terça-feira, 31 de janeiro de 2012

1 145 - Visita inspectiva ao Batalhão de Cavalaria 8423

Militares da 1ª. Companhia, no destacamento do Campo Militar de Santa Margarida. Era o dia 25 de Abril de 1974. Da esquerda para a direita e à frente, o radiotelegrafista (?), alferes Santos, furriéis Queirós e  Rodrigues, com elementos do 1º. Pelotão

A 31 de Janeiro de 1974, o Batalhão de Cavalaria 8423 - que se formava no Destacamento do Regimento de Cavalaria 4, em Santa Margarida - foi alvo de uma visita inspectiva do Coronel Paixão, de Infantaria e do quadro da IGEFE. Era a segunda, no espaço de uma semana.
A escola de recrutas funcionava desde 8 e 9 do mesmo mês, essencialmente virada para a formação de atiradores de cavalaria. Jovens militares oriundos de um pouco de todo o país especializavam-se no tiro de G3, na preparação de patrulhamento, operações e emboscadas, cavavam trincheiras, montavam acampamentos, faziam ordem unida e apuravam o físico na GAM.
Muitos deles, quiçá a maior parte, jamais fizera ginástica e poderíamos aqui anotar algumas peripécias meio recambolescas, corporizadas nas suas reacções ao esforço físico. Eram jovens que chegavam do campo, de instrução primária como base, alguns deles até sem concluir o ensino primário. Gente modesta e tímida, porventura envergonhada e que reagia humildemente a todo o tipo de instruções - a que obedeciam cegamente, sem discutir, sem questionar, sempre disciplinados e sempre tendo como segura a bondade dos instrutores.
Instrutores que, afinal, não passavam de rapazes da idade deles, que também tinham atravessado a infância a adolescência com o estigma da guerra colonial pela frente.
Assim era, há 38 anos, a forma como se encorpava o BCAV. 8423, que já tinha destino marcado: Angola! A Angola que nos viria a apaixonar e onde fomos actores vivos de um momento histórico. O da independência! 
- IGEFE. Inspecção Geral de Educação Física do Exército.
- GAM. Ginástica de Aplicação Militar.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

1 144 - Chegadas & partidas na Companhia de Zalala


O Dias (foto) esteve hoje em pé de orelha comigo, sobre a nossa guerra colonial que passou pelo chão do Uíje, do Quitexe a Zalala, a Aldeia Viçosa, Santa Isabel, Vista Alegre, Luísa Maria, Songo, Carmona e Luanda, e outros sítios onde, pelotão a pelotão, se escreveu parte da história dos últimos dias da presença portuguesa em Angola.
Não repetindo, neste lugar de afectos em que se transformou o blogue, as mil e uma pequenas peripécias que nos levam à verdura dos nossos 22 para 23 anos, levantou o Dias a questão de quem substituiu quem, na epopeica Zalala.
Recompletamentos, houve vários, na companhia do capitão miliciano Castro Dias.
Aos meados de Junho de 1974, chegou o Velez - que fechou o trio de furriéis do pelotão do alferes Rosa.
Em Outubro desse ano, chegou o Soares.
Em Dezembro, o Rito.
Três furriéis e atiradores.
Janeiro de 1975, foi tempo de chegada de Fernando Sousa, soldado atirador de cavalaria.
Quanto a saídas, o furriel Belém Pereira terá saído em Julho (ou Agosto) de 1974. o Livro da Unidade não é claro. Nem refere, sequer a sua chegada - sendo certo que não integrava a lista dos que partiram de Lisboa.
O furriel Mota Viana saiu em Outubro para Novembro de 1974 - logo, foi o Soares a substituí-lo. 
Estas notas não incluem chegadas ou partidas dos incorporados locais - os chamados grupos de mesclagem.
- VELEZ. Vitor Manuel da Conceição Gregório Velez, furriel miliciano atirador de cavalaria, residente em Lisboa.
- SOARES. José Carlos Évora Soares, furriel miliciano atirador de Cavalaria. Supostamente residente em Marselha (França).
- VIANA. Fernando Manuel Mota Viana, furriel miliciano atirador de Cavalaria, residente em Braga.
- RITO. João C. M. Rito, furriel miliciano atirador de cavalaria.
- DIAS. João Custódio Dias, furriel miliciano de transmissões. Aposentado da Polícia Judiciária, residente em  Tomar.

domingo, 29 de janeiro de 2012

1 143 - Partidas & chegadas...



Alferes Hermida e esposa (assinalados). À esquerda, furriéis Mosteias (cabelo curto), Neto, Pires e Rocha ( de boina)


O mês de Janeiro de 1975 foi tempo de saída de quadros da CCS: o alferes miliciano Hermida e o furriel miliciano Farinhas. E de chegada: a do 1º. cabo rádio telegrafista Joaquim Pexim. À 1ª. CCAV. (ao tempo em Vista Alegre), chegou o soldado atirador Fernando Sousa.
Ao longo dos meses, e desde Junho de 1974, já vários novos companheiros tinham chegado ao BCAV. 8423:
- Junho: Victor Velez, furriel miliciano atirador de cavalaria, à 1ª. CCAV. (Zalala). 
- Julho: José Alberto Almeida, alferes miliciano de reabastecimentos, à CCS; 1º. cabo clarim Rodrigo Manteigas (1ª. CCAV.) e Manuel C. Júnior, soldado atirador da 2ª. CCAV. (a de Aldeia Viçosa).
- Agosto:  Jesuíno Pinto, furriel miliciano atirador de cavalaria (2ª. CCav.) soldados Júlio Plácido, caixeiro (CCS) e Miguel Garcia, atirador (3ª. CCAV., a de Santa Isabel).
- Outubro: José Carlos Évora Soares, atirador, à 1ª. CCAV.).
- Novembro: Mário J. R. Soares, furriel miliciano atirador (2ª. CCAV.) e soldado Carlos J. F. Gomes, cozinheiro (CCS).
- João M. C. Rito, furriel miliciano atirador (1ª. CCAV.). 
O tempo era de empolgamento (pelo sonho de mais cedo ir acabar a nossa jornada angolana) e de alguns constrangimentos: os resultantes de não sabermos tal data (não havia maneira de saber...) e da sempre delicada relação entre os movimentos independentistas (gerida com pinças pelas autoridades militares portugueses, com nos últimos dias se leu, sobre as escaramuças de Aldeia Viçosa).
- HERMIDA. José Leonel Pinto de Aragão Hermida, alferes miliciano de transmissões. Engenheiro, aposentado e residente na Figueira da Foz. 
- FARINHAS. Joaquim Augusto Loio Farinhas, furriel miliciano sapador. Era de Amarante e faleceu a 14 de Julho de 2005, vítima de doença do foro oncológico. Já o recordámos em http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2010/07/furriel-farinhas.html. 

