quarta-feira, 31 de março de 2010

Montanha Pinto foi presidente da Câmara Municipal de Carmona

A 23 de Março, falei aqui da minha pessoal (há 35 anos) sobre Montanha Pinto - figura pública de Carmona, que deu o nome ao bairro onde se situava uma antiga messe de oficiais, mas que, entre Março e finais de Julho de 1975, foi «casa do repouso doas guerreiros-sargentos» do BCAV. 8423.
Recordei-me que Montanha Pinto ainda era vivo ao tempo, que fôra presidente da Câmara Municipal de Carmona e fizera notável obra de qualificação urbanística da cidade. E que, além de deputado na Assembleia Nacional, da Ala Liberal, fôra funcionário público e empresário agrícola e tinha mais uma mão-cheia de dados curriculares que na altura me espantaram e agora não recordo.
Agora, o António Casal - que tirocinou transmissões pelo Quitexe antes dos Cavaleiros do Norte, fez-me chegar recortes do jornal O Século - edição de 22 de Junho de 1954. Há quase 56 anos!!
Título da 1ª. página: «Portugal Ultramarino - Angola. Número especial dedicado à província de Angola, aquando da visita do Presidente Craveiro Lopes».
A reportagem, bem recheada de fotos, abrange toda a ex-colónia e fala, até, da construção do novo Clube Recreativo do Uíje, da construção do Grande Hotel do Uíje (com fotos) e outras curiosidades. E, principalmente, de toda a economia, riqueza e o visível progresso da província que nós viríamos a conhecer 19 anos depois.
Obrigado, ó Casal!
Se clicarem na imagem, ela aumenta
e podem ler o que está escrito.

Chuvas deixaram 2 511 pessoas do Uíge sem abrigo

16/02/2010: As chuvas deixaram 2511 pessoas ficaram sem abrigo e destruíram 624 residências de Janeiro a 15 de Fevereiro, na província do Uíge, informou o oficial da Protecção Civil, Eduardo André Pereira.
Os municípios do Uíge, Songo, Púri, Negage e Quitexe foram os mais afectados. Também foram danificadas 13 escolas, nove igrejas e a ponte do rio Zadi, entre a capital da província e Ambuíla.

Notícia da TPA, AQUI.

terça-feira, 30 de março de 2010

Uíge precisa de ampliar serviços penitenciários

Os serviços penitenciários na província do Uíge pretendem a sua ampliação, tendo em conta o elevado número de reclusos que alberga. A preocupação foi manifestada ao governador provincial, Paulo Pombolo (na foto), no final de uma visita de trabalho.
Os responsáveis do Ministério do Interior referiram também a necessidade de um centro de acolhimento de estrangeiros que entram e permanecem ilegalmente na província (através do posto fronteiriço) e preocupações com a rede de marcação, equipamento e meios técnicos operativos de apoio e socorrismo. E a necessidade de uma escola do 1º. e 2º. ciclo do ensino secundário, para facilitar a formação académica dos polícias e dos seus familiares.

Notícia de 18 de Março, DAQUI.

Os patrulhamentos mistos em Carmona e as guarnições da ZMN

Miltares do PELREC, alguns dos que integraram os patrulhamentos mistos. Em cima, Messejana, Dionísio, Soares (1º. cabo), António (?) e Florêncio. Em baixo, Vicente (1º. cabo), Viegas (furriel), Francisco e Leal. Vicente e Leal já faleceram.


A 28 de Março de 1975, a guarnição do BCAV. 8423 foi reforçada com um Grupo de Combate da 3ª. CCAV., que continuava no Quitexe. A extinção da ZMN e a consequente saída dos quadros que asseguravam os seus serviços, obrigou a reenquadramentos - numa altura em que, para além dos Cavaleiros do Norte, apenas havia tropa em Sanza Pombo (a 1ª. Companhia do BCAÇ. 4911) e no Negage (a CCAÇ. 4741). Aqui, para além da base aérea.
A experiência que por então vivíamos nos patrulhamentos mistos à cidade e pontos-chave, decorria sem problemas de maior - graças, principalmente, à receptividade dos militantes dos três movimentos e à postura dos militares portugueses. Que, nas ruas de Carmona, resistiam à tentação de ceder na resposta aos insultos gratuitos de alguns cidadãos.
Ocorre-me uma cena, na Rua do Comércio, por volta da meia-noite de um desses patrulhamentos, quando duas senhoras «vomitaram» impropérios contra a tropa portuguesa.
«Traidores, bandidos, canalhas...», foram alguns do epítetos que tivemos de ouvir. Sem reagir! Castrando a emoção! Menos o Marcos, que saltou do Unimog, num momento reactivo que só foi dominado pela agilidade com que foi agarrado. Em frente das senhoras, que batiam com as costas nas palmas das mãos, gritando e protestando injúrias. Um dia aqui contarei o que, no mesmo local, aconteceu com uma delas, filhos e sobrinhos - nos dramáticos primeiros dias de Junho de 1975. Todos socorridos no BC12.

- ZMN. Zona Militar Norte.

-Vicente. Jorge Luís Domingues Vicente, 1º. cabo atirador de cavalaria. Natural de Vila Moreira. Faleceu em meados dos anos 90.

- LEAL. Manuel Leal da Silva, soldado atirador de cavalaria, de Caxarias (Pombal). Faleceu subitamente, a 18 de Junho de 2007.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Os dias de Santa Margarida a «fazer» os Cavaleiros do Norte

O PELREC, no Quitexe, em 1974. O alferes Garcia é o primeiro da direita, em pé. O furriel Neto, o
primeiro da direita (na frente dele). O furriel Viegas é o sexto, da esquerda para a direita, de pé.
Clicar na imagem, para a ampliar


Hoje, se fosse no ano de 1974, estaríamos de regresso ao Destacamento do Regimento de Cavalaria 4, em Santa Margarida - com a Licença de Normas já gozada. Era sexta-feira e ficámos a saber que a viagem para Angola tinha datas de embarque marcadas para fins de Maio e princípios de Junho, em sucessivos voos para Luanda, companhia a companhia.
Fomos jantar a Abrantes!
Esse fim de semana passei-o em Santa Margarida - nomeado numa escala que achei irracional mas que tive de aceitar. Acabei por fazer um serviço do Neto - que aproveitou a «boleia» para voltar a Águeda, para os braços da Ni e o conforto da família e dos amigos.
Foi um fim de semana algo atípico e também de conhecimento mais íntimo dos oficiais milicianos, qu´iam ser nossos irmãos de destino: o Ribeiro, sapador; o Sampaio, da 1ª. Companhia; o Pedrosa, da 3ª; o Periquito, da 2ª., todos atiradores de cavalaria.
A 31 de Março, era domingo, assisti à missa na capela do Campo Militar e dei aos pés uns bons pares de quilómetros, até à beira de Malpique. À noite, fui ao cinema - onde à saída reencontrei um antigo companheiro de Penude, do Centro de Instrução de Operações Especiais, o CIOE (Ranger´s) - o aspirante a oficial miliciano Augusto Rodrigues. Em pé de cerveja, à beira do balcão, vim a saber dos outros AOM do BCAV. 8423: o Mário Jorge Sousa (1ª. CCAV), o Machado (da 2ª.). E o Garcia, com quem eu tirocinava como 1º. cabo miliciano.
Outros 1ºs. cabos milicianos já eu conhecia: o Letras, o Pinto, o Reina. E o Neto e o Monteiro, da CCS como eu. Todos instruendos do CSM de Lamego. A família dos Cavaleiros do Norte construía-se assim, como estes pequenos e crescentes afectos.

