Jardim principal da vila do Quitexe, frente à administração civil
Texto
Estávamos em Julho de 1972, já com três meses de comissão, e sentia-se que estavam debelados os primeiros sintomas da saudade. Ou parecia, porque todos gostávamos de nos conotar com a velha frase “dos fracos não reza a história!”.
E ainda bem! Ajudados pelo entusiasmo na “descoberta” do nosso novo espaço e debruçados na responsabilidade que no dia a dia nos era incutida, tudo parecia entrar na normalidade. Mas não era bem assim! No nosso seio, havia um companheiro que de dia para dia emagrecia a olhos vistos e a quem algumas vezes perguntei se se alimentava convenientemente!
Aquilo já não era magreza, mas definhamento, o que me parecia, e era, mais grave! A resposta era sempre evasiva, o que me deixava intrigado e até preocupado. Mas não tardaria muito a descobrir a causa, o que aconteceu por mero acaso! A culpa era duma cassete! É verdade!... Uma cassete que eu ouvi (mas imperceptível) no interior do seu quarto! E muitos soluços, alguns quase abafados, daqueles que nos bloqueiam o peito e provocam dor!
A coisa parecia ser grave e meti mãos à obra logo que ele entrou de serviço. Pelo menos, uma pista já eu tinha, à partida! Não pensei duas vezes: ”Assaltei-lhe” o quarto, “violei-lhe” a mala e “roubei-lhe” a cassete! Receoso que ele voltasse por uma qualquer razão, corri e contei ao rádio-montador o que se estava a passar. Pedi-lhe para a ouvir comigo, já que este tinha um bom gravador, o que fizemos bem junto à janela, afim de controlarmos qualquer movimento.
Afinal, ainda não o conhecíamos muito bem e a sua reacção podia não ser das melhores! Ouvimos todo o conteúdo da cassete e no fim olhámos um para o outro, meio aparvalhados, deixando escapar quase em uníssono um f…..e! «Então este gajo gravou o jantar com a família e anda a ouvir os pais há três meses?!...», dizia o meu “cúmplice”, tão perplexo quanto eu!
«Eu bem achava o gajo esquisito, mas pensei que era feitio p…..a! Mas isto?! Espera que a gente resolve já esta m…a!», atirou com ar decidido!
Anulou a gravação, de seguida avariou-lhe o gravador e tudo voltou à mala sem qualquer vestígio. No dia seguinte, logo na abertura da oficina, lá estava ele quase a suplicar para que lhe arranjassem o aparelho!
«Não percebo, ainda ontem trabalhava!...», queixava-se, com um ar que metia pena! O autor da avaria logo se disponibilizou para o “ajudar” e foi uma questão de minutos! Mas não havia gravador que lhe valesse, porque aquela cassete nunca mais iria lembrar o jantar de despedida, tão carregado de emoções! Que ele nos perdoe o gesto, e principalmente a partilha do conteúdo –, que não tínhamos o direito de ouvir e que muito nos custou fazê-lo!Mas será que valeu a pena?! Valeu, pois! Andou uma semana a falar sozinho, mas passado este período difícil até já ia ao Topete beber umas nocais e ouvir as histórias do D. Juan do Cais do Sodré…e do Quitexe!! E até engordou, o que atendendo ao seu estado de magreza, nem foi difícil! E ainda hoje, 37 anos depois, deve estar intrigado com o “apagão” da fita e a “avaria” do gravador! Pois que esteja, e pelo sim, pelo não… é melhor que continue assim!!!
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