sábado, 28 de janeiro de 2012

1 142 - O principio dos incidentes de Aldeia Viçosa

Os incidentes de Aldeia Viçosa, que a 26 de Janeiro de 1975 opuseram militarmente a FNLA e o MPLA, têm mais um registo fotográfico: o da imagem, enviada pelo (furriel) Letras, da 2ª. CCAV. 8423.
Aqui se vêem, chegados em camião civil, vários  homens armados, misturados com populares e aparentemente prontos para o que quer que fosse. São homens do MPLA, ou da FNLA? Não sei, nem o Letras se lembra - nem é assim tão importante para a história. Qualquer um deles, poderia ser.
Registe-se, todavia, o facto de esta acção ser mesmo em frente ao aquartelamento da 2ª. CCAV. 8423 - o que, muito naturalmente, terá suscitado alguns constrangimentos - até porque a guarnição estava desfalcada de um grupo de combate, destacado para Carmona, como pelotão de intervenção. Daí a razão (aqui falada ontem) para o PELREC lá ser chamado de urgência. Felizmente, depois se viu, sem se concretizar a necessidade, pois tudo a diplomacia militar resolveu e a escaramuça ficou-se pelas palavras e gritos de ordem.
O que será feito destes irmãos angolanos da imagem? 
- FNLA. Frente Nacional de Libertação de Angola, movimento de libertação liderado por Holden Roberto.
- MPLA. Movimento Popular de Libertação de Angola, idem, por Agostinho Neto.
- CARMONA. Cidade capital da província do Uíge, assim denominada em homenagem ao antigo Presidente da República, marechal Óscar de Fragoso Carmona. Depois da independência angolana, voltou a denominar-se Uíge (a designação nativa).

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

1 141 - O retrato do 1º. comício político de Aldeia Viçosa

Comício em Aldeia Viçosa, a 26 de Janeiro de 1975


O comício de Aldeia Viçosa, realizado a 26 de Janeiro de 1975, teve registo fotográfico - o que se vê na imagem! Ontem à noite, contactei o (alferes) Carvalho e o (furriel) Letras: «Lembras-te de que faz hoje 37 anos que houve desentendimentos entre a FNLA e o MPLA, em Aldeia Viçosa, por causa de um comício?».
Nenhum deles se lembrava!
O Carvalho, «provavelmente estava destacado em Carmona, num grupo de intervenção». O Letras, sem ideia segura do que lhe perguntava, admitiu que «se calhar estava de férias». Afinal, estava por lá e tirou este retrato histórico de um momento do histórico comício. «Não me lembro é de pormenores», acrescentou-me, hoje,  o então furriel «Ranger» da 2ª. CCAV. 8423.
A fala do Carvalho, avivou-me a memória para a (grande) possibilidade de o PELREC lá ter estado nesse dia 26 de Janeiro de 1975. O alferes Garcia, sempre pronto para qualquer resgate da honra militar portuguesa e com a bravura de sempre, chamou-nos, apressado e decidido, a mim e ao Neto: «Formem o pelotão. Vamos sair!!...».
Ordens eram ordens e cumprimos. Mas para onde?, foi a pergunta feita na parada do parque-auto. Explicou o Garcia, com aquele sorriso sempre largo, que respirava e inspirava confiança e cheio de garbo, encostando a G3 na anca direita: «Para Aldeia Viçosa, há lá m...». E, sumariamente, fez saber que havia «grande possibilidade de confrontos entre a  FNLA e o MPLA» e que a guarnição estava desfalcada, porque um pelotão estava em Carmona. Aqui entronco eu a probabilidade de o PELREC ter estado lá nesse dia 26, lá para o meio da tarde desse domingo. Teria sido? Não sei responder, com rigor.
Chegámos e não havia nada, já não havia nada, pois a diplomacia negocial do capitão Cruz e do alferes Machado tinha sanado a crise. 
Agora, releio o que aqui fica como acta e continuo sem me saber responder: o PELREC foi, ou não foi, nesse dia a Aldeia Viçosa. O mais certo é que sim. Foi a um domingo, registaram-se incidentes, tudo parece coincidir. Alguém pode confirmar?
Fosse, ou não fosse nesse dia, deixem-me evocar as sempre empolgantes e galvanizadoras palavras do alferes Garcia, para mim e para o Neto: «Só há fogo há minha ordem!!!! Vamos fazer como aprendemos no Quitexe!!!».
Por Aldeia Viçosa, nessa tarde de domingo, bebemos umas cervejas e regressámos ao Quitexe. O correio do dia, trouxe-se-me o jornal da terra, dando nota das comemorações do 27 de Janeiro, em Águeda. Nesse dia de 1919, monárquicos e republicanos travaram duro combate na então vila. Combate de 10 horas e muitos mortos. Os homens de Paiva Couceiro chegaram a  içar a bandeira azul da monarquia, mas acabaram derrotadas.
Não deixa de ser curioso juntar os dois factos: dois momentos de guerra, distinta guerra e diferentes momentos, que hoje, numa caldeirada da Costa Nova, me vieram à memória, recuando no tempo.
- CRUZ. José Manuel Romeira Pinto da Cruz, capitão miliciano, comandante da 2ª. CCAV. 8423, em Aldeia Viçosa. Professor aposentado, residente em Esmoriz (Ovar).
- MACHADO. João Francisco Pereira Machado, alferes miliciano de Operações Especiais (Rangers). Aposentado da administração fiscal, residente na Amadora.
- CARVALHO. Domingos Carvalho de Sousa, alferes miliciano atirador de Cavalaria, da 2ª. CCAV. 84213, em Aldeia Viçosa, . Promotor de vendas, residente nos Marrazes (Leiria).
- GARCIA. António Manuel Garcia, alferes miliciano de Operações Especiais (Rangers). Agente da Polícia Judiciária, de Pombal de Ansiães (Carrazeda da Ansiães). Falecido a 2 de Novembro de 1979.
- LETRAS. António Carlos Dias Letras, furriel miliciano de Operações Especiais (Ranger), da 2ª. CCAV. 84213, em Aldeia Viçosa. Empresário comercial de mobiliário de escritório, residente em Palmela.
- NETO. José Francisco Rodrigues Neto, furriel miliciano de Operações Especiais (Ranger´s), da CCS. Empresário aposentado, residente em Águeda.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

