segunda-feira, 31 de maio de 2010

A véspera dos macas...

Avenida de Portugal, na cidade Carmona. Dois homens armados 
foram detidos neste cruzamento, faz hoje 35 anos. Foto de Jorge Oliveira

Carmona, 31 de Maio de 1975. São para aí umas quatro horas da madrugada. É sábado. Os bares nocturnos da cidade começam a escoar clientes e «profissionais». A PM faz a volta «solitária» passando por locais tidos como suspeitos. Não se vêem situações anormais. «Têm medo de nós...», brincalhou o Marcos, que é homem de estatura baixa, mas alma forte.
Estava na hora do regresso ao BC12.
O jipe conduzido pelo Breda galga sossegadamente o alcatrão da cidade. Vagarosamente, quase displiscentemente! Só se ouve o barulho do motor a gasóleo. A cidade está morta e os poucos neons não dão muita graça ao bréu mal disfarçado pela parca iluminação pública! Nem se ouvem os tiros que costumavam fazer pasto da noite.
Passámos ao liceu, virámos para o bairro industrial e olhámos a luz da Rádio Clube do Uíge. Seguimos para o ventre da cidade que dormitava!! Não se vê ninguém! «Vamos embora, dê a volta pela Rua do Comércio...», foi dito ao Breda.
O jipe avançou entre as sombras das ruas citadinas. «O que é aquilo?!», perguntou o Marcos. 
Dois homens escondiam-se na entrada de um prédio e pareciam armados! Pffffff..., faltava esta! Um Toyota com metralhadoras adaptadas passou a poucos metros, era de outra força. E sumiu-se na noite! Os dois homens armados continuavam por ali. Estavam e fugiram, correndo para a Avenida Portugal. Mas foram agarrados, justamente no cruzamento da foto, detidos e levados para o BC12. Ao passarmos na estrada para o BC12, na zona do liceu, soaram tiros escondidos do capinzal. Ainda hoje muitos de nós não entendemos como, sem medos ou um passo atrás, corríamos perigos que eram de morte, desafiando as traições que se tapavam no bréu das noites enluadas da cidade.
Um dia depois, pouco mais de 24 horas depois..., a1 de Junho de 1975, rebentaram as «macas» de Carmona. O meu sábado foi de folga e comi bife com ovo a cavalo no Escape.

Lá foram os bravos, os do Quitexe!!!

Alferes A. Cruz e J. Ribeiro, A.  Buraquinho e António Capela

António Capela foi contemporâneo do BCAV. 8423 no Quitexe - onde sacerdotou na Missão Católica e foi mestre e companheiro de algumas cumplicidades. E é um dos Cavaleiros do Norte.
Esteve em Ferreira do Zézere, no Encontro de 29 de Maio de 2010, e botou palavra, no púlpito que se fez sítio da palavra de todos. «Sou um de vós, embora não fosse militar!!!...».
Há meses, no encontro de Águeda, já se emocionara na narrativa histórica da sua relação com a CCS do BCAV. 8423. Agora, sem esquecer «o que o batalhão foi para aquela gente...», testemunhou o (algo inesperado...) afecto da gente do Quitexe pelos Cavaleiros do Norte, na hora da nossa partida, a 2 de Março de 1975.
«Lá vão os bravos!!...», disseram-lhe quitexenses que foram nossos contemporâneos de Junho de 1974 a Março de 1975, virtualmente constrangidos, lamentosos... - como que se queixando da nossa ausência do seu futuro.
António Capela deu-nos esta notícia da reacção das gentes do Quitexe, ao nosso adeus à vila, orando de voz embargada e olhado com a expectativa de quem (os Cavaleiros do Norte) se sentiu surpreendido. «Afinal, aquela gente gostava de nós...».
Mais tarde, já em Carmona e na madrugada de 4 de Agosto de 1975, António Capela testemunhou o nosso adeus à cidade e ao Uíge, prantado que estava na Missão Católica: «Recordo-me muito bem! Vi-vos sair à rotunda do Negage e as lágrimas caíram-me pelos olhos abaixo».
Foram dias muito difíceis, os passados nos últimos meses do Uíge - dias dramáticos, perigosos, regados de sangue e polvilhados do cheiro da pólvora e da morte... -  e muita gente chorou depois da nossa saída.
O testemunho de António Capela, agora relatando o afecto das gentes do Quitexe, foi como um pingo de mel no festivo e sentido Encontro de Ferreira do Zêzere. É um dos nossos maiores!

domingo, 30 de maio de 2010

Era uma missão de bem!...