domingo, 28 de março de 2010

A chegada do capitão Silva Themudo, 2º. comandante do BCAV. 8423

O capitão de cavalaria José Diogo Themudo assumiu as funções de 2º. Comandante do BCAV. 8423 em Março de 1975. Seguramente antes de 24, dia em que passou a comandar interinamente a Unidade - passando o tenente-coronel Almeida e Brito para o comando (também interino) da Zona Militar Norte (ZMN).
O BCAV. 8423 estava sem 2º. comandante desde a chegada a Angola, pelo facto de o major da cavalaria José Luís J. Ornelas Monteiro, nomeado para o cargo, ter sido «desviado» para o CCFAG.
Silva Themudo não demorou tempo a conhecer a sua área de comando e, a 27 de Março, foi ao Quitexe - onde estava ainda estava a 3ª. Companhia, comandada pelo capitão miliciano Fernandes. No dia seguinte, foi a Vista Alegre e Ponte do Dange, onde a 1ª. CCAV. estava em missão, sob o comando do capitão Castro Dias.
Sucediam-se pelos últimos dias de Março, as reuniões com os dirigentes dos três movimentos emancipalistas, confirmadas nos encontros dos Estados Maiores, às 4ªs.-feiras. As novas que nos chegavam, davam conta da boa aceitação das medidas militares tomadas e que, cito do Livro da Unidade, constituíam «um exemplo para terceiros». As reuniões passaram mesmo a ser itinerantes e, dentro desse contexto, houve contactos a vários níveis, com os movimentos das áreas de Salazar, Quibaxe e Úcua - este último com patrulhamento conjunto do ECAV 401 e da 2ª. CCAV. do 8423, no dia 31 de Março.

sábado, 27 de março de 2010

O soldado que levou cassete com a gravação do jantar de despedida da família

Jardim principal da vila do Quitexe, frente à administração civil

ANTÓNIO CASAL
Texto
Estávamos em Julho de 1972, já com três meses de comissão, e sentia-se que estavam debelados os primeiros sintomas da saudade. Ou parecia, porque todos gostávamos de nos conotar com a velha frase “dos fracos não reza a história!”.
E ainda bem! Ajudados pelo entusiasmo na “descoberta” do nosso novo espaço e debruçados na responsabilidade que no dia a dia nos era incutida, tudo parecia entrar na normalidade. Mas não era bem assim! No nosso seio, havia um companheiro que de dia para dia emagrecia a olhos vistos e a quem algumas vezes perguntei se se alimentava convenientemente!
Aquilo já não era magreza, mas definhamento, o que me parecia, e era, mais grave! A resposta era sempre evasiva, o que me deixava intrigado e até preocupado. Mas não tardaria muito a descobrir a causa, o que aconteceu por mero acaso! A culpa era duma cassete! É verdade!... Uma cassete que eu ouvi (mas imperceptível) no interior do seu quarto! E muitos soluços, alguns quase abafados, daqueles que nos bloqueiam o peito e provocam dor!
A coisa parecia ser grave e meti mãos à obra logo que ele entrou de serviço. Pelo menos, uma pista já eu tinha, à partida! Não pensei duas vezes: ”Assaltei-lhe” o quarto, “violei-lhe” a mala e “roubei-lhe” a cassete! Receoso que ele voltasse por uma qualquer razão, corri e contei ao rádio-montador o que se estava a passar. Pedi-lhe para a ouvir comigo, já que este tinha um bom gravador, o que fizemos bem junto à janela, afim de controlarmos qualquer movimento.
Afinal, ainda não o conhecíamos muito bem e a sua reacção podia não ser das melhores! Ouvimos todo o conteúdo da cassete e no fim olhámos um para o outro, meio aparvalhados, deixando escapar quase em uníssono um f…..e! «Então este gajo gravou o jantar com a família e anda a ouvir os pais há três meses?!...», dizia o meu “cúmplice”, tão perplexo quanto eu!
«Eu bem achava o gajo esquisito, mas pensei que era feitio p…..a! Mas isto?! Espera que a gente resolve já esta m…a!», atirou com ar decidido!
Anulou a gravação, de seguida avariou-lhe o gravador e tudo voltou à mala sem qualquer vestígio. No dia seguinte, logo na abertura da oficina, lá estava ele quase a suplicar para que lhe arranjassem o aparelho!
«Não percebo, ainda ontem trabalhava!...», queixava-se, com um ar que metia pena! O autor da avaria logo se disponibilizou para o “ajudar” e foi uma questão de minutos! Mas não havia gravador que lhe valesse, porque aquela cassete nunca mais iria lembrar o jantar de despedida, tão carregado de emoções! Que ele nos perdoe o gesto, e principalmente a partilha do conteúdo –, que não tínhamos o direito de ouvir e que muito nos custou fazê-lo!Mas será que valeu a pena?! Valeu, pois! Andou uma semana a falar sozinho, mas passado este período difícil até já ia ao Topete beber umas nocais e ouvir as histórias do D. Juan do Cais do Sodré…e do Quitexe!! E até engordou, o que atendendo ao seu estado de magreza, nem foi difícil! E ainda hoje, 37 anos depois, deve estar intrigado com o “apagão” da fita e a “avaria” do gravador! Pois que esteja, e pelo sim, pelo não… é melhor que continue assim!!!

sexta-feira, 26 de março de 2010

O primeiro patrulhamento misto da cidade de Carmona


Estátua e rotunda Ricardo Matos Gaspar, fundador de RIMAGA, importante empresa
de Carmona, um dos sítios por onde passou o patrulhamento misto de faz hoje 35 anos.
Forças mistas no BC12, em cima, fazendo ordem unida


O dia 26 de Março de 1975 foi de rotina civil, até às 17/18 horas - correndo a cidade num jipe militar, para lhe conhecer alguns recantos. Não por acaso. Às 20, tínhamos de estar no BC12 para iniciar os chamados patrulhamentos mistos - com as forças do MPLA (FAPLA´s), UNITA (ELNA) e FNLA (FALA). Os primeiros! Havia alguma ansiedade da nossa parte, muito respeito e nervosismo - até alguns temores. Há dias que alguns angolanos (foto) estavam instalados no BC12, numa das casernas, e eram olhados com alguma desconfiança. Eram, afinal, os nossos «inimigos» de ontem! Ir fazer patrulhamentos conjuntos, que Deus nos acompanhasse!
Verdade que já a 15 de Março tínhamos feito um primeiro "ensaio" e nem correra mal. Bem pelo contrário. Fôra num comício comemorativo do aniversário da FNLA, num serviço episódico e em formação parada. Mas havia a consciência da sua (deles) desabituação da disciplina e atavio militares, alguns medos quanto à aceitação que tivessem (ou não) do comando das forças - sempre entregue a um graduado do exército português. E, mais delicado, como se «entenderiam» eles, militantes dos três movimentos integrados numa mesma força conjunta, sabendo-se, como sabíamos, das diferenças que se discutiam a tiro, granadas e morteiros em outras regiões de Angola, já «abundantemente» regadas de sangue de irmãos contra irmãos.
A noite de patrulhas urbanas, porém, correu muito bem - embora fossemos assobiados e vaiados quando passávamos em algumas ruas da cidade, com vozes e provocações que feriram o nosso brio, o garbo e as honras militares. Da parte de civis europeus.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Os dias de Carmona...