1 140 - FNLA E MPLA não se entenderam em Aldeia Viçosa

Porta d´armas do aquartelamento da 2ª. CCAV. 8423, em Aldeia Viçosa


A 26 de Janeiro de 1975, escaramuças entre elementos da FNLA e do MPLA puseram Aldeia Viçosa em pé de fogo: ambas queriam fazer um comício e demarcar terrenos políticos. A coisa não esteve fácil e valeu, ao que leio no Livro da Unidade, «a intervenção das NT, em situação apaziguadora, que se conseguiu».
Aldeia Viçosa - por onde jornadeava a 2ª. Companhia (do capitão Cruz) e e Vista Alegre (a 2ª. CCV., do capitão Castro Dias) - eram territórios uíjanos, de além-Dembos, por onde os dois movimentos tinham posições equivalentes. O que já não acontecia no Quitexe, onde imperava a FNLA, «quase na íntegra».
A situação de equivalência dava «aso a situações de atrito» e, entre elas, «a mais grave terá sido em 26 de Janeiro». Nesse dia, abria-se a delegação da FNLA e, chegados ao momento de ambos quererem fazer o comício conjunto, não se entenderam - tendo valido a pronta intervenção das NT.
Ao tempo, um pouco por toda a Angola, semeavam-se e multiplicavam-se actividades de politização. De 10 a 12 desse mesmo mês, andando eu «desenfiado» por Luanda, assistira casual e parcialmente a uma dessas acções, que não chegou ao fim, num bairro lateral da estrada de Catete, porque se registou uma intervenção armada. Um, quase motim.
Angola levedava na alegria da independência cada vez mais natal, mas irmãos havia que por lá não se entendiam e das armas faziam a sua voz. 
- NT. Nossas Tropas.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

1 139 - O guia Teixeira nas operações do Quitexe...

O guia Teixeira numa operação a partir do Quitexe


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ANTÓNIO CASAL DA FONSECA

Algumas vezes me tenho lembrado do Teixeira, guia profissional que nos acompanhou em algumas operações! Nele se depositava, não toda, mas muita confiança, dada a sua vasta experiência. Coxeava ligeiramente, o que não o impedia de percorrer quilómetros de mata e picada, sempre com um fôlego que nos impressionava.
Agora, que havia algumas desconfianças em relação ao Teixeira, isso havia! Como haveria em relação a todos os guias em quem, à partida, deveríamos confiar! Sempre que se ausentava do grupo em missão de exploração do terreno, não ficávamos muito descansados! Algumas vezes o comandante do grupo o acompanhou no desbravar da mata, o que não era bem aceite por ele, e até gerando algum mal - estar! 
O Teixeira, que se dizia ex-caçador, não era nada modesto, e até algumas vezes puxou dos “galões”! Contava histórias passadas com outros batalhões, em que ele aparecia sempre como um herói. Não houve, nas suas narrativas, escaramuça em que ele não tivesse sido preponderante, graças à sua experiência e vasto conhecimento do terreno! Talvez não fosse tanto assim, mas a sua publicidade dava-lhe prestígio, e o prestígio dava-lhe trabalho! E de trabalho necessitava ele para sustentar a família que, dizia-se, não era nada pequena!
O que ele não tolerava, e até ficava colérico, era quando tanto alguém colocava em causa os seus bons serviços ou até mesmo, em tom de brincadeira (digo eu!), o questionasse sobre a sua fidelidade! Tom de brincadeira, ou então com sorriso amarelo! Não porque houvesse vontade de rir mas, tal como nós, o guia Teixeira andava armado! E até com catana!
Recordo-me de uma noite dormida na mata em que, na hora de partir, o Teixeira desaparecera! Querem ver que o gajo se passou para o outro lado, o filho da p….!,interrogava-se virado para nós, o furriel, já a ver as coisas mal paradas! O furriel, e nós! Como se não bastasse a densa floresta a rodear-nos e a chuva torrencial a cair-nos em cima, faltava esta do guia que desaparecera! E ali ficámos a olhar uns para os outros, como se alguém conhecesse o caminho! Eu, de mata, só conhecia a de Marrazes, o que já não era nada mau, e de operacional restava-me o instinto de sobrevivência!
Está aqui uma coisa esperta!, pensava eu em voz alta, sentado na minha verdadeira arma. O rádio TR28!
Finalmente chegou o Teixeira, a correr, apesar das dificuldades que lhe eram conhecidas! Tinha, segundo ele, ido explorar o terreno para que, em segurança, pudéssemos retomar a operação! Verdade ou mentira, ficou-nos a dúvida e, naturalmente, a desconfiança! Não era por nada, mas semanas antes tinha sido interrogado um guia, que de guia pouco teria!
Confiarmos a nossa vida em que não confiávamos plenamente, era muito estranho! Estranho, mas necessário! Era a vida!
ACF




terça-feira, 24 de janeiro de 2012

1 138 - O incêndio na casa de oficiais do Quitexe


Os 3 bombeiros que combateram o fogo, em frente ao edifício. Notam-se bem as portas janelas queimadas. As chamas notam-se bem, na foto de baixo
A 17 de Janeiro de 1975, deflagrou um incêndio na casa dos oficiais milicianos, que era também a arrecadação de material de aquartelamento da CCS do BCAV. 8423, no Quitexe. E viveram-se momentos de pavor. 
O medo foi acrescentado, naquela hora dramática, pelo facto de lá estarem guardadas milhares de munições. Que as labaredas foram fazendo estourar, com os perigos daí inerentes.
O susto foi enorme e, apesar de prontamente combatido pela guarnição militar, as labaredas celeremente «comeram» o que lhe apareceu pela frente, sem dar muito tempo a que se deixassem combater. E havia a iminência permanente do estouro de munições. E muitas estouraram! Um perigo! Mortal!!! E a verdade é que, sem água que chegasse e sem bombeiros, não foi possível evitar a destruição do edifício.
O incêndio terá sido originado num curto circuito, foi imediatamente detectado e o deu tempo a que os pertences pessoais dos militares que ali se hospedavam fossem salvos, apressadamente levados e para a estrada do café.
Os prejuízos «foram avultados» e, segundo o Livro da Unidade, «não houve possibilidade de evitar a destruição total do imóvel«, por falta de meios adequados para pagara o incêndio, inclusive a própria água».
A chegada, algo caricatural, de um carro de bombeiros de Carmona, foi o momento hilariante da noite de sufoco - dada a sua formação: um carro bem pequeno, com três homens (os da foto), um pequeno tanque de água e uma bomba manual.
Bombeiros que já nada fizeram, para além de pretextarem fotografias para os nossos álbuns. Não houve quaisquer danos pessoais.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

1 137 - A primeira visita inspectiva ao BCAV. 8423

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Santa Margarida, sublinhada no rectângulo amarelo, com o rio Tejo em fundo