O agora capitão Luz secretariou o comando do BCAV. 8423, do alto da sua competência, rigor e «pontos e cedilhas». Era tenente no Quitexe e ontem, dia da CCS dos Cavaleiros do Norte, tinha um encontro de oficiais do seu curso, em Águeda, mas optou por Ferreira do Zêzere.
«Gosto de estar aqui, deste convívio... Ver-vos, significa muito para mim...», disse, na oração de abertura do Encontro de 2010.
O dia era muito especial para todos nós: exactamente ontem, completavam-se 36 anos da nossa partida para Angola e o «pormaior» foi sublinhado. «Partimos de Portugal para viajar 10 000 quilómetros e não era para uma missão de mal, era para uma missão de bem...», enfatizou Acácio Luz, atentamente escutado pelos  cavaleiros e amazonas que se juntaram em festa na Estalagem do Lago.
«Uma missão de bem!!!...», assim disse e redisse, da nossa passagem por Angola, aquele que, de nós, maior capital de experiência e conhecimento tem da que foi a última presença militar portuguesa em Terras do Uíge. Por lá, e retomo as palavras do tenente/capitão Luz, «partilhámos amizades, alegrias, riscos, diferenças e dúvidas». Sem esquecer «a generosidade de todos e a ordem e disciplina impostas pelo comandante Almeida e Brito».
«O 8423 marcou a minha vida. Também por isso fiz agulha para aqui, não podia faltar...», disse o tenente/capitão Luz. E disse, e fez, muito bem. Só podia ser! O 8423 marcou-nos a todos.
- LUZ. Acácio Carreira da Luz, tenente do SGE, responsável pela secretaria do BCVA. 8423. É capitão aposentado e tem «80 e picos anos...».
- Ver aqui: http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2009/09/o-tenente-luz-da-secretaria-do-comando.html
- E aqui: http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2010/02/os-atiradores-da-secretaria-da-ccs-e.html
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CHEGADA A ANGOLA, HÁ 36 ANOS,
FAZ HOJE, DIA 30 DE MAIO DE 2010.
VER AQUI: http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2009/04/partida-e-chegada-angola.html

sábado, 29 de maio de 2010

O Encontro dos Cavaleiros do Norte em Ferreira do Zêzere


Ribeiro, Luz, Aurélio e Sra. Luz a assoprar o bolo do Encontro
Albino Ferreira, C. Viegas, F. Neto, F. António e A. Florêncio

As fotos que mostramos são simbólicas, embora de má qualidade. Defeito meu, que me apetrechei mal para a missão. Aí estão, na de cima, o alferes Ribeiro, o capitão Luz  (com a esposa) e o Aurélio (barbeiro), de careca desfocada, a assoprar as velas do Encontro de Cavaleiros do Norte.
A malta «cavalgou» estradas fora, de norte e sul para o centro, em Ferreira do Zêzere, e aí se encontrou a perder-se de horas, desfiando saudades e momentos dos mais empolgantes da nossa comissão angolana. E quantas emoções embargaram vozes?!!! Foram recordados os companheiros que já enlutararam a família quitexana. Falou-se de mensagens que chegaram pelo telefone (Almeida, Madaleno, Lopes, Cabrita, Pires...) e lidas outras de quem não pôde estar - do 2º.Comandante José Diogo Themudo, da filha do saudoso alferes Garcia, de um cidadão angolano que foi refugiado no BC12. «Vocês salvaram muitas vidas», disse ele. Delas falaremos em dias próximos.
Por mim, e por hoje, deixem-me mostrar (foto de baixo) os rostos de três bravos «pelrec´s» que eu já não via desde 8 de Setembro de 1975: o Albino Anjos Ferreira (de fato), o António e o Florêncio - os dois da esquerda. Foram homens de nunca virar a cara, de nunca camuflarem medos, de sempre assumirem de corpo inteiro a missão que nos levou a Angola. O gosto que me deu foi maior por todos nos termos reconhecido.

