa missão, mas tenho muitas memórias: é só por essas memórias que tenho de escrever o primeiro texto sobre o Alferes Garcia.
Como sabes, nunca participei em nenhum dos encontros e reencontros do pessoal do nosso BCAV . Mas concordo que este blogue pode constituir uma forma diferente e interessante de promover esse(s) reencontro(s).

E por aqui me fico, para não competir em extensão de texto com as prosas do meu amigo Celestino…
Um abraço do Zé Alberto (isto é, o discreto Oficial de Reab(astecimentos), que teve a sina de ficar “ad eternum” gerente da messe de oficiais).

- ALMEIDA: José Alberto Alegria Martins de Almeida, alferes miliciano de reabastecimento, natural de Oliveira de Azeméis e residente em Albufeira. Licenciado em economia e arquitectura, é, com o nome profissional de José Alberto Alegria, pioneiro em Portugal da renovação da geo-arquitectura e das modernas arquitecturas em terra (em taipa e adobes). É Cônsul no Algarve do Reino de Marrocos, professor universitário, conferencista, empresário. A foto é recente e do seu gabinete de Albufeira. Ver o currículo AQUI.
- MACHIMBOMBO. Assim se chamava a um autocarro, em Angola.

4 comentários:

Anónimo disse...

Gostei do alferes Almeida, era uma excelente pessoa e nunca criou qualquer problema à malta. Os alferes da CCS eram todos bons, mas o alferes Almeida era o bem em pessoa, gostei muito de o recordar aqui, obrigado por isso Viegas e vou continuar a ver o blog.
Hernâni

Rodolfo Tomás disse...

Amigo,humano,carinhoso,afável que mais adjectivos poderei usar? O ex alferes Almeida foi talvez a unica pessoa que, com saber e astucia, soube contornar um certo militarismo que era próprio de cavalaria. Por ex. todos se devem lembrar de quando estava de "oficial de dia" o rancho era melhorado, o refeitório era todo lavado e era raro os "desenfianços". Quando vinha de férias a Portugal na formatura perguntava a todos os soldados se queriam enviar algo aos seus familiares. Na volta era ver a formatura completa para saber novidades dos familiares e o alferes Almeida com toda a paciencia a dar as ultimas noticias. Os meus comprimentos para o Drº Almeida do ex-cabo radiomontador Tomás-reabastecimentos

José Alberto Alegria Almeida, oficial do BCAV 8423 disse...

Porra (Rodolfo) Tomás, escusavas de exagerar tanto !!!
Bem sei que tive a sorte de ter como excelente, dedicado, competente e muito amigo colaborador no meu Gabinete. Afinal um Gabinete que só de nome era de Reabastecimentos porque, na prática, funcionávamos como "back office" do nosso Comandante Almeida e Brito para tudo o que era mais "secreto , importante e de cumprimento imediato" - foi esta, alíás, a missão que ele me determinou logo no dia da minha chegada a Quitexe após uma conversa de apenas meia hora ...!.
Mas tu sabes bem que as relações humanas na vida são a base de tudo o que de bom se pode fazer: sem os colaboradores dedicados nada tem sentido !.
Obrigado pelas tuas palavras generosas e por me teres lembrado que o "rancho era melhorado " nos dias em que estava de Oficial de Dia : de facto, esse era o meu objectivo primordial como Oficial:- estar do lado dos soldados .

Viegas (ex-furriel miliciano) disse...

Desta, a do (ex-alferes) dr. e arqº. Almeida eu gostei, e muito, repetindo-a: «Estar do lado dos soldados».
Estou certo que se coisa boa houve no BCAV 8423 foi a sementeira e colheita de solidariedade que todos, do mais humilde soldado ao mais hierarquicamente responsável oficial, sentiu e viveu nos 15 meses que de nós nos fizeram mais portugueses e adultos.
Abraços para todos e até dia 12 de Setembro.