A 23 de Janeiro de 1974, o Batalhão de Cavalaria 8423 foi alvo da primeira inspecção, no âmbito da sua formação. Era uma 4ª.-feira e, vá lá saber-se porquê, alguém nos meteu na cabeça que, finda a visita inspectiva, nos dariam passaporte para uma dias de férias. Bem nos enganámos. Aquilo, seguiu-se foi um tal dar-lhe duro, que mais vale esquecer!
O inspector era o coronel de cavalaria Magalhães Corrêa e não se passou nada do que se supunha: os futuros cavaleiros do norte marcharam, fizeram meia dúzia de exercícios, esquerda, direita, um, dois..., deram meia  dúzia de saltos aos obstáculos do Destacamento do RC4 (onde se «hospedavam» os praças do BCAV., em formação), continência, apresentar armas, blá-blá-blá.... e rancho melhorado, ao final da manhã. Mais dura foi a vertigem instrutória da tarde, pela Mata do Soares, em volta do campo militar de Santa Margarida!
O então aspirante a oficial miliciano Garcia, para mostrar serviço do bom (e bem feito), puxou da ferrugem dos jovens soldados que se preparavam para atiradores de cavalaria e, ala que se marcha e progride pela mata fora, como se evoluíssemos no sertão africano.
Assim se faziam os Cavaleiros do Norte! Há precisamente 38 anos!

domingo, 22 de janeiro de 2012

1 136 - O Pinto de Sousa que foi futebolista do Benfica



Aguiar, Casal e Pinto de Sousa, no Quitexe

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A. CASAL DA FONSECA
Texto

Ontem, estive à conversa com o Pinto de Sousa, ao tempo 1º. cabo radiotelegrafista em Santa Isabel. Companheiro de recruta e especialidade, em Leiria e Porto, respectivamente, por coincidência veio a fazer parte do meu batalhão, em Angola.
Ex-jogador dos juniores do Benfica, viria a jogar no União de Leiria, como sénior, prevendo-se uma carreira auspiciosa. Que não se concretizou, devido a uma lesão, a seis meses do embarque, e que se agravaria como jogador do ASA de Luanda.
E foi exactamente por ir jogar para Luanda, que se apresentou no Quitexe, onde foi buscar a autorização assinada pelo comandante de batalhão. Que apenas, penso eu, se limitou a dar seguimento ao que já estava devidamente delineado por quem mais poder tinha e mandava! O nosso comandante, ao tempo Tenente-Coronel, nesta matéria não mandaria grande coisa, ou mesmo nada, suponho!
Sei, porque disso me deu conta, que a carta a entregar ao seu comandante em Santa Isabel, vinha assinada por um brigadeiro e que continha ordens no sentido de não provocar quaisquer entraves ao militar em questão, na transferência que já estava devidamente tratada. Não só pelo clube que representava, mas também, e principalmente, pelo Benfica, que queria o atleta de volta ao clube, e em boa forma!
Mas, como ainda ontem me dizia, a confirmar a conversa que tivemos no bar do Topeto, no Quitexe,teve sempre a colaboração de Humberto Coelho, também companheiro no Regimento de Transmissões do Porto, e do jogador José Augusto – funcionava também como relações públicas.
«Nem imaginas do que eu me safei pá!..., acho que iria dar em doido em Santa Isabel!», dizia Pinto de Sousa, aliviado e de volta do bife com batatas fritas!
Na altura, não sabia se não estaria a exagerar, dado que tínhamos apenas cerca de um mês de Angola, e o único contacto que tinha com a companhia era via rádio. Mais tarde, conheci pessoalmente quem o substituira, que não ficou nada agradado com a mudança de Luanda para Santa Isabel! Enfim, coisas da vida!
Despedimo-nos no Quitexe em 1972 e iremos reencontrar-nos muito brevemente, para falar sabe-se lá de quê, talvez de tudo, mas passará de certeza, pelo futebol, Luanda, Santa Isabel e Quitexe!
A. CASAL DA FONSECA
BCAÇ. 3879

sábado, 21 de janeiro de 2012

1 135 - O espectáculo do MFA no Recreativo de Carmona

Pavilhão do Clube Recreativo do Uíge (em Carmona) e capitão miliciano Fernandes

A 21 de Janeiro de 1975, o BCAV. 8423 apresentou-se (e representou) num espectáculo do MFA realizado em Carmona, no pavilhão gimnodesportivo do Clube Recreativo do Uíge - onde acorreu farta participação militar e, evidentemente, interessantíssimas actuações e muitas ovações.
Recuando ao tempo, e com as fragilidades de memória que se podem imaginar - dou conta que nos surpreendeu o então capitão Fernandes, a cantar o fado de Lisboa - e os coimbrões Fado Hilário e a Samaritana, que, daqui da minha aldeia, o conterrâneo e amigo António Bernardino (Berna) imortalizou por todo o mundo.
Acabei de falar com o capitão-miliciano Fernandes, puxando-lhe a memória desta noite de festa do MFA
 - de que se lembrou sem pormenor e modestamente se desculpando de falar da sua ovacionada actuação.
O pavilhão encheu, de militares e civis, aplaudindo a mestria daqueles (cujo nome esqueço) que subiram ao palco e mostraram quanto valiam, no conto, no teatro, na revista, na declamação, na música - fosse o que fosse com que fizeram o programa da festa do MFA.
Foi há 37 anos!! 
Passou tanto tempo que muitos de nós até já perdemos não só a verdura da idade, como também ao aspecto esguio do nosso corpo de militares operacionais. É a vida, diria um nosso antigo governante.
- FERNANDES.José Paulo de Oliveira Fernandes, capitão miliciano e comandante da 3ª. CCAV. 8423. Engenheiro, aposentado, residente em Torres Vedras

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

1 134 - O dia de anos de minha mãe...

Os meus amigos desculpem lá, mas hoje só me apetece falar da mulher que me pôs no mundo: Maria Dulce. Faz hoje 91 anos!!! E a festa vai ser amanhã!
Se me perguntassem há 37 anos, quando eu jornadeava pelo Quitexe, se este foto que hoje vos mostro era possível, seguramente não saberia responder. Hoje, posso: ali está, senhora do seu nariz, a mulher que por amor se fez minha mãe, rodeada de quatro dos seis netos.   
Quando há bocado lhe perguntei se se lembrava deste dia de 1975, o dia dos anos dela - foram 54!!!, e era ela mãe viúva de filho (o mais novo) na guerra colonial - disse-me, com resposta afiadinha na ponta da língua, que se lembrava muito bem e que «foi um dia triste...»
Pelo Quitexe, o PELREC teve um patrulhamento apeado, saímos pelas 8 horas da manhã e voltámos antes do jantar. Quando passávamos à distância de um pequeno olhar do cemitério da vila, o alferes Garcia notou-me diferente. «O que é que se passa, pá?!...».
Eu não disse nada e fiz-me forte!! Afinal, eu era um Ranger!!! Mas a minha memória estava nas palavras de meu pai, que a morte me roubara um ano e tal antes. E nas «poucas palavras escritas nesta tarde de domingo», o domingo de 13 de Janeiro de 1975, lavradas por minha mãe em aerograma que agora reli, fazendo ela o culto da família e deixando fluir o seu amor de mãe pelo filho que estava na guerra e de quem tinha saudades e preocupações.
«Põe lá isso na internet...», disse-me Maria Dulce, a minha mãe. E vim, a saber, já hoje, que ela procura aos netos para ver as histórias do blog. Esta eu não imaginava! Mas quem tem uma mãe, realmente, tem tudo!!!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

1 133 - A cobra na lenha e o almoço no Pacheco...