«E daquela vez, ó Viegas?!!!!...» sorriu-se, de malancrice quase envergonhada, o bom do António, sempre valente e forte, ante cada perigo que nos espreitasse - para nos falar de uma cena no Diamante Negro, fazíamos nós de Polícia Militar em Carmona. Um dia aqui contaremos a história.
Deixem-me agora dizer, só!!!!, que o encontro de hoje foi um hino de companheirismo e de festa. E já com data marcada para 2011!!! E 2012!!!

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Dias de Maio de 1975, agitados na cidade e no Uíge


Rua do Comércio, em 2009, foto de Alexandre Correia. Foi palco, em 1975, de muitos incidentes

Os últimos dias de Maio de 1975, em Carmona, foram muito agitados e de duvidosa contra-informação. Os boatos semeavam-se e colhiam-se com inverosível velocidade e era latente a diferença entre os que, do MPLA e da FNLA, discutiam direitos e posições de que eram árbitro as Forças Armadas Portuguesas.
Casos houve em que a tropa portuguesa - a única autoridade militar constituída e válida - era questionada pelos dirigentes dos movimentos. E pela população civil europeia. Sentiram-se momentos dramáticos e de impertinências injustificadas e injustificáveis.
A tropa, acusada de partidária - ora vejam lá... - teve algumas vezes de usar a força para impor ordem e segurança na cidade - nomeadamente quando se sentia desautorizada e alvo de atropelos. Ou quando civis eram  molestados pelos militantes partidários, muito violentos e nalguns casos sanguinários. Porém - valeu-nos isso, sempre!!! -, a coesão das Forças Armadas Portuguesas galgou todas essas dificuldades - mesmo quando nos eram atribuídas culpas que não tínhamos.
Sucediam-se os patrulhamementos, na cidade e nos itinerários principai da província do Uíge - para que se prevenissem atropelos e banditismos. Sem um esmorecimento, sempre disciplinada e corajosamente. Embora com imensos sacrifícios da guarnição - que era pequena. Mas não houve, que eu saiba, um momento de desânimo, uma desistência, um instante em que alguém, da sociedade civil, ficasse privado da sua liberdade. Mas adivinhava-se que andava transmontana no ar.
Duas notas:
1- Faz hoje 36 anos,era véspera da nossa partida para Angola, adiada do dia 27 de Maio.
2 - Amanhã, em Ferreira do Zêzere, é dia de reencontro dos Cavaleiros do Norte. Exactamente 36 anos depois da nossa viagem aérea para Luanda. Como o tempo passa!

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Partida para Angola adiada por dois dias!

Santa Margarida, Regimento de Cavalaria nº. 4, manhã de 27 de Maio de 1974. Há horas que, uns em grande algazarra, outros mais comedidos, chegam os cavaleiros da  CCS do 8423, da malas aviadas, prontos para seguir para Lisboa e, daqui, para Luanda, num voo dos TAM.
A meio da manhã, chega a informação que a viagem fôra adiada para quarta-feira seguinte, dia 29! Há reacções diferentes. Perto de mim, o Francisco Neto decide desde logo voltar a casa, em Águeda, e «desafiou-me» para tomarmos o comboio. O Benício, empregado da empresa do pai, nos traria na quarta-feira. Decidi não voltar a casa, veio ele - certamente já saudoso do colo da família e dos braços da Eunice.
O meu resto de dia, com o Pires de Bragança, o Rocha, o Farinhas e outros, foi passado pelo quartel e S. Miguel de Rio Torto - onde fomos ao restaurante por onde passáramos durante o IAO.
À noite, fomos jantar a Abrantes. De volta, já no quarto do RC4, no bloco onde estiveram detidos alguns oficiais do 16 de Março (Revolta das Caldas), li e escrevi anotações do dia, num bloco A4 de cartas. E dormi tranquilamente! Angola ficava para 29 de Maio!
-TAM. Transportes Aéreos Militares.
- IAO. Instrução de Aperferçoamento Operacional. Ou Instrução Altamente Operacional, como preferíamos dizer.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A véspera da anunciada partida para Angola...