Lazer nas traseiras da messe de sargentos em Carmona. O furriel Viegas (em cima)
a desarrelvar o jardim. Em baixo, com o furriel Monteiro e a mini-mota de «serviço»
Carmona deu-nos o sabor das coisas urbanas e o gosto de nos sentirmos (mais) civis. A cidade, relativamente ao Quitexe, tinha uma incomparável maior oferta de serviços, diversões e entretenimentos. De toda a espécie! Tirando os constrangimentos provocados pela hostilidade de uma parte da sociedade civil, Carmona era um paraíso para a guarnição que ficou na história como a última a lá hastear e arrear a bandeira de Portugal.
Atrás, no tempo, ficaram meses do já então saudoso Quitexe - meses de operações, patrulhas e escoltas que não nos deram lutos de alma - felizmente!... - mas nos levaram muitas vezes a lonjuras semeadas de perigos, através de matas e trilhos marcados pelo peso das botas de soldados carregados de equipamentos e armas, alongando-se em colunas que se afadigavam a cumprir as suas missões. Sem uma queixa!
A cidade deu-nos cosmopolitismo que engravidou muitos entusiasmos e devaneios. Foi pasto para os nossos gostos e gozos, até delírios! Carmona era uma malha urbana de vistas largas, rasgada em espaços amplos, de muitos verdes, atraente e quase volupiosa, por onde se andava e por todo o lado se achava resposta ao que precisávamos e queríamos.
As esplanadas de restauração enchiam-se de bulício pelas noites quentes fora, noites de sensualidade intensa, que quase se apalpava e nos fazia mergulhar em sonhos e desejos! Era boa a cidade de Carmona!
O dia 25 de Março - que anos depois seria o do meu baptismo como pai... - foi em 1975 véspera do BCAV. 8423 se «estrear» em patrulhamentos mistos, com forças do ELNA, das FAPLA e das FALA. O que seria e não seria, como fazer e reagir, tudo nos foi explicadinho (ao PELREC) pelo sempre bravo e garboso alferes Garcia.
A situação política decorrente da entrada dos movimentos na vida pública deteriorava-se um pouco por toda a Angola e já havia chegado a Luanda e Salazar - ali ao lado! Todos os momentos seriam, para os Cavaleiros do Norte, vésperas de «macas». «Teremos resposta adequada, andámos a preparar-nos para isto...», sempre nos incentivava o sempre confiante alferes Garcia.
- ELNA. Exército de Libertação Nacional de Angola (braço armado da UNITA).
- FAPLA. Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (MPLA).
- FALA. Forças Armadas de Libertação de Angola (FNLA).
- PELREC. Pelotão de Reconhecimento, Serviço e Informação, grupo de combate formado por soldados e 1º.s cabos atiradores de cavalaria e alferes e furriéis milicianos de Operações Especiais, os Ranger´s.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A operação miliar ao Vale da Sanda no ano de 1965

Mapa do Norte de Angola, zona do Quitexe e Zalala (Operação ao Vale do Sanda)

OCTÁVIO BOTELHO*

O "post" do dr. Pestana Bastos - ver AQUI... - desencadeou em mim um vendaval de saudade. O facto é que tomei parte na Operação ao Vale da Sanda, descrita pelo dr. Pestana Bastos, no já distante ano de 1965 do século findo. Era eu furriel de Artilharia (QP), a fazer a primeira comissão das três que fiz em Angola. Fazia parte do 3º.GC da CART. 785, do BART. 786, do RAP2.
Senti saudades não da situação então vivida por todos nós, uma situação de guerra dura, num clima nada agradável e num isolamento de tal ordem!...
Senti saudades da época em que era mais jovem, tinha saúde para dar e vender e, apesar das dificuldades vividas, mesmo assim tinha também bastante alegria de viver. Saudades também do ambiente de solidariedade e camaradagem que tal situação nos impunha e apesar de tudo era tão benéfica e necessária para se ultrapassarem as dificuldades surgidas. Sim!...Lembro-me também de que o dr. Bastos, pela sua aparência de "mais velho", agravada pela presença do seu "farfalhudo" bigode, foi tomado como alvo a abater pelos atiradores da emboscada que nos foi feita, supondo eles que se deveria tratar do "Maior" da operação!...Enfim!...
Decorridos que são 45 anos sobre a ocorrência, ela se mantém presente como se tivesse decorrido há dois ou três. Não quero alongar-me mais e neste momento quero dar os parabéns ao administrador deste blogue pelo trabalho efectuado e que possibilita o reviver destes acontecimentos marcantes na vida dos ex-combatentes da Guerra Colonial.
As mais cordiais saudações aos colaboradores e vistantes deste blogue e também ao dr. Pestana Bastos, médico que pertenceu à minha Companhia e muitas vezes nos acompanhou nas andanças da guerra.
Para todos um abraço do Camarada,
OCTÁVIO BOTELHO *
Sargento Ajudante de Artilharia
Aposentado

terça-feira, 23 de março de 2010

O Bairro Montanha Pinto, casa dos furriéis e sítio de sangue e morte

Capela católica do bairro da messe de sargentos, em Carmona, e Montanha Pinto


Há coisas que faço sempre, quando vou a qualquer localidade, pela primeira vez. Uma delas é visitar as igrejas. Não, exactamente, por uma qualquer profissão de fé mais ortodoxa, mas mais porque identifico as pessoas da comunidade, pelo tipo de cuidados que têm com os seus templos.
Inevitavelmente, em Carmona, visitei a igreja bispal e, ali mesmo à mão da messe de sargentos, a capela do Bairro Montanha Pinto. E por lá me senti em paz, com a solidão dos que crêm e a fazer-me sentir mais adulto, mais solidário e mais partilhante.
E, estando num bairro com este nome, quem teria sido Montanha Pinto? Certamente alguém de peso histórico na vida pública da cidade ou da região. Os grandes homens e mulheres são guardados na história em placas de ruas, avenidas e praças, pontes, viadutos e... bairros. Pela vizinhança perguntei, sem sorte. Intriguei-me e acicatei a curiosidade. Quem teria sido Montanha Pinto? Vim, a saber e com uma surpresa: ainda era vivo o homenageado com o nome em placa de bairro. Fôra presidente da Câmara Municipal de Carmona e fizera notável obra de qualificação urbanística da cidade. Deputado na Assembleia Nacional, da Ala Liberal. Que fôra funcionário público e empresário agrícola e tinha mais uma mão-cheia de dados curriculares que na altura me espantaram e agora não recordo. Por alguma razão, as forças vivas da cidade deram o seu nome ao bairro onde os furriéis da CCS do BCAV. 8423 faziam o seu ninho de todos os dias.
Ali, junto bem perto capela, assisti a uma das mais disparatadas situações da guerra urbana que foi pasto para muitas mortes nos primeiros dias de Junho de 1975: um grupo de combatentes da FNLA disparava obuses supostamente contra as forças do MPLA. Mas, mal regulados, caíam-lhe em cima. Alguns morreram, dilacerados pelas suas próprias armas; outros, levámo-los nós para o hospital da cidade. Um deles, parece que o estou a ver, com as vísceras soltas e a pendurarem-se na maca da ambulância militar.
Foram dias de sangue, esses dias de Carmona, carregados de mortes e com muita gente a fugir a sangrar e de olhos gretados de lágrimas e medos. No Bairro Montanha Pinto, em 1975.
- MONTANHA PINTO. Manuel Joaquim Montanha Pinto, regente agrícola, natural de Bragança (17.12.1918). Funcionario público, empresário agrícola e gestor da Hidroeléctrica do Uíge. Presidente da Câmara Municipal de Carmona de 1951 a 1957 e 1964 a 1974. Deputado da Assembleia Nacional (Ala Liberal) na 10ª. Legislatura (1969 a 1973) e Procurador à Câmara Corporativa. Dados e fotos da net.

segunda-feira, 22 de março de 2010

A popular Casa Transmontana de Carmona...