Restaurante Pacheco, no Quitexe, mesmo em frente à messe de oficiais e casa de furriéis (foto 2005)



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ANTÓNIO CASAL DA FONSECA

Estou aqui a lembrar-me das nossas idas à lenha, para os lados da fazenda Santa Isabel. Não digo que fosse uma saída de alto risco, como eram as escoltas aos fazendeiros, onde estes eram, como muito bem se sabia, os alvos privilegiados. 
Alguns, até mesmo já identificados pelo IN, por razões que agora não vêm ao caso, e que até gozavam de estatuto especial no que à protecção respeitava. Não era de alto risco, mas também não era nenhuma balda!

A minha última ida à lenha, em Fevereiro/Março de 1973, ficou marcada por um episódio rocambolesco, dos que só nos acontecem, em princípio, uma vez na vida. Espero bem que sim, mas se voltar a acontecer, não será em terras de Angola! Bom, o dia de amanhã, como se diz, ninguém o viu!...

Sentado num molho de lenha seca, ali deixada por alguém, almoçava eu e o Domingos, com quem trocara a minha lata de rojões pela de atum, dele. Mas havia ali, na lenha, alguma coisa de estranho que já incomodava! O Domingos olhou para mim, eu olhei para o Domingos, e por instinto e em simultâneo ganhámos molas no traseiro! «F….pá, que é isto?!..., a lenha está a mexer-se!», exclamava ele, de olhos esbugalhados e com metade dos rojões no camuflado! 
Ali havia coisa…, e mexia! E afinal havia mesmo! Uma cobra de consideráveis dimensões e na firme disposição de se defender, agora que era o centro das atenções!

Antes que alguém começasse aos tiros, desordenadamente, e sabendo-se bem que havia ali meninos capazes de o fazer, teve o alferes que se impor! E com má cara, quando já via três ou quatro com a mira no réptil!

Calhou ao Teixeira, que dias antes demonstrara ser um ás com a G3 – a gastar balas para não perderem a validade, ali num qualquer descampado!... -, tentar matar o bicharoco e de preferência com um tiro! É que, pelo menos no meu tempo, as balas não eram para gastar de qualquer maneira e delas teriam de ser prestadas contas!

O Teixeira, bom na mira e no gatilho, e ainda por cima incentivado por um almoço prometido pelo alferes, acertou à primeira!

«Ora, que avaria, a menos de um metro de distância e quase com a arma a fazer-lhe festas, se falhasses eras preso pá!», ria-se o alferes Sousa, agora bem mais solto e de peito feito. Antes só dera uma espreitadela bem discreta, não fosse o diabo tecê-las!

Mas o alferes cedo se esqueceu da promessa e qual almoço qual carapuça! Não se conformou o Teixeira, que não teve pejo em “envergonhá-lo”, no Pacheco e com casa cheia, em almoço de domingo: «Então, meu alferes?, Vim aqui convencido que me pagava o tal almoço que me prometeu! Posso pedir o prato?».

Claro que o alferes cumpriu a promessa, ali mesmo, com sorriso de orelha a orelha, mas bem amarelado! Nada preocupado estava o Teixeira,  com a cor do sorriso do seu comandante de pelotão, de quem era (é) grande amigo, desde que viesse o tal bife com batatas fritas!

O alferes Sousa, sempre tão cumpridor e empenhado em passar despercebido, ainda se viu em papos de aranha para justificar o disparo daquela bala!

«Se houve disparo, tem de existir relatório!», insistia o capitão! E houve, embora com dois dias de atraso, mas tão exagerado (e aldrabado!...) que o Domingos acabou por constar nele quase como herói! E muito bem! Afinal, eu e o Domingos tínhamos sido atacados por um réptil perigosíssimo! Tinha-nos valido o Teixeira, destemido! Francamente, não demos por nada, mas se o relatório do oficial o dizia, quem éramos nós para o desmentir?!

E ainda hoje se diz que o seu louvor se deveu àquele acto de coragem, já que de coragem falava o louvor, e outro acto de relevo não se lhe conhecia! 
Grande Teixeira!!!  
ACF   

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

1 132 - A primeira aparição pública do BCAV. 8423

A primeira aparição do Batalhão de Cavalaria 8423  «como unidade constituída» foi a 16 de Janeiro de 1974 - há 38 anos, uff!!!!... -, na cerimónia de tomada de posse do comandante do RC4, o coronel Craveiro Lopes, filho do antigo Presidente da República com o mesmo nome e bem conhecido (ficámos a conhecer!..) pela sua austeridade, diria que aspereza e exigências disciplinares.
Vagamente, dele recordo um momento de entrada (de vários futuros Cavaleiros do Norte) na porta d´armas do RC4, idos do Destacamento onde o BCAV. 8423 se formava. Ao ver que Craveiro Lopes estaria para sair do aquartelamento, ao fim do dia, simulámos uma caminhada até à capela, para não nos cruzarmos com ele, quando ele nos mandou chamar, por um dos homens do reforço e nos pregou sermão e missa cantada, que ainda nos zumbe nos ouvidos. Tinha "topado" que nos furtáramos a passar pelo portão lateral da porta d´armas, no momento da sua saída.
Quanto à cerimónia da sua posse, teve parada na entrada do aquartelamento e recordo o garbo dos «8423´s», exibido na formatura e desfile, com um grupo (vários pelotões?!) formado à pressa e até algo nervoso. Na prática, o BCAV. formava-se desde há apenas uma semana e julgo não errar dizendo que era principalmente formado por futuros atiradores - já que os especialistas chegariam mais tarde.
Voz de comando do grupo que eu integrava, essa recordo-a e com saudade. Era a do aspirante a oficial miliciano Garcia. Que viria a ser o «comandante-em-chefe» do PELREC, na jornada que nos levou a Angola.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

1 131 - Angola Governada por angolanos a partir de 31 de Janeiro

Rosa Coutinho em Luanda, a 15 de Janeiro de 1975,  
a falar sobre a independência de Angola