 
Entrada do Campo Militar de Santa Margarida, onde se situava o RC4

A 26 de Maio de 1974, era domingo! Foi um dia muito sossegado para mim, por aqui vivido na tranquilidade da aldeia onde ainda hoje vivo! Pelo adro da igreja, distraídamente,fui-me despedindo dos amigos que por lá me desejavam sorte na jornada de África.
A mala estava feita, com fardas e a pouca roupa civil que levei para Angola. E alguns artigos de higiene pessoal. No saco da TAP, vermelho e que ainda ali tenho no sotão,levava coisas mais aligeiradas.
Minha mãe caprichou no caldo do almoço e comemos rojões na velha cozinha de nossa casa. E acertámos que, de maneira nenhuma, faria ela promessa de ir a Fátima a pé, como era vulgar ao tempo - pelas graças de regressar são e salvo. Não por questões de fé (que tenho), mas por outras!
Pela tarde, dei uma volta apeada pela aldeia. Pelos locais da minha meninice, saudando este e aquele com quem me cruzava. Atirei falhas nas águas da pateira e, uma a uma, passei pelos cabeceiros das nossas poucas propriedades.
Pouco comi à noite, do escoado tradicional - despedindo-me de minha irmã Dulce e cunhado Zé, com a minha sobrinha e afilhada Susana ao colo - hoje também minha comadre e professora.
«Queres que te acorde?!...», perguntou-me minha mãe, na hora da deita. Que não, eu me levantaria. Ainda dei um salto ao café da Celeste, aqui ao lado, e embrulhei-me em lençóis, enquanto ouvia as badaladas da meia noite. Ia acordar às 5 horas da manhã e buscar-me vinha o pai do Neto. Os dois, íamos para Santa Margarida (foto) e daí para Lisboa. Para Angola! A viagem estava marcada para 27 de Maio, mas foi adiada dois dias!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Os dois batalhões de Almeida e Brito - o 1917 e o 8423!



Avenida principal do Quitexe e edifício do comando (com bandeira). Aqui à direita,
entrada para a parada, oficinas e casernas. Em baixo, o comandante Almeida e Brito


Hoje, que estamos a quatro dias do Encontro 2010 dos quietexanos Cavaleiros do Norte, vem o José Oliveira (César) contar-me que o BCAV. 1917 também reúne a 29 de Maio e aqui mesmo nas minhas barbas - no Furadouro.
E o que temos nós, os garbosos e Cavaleiros do Norte, a ver como isso?! Pois temos!!! Ai temos, temos!!!... Para além de ser nosso antecessor no Quitexe, por onde jornadeou entre 1967 e 1969, o BCAV. 1917 teve o Comandante Almeida e Brito como oficial de operações - de 24 de Janeiro a 17 de Dezembro de 1968.
Bem que nós, na agora saudosa terra do Quitexe, sabíamos que o então tenente-coronel conhecia de cor e salteado o chão que nos mandava pisar, de cada vez que, nas encaloradas madrugadas uigenses, galgávamos pelas picadas e trilhos da  mata. E bem nos lembramos das lendas que sobre ele se contavam, Cavaleiro Branco lhe chamaria o IN - por ser de cabelo alvo e cavanhaque da mesma cor, tal qual o conhecemos.
Os dois batalhões são, pois, afins e/ou irmãos, da mesma arma e com oficial comum. Dois amores de Almeida e Brito!
Sobre sábado, na Estalagem do Lago, lá estaremos - para recordar histórias da nossa jornada angolana, reviver emoções, afectos e cumplicidades que se criaram e multiplicaram e, seguramente, esquecer por horas que já não temos a vitalidade dos nossos tenros 22 para 23 anos.
Lá estaremos!
Foto do Quitexe, do Blogue de César

segunda-feira, 24 de maio de 2010

As véspera da partida para Angola...