A popular Casa Transmontana da cidade de Carmona (anos 70)

Fala-se muito na popular Casa Transmontana, na Carmona de há 35 e mais anos, vá lá saber-se porquê. Cada um terá as suas razões, mas dizia-se que era uma espécie de estação de serviço, com exclusivo de «mudança de óleos». O que não explica nada à minha curiosidade. Ou pouco.
Lembro-me, todavia, de, uma vez ou outra, nos sentarmos na esplanada que ali se vê, para saborear alguma nocal frequinha com ginguba..., e vermos entrar e sair gente - sempre com passo apressado e sorrisos de boca larga. E de uma noite, por ali perto - que era perto da PSP, se me lembro bem... - ter havido zaragata da grossa, na rua e metendo gente de várias cores; e nomes que se chamavam em vozearia alta e que eu não entendia.
De ver uma mulher cor de ébano e a abanar a anca, sacudindo as missangas e a falar como se fosse para a lua, aos berros de uma euforia estranha, percebendo-se bem que era para uma madame branca, de cabelos alourados de água oxigenada. De esta chamar nomes feios ao que, suponho eu, seria o seu senhor marido. E que ela, a mulher cor de ébano, zaragateando para a oxigenada e sempre a abanar a anca, saracoteando-se, se fez de gazela a correr rua abaixo, fazendo batuque no peito e a gritar como se fugisse de trovoada.
Que nós, por ali aperaltados de manga curta e civil, nos fartámos de rir. E mudámos de «estação de serviço», para não apanharmos alguma gripalhada nos motores. E ficámos a saber o mesmo.

domingo, 21 de março de 2010

Porque hoje é domingo!... Um domingo quitexano!!

Rádio-montador Tomás, no Quitexe, em operação de lavagem de roupa

Antes de irmos para Carmona, era preciso mais aprumo e asseio militar. Afinal, íamos para a cidade. Ora uma "faxina" à roupa não ficava nada mal. E qual era o melhor dia? Claro, o domingo.
As traseiras do quarto dos rádio-montadores, no Quitexe, tinham, como se pode ver, uma torneira com água. A casa de banho ficava à direita. Estávamos muito bem acompanhados pelos furriéis Pires e Mosteias, ambos sapadores e da CCS, cujo quarto ficava mesmo por cima da minha cabeça.
Quantas conversas entre sapadores e rádio-montadores por aqui se tiveram! Quantos segredos até hoje e de então ficaram guardados!!! Quantos momentos de grande companheirismo e amizade, que só na tropa se conseguem viver!!!
Por tudo isso, todos nós estamos a aguardar pelo próximo convívio - que será lá para o fim do mês de Maio. A 29 - o dia em que partimos para Angola.
Todos gostam de pôr as memórias em dia.
RODOLFO TOMÁS

sábado, 20 de março de 2010

As danças étnicas que puseram os Cavaleiros do Norte em sentido

Bairro Montanha Pinto, visto do lado da estrada para o Quitexe (foto de Quitexe)


A foto faz-me recordar uma noite de sustos na messe de oficiais (que foi a dos sargentos da CCS do BCAV. 8423) do Bairro Montanha Pinto. O plantão nocturno começou a ouvir barulhos e gritos estranhos do lado de uma pequena sanzala, do mesmo de onde foi tirada esta foto. O da estrada que ia para o Quitexe e de um campo de futebol. Já a noite ia alta e bem alta.
Eu e o Neto éramos, digamos, os únicos operacionais por lá «estacionados» na messe, mas eu não estava. Foi ele de imediato chamado, pois sabia-se lá o que seria aquilo?! Poderia ser um qualquer ritual étnico, ou porventura um «ensaio» de ataque à tropa - já havia muitos antigos combatentes na cidade... - e havia avisos sobre a nossa maior atenção para tudo o que fosse anormal.
Aumentavam os barulhos, a batucada galgava o bréu da noite, pareciam guerreiros os gritos que silvavam pelo ar fora e começou a ver-se, ao longo, o clarão de uma fogueira enorme.
«Que m... é esta?!...», interrogou-se o Neto, com os companheiros do reforço.
A malta que dormia foi toda acordada e posta em guarda. Atacada, poderia ser a messe, mas teria defesa. Ai isso teria!
Resolveu o Neto tirar dúvidas e, com dois ou três militares e as precauções devidas, galgou um carreiro que por ali havia até, já na pequena sanzala, descobrir o que era: festejava-se qualquer coisa de famílias e a gritaria e a batucada não passava, afinal, de um qualquer samba tribal, ritmado pelas tradições da etnia e de homenagem a um qualquer Deus.
Muito nos rimos, eu e o Neto, quando cheguei da ronda de PU, sem saber de nada e já depois das 8 da manhã. «Tu sabes lá, pá!!! Tu sabes lá o qu´era aquilo!!!...», explicava-se o Neto. E notava-se no olhar um resto de esgar de ansiedade. «Era festa lá dos gajos, mas a gente sabia lá!... A gente sabia lá, pá...».
O melhor da noite do susto, está visto, foi mesmo ir ver as danças que desnudavam os seios das raparigas mais novas e puseram a tropa em sentido. Em sentido figurado!! E perceber, afinal, que não havia ataque nenhum. O Neto é que não pregou olho nesssa noite, mesmo depois de ter visto o que viu! Ou se calhar por isso mesmo!

sexta-feira, 19 de março de 2010

A malta que ia para a borga e os cinemas de Carmona

O Cinema Moreno, na cidade de Carmona, frente à Rádio Clube do Uíge (1974)
Furriéis Pires (de Bragança) e Neto, na saída da Messe de Oficiais do Bairro Montanha
Pinto, onde ficaram os sargentos da CCS do BCAV. 8433

A messe de Carmona semeou-nos de sonhos e de lazeres. A foto, mostra o Pires (de Bragança) montado na mini-mota que por lá foi de vários donos e certamente em saída para alguma comezaina na cidade, lá para o Escape, o Xenú ou os pica-paus do Bar do Eugénio. O «menino» vestido de branco é o «imaculado» Francisco Neto, o furriel-irmão de Águeda - que ao tempo andava perdido de amores pela sua Ni, sua mulher de hoje.

Ambos vestidos à civil e pelo ar da carruagem (ou da mota...), duvido que o dia não fosse de borga - quem sabe se alguma saída para o Transmontano, ou uma ida ao cinema - onde, numa qualquer data, vimos o impensável "O Último Tango em Paris», no Cine Moreno, frente ao Rádio Clube do Uíge.

O Pires era mais recatado, mas sempre ansioso por uma boa passeata na cidade, «a ver as grinas...». O Neto, sempre muito mais expressivo e exuberante, às vezes até quase volupioso, fazia-se de mestre-rua aos menos atrevidos nas noites carmonianas, noites que faziam medrar desejos nos olhos e alma dos rapazes da guarnição.

Leio aqui a minha nota deste dia de 1975, como hoje Dia do Pai: «Nasceu o Zé, há um ano». O Zé Fernando é meu sobrinho e ao tempo também já meu afilhado, baptizado semanas antes de eu embarcar para Luanda. Hoje, é também meu compadre e treina o Náutico de Viana, clube que o fez atleta campeão nacional de remo. E internacional. E quase olímpico. A graça é que nesta quarta-feira de Março de 1975, muito provavelmente em algum frágil momento de nostalagia, associei o cinema ao meu sobrinho e afilhado: eram ambos Moreno. Um de nome, o cinema; outro de apelido, o sobrinho. E passaram-se 35 anos!

quinta-feira, 18 de março de 2010

A faca de mato do Marcos num jogo de futebol de Carmona

Campo do Futebol Clube de Uíge, em Carmona (foto de Luís Fernando)