«Angola governada por angolanos» era o título, garrafal, da primeira página do jornal A Província de Angola, a16 de Janeiro de 1975, com a fotografia de Costa Gomes, Jonas Savimbi, Agostinho Neto e Holden Roberto.
"Foi num ambiente de confiança mútua e de franca cordialidade, que decorreu, esta noite, no Hotel da Penina, a cerimónia de encerramento da conferência geral sobre Angola», referia a notícia, referindo-se ao dia de véspera - quando, no Alvor foi celebrado o acordo do Governo Português com os três movimentos (MPLA, FNLA e UNITA). Que, principalmente, apontava 11 de Novembro com a data da Independência de Angola.
Não me lembro se o jornal chegava ao Quitexe, mas sei que esta edição ma enviou o Alberto Ferreira, que era cabo especialista da Força Aérea, em Luanda.
Vale a pena recordar que foi acordada a constituição de um Governo Provisório, chefiado por um Alto
Comissário português, e estabelecem o dia 11 de Novembro para a proclamação da independência de Angola. O Governo Provisório seria constituído até ao final de Janeiro.
A notícia, tão importante como era, gerou larga manifestações de regozijo e euforia na guarnição e confirmava o que se murmurava há muito: a declaração da independência e, por consequência, a antecipação do nosso regresso a Angola. Que só viria a acontecer em Setembro. 
Em Luanda, na véspera, o alto-comissário e governador geral Rosa Coutinho (foto), falava aos jornalistas sobre o acontecimento.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

1 130 - Zalala, a mais rude escola de guerra


Boas-vindas em Zalala, a mais rude escola de guerra

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ANTÓNIO CASAL DA FONSECA
Texto

«Bem-vindos a Zalala, a mais rude escola de guerra!». Li isto, pela primeira vez em 1969, quando recebi a primeira missiva de meu irmão que por lá (Zalala) fez “férias”! Há dias, e porque as conversas são como as cerejas, vieram à baila os tempos de Angola e os momentos que cada um penou!
Quando eu pensava que tinha sido um herói e sofredor em defesa da Pátria, eis que me “esfrega” na cara meia dúzia de pastas onde tem arquivados todos os relatórios das operações que comandou! Tudo pormenorizado, com anotações pessoais da época e tudo!
E eu a pensar que tinha feito grandes coisas, ao relatar as minhas escoltas, protecções ao pessoal da JAEA e as poucas operações em que participe com o PELREC e Pelotão de Morteiros! Concluo que o meu currículo militar não tem nada de extraordinário, afinal não tem história! Só a minha, alguma bem guardada e outra que aqui desfio com a malta que passou por Quitexe e arredores!
Claro que visitei Zalala logo nos primeiros dias de Quitexe, aguçado pela curiosidade em saber por onde tinha andado o meu irmão e tentar colar um pouco o teor das cartas, ao terreno. Não consegui colar coisa nenhuma, tão abismal era a diferença entre a imaginação que eu mesmo construíra, e a verdade verdadinha! Não tinha nada a ver!
Lá estava a Imagem de Nossa Senhora de Fátima, a quem muitos recorreram em momentos de aflição, e a tal frase de recepção aos maçaricos. Do resto, pouco ou nada me ficou na memória, tão curta foi a minha estadia. Oportunidades de lá voltar não me faltaram, vontade também não, mas…não estava para ali virado.
Não era por nada, mas pensava eu: Espera lá, se te há-de acontecer alguma coisa quando a Pátria mais precisa de ti, é melhor estares quieto! Se não pensava exactamente isto…pensava coisa parecida! Bom, adiante!...
Dizes tu que pintaram a frase que dava as boas-vindas, em Zalala, aquela bem escarrapachada no muro?! Descaracterizaram Zalala!, quando estiver com o teu vizinho Macedo vou dar-lhe a novidade!, disse-me, com cara (apenas cara) de espantado, como se tencionasse voltar e ver o muro como antes!
Espantado fiquei, também, por o vizinho aqui do lado também ter batido com os costados em Zalala! Quase se fazia uma excursão ao Quitexe, Santa Isabel, Aldeia Viçosa e Zalala, só com malta aqui da aldeia! Quanto mais não fosse, para voltar a pintar o muro, mas só para a fotografia!
A. CASAL DA FONSECA
BCAÇ. 3879

domingo, 15 de janeiro de 2012

1 129 - O enorme peso das responsabilidades

Alferes Carlos Silva (assinalado a amarelo) numa «excursão» às Quedas do Duque de Bragança, com um grupo de Cavaleiros de Santa Isabel



Os passeios turísticos animavam a malta e tornaram-se apetitosos aos desejos dos Cavaleiros do Norte. O (alferes) Carlos Silva achou aqui uma imagem de companheiros seus, da 3ª. CCAV. 8423 (a de Santa Isabel),  e foi aos alfarrábios procurar uma outra. 
«Passei pelo blog, como aliás faço todos os dias, e vi a foto com os camaradas da 3ª. CCAV.  Mas não estava eu e porquê?», interrogou-se ele. E respondeu-se: «Porque fiz parte deste grupo». Fazia parte, de verdade, mas estava do outro lado - a tirar a fotografia.
O (alferes) Carlos Silva, então, recordou-se que tinha uma foto igual no álbum da então namorada de Angola, ainda hoje a mulher sua «mais que tudo» - pois o dele «foi-se» nos caixotes do porto de Lisboa, perdido entre os milhares que chegaram de Luanda, em 1975. 
A imagem que nos fez chegar foi tirada exactamente no mesmo sítio, com um enorme pedra daquelas, como se vê, nas costas dos bravos Cavaleiros de Santa Isabel, que excursionavam para os lados de Malanje, a caminho das Quedas do Duque de Bragança.
E que significado teria a pedra?
Carlos Silva, 36 anos depois, vem «filosofar» que, «como em tudo na vida, nada acontece por acaso» e pergunta se a pedra não seria «o peso da responsabilidade que nos impuseram?».
Bem perguntado, ó CS.
E quanto aos nomes da malta da foto? 
«Recordo-me perfeitamente das caras e dos nomes de alguns, mas só confirmando no livro da unidade. Talvez o M. Deus possa dar uma ajuda», comentou Carlos Silva, com um «uma vez mais obrigado e que o 2012 seja repleto de saúde».
Para todos os Cavaleiros do Norte, claro!

Aqui fica o registo, neste 2012 que se adivinha bem amargo para os portugueses.

sábado, 14 de janeiro de 2012

1 128 - Os excessos do bom do Gonçalves...