Monteiro, Neto e Viegas no RC4 de Santa Margarida, em Abril/Maio de 1974 


A 24 de Maio de 1974, uma 6ª-feira e vésperas de partir para Angola, juntaram-se alguns jovens amigos da minha terra no salão da Celeste, para as minhas despedidas «oficiais», regadas a cerveja e vinho tinto, com frango de churrasco - «petisco» que, vejam lá..., não era coisa muito vulgar por aqueles tempos. O churrasco era mesmo um luxo...
Todos com a mágoa e dor de me ver partir e com a não-explicação da minha «birra» de não aceitar proteção de cima: gente houve que se dispunha a «ajudar» a que eu não fosse mobilizado. O que teimosamente rejeitei, com a concordância absoluta de minha mãe, então recentemente viúva e agora com 89 anos!
O tema da conversa foi o 25 de Abril de quase um mês antes e a esperança de que ia a Angola e vinha já - perspectiva na qual pessoalmente não acreditava. E se confirmou. Os únicos conterrâneos ao tempo «lá fora» eram apenas três, na Guiné. Além de meu primo de meu nome, fuzileiro de carreira e em Moçambique.
A panqueca foi gravada em cassete e bem me deliciei eu depois a ouvi-la, nos tempos mais nostálgicos do Quitexe.
O registo (que lamentavelmente já não consigo ouvir, por deterioração da fita) anotava mitificações da minha carreira (!) militar, os endeusamentos da instrução de Lamego,algumas cantorias populares e efe-erre-ás, falava das miúdas amigas que por cá ficavam e das... pretas. As pretas e as mulatas de Angola, que antevíamos cheias de cio e dispostas a matar-nos desejos. Aquilo é que ia ser!!! Lá contei eu as minhas aventuras «guerreiras» e falei abundantemente dos meus companheiros de pelotão: o alferes Garcia, que eu adivinhava combatente destemido e comandante generoso; o Neto e o Monteiro, com quem aparelhava a furriel; os cabos e os soldados que connosco iriam jornadear em Angola. Estava cheio de moral. Sem medos!
Voltei a ver aquela malta em Setembro de 1975! E com estas histórias para contar e vem «enchendo» o blogue. Estas e outras!

domingo, 23 de maio de 2010

A chegada a Zalala, em 1961...

Zalala, ali ao lado esquerdo, em cima. Mapa do livro "Quitexe - uma
tragédia anunciada», de João Nogueira Garcia

Ontem aqui falou Francisco Queirós de Zalala, hoje aqui volto - por ter reencontrado José Martinho, que por lá batalhou em 1961.
José Oliveira Martinho, agora aposentado da PSP, era da 1ª. Companhia de Caçadores que chegou ao Quitexe e contou-me que, depois de estabilizada a vila, levaram 9 dias para fazer os 40 e alguns quilómetros que os levaram a Zalala - onde encontraram morte e destruição
O galgar dos quilómetros foi lento. «Tivemos de fazer e desfazer 14 pontes, para progredir. Fomos alvejados muitas vezes, morreram soldados nosssos, creio que nove...», contou José Martinho - que também sábado reúne a sua malta do Quitexe, na zona da Guarda.
Os tempos foram de dramas e tragédias que as palavras não contam- Desbravaram picadas e construíram pontes, invadiram «aquartelamentos», limparam suor feito de sangue dos rebentamentos de bombas e minas, do deflagrar de granadas, do efeito mortífero dos tiros dos canhangulos.
Zalala ofereceu-lhes cenário mortal: dezenas de mortos, homens, mulheres e crianças. «Safou-se o encarregado da fazenda, a qum deceparam um braço, mas conseguiu fugir para a mata, onde andou à fome até que a tropa apareceu», contou José Martinho. Era a guerra que começava! O encarregado salvou-se, a embrulhar o côto do braço em bocados de pano e folhas de árvores!