«O cronista não é dos que fazem do rancor ao futebol - ou do amor... - um estandarte de intelectualidade e pseudo-progressivismo: joga a bola por brincadeira e vai aos campos de futebol, para se distrair. Ontem, porém, foi (fui) polícia num campo de futebol, em Carmona.
E sabe-se, eu sei, que por detrás do futebol é que as coisas são: são como são. Avisado estava eu e os meus companheiros Almeida a e Marcos para o que poderia acontecer no campo do Futebol Clube do Uíge: bocas, agressões verbais, chatices. Para estarmos atentos e seguros. Para não reagirmos a esse tipo de provocações.
Assim foi ontem, num domingo em que o tempo até ameaçou chuva, pelo final da amanhã. Mas desanuviou ao princípio da tarde desse dérbi, com o Sporting do Negage - o Benfica-Sporting do sítio. O jogo decorria no pelado, com as habituais dúvidas nas leis do jogo fora do campo e a PU a circular ao longo das linhas laterais, por onde se viam alguns militares, muito poucos..., mas muitas bocas do público, ofendendo os tropas. Curiosamente, ou talvez não, principalmente vindas de compatriotas europeus.
A sede levou-nos a um pequeno bar, por lá improvisado: três nocais. Não no-las quiseram servir. Afinal serviram, com desdém que nos ofendeu. «Olhe lá, tá a gozar connosco?...», perguntei eu. Se não estavam, parecia. Seguiu-se uma altercação pouco simpática, algumas palavras azedas, um nervosismo evidente. O Marcos era especialista em puxar da faca de mato e, quando reparei, tinha-a encostada a um outro europeu. A situação controlou-se, mas não sem uma posterior queixa no BC12. Contra nós, claro.
Hoje, já fui chamado e dei explicações ao capitão Oliveira, que me espetou um correctivo. Eu tinha, disse-me ele, que «honrar a farda... e não permitir abusos que pusessem em causa a tropa».
O que se lê acima tem data 18 de Março de 1975 e refere-se à tarde da véspera, de um jogo de futebol do campeonato provincial, durante o qual ouvimos as que não queríamos. Hoje, memoriando esse momento futebolístico, recordo umas trocas de piropos, uns empurrões e um maninho de bocas que nos provocavam, de cabr... e car... para cima. E recordo a protecção dada à arbitragem, no final do jogo. Jogo de que não lembro o resultado. E não posso deixar de sublinhar a atenção e agilidade do Marcos que, num ápice de lince, sem hesitar, puxou da faca de mato, neutralizou o fulano que nos ofendia e ameaçava e, com esse gesto, terá evitado uma turbulência de consequências imprevistas. Era assim, aos Marços de 1975, por Carmona... num domingo de ir ao futebol.

quarta-feira, 17 de março de 2010

A cidade onde nos (des)fazíamos em rolos de carne cor de ébano



A messe de oficiais do Bairro Montanha Pinto, a casa azul frente ao Carocha branco, passou para os sargentos e por lá se instalou a rapaziada do Quitexe. Estava a um pulinho do centro da cidade, até lá se ia e de lá se vinha a pé, e era nosso pouso certo de muitas horas de ócio e prazer.
O de escrever, por exemplo! Ou de uma boa partida de cartas ou de dominó e de largas conversas sobre tudo e nada; e fartas mesas de ementas que o Neto, o nosso «eterno» gerente da messe, aprimorava em melhorar a cada refeição. E de muitas leituras.
Reli(a) por esta altura de 1975 o 2º. volume da antologia «Contos Portugueses do Ultramar», de Amândio César, e actualizava diariamente a minha multiplicada correspondência. De Luanda, chegavam recados do Alberto a falar-me do pasto de saias que nos endrominava o juízo e o desejo. De Portugal, muitos recados de saudades! Ele eram aerogramas, ele eram cartas... que eu lia e relia, sôfrego e atento!!!
Aos fins de tarde de Carmona, galgavam-se as sombras que tingiam as casas das cores do pôr-do-sol e nós lá íamos piscar olhos para a Rua do Comércio, palmilhar a avenida Portugal a cheirar cios e encher as esplanadas da nossa sede. E a Transmontana, quem se lembra?!!!
Não era raro, devorararmos um bife com ovo a cavalo no Escape; ou darmos uma saltada ao Shop-shop, ao Chave d´Ouro, ao Safari ou a outro qualquer dos muitos bares e esplanadas da cidade que nos somavam vida! Ou ao Diamante Negro, ali pertinho do Café Arouca e do campo do Recreativo do Uíge, por onde nos (des)fazíamos em rolos de carne cor de ébano! E por hoje aqui me fico!

terça-feira, 16 de março de 2010

O 16 de Março de 1974

Capa do Diário de Notícias sobre o 16 de Março de 1974


Dia 16 de Março de 1974! Era um sábado e nós, os futuros Cavaleiros do Norte, gozávamos o primeiro dos dez dias da Licença de Normas - que anteciparia a viagem para Angola, ainda sem data marcada. Nessa madrugada, um grupo de militares saiu do RI5, nas Caldas da Rainha, e marchou sobre Lisboa, depois de prender o comandante, o segundo comandante e três majores.
Os revoltosos avançaram para derrubar o Governo, mas a subvelação não avançou noutras unidades e foram interceptados à entrada de Lisboa, pela Artilharia 1, pela Cavalaria 7 e pela GNR. Ao chegar perto do local, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar.
Foi, digamos, o pré-25 de Abril! Que chegaria 40 dias depois!
Por mim, só soube de tal à noite, a ver o telejornal do café Império, aqui ao lado. E fiquei sem perceber grande coisa! Nem por aqui, na minha terra de Ois da Ribeira, alguém poderia ou saberia esclarecer algo que fosse.
Ao outro dia, domingo, apressei-me a ir a Águeda, de comboio, para comprar o jornal e lá vim a saber do que se passaram segundo a visão jornalística do tempo. O que, valha a verdade, não me deu qualquer esperança quanto ao futuro próximo: ir para Angola! Assim como fomos!
Foi há 36 anos!
Passado um ano, fazíamos em Carmona os primeiros «ensaios» para o que seria o (então futuro) exército de Angola. Que nunca chegou a ser!

Mulher com 9 filhos abandonada pelo marido


Uma mulher de 32 anos foi abandonada pelo marido com nove filhos, três dos quais trigémeos, nascidos em Agosto de 2009. O marido, nessa altura por razões de doença, deslocou-se a Benguela, sua terra natal, para fazer tratamento médico e não mais voltou.
Feliciana Nguinamau está desempregada, vive numa pequena casa feita de adobes, do bairro Calombo (Uíge, antiga Carmona), e tem muitas dificuldades para manter a prole e pagar as rendas.
27 Fevereiro de 2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

Ir do Quitexe a Carmona, para ver como paravam as modas...

Rádio-montador Tomás na saída de Carmona para o Quitexe (1975)

Fevereiro de 1975. Ainda estávamos no Quitexe mas, aproveitando alguns dias de férias, fui conhecer melhor a cidade de Carmona. Uma das entradas tinha esta indicação, lembram-se?
A malta que tinha menos posses, como eu, aproveitava a boleia de uma Mercedes que ia buscar o Correio ao SPM e, assim, sempre passeávamos durante o dia, para conhecermos melhor os cantinhos à casa e ver como paravam as modas pela cidade!
Era muito vulgar vermos os nossos colegas chegar, ou melhor, passar nos Unimogues e Berliet com o taipal nas traseiras (para defesa) e a famosa metralhadora (Breda?). Apesar de não ser operacional, e talvez por isso mesmo, sentia muita pena de os ver passar pela cidade, muito empoeirados.
Valia-lhes a juventude!!!
RODOLFO TOMÁS

domingo, 14 de março de 2010

O dia da segurança mista na festa da FNLA em Carmona

Rua do Comércio nos anos 70 (em cima) e Tribunal de Carmona (foto de Serra)