Sanzala do Talabanza, mesmo à saída do Quitexe, na estrada para Carmona


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ANTÓNIO CASAL DA FONSECA
Texto

«O rescaldo da festa de fim de ano, no Quitexe, não foi assim tão sereno como tu contas!..., estás esquecido ou fazes-te?!», quase me acusa o Franco, à mesa, em almoço de há uma semana! 
E lá me falou do Gonçalves, entre outros, e de excessos que aqui não ouso referir! E protagonizados por malta toda certinha, de ar angelical e incapaz de partir um prato!

Por estes pecadilhos, concluo eu, há malta que nos almoços anuais se remete a silêncios quase sepulcrais, ou pura e simplesmente se faz de desentendida! Ai os gajos!...

O Gonçalves, que não era visto desde o dia 31, e até já faltara a um serviço, começava a causar muita preocupação - era o epicentro de quase todas as grandes confusões geradas na Companhia.

Foi dada ordem para se passar a pente fino a sanzala Talabanza, à saída para Carmona, onde algumas vezes, ou quase sempre, pernoitava e até participava em rituais estranhos, sempre acompanhados de grandes quantidades de marufo e outras misturas explosivas! Um estilo de vida que o definhava, a olhos vistos, mas sempre com reparos de quem se preocupava com ele, embora pouco pudesse fazer.

Apesar dos constrangimentos causados pelas buscas, que alguns moradores não aceitaram de bom grado, a operação acabaria por dar os seus frutos.

Finalmente, o Gonçalves tinha sido encontrado – como se não se soubesse onde “morava”!  -  e arrancado à força dos braços da sua “negrinha”, como docemente lhe chamava. À força, não porque oferecesse resistência mas porque tinha os músculos presos, coisa por nós nunca vista.

Pelo que se contou, e ainda conta, a rapariguinha poderá mesmo ter passado a noite presa aos braços quase inertes e adormecidos do Gonçalves! O que terá sido uma decepção, imagino!

Ao certo, ninguém sabe que drogas (chamemos-lhe assim...) terá ingerido, mas que por pouco não se passou para o outro lado, é uma verdade!

Mas não havia nada a fazer, o Gonçalves era assim mesmo! Sempre alegre, vivia com demasiada intensidade, talvez demasiado depressa, mas sempre descurando as inevitáveis consequências. Quem o conhecia de perto e convivia com ele, conhecia-lhe bem os excessos. Nem as ameaças de uma transferência para outras zonas de Angola ou para o interior dos “arames de Zalala”, como ao tempo se dizia na gíria, alteraram o seu comportamento!

«A primeira quinzena do ano foi quase toda “à Benfica”!, lembra o Franco, que não os cumpriu os castigos…, porque os pagou!

«E bem caros pá, naquele tempo a 50$00, e 100$00 ao fim de semana!...», acrescentou!

Tiraram vantagem os mais cumpridores, claro, isentados que ficaram das escalas de serviço.

Enfim, eram as primeiras festas natalícias passadas longe da família e amigos, aos 21/22 anos de idade! Que se havia de fazer?!
A CASAL DA FONSECA
BCAÇ. 3879


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

1 127 - Os dias da Cimeira do Alvor...

Agostinho Neto, Costa Gomes, Holden Roberto e Jonas Savimbi na Cimeira do Alvor, em Janeiro de 1975

Os dias 10 a 15 de Janeiro de 1975 foram os da Cimeira do Alvor, reunindo o Governo de Portugal e os três movimentos de libertação (MPLA, FNLA e UNITA), depois das negociações e da plataforma de entendimento político acordada em Mombaça, no Quénia. 
As negociações terão sido muito complexas e delicadas devido, principalmente, às desconfianças entre as partes angolanas, já que da portuguesa a ordem seria mais para despachar a coisa e... depressa.
Os movimentos tinham, antes de Mombaça, chegado a acordos bilaterais - a FNLA com a UNITA, em Kinsahasa; o MPLA com a UNITA, no Luso; e FNLA e MPLA, já em Mombaça -, imediatamente antes da Cimeira tripartida desta cidade queniana, de 3 a 5 de Janeiro. Por este tempo, a UNITA de Jonas Savimbi foi reconhecida pela OUA como movimento de libertação.
A guarnição do Quitexe - e as de Aldeia Viçosa e Vista Alegre - estavam, obviamente, à margem de todas estas diligências políticas (nem delas entendíamos alguma coisa), mas eram conhecidos, isso sim, os graves combates que se travavam em plena cidade de Luanda,  nomeadamente entre a FNLA e o MPLA.
Equivale isto por dizer que a pacificação que se mostrava ao mundo estava longe de ser real. Os confrontos repetiam-se na capital e pelos ares uíjanos também aqui e ali surgiam algumas escaramuças - já que principalmente a FNLA e o MPLA queriam afirmar-se no território, não raras vezes confrontando-se de forma armada, intervindo as tropas portuguesas para apaziguar os ânimos.
«Continuaram os movimentos emancipalistas as suas actividades de politização, verificando-se que a área do Quitexe é quase na íntegra da FNLA, enquanto nas de Aldeia Viçosa e Vista Alegre se verifica uma  mesclagem deste movimento com o MPLA, o que tem dado aso a situações da atrito, entre eles», historia o Livro da Unidade, referindo-se a Janeiro de 1975.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

1 126 - Os passeios turísticos às Quedas do Duque de Bragança


Andavam os políticos de Lisboa a desbaratar a revolução e, por estes dias de Janeiro de 1975, a preparar a Cimeira do Alvor e, no Quitexe, ensaiava-se uma intervenção cultural e recreativa para "exibir" em Carmona e faziam-se excursões a Malange, às Quedas do Duque de Bragança, ao Cacuso - porventura a outras localidades do mapa turístico do norte angolano.
Machimbombos, para tal, ora essa...., nem pensar. O pessoal arrumava-se como podia numa berliet e lá ia todo ele a cantar e a rir, bebericando e pulando em festa, pelas estradas de asfalto da Angola calorenta que nos recebia, como mãe, irmã e amiga!! E eram extraordinárias as imagens que se descobriam, delas sendo exemplo majestático as fabulosas Quedas do Duque de Bragança. Realmente, espantosas para os nossos olhos - nada habituados a todas aquelas magnificiências da mãe-natureza!
A fotografia do post mostra um grupo da 3ª. CCAV. 8423 (a de Santa Isabel, mas ao tempo já no Quitexe) numa dessas muito popularizadas viagens do tempo, nela se reconhecendo o Rabiça (sublinhado a amarelo) e o Querido (a roxo, assim me parece). E o da boina, ou m´engano ou é o Ricardo. Alguém pode identificar os outros Cavaleiros?
- RABIÇA. Ângelo Tuna Rabiça, furriel miliciano enfermeiro, da 3ª.  CCAV. 8423. Professor aposentado, em Vila Real.
- RICARDO. Alcides dos Santos da Fonseca Ricardo, furriel miliciano atirador de cavalaria, da 3ª. CVAV.. Mora na área de Lisboa.
- QUERIDO. José Adelino Borges Querido, furriel miliciano atirador de cavalaria, da 3ª. CCAV. 8423, funcionário público e empresário em Lisboa.
- MACHIMBOMBO. Autocarro, assim se chamava em Angola.
 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

