terça-feira, 23 de março de 2010

O Bairro Montanha Pinto, casa dos furriéis e sítio de sangue e morte

Capela católica do bairro da messe de sargentos, em Carmona, e Montanha Pinto


Há coisas que faço sempre, quando vou a qualquer localidade, pela primeira vez. Uma delas é visitar as igrejas. Não, exactamente, por uma qualquer profissão de fé mais ortodoxa, mas mais porque identifico as pessoas da comunidade, pelo tipo de cuidados que têm com os seus templos.
Inevitavelmente, em Carmona, visitei a igreja bispal e, ali mesmo à mão da messe de sargentos, a capela do Bairro Montanha Pinto. E por lá me senti em paz, com a solidão dos que crêm e a fazer-me sentir mais adulto, mais solidário e mais partilhante.
E, estando num bairro com este nome, quem teria sido Montanha Pinto? Certamente alguém de peso histórico na vida pública da cidade ou da região. Os grandes homens e mulheres são guardados na história em placas de ruas, avenidas e praças, pontes, viadutos e... bairros. Pela vizinhança perguntei, sem sorte. Intriguei-me e acicatei a curiosidade. Quem teria sido Montanha Pinto? Vim, a saber e com uma surpresa: ainda era vivo o homenageado com o nome em placa de bairro. Fôra presidente da Câmara Municipal de Carmona e fizera notável obra de qualificação urbanística da cidade. Deputado na Assembleia Nacional, da Ala Liberal. Que fôra funcionário público e empresário agrícola e tinha mais uma mão-cheia de dados curriculares que na altura me espantaram e agora não recordo. Por alguma razão, as forças vivas da cidade deram o seu nome ao bairro onde os furriéis da CCS do BCAV. 8423 faziam o seu ninho de todos os dias.
Ali, junto bem perto capela, assisti a uma das mais disparatadas situações da guerra urbana que foi pasto para muitas mortes nos primeiros dias de Junho de 1975: um grupo de combatentes da FNLA disparava obuses supostamente contra as forças do MPLA. Mas, mal regulados, caíam-lhe em cima. Alguns morreram, dilacerados pelas suas próprias armas; outros, levámo-los nós para o hospital da cidade. Um deles, parece que o estou a ver, com as vísceras soltas e a pendurarem-se na maca da ambulância militar.
Foram dias de sangue, esses dias de Carmona, carregados de mortes e com muita gente a fugir a sangrar e de olhos gretados de lágrimas e medos. No Bairro Montanha Pinto, em 1975.
- MONTANHA PINTO. Manuel Joaquim Montanha Pinto, regente agrícola, natural de Bragança (17.12.1918). Funcionario público, empresário agrícola e gestor da Hidroeléctrica do Uíge. Presidente da Câmara Municipal de Carmona de 1951 a 1957 e 1964 a 1974. Deputado da Assembleia Nacional (Ala Liberal) na 10ª. Legislatura (1969 a 1973) e Procurador à Câmara Corporativa. Dados e fotos da net.

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