A 14 de Março de 1975, fomos convocados para um serviço muito especial: fazer a segurança das festas do feriado da FNLA, no dia seguinte. Mais: seriam feita com as forças dos três movimentos emancipalistas. O que nos deixou algo preocupados.
A verdade, felizmente, é que os patrulhamentos feitos correram de forma tranquila, nos locais da cidade que o movimento de Holden Roberto escolhera para festejar. E não houve, contra o que se temia, qualquer animosidade entre os militantes (armados) dos três movimentos.
O comando dos grupos mistos era assegurado pelas forças armadas portuguesas, normalmente um furriel miliciano, por cada 15/20 homens - que se movimentavam em unimogs. A formação afigurava-se algo estranha aos olhos dos cidadãos de Carmona e nós, passando nas ruas da cidade, mais que nos sentirmos actores de um momento histórico (o que, na altura, como tal nem entenderíamos), vivíamos as interrogações do povo: o que se passa?! Disso, ainda ouvimos graçolas menos simpáticas junto ao Bar Xenú, muito perto do Tribunal.
Na verdade, o que estava a acontecer era que os inimigos de ontem estavam, agora, a dar passos objectivos no sentido de se formarem as forças armadas de um novo país. Assim se pensava!
Amanhã, fará 35 anos que isso pela prinmeira vez aconteceu em Carmona.

sábado, 13 de março de 2010

O PELREC QUE ERA "IN" E FOI VER FUTEBOL NA TELEVISÃO

Marco geodésico da Mata de Soares, em Santa Margarida. Os marcos
eram passagem obrigatória da instrução militar

Há 36 anos, por estes dias, as várias sub-unidades do BCAV. 8423 palmilharam os arredores do Campo Militar de Santa Margarida, continuando a sua preparação para o teatro de operações em chão de Angola.
Os grupos de combate (pelotões da atiradores) mais ou menos repetiram o que já haviam feito entre 18 e 22 de Fevereiro, mas desta feita em cenários, digamos, ainda mais reais. Os dez dias de férias - as chamadas Licenças de Norma... - que antecipavam a partida já estavam marcados (entre 18 e 28 de Março) e por Santa Margarida vivia-se um clima de «guerra», com operações pela nossa já conhecida Mata do Soares. Recordo alguns nomes de localidadespor onde passámos, avulsamente: Malpique, Casais (era mais de um...), Vale do Mestre, Pocariça...
A paisagem era algo agreste, mas sobrava a simpatia das populações - que facilmente se empatizavam com a tropa. Numa dessas noites, deu-se parte do PELREC, que servia de IN a pelotões das companhias operacionais, a ver um jogo de futebol na televisão - coisa muito rara por esse tempo... - num café de aldeia, onde (quase) foi surpreendido por um grupo de oficiais, que incluía o comandante Almeida e Brito. Em missão inspectiva.. Lá nos safámos a "fugir" pelas traseiras, até porque o grupo parou mesmo no café, pela mesma razão: ver a bola!
Ao outro dia, no Destacamento e na formatura da manhã, perguntou o então aspirante a oficial miliciano Garcia, o comandante do PELREC e que integrava o grupo: «Então, quanto ficou o jogo?...». Afinal, tínhamos sido detectados.

sexta-feira, 12 de março de 2010

A messe de sargentos, que era de oficiais, do Bairro Montanha Pinto

Jardim do Bairro Montanha Pinto, frente a messe que fomos ocupar - que ficava de costas para o autor da foto (Quitexe). A casa da esquerda, com uma carrinha militar em frente, era uma outra messe de sargentos. Na foto de baixo, furriel Viegas sentado na frente da messe da CCS do BCVA. 8423



A rapaziada da classe de sargentos ficou magnificamente instalada na messe de oficiais de Carmona, no bairro Montanha Pinto. Furriéis com sargentos e uma pequeníssima «guarnição de praças», que ficou alojada no casa de madeira nas traseiras.

As instalações eram magníficas e nós estávamos ali mesmo no «meio» da cidade, sem necessidade de baldas para a conhecer - assim cumpridas fossem as nossas tarefas militares, no BC12: escala de serviços correntes e, no que me tocou, também a chamada PU que tantos amargos nocturnos traria. Por estes dias, foi a estreia e a coisa até nem correu mal. Mas era evidente, sentia-se, vivia-se, cheirava-se... um crescente ressentimento e mau-estar da comunidade europeia relativamente aos militares. Como ainda ontem aqui contámos.

Os meus apontamentos da época referem uma «reunião com o cmdt». Creio ter sido nesta altura que, numa conversa muito informal no seu gabinete do BC12, o comandante Almeida e Brito nos alertou para a iminência de problemas e da possibilidade de passarmos a fazer patrulhamentos mistos, com forças do ELNA, das FAPLA e das FALA.

O alferes Garcia, com a sua proverbial tranquilidade, lá nos disse que «não vai ser nada, andámos a ser preparados para isso...». Como ele gostava de repetir, sempre de sorriso largo e franco, que «foi para isso que nos andámos a preparar». Não nos ajudou em nada, é óbvio, esta serena e sapiente observação, mas consolou-nos. Fiquei a saber, por estes dias, que ia formar uma das três equipas de PU - no meu caso, com o Almeida e o Marcos, dois bravos do PELREC.

- ELNA. Exército de Libertação Nacional de Angola, da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).

- FAPLA. Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

- FALA. Forças Armadas de Libertação de Angola, da União Nacional para a Idependência Total de Angola (UNITA).

- PU. Polícia de Unidade, o mesmo que Polícia Militar.

Governador Mawete João Baptista sugere monumento na Baixa do Cassange


O governador da província do Uíge defendeu no Quitexe a necessidade de se construir um Monumento Histórico na Baixa de Kassange, em memória dos milhares de angolanos massacrados pela aviação portuguesa colonial a 4 de Janeiro.
Mawete João Baptista defendeu esta posição no acto provincial que marcou o dia dos Mártires da Repressão Colonial, assinalado em todo país, e sugeriu que, a exemplo dos monumentos históricos erguidos sobre a Batalha do Kuito Cuanavale (Kuando Kubango) e do rei Mandume (Cunene), deve ser também construído um memorial na Baixa de Kassange, (Malanje), para se dignificar os angolanos mortos pela aviação colonial portuguesa.
Notícia completa AQUI.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Cuspidelas aos militares do BCAV. 8423 de Carmona

A Escola de Condução do Uíge (imagem de net)

A 11 de Março de 1975 registou-se em Portugal uma tentativa falhada de golpe militar, organizada pelo general António Spínola, ex-Presidente da República, aliado à Força Aérea e ao chamado Exército de Libertação de Portugal (ELP), por oposição ao Comando Operacional do Continente (COPCON) e à Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR).

O objectivo, sabe-se agora, apontava na tentativa de pôr fim ao governo do 1º. Ministro Vasco Gonçalves, que, lembremo-nos, era defensor de um regime socialista avançado - coisa que nós nem sequer, ao tempo, conhecíamos bem. Lá sabíamos nós o que era isso!!! A missão foi abortada e o golpe foi dado como falhado.

Carmona, nesse dia e alheia às movimentações militares de Lisboa, recebia a restante 2ª. Companhia da Cavalaria - a de Aldeia Viçosa, comandada pelo capitão miliciano José Manuel Cruz. O primeiro Grupo de Combate (pelotão) chegara no dia 2, com toda a CCS, e já se movimentava na cidade - a «receber» desdéns e comentários bem desagradáveis da população civil europeia. Tal qual a malta da CCS...

É "histórica", para nós e por um destes dias, a reacção de uma mãe de família, com filhos e sobrinhos, que se passeava na Rua do Comércio e escarrou ostensivamente para o chão, como se fosse para cima de nós, militares... - um episódio que, ao conhecimento de hoje, seria emblemático da menos boa relação entre a sociedade civil e os militares do BCAV. 8423 - todos os dias industriados para não reagir a provocações.