1 125 - O Almeida, alferes miliciano e oficial de justiça

Alferes Garcia, 1ºs. sargentos Barata e Aires e alferes Almeida

O Almeida era alferes miliciano. Chegou ao Quitexe em rendição individual, por meados de Julho de 1974, e eu mesmo, casualmente de serviço, o anfitrionei na paragem do autocarro que o fez chegar de Luanda ao solo uíjano e, depois, até à guarnição do BCAV. 8423. 
O alferes Almeida era oficial de reabastecimentos. Matava, mas era a fome!!! Mais tarde, também foi o de justiça e a ele caiu a ingrata tarefa de elaborar processos disciplinares a um alferes e um furriel milicianos. Estávamos em finais de 1974.
Coube-me a mim ser o «secretário» e deveria redigir os autos, nos termos de um RDM que eu manifestamente desconhecia mas que, valha a verdade, muitas vezes nos era atirado à cara pelo capitão Oliveira. E disso - da minha ignorância em termos de elaboração de autos - fiz eu questão de lhe sublinhar, quando fui reclamado à secretaria do comando do BCAV., onde ele trabalhava.
Eu ia lá agora escrever autos!! Um dos arguidos, furriel miliciano, até era amigo próximo e já por uma vez o livrara de apertos, que agora não vêm ao caso.
Falei com o alferes Garcia: «Ó pá, então temos operações, patrulhamentos, escoltas, serviços e ainda tenho de ser escriturário?! E, ainda por cima, o (fulano) é amigo...», disse-lhe eu, comovendo-o para a minha recusa em secretariar o oficial de justiça.
Pusemo-nos a caminho, à fala com o alferes Almeida: «Bem vês, ó Almeida, o furriel está quase permanentemente de serviço e ainda vai ter de fazer isso dos autos?», observou-lhe o Garcia. E tal, e tal, e tal! E eu a ver no que aquilo dava.
O alferes Almeida olhou-me de lado, arrumou uns papéis e sorriu-se. Ele tinha (e tem) um sorriso suave, que se lhe adivinhava cúmplice, e disse: «Pronto, eu faço os autos...». E fez, deixando-me baldado a tal tarefa.
Já agora, o alferes «apanhou» 3 dias de prisão disciplinar, agravada para 8 dias de prisão disciplinar agravada, no Comando de Sector do Uíge. Reside na Figueira da Foz. O furriel «apanhou» 5 dias de prisão disciplinar agravada, depois agravada no CSU - para 10 dias de prisão disciplinar agravada. Faleceu em Amarante, onde residia, a 14 de Julho de 2005.
- ALMEIDA. José Alberto Alegria Martins de Almeida, alferes miliciano. Licenciado em economia e arquitectura, empresário em Albufeira e Cônsul de Marrocos no Algarve.
- ALFERES E FURRIEL. Eram ambos da CCS e intencionalmente omitimos os seus nomes.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

1 124 - As vésperas quitexanas da Cimeira do Alvor



Aos meados de Janeiro de 1975 murmurava-se pelo Quitexe a cada vez mais iminente saída para Carmona, a capital da província do Uíge. Hoje, a cidade, assim denominada. Mas, e a nota, muito reservada, era do comandante Almeida e Brito, passada pelo alferes Garcia à malta do PELREC, «aguardava-se o que resultaria da Cimeira do Alvor» - que pelo Quitexe, ao tempo, se chamava da Penina, o nome do hotel.
A cimeira, de resto, «polarizou todas as atenções», mas por estes dias de Janeiro de 1975 ainda se faziam as suas vésperas e ao chão quitexano não chegavam muitas informações que nos esclarecessem minimamente. Especulava-se, aventava-se, sonhava-se, supunha-se e, principalmente desejava-se. Desejava-se que nos dissessem o dia do regresso a casa.
O Quitexe militar impacientava-se, é verdade, mas a guarnição mantinha-se serena, na expectativa e cumpridora dos seus deveres, embora agora «lutando com grande falta de meios humanos». Já não tínhamos, recordemos, as Companhias de Vista Alegre (CCAÇ. 4145) e do Liberato (CCAÇ. 209/RI 21), o Pelotão de Morteiros e os GE 217 e 223 (do Quitexe), 222 (de Aldeia Viçosa) e 208 (de Vista Alegre).  
O ar bem disposto dos Cavaleiros do Norte da imagem é  testemunha da boa disposição quitexana: ali temos o Cândido Pires (à civil), o Cruz, o José Pires, o Reino, o Lopes, o Morais e o Belo, com o Lopes à frente, sentado. Todos com olhar feliz, se bem que nostálgico!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

1 123 - Os primeiros dias do Batalhão de Cavalaria 8423

A 8 e 9 de Janeiro de 1974, chegou  ao RC4, em Santa Margarida, a maioria do pessoal que viria a formar o Batalhão de Cavalaria 8423. Já por lá militavam alguns de nós, adiantados aos praças que iriam fazer a sua formação militar de atiradores.
Ao chegar de véspera (uma segunda-feira, dia 7), tivéramos oportunidade de conhecer o então tenente-coronel Almeida e Brito, que viria a ser o nosso comandante. Eu, o Neto e o Monteiro fazíamos passar o tempo com uma jogatana da cartas no bar dos cabos milicianos, a meio da manhã, quando fomos reclamados para ir ao Destacamento. Já lá estavam alguns soldados, outros cabos  milicianos e aspirantes a oficiais milicianos, sargentos e oficiais do quadro. Era o final da manhã e foi, podemos dizer,  o primeiro encontro, informalíssimo, dos futuros Cavaleiros do Norte.
Os contactos mais formais foram nos dias seguintes (8 e 9, uma terça e uma quarta-feira), já com o organigrama do batalhão muito mais detalhado, não sei mesmo se já na forma definitiva. 
O Livro da Unidade refere «uma reunião de trabalho em que estiveram presentes os quadros do BCAV», que foi «precedida de uma palestra a todo o pessoal, na qual foram expressos os princípios básicos da vida que teriam de nortear a vida do BCAV. durante o tempo em que, como Unidade constituída, vivesse no RC4 e na RMA».
Vejam bem, isto foi há 37 anos. Todos nós éramos uns meninos e ali nos preparávamos para a guerra.