sábado, 22 de maio de 2010

A picada do Quitexe para Zalala

Estive de Maio de 1972 a Maio de 1973 em «Zalala - a mais rude escola de guerra» (como estava já escrito num muro do aquertelamento) a comandar o 3º. Grupo de Combate ("Os Gatos Negros"), da C.CAÇ. 3534 (Os Rutilantes).
Era, de facto, uma zona de combate intenso, embora com o BCAÇ.3879 - de que a minha CCAÇ. 3534 fazia parte integrante - tivessemos conseguido tornar o trânsito livre (sem obrigatoriedade de escolta militar) nos trajectos Quitexe-Carmona-Negage).
A "baixa do Mungage" tem algumas histórias. A velha picada Quitexe-Zalala já constituía um manancial de história de emboscadas, de flagelações e de avarias de viaturas - com as consequentes fragilidades tácticas para o nosso pessoal. Temos de nos encontrar. Vou, para já, fazer visitas virtuais mais frequentes.
Agora mesmo fiquei encantado com a disparidade de países onde há visitantes do blog. Eu estou em Paris, e nesta tarde, já um pouco fresca por aqui, lembrei-me de ir revisitar o vosso sítio na net. Um "alfa apertaducho ... até mail lima" vamos mantendo em "alfa-sierra" por aqui...
FRANCISCO QUEIRÓS
Alferes miliciano da 3ª. CCAÇ. 3534

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A chegada de Manuel Alegre em vésperas de ir para Angola

A 11 de Maio de 1974, chegou a Águeda Manue Alegre - que agora é de novo candidato a Presidente da República. Vinha do exílio de dez anos, que o levou a Argel. Era um sábado e eu fui ver a grande euforia que se viveu, com a vila engalanada com bandeiras e colchas, andando Alegre aos ombros de antigos companheiros de escola e amigos.
O que se falou de política naquele dia, depois da ida de Manuel Alegre para os Paços do Concelho. Conversa animada, prolixa, quase incendiária..., centrada nos militares e no governo de Palma Carlos - que incluía Álvaro Cunhal, Pereira de Moura e Sá Carneiro (ministros sem pasta) e Mário Soares (negócios estrangeiros). E em António de Spínola, Presidente da República. E nos soldados que se batiam no ultramar e nos que para lá iriam. Como eu!
Uma das sugestões mais apontadas era a de que não devia ir mais tropa e virem de lá, rapidamente, todos os que lá estavam. Não iria ser assim. A «graça» da chegada de Alegre tinha a ver com o facto de ele próprio ter estado em Angola, como alferes miliciano. A mesma Angola para onde eu ia. O embarque estava marcado para o dia 27 de Maio, daí a duas semanas.
A certa altura, reconhecendo-me alguns amigos no meio da multidão (foto) e sabendo que eu era militar, quiseram fazer de mim outro «herói» do momento, levantando-me ao ar. Confesso que não gostei da brincadeira mas acabámos a beber champarrion no Café Jardim - depois de ouvirmos Manuel Alegre a discursar na varanda dos Paços do Concelho.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Manter a ordem, a segurança e as vidas em Carmona

A evolução da situação militar em Carmona degradou-se dia após dia de Maio. Sucediam-se os pequenos/grandes incidentes, o que levou os comandos portugueses (na altura reduzidos ao BCAV. 8423 e um ou outras companhias independentes) a fazer concentrar forças na cidade.
«Manteve-se permanentemente o patrulhamento nos centros urbanos e nos itinerários, especialmente em Carmona, considerada a área mais fulcral do distrito», pode ler-se no Livro da Unidade. Controlar itinerários, bem se entendia - pois eram posições estratégicas por cujo controlo lutavam, de armas em riste, os militantes armados de FNLA e MPLA. E quantas escaramuças se sucediam, nem sempre com a melhor paciência e tolerância para resolver!!!
As forças armadas portuguesas era solicitadas para tudo e mais alguma coisa e a guarnição era curta para as encomendas. Era-lhe exigido tudo, sem pessoal e sem contrapartidas. Estes 35 anos depois permitem-nos uma avaliação serena: as forças armadas portuguesas fizeram milagres para manterem a ordem, a segurança e as vidas!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A São Morais do Quitexe...