«Traidores, filhos da p..., cab...», foi o mínimo que nos chamou, ante a raiva do Marcos e do Madaleno, que comigo seguiam para a aula de condução, na Escola de Condução do Uíge - onde eu próprio viria a tirar a minha carta. No mesmo sítio e por ali perto, no cruzamento que dava para a praça da ZMN, viríamos nós a recolher alguns civis a fugir da guerra que lavrava na cidade nos dramáticos dias de Maio e Junho. E, entre eles, vejam lá... a tal família. A vida tem destas coisas!...

quarta-feira, 10 de março de 2010

A inauguração da Missão Católica do Quitexe

Imagem da Missão do Quitexe, no dia da inauguração. Clicar, para ampliar



Dia 12 de Setembro de 2009, no encontro da Pateira, tive uma simpática conversa com o (ex-padre) dr. Albino Capela (foto á esquerda, desse dia). Depois de recordarmos muitas coisas - uma delas já aqui citada, a de alguns de nós termos sido convidados a fazer parte do coro da igreja.
Recordámos tantas coisas boas, falámos do potencial da zona do Quitexe e das suas produções do café. A meio de tanta conversa - que, diga-se, estava atrasada mais de 30 anos... - disse-lhe que tinha imagem que se via a Missão do Quitexe e o (ex-padre) dr. Capela.
Ora, o prometido é devido: aqui está a imagem de que lhe falei.
Grande abraço ao GRANDE amigo dr. Albino Capela!
RODOLFO TOMÁS

terça-feira, 9 de março de 2010

A apresentação de especialistas em Santa Margarida

Os 1º.s cabos milicianos Neto, Viegas, Matos (2ª. CCAV.) e Monteiro, num carro
de combate do RC4, em Santa Margarida (1974). Clicar na imagem, para a ampliar


A 4 de Março de 1974, começaram a apresentar-se em Santa Margarida a maior parte dos especialistas que iriam formar o BCAV. 8423 - completando o seu quadro de efectivos. Ele, eram os escriturários, os enfermeiros, os homens das transmissões e das oficinas, os condutores, os sapadores (estes, não estou certo..). Era a família que se formava.
O nosso poiso do Destacamentou mudou, soubemo-lo logo nessa 2ª.feira (dia 4), e continuava a instrução e a azáfama de quem se preparava para uma guerra de guerrilha e tinha de estar fisica e mentalmente bem preparado.
Surpreendiam-se alguns (novos) amigos cabos milicianos pela dinâmica e tranquilidade com que evoluía o PELREC - todo ufano e garboso, sempre que desfilava em marcha de treino ou se mostrava aos novos companheiros bem preparado, «à ranger», sem falhar um acerto de passo ou recuar a qualquer exercício mais difícil.
O PELREC evoluía noite e dia - mais de dia... - pela Mata do Soares, preparando golpes de mão e emboscadas, como reagir activa ou passivamente; como enfrentar um perigo, uma surpresa, o deflagrar de uma granada, o rebentar de um petardo, o som estridente e ameaçador de uma rajada de G3. A nada fugiam os pelrec´s, embora com um ou outro desenfianços daqueles dois ou três, ou quatro!, que sempre trocam o passo e se fazem diferentes, pela mais vulgar chico-espertice. Mas era coisa que não nos escapava e a que o Neto puxava orelhas e eu sermões, com a cumplicidade (e ordens) do então aspirante Garcia.
O PELREC crescia como uma família!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Outros Cavaleiros do Norte, do Quitexe a Carmona e a Luanda

Um grupo de Cavaleiros do Norte, da CCS do BCAV.8423, no Quitexe (1974)

Não foram esquecidos os companheiros que, não sendo atiradores, enfermeiros, sapadores, mecânicos, gente das transmissões, escriturários, condutores, também - e muito bem.. - faziam parte da família dos Cavaleiros do Norte instalados no Quitexe.
Aqui vão eles, com a nossa continência ao companheirismo que todos multiplicaram na enorme família quitexana, depois carmoniana e luandina.
- 1º.s CABOS: Manuel da Costa Vieira (clarim), Manuel Augusto da Silva Marques (carpinteiro) e Vitor Manuel da Cunha Vieira (auxiliar de serviços religiosos, sacristão).
- SOLDADOS: José António Cardoso Caetano e Gracindo da Purificação Queijo (clarins), António Santana Cabrita (básico) e Júlio S. Plácido (caixeiro),
Outros companheiros poderão ter passado pela CCS do BCAV. 8423, em regime de substituição temporária. Deles, não temos registo.

O Quitexe de hoje visto pelo Jornal de Angola

O Quitexe nos dias de hoje, em foto de José Bule

O município do Dange-Quitexe, a principal “porta de entrada”, por terra, para quem vai ao Uíge, passando pela província do Bengo, já foi das localidades que mais contribuiu para o desenvolvimento da região.
Quitexe também é famoso por dispor de dois locais turísticos, a Lagoa do Feitiço e o rio Tsamba, cujas histórias arrepiantes, contadas pelos mais velhos, obrigam qualquer pessoa a respeitá-los e a cumprir rituais impostos.
Dange-Quitexe, com 3.872 quilómetros quadrados e mais de 33 mil habitantes, tem três comunas, Aldeia Viçosa (24 quilómetros), Vista Alegre (a 60) e Cambamba (86). Acabado o conflito armado, que afectou o desenvolvimento da região, a administradora municipal procura soluções para a localidade voltar a ser o que já foi. Maria Cavungo disse ao Jornal de Angola estar preocupada com o estado das vias de acesso às demais localidades do município, defendendo que a maioria das infra-estruturas deve ser reabilitada e devidamente apetrechada.
Aposta também na construção de mais empreendimentos sociais, como escolas, postos e centros de saúde e no fornecimento de energia eléctrica e de água.
Foto e texto José Bule. Ver completo, DAQUI.

domingo, 7 de março de 2010

Os primeiros dias de Carmona...

A piscina de Carmona (foto de Quitexe) e vista da cidade (de Rui Ribeiro)

A cidade e os seus desafios foram uma «aventura» bem interessante para todos os jovens Cavaleiros do Norte. Julgo poder dizer, sem exagero, que todos ganharam alma nova, desestigmatizando alguns constrangimentos e receios. A cidade de Carmona, na verdade, oferecia muitas respostas à gulodice social da guarnição: cinemas, bons restaurantes, belas esplanadas, a piscina, por aí fora.
O Escape, restaurante já desde há muito conhecido dos «desenfianços» do Quitexe, passou a ser paradeiro usual da tropa financeiramente mais abonada - que pelos arredores aproveitava para espreitar as belezas que enchiam os olhos - as belezas que por ali se passeavam, bem decotadas e de pernas ao leú, ou as que mercavam nas várias lojas da rua do Comércio, na avenida de Portugal, nas principais áreas comerciais e nas muitas esplanadas e bares da cidade. E lá surgiam os pecados do desejo, os consolos de vista que nos enfeitiçavam, sempre que nos dávamos a olhar para as meninas do liceu. Ou outras quaisquer!

A outro nível, o comandante Almeida e Brito - com a guarnição bem instalada no BC12 e mas messes da cidade - foi cumprir protocolo e dinamizar empatias: a 5 de Março de 1975 visitou o Governador do Distrito, o Bispo da Diocese e os Juízes do Tribunal de Carmona.

sábado, 6 de março de 2010

As mágoas e saudades que se afogavam no bar dos soldados

Foto frente ao bar dos soldados, no Quitexe. Clicar, para a ampliar. Conhecem-se, em cima, Miguel (secretaria), Messejana (atirador) e Rocha (furriel). A seguir, Ferreira (atirador e depósito de géneros), Tomás, encoberto (?), de boina (?), Hipólito e Madaleno (atiradores) e Calçada (sapador), etc.. Sentados: Cabrita e Frangãos (o Cuba, de óculos). Quem ajuda a identicar os outros. Lembramos as caras, as esquecemlos os nomes.



