Um dos dois madeireiros mortos da Baixa do Mungage.
Outubro de 1974, dia 16. Jogava eu as cartas, com o Pires do Montijo, o Miguel e o Velez. Era mais um fim de manhã cheia de sol e muito calor e, para mim, um dia de serviço, de piquete!! O Bento apareceu, meio esbaforido e com cara de apressado e apreensão. «Vai às Operações!!!...». Era sinal que havia «novidade».
Antecipando a história: um grupo de madeireiros tinha sido atacado na Baixa do Mungage. Supostamente havia mortos!!! Havia que ir lá... Foi o PELREC, com toda a gente incomodada com a hora: estava-se por ali, perto da cozinha, já com o cheiro do arroz e dos bifes grelhados, molhados de piripiri!!! Parámos algures, já na picada vermelha, com o verde da mata do Mungage na frente. «Meus amigos, pode haver merda...».
Avançámos! Os unimogs rodavam no pó quente da picada, nós de arma aperrada e lenços a proteger-nos o nariz e a boca e óculos escuros contra a poeiraça!! Estreitava a picada, de capim espigado de maduro, com os nossos olhos postos e tudo o que mexesse, a querer ver o que nunca queríamos ver! Subíamos um pequeno outeiro rodeado de floresta e soaram dois tiros!! Três tiros!!!
Reagiram os homens do PELREC, saltou o cabo Vicente, ágil, determinado, em posição de defesa!! Saltaram o Soares e o Madaleno... Eu apontei o dilagrama!! Para nenhures!!! As viaturas não pararam e o silêncio ficou para trás. Silêncio de medo! Apontou-me o Madaleno: «Olhe, furriel...».
O silêncio manteve-se, cortava-se à faca!!! A segurança das viaturas esperou-nos e continuámos a missão, até ao ponto identificado na ordem de operação como local provável do ataque. Tal e qual, abriu-se a floresta e cheirava a queimado. «Olhe, furriel...», reapontou o Madaleno. E o Francisco, o Leal, o Cordeiro, tudo homens de coragem, soldados sem medo!!!
Olhámos o camião que ardia, lá para a frente; era dele e do capim o cheiro que nos chegava. Senti sair de mim, naquele momento, o muito que tinha aprendido em Lamego. no CIOE: provar que temos o direito de ter força, de não ter medo!
Avançámos com a prudência aconselhada, o chão e os trilhos, a picada cheia dos solavancos dos rodados dos camiões, tudo isso poderia estar armadilhado. E de onde vinham os tiros?!
Avançámos mais uns metros, rastejando até que ficámos em posição de ver o que nos esperava: dois mortos, dois madeireiros brancos!!! O camião ainda ardia e ardiam peças de vestuário. O cheiro que já atrás nos chegava era também de odor humano que ardia!
Carregámo-los em «macas» de lençol, sempre em silêncio!!! O sol a pique da terra de Angola regáva-nos de suor. Suores frios!!! Até ao Quitexe!!!
Carregámo-los em «macas» de lençol, sempre em silêncio!!! O sol a pique da terra de Angola regáva-nos de suor. Suores frios!!! Até ao Quitexe!!!
- VELEZ. Vitor Manuel C. Gregório Velez, furriel miliciano atirador de cavalaria, de Lisboa.
- PIRES. Cândido Eduardo Lopes Pires, furriel miliciano sapador, do Montijo, agora em Niza.
- MIGUEL. Miguel Peres dos Santos, furriel miliciano pára-quedista, de Torres Novas.
- MADALENO: Francico José Matos Madaleno, soldado atirador.
- SOARES. Ferrnando Manuel Soares, 1º. cabo atirador de cavalaria, de Lisboa.
- FRANCISCO. Vitor José Ferreira Francisco, soldado atirador de cavalaria, da Marinha Grande.
- LEAL. Manuel Leal da Silva, soldado atirador de cavalaria, do Pombal.
- CORDEIRO: José Manuel de Jesus Cordeiro, 1º. cabo atirador de cavalaria, da zona de Leiria.
Estes e todos os outros bravos «pelrec´s» foram gente maior neste dia 16 de Outubro de 1974!
4 comentários:
O emblema da vila que está no seu blogue é uma fotografia que tirei a um alfinete que guardo religiosamente. Como fiz com o blogue CESAR QUITEXE B/CAV. 1917 irei colocar uma referência ao seu blogue no quitexe-historia.blogs.sapo.pt
JOÃO GARCIA
Horrível e narrativa solta, vê-se bem o que foi a vida da tropa em Angola!
Abraços,
Cavaleiro
Os momentos menos bons, caro Viegas. Mas ainda bem que os lembras com esse desassombro e beleza narrativa, brilhante como sempre.
Li algures que vais escrever um livro, é verdade»
MELO
Obrigado por Blog intiresny
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