O Bar do Morais, na rua principal do Quitexe (1974/75)

Hoje, vejam lá, «encontrei-me» duas vezes com o Quitexe. Primeiro, com os gémeos Ribeiro, meus companheiros de escola e de futebol no Valonguense. O Carlos esteve em Zalala e de gingeira conheceu o Quitexe !!! Depois, estive com a São Morais.
O Carlos, um ano mais velho que eu, tem um irmão que é gémeo e igual - o Jorge. Ainda hoje, aos 58 anos, são iguaizinhos. Tal e qual! Prantei-me eu na frente deles, eles com roupas diferentes, e estive sempre na dúvida. «És o Carlos ou o Jorge?".
Para terem uma ideia, há 40 e alguns anos, um deles tirava as fotografias e davam para os dois. Até se conta, como lenda, que o treinador os usava em jogo consoante as necessidades de momento. Um era guarda-redes, outro avançado. Pois o Carlos antecedeu-me no Quitexe, furriel na 1ª. Companhia de Zalala.
«Então, ó pá... e a família Morais?...», perguntei eu. Família que era (é) de Arrancada do Vouga, como ele.
«Olha, a São é dona do bar do Branco...», disse-me ele.
Olhem qu´este!!! Como fui levá-lo e ela mora a 100 metros do bar, não desperdicei a oportunidade e lá fui saber dela. «Boa tarde, desculpem lá..., procuro a São do Quitexe...», disse eu, ao alto com o balcão.
«Sou eu!...".
E lá estava a São Morais, filha do Zé Morais do Quitexe e irmã da Lurdes, que faz enfermagem em Almada. A mãe vive com ela, o pai faleceu vítima de doença. E lá falámos nós de uma multidão de gente da vila que nos recebeu em Junho de 1974. Que pena eu não levar máquina, para aqui postar a foto dela.
Mora a 12/13 quilómetros de mim e, vejam lá, ela e o marido tem andado a negociar o café aqui ao lado de minha casa. Ele há coisas do caraças!! E viva o Quitexe!

terça-feira, 18 de maio de 2010

O Encontro dos Cavaleiros do Norte é já dentro de dias...

Furrieis F. Neto e C. Viegas, no Quitexe (1974)

Estive hoje com o (furriel) Neto, meu companheiro de muitas jornadas militares, de Lamego a Luanda - passando por Santa Margarida, Quitexe e Carmona. E já do tempo da Escola Industrial e Comercial de Águeda, por onde «passeámos» livros e sebentas, preparando-nos para a vida.
Inevitavelmente, marinámos o Encontro dos Cavaleiros do Norte que dentro de dias se vai viver por terras do Zêzere. Vai este e vai aquele, aquele não vai porque tem um casamento, outro por que não sei quê, aqueloutro porque não se sabe da paragem dele. Nenhum, porém, porque... não quer.
Recordámos aqueles que, do nosso PELREC, já partiram: o (alferes) Garcia, os 1º.s cabos Almeida e Vicente, o soldado Leal!! Quem sabe se outros!... Citando o Neto e a sua sempre descomplexada apreciação, «eram todos uns gajos porreiros». E eram, assino eu, por baixo!
E o Neto disse mais: «Era tudo malta fixe!! Só aquele nosso amigo...», galhofou e confirmou-se o ex-furriel miliciano, de Operações Especiais, elite dos Ranger´s, agora empresário industrial em Águeda, a nossa terra de sempre. E o que nos rimos, 36/35 anos depois dos maus-quereres de um ou outro «cavaleiros», que, porém, nunca fragilizaram a fortíssima e sempre cúmplice solidariedade que nos uniu na jornada de África.
Ele também tem casamento marcado para 29 de Maio! Mas vai estar em Ferreira do Zêzere, para onde ambos partiremos cedo, montados nos seus não sei quantos cavalos do seu jipe. Olha ele é que ia faltar!!! Olha eu é que me ia dispensar desta comunhão d´amigos! Inté, ó Cavaleiros do Norte!
Ontem à noite, telefonou-me o Aurélio, um dos «trempes» da organização, com o (alferes) Ribeiro e o (condutor) Vicente: «Hoje está o corte em promoção...» galhofou ele, falando do meu cabelo. Ele,que era o barbeiro da CCS. É destas intimidades que se faz o espírito quitexano.
- NETO E VIEGAS: Ambos furrieis milicianos e
ambos de Águeda, os gémeos do Quitexe. Ver AQUI.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Os dias de partilha dos Cavaleiros do Norte