Há dias vi que o Viegas editou uma foto onde se via o bar dos soldados - que se (re)vê aqui à esquerda. Parece mais bonito do que de perto.
Mas é bom relembrar caras de companheiros de quem nos lembramos ma que nunca mais vimos - passados que já lá vão quase 35 anos.
Aqui, no bar, se afogavam muitas mágoas e as muitas e tantas saudades que se tinham de casa, da família, dos amigos.
Também me lembro que não eram só os soldados que frequentavam o bar. Ás vezes, muitas vezes, também apareciam alguns furriéis. Sim, porque era preciso procurar a cervejinha mais fresca. E lá estava o bar dos soldados, na rua principal do Quitexe, para sarisfazer esses desejos.
RODOLFO TOMÁS

sexta-feira, 5 de março de 2010

O descanso do guerreiro Machado e o tenente que era «fascista»

A Casa dos Furriéis, no Quitexe (foto dos anos 2000) e Viegas e Mosteias na frente do edifício
(1974). A janela da direita era a do quarto de Machado e Dias



MANUEL MACHADO
TEXTO

Depois de um dia de trabalho quente e sem ar condicionado, no Quitexe, aí por Outubro/Novembro de 1974, esgueirei-me e fui para o quarto (dormitório dos furriéis milicianos).
A habitação tinha 4 ou 5 quartos e ficava junto à avenida principal, ao lado da secção de material de guerra. A intenção era «bater uma soneca» antes do jantar. Deitei-me em cima da cama, vestido, e adormeci. Acordei com o tenente Mora a tentar instalar mais um furriel no quarto - um furriel que tinha vindo de algures, com punição, pois não fazia parte da dotação do BCAV8423.
Os quartos eram de reduzidas dimensões e todos os dias de manhã acordávamos com a atmosfera interior saturada. Então, levantei-me mal disposto e meio zangado, dizendo ao tenente Mora que naquele quarto não instalava mais ninguém, enquanto houvessem quartos só com duas camas. Quando ia a sair, fui instado a indicar-lhe quais os quartos que só tinham duas camas. Respondi-lhe que era só entrar nos seguintes, como fez no meu. E saí.
Passada cerca de meia hora, encontrei-me com o tenente Luz, na avenida principal, junto ao comando de batalhão, que me informou que o tenente Mora tinha entrado na Secretaria do Batalhão dizendo que era fascista, que se queria ir embora e queixando-se que eu o tinha tratado mal. E que o tinha aconselhado a falar com o capitão Oliveira, que comandava a CCS.
Fiquei estupefacto com a dimensão que o caso tomou e desloquei-me para a secção de material de guerra, que ficava ao lado da secretaria e do gabinete do capitão. Como havia comunicação de portas entre a secção, a secretaria e o gabinete do capitão Oliveira, foi-me possível ouvir parte da conversa dele com o Tenente Mora.
«Tu participas dele, ele vai ser punido e vai-se embora e eu nomeio-te para tomar conta da secção de material de guerra».
- «Ó meu capitão - dizia o tenente Mora - eu não estou por dentro do serviço…». - «Faz como quiseres… Se o furriel Machado sair daqui, ficas com o trabalho dele…. ´
- «Ó meu capitão, acho melhor então o assunto ficar por aqui…», disse o tenente Mora.
«Tu é que sabes, Mora...», respondeu-lhe o capitão Oliveira.
- «Não meu capitão… Não vou participar...», concluiu o tenente.
No dia seguinte, fui chamado ao gabinete do capitão Oliveira, que me pediu para lhe dizer o que se tinha passado. No final, disse-me para ter cuidado, que desta vez o caso ficava assim, que o tenente Mora era muito sensível e que poderia ficar prejudicado. Agradeci e saí.
A partir daí, achei que não devia permanecer nas instalações militares mais do que o estritamente necessário e com o colega (vago-mestre) furriel Francisco Dias, alugámos um quarto no outro lado da rua, em instalações civis, onde passámos a residir e onde não era possível colocar mais ninguém no quarto, sem o nosso acordo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Cavaleiros «à solta» na cidade... e insultos e ameaças aos militares


O quartel do BC12, onde o BCAV. 8423 esteve instalado de 2 de Março a
Agosto de 1975 (foto de baixo) e Rua do Comércio (em cima)

A chegada a Carmona, depois das primeiras curiosidades satisfeitas, foi da óbvia integração da guarnição ao ambiente urbano. Mais exigente, por exemplo, quanto ao atavio militar.
O pessoal acomodou-se o melhor que pôde - e muito melhor se acomodou que no Quitexe... - e fomos entrando na escala de serviços. Fora isso, galgava-se a cidade em procura de novidades e não havia restaurante ou bar a que não fizessemos reconhecimento. Sempre com evidente animosidade de parte da população europeia. Não toda, é evidente. O Livro da Unidade regista, neste mês de Março de 1975, «muitas quezílias entre a população civil e as NT, devido à animosidade que aquela tem a estas».
Uma noite, num café cujo nome não lembro, o Mosteias - numa mesa onde estava eu, ele, o Neto, o Pires do Montijo e outros (lembro-me destes...) - teve de mostrar as suas «habilidades» karatecas para evitar uma confrontação física. Comigo e com o Neto em posição de «combate». Foi um dos muitos momentos de tensão que por lá se viveram e sabia-se lá o que poderia acontecer. As «bocas» aos militares eram pão nosso de todos os dias, em provocações e hostilidades que foram formatando marcas difíceis de sarar.
Por alguma razão, foi criada a PM, com três equipas em rotação de serviços! E imaginem quem fazia parte de uma delas? Eu, pois claro! E muitas vezes tive de ouvir o que não queria. E aguentar! E deter pessoas, que é «coisa» pouco agradável, como uma vez aconteceu na Rua do Comércio (foto), perto da vedação que se vê na imagem: três jovens filhos de europeus ameaçaram, insultaram os e cuspiram na viatura miltar. Foram detidos e dormiram no BC12.
- NT. Nossas Tropas.
- PM. Polícia Militar, em Carmona designada de PU (Polícia de Unidade). Ainda guardo a braçadeira e o cassetete que usei na cidade nesse serviço nada fácil, feito em 24 horas, de três em três dias.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Os Cavaleiros do Norte no BC12 de Carmona

Aquartelamemto do BC12, à saída de Carmona, na estrada para o Songo e
vista deste lado, em cima. Em baixo, uma vista parcial da parada

Carmona! Aí estava a cidade do nosso caminho para Luanda e Lisboa. Ao tempo da chegada, mal imaginaríamos nós as dores que iríamos sentir na capital provincial. Mas vivemos estes dias com grande intensidade e maiores expectativas. Quebradas num destes dias pelo gelo das palavras do alferes Garcia: «Isto, nunca se sabe, mas pode haver m....».
O aquartalemento era muito bom, em espaço concentrado, de construção relativamente recente, nada tendo a ver - e para muito melhor... - que as divididas instalações do Quitexe. As acomodações dos soldados, não sendo muito diferentes em termos de camas, eram em edifícios de construção civil, bem divididos, com cozinha, refeitórios e bares de qualidade.
A enorme parada (foto) separava (e aproximava) arrecadações, casernas, secretarias, oficinas, depósitos de géneros e de material, a padaria - com o edifício do comando e casa da guarda no bloco da frente. Já por lá tínhamos passado, mas ao vivo todos nos sentíamos melhor instalados e muito mais seguros. Oficiais e sargentos tinham messes próprias na cidade. Nós (furriéis) ficámos numa antiga messe de oficiais, no bairro Montanha Pinto. A cidade de que passámos a ser moradores ia matar muitas as nossas sedes e desejos. E acarretar-nos muitas dores da guerra, lá mais para Maio e Junho.