Soldados Aurélio (Barbeiro), Leal, Marcos (tapado) e Ferreira (atrás), furriel Neto (de
bigode e braçadeira), 1º. cabo Vicente (atrás, de bigode) , furriel Monteiro (à civil),
Francisco (?, com a garrafa na boca), 1º. cabo Almeida e inidentificado



A dias do reencontro dos Cavaleiros do Norte e das paixões e emoções que sempre se engravidam para esse parto d´alegria, vale a pena lembrar que esse espírito - o da confraternização e o da partilha... - se viveu intensamente, sempre muito intensamente, por terras do Quitexe, de Carmona e de Luanda.
O aprumo e o atavio, a ordem, a disciplina, a pontualidade, a competência operaciomal, o não ter medo para enfrentar os medos foram virtudes que se multiplicaram intensamente entre os Cavaleiros do Norte - que sempre evoluíram conscientemente na sua missão de soberania e aceitaram e desenvolveram os desafios da transferência de poderes. Não foi pelo BCAV. 8423 que as coisas se complicaram.
Mas, paralelamente, «vadiou-se» muito, partilharam-se mesas e afectos, favoreceu-se a camaradagem, semearam-se e colheram-se cumplicidades. Eramos todos irmãos.
A foto é de uma tainada do PELREC, na caserna, nela se reconhecendo todos iguais: o soldado, o cabo e o furriel. Comia-se frango e bebia-se cerveja. O Neto, pela braçadeira, estava de serviço e a panqueca terá vindo a matar. O dia deveria ser de domingo, se olharmos para a indumentária do Monteiro. Assim se viviam os dias do Quitexe!

domingo, 16 de maio de 2010

Confrontos em Carmona e louvor do alferes miliciano Meneses

As ruas de Carmona eram vulgarmente palco de confrontos entre elementos da FNLA
e do MPLA. O edifício azul era a sede do Futebol Clube do Uíge

Os dias de Maio de 1975 foram tensos, em Carmona. Já tinham sido os de Março e Abril. A 13 de Abril, uma manifestação não autorizada resultou em confrontos entre elementos do MPLA e da FNLA, valendo a intervenção rápida das forças armadas portuguesas.
O comando da força era do alferes miliciano Meneses, que pôs cobro às acções de fogo, com metralhadoras ligeiras, com que os militantes africanos incendiaram a cidade. «Actuou de forma rápida, decidida e enérgica, não deixando dúvidas quanto à determinação do pequeno núcleo de tropas que comandava», como se lê no louvor que, por isso, lhe foi atribuído pelo comando do BCAV. 8423.
A manifestação não fôra autorizada - era muito vulgar acontecerem pequenos ajuntamentos avulsos, que incendiavam o ambiente e perigavam a segurança - e o uso de armas de fogo punha em causa não só a segurança dos intervenientes, como da população e das próprias forças armadas. Normalmente, aconteciam na via pública, avulsamente.
O louvor ao alferes miliciano Meneses sublinha ainda que «conseguiu a detenção de dois dos elementos em confronto» e o facto de «ainda, de imediato, ter feito abortar a manifestação».
Foi com estes homens de coragem, sem temer perigos, que os Cavaleiros do Norte impuseram a ordem na cidade, assim se «poupando» muitas vidas!
- MENESES. Manuel Meneses Alves, alferes miliciano da 2ª. Companhia do BCAV. 8423. Transferido em Fevereiro de 1975, do BCAÇ. 4519/73, que esteve em Cabinda (?). Reside em Leiria.

sábado, 15 de maio de 2010

Incidente na Rua do Comércio, com tiros vista...

Rua do Comércio, em Carmona, com o Hotel Apolo ao fundo, do lado direito


As forças mistas que, está por agora a fazer 35 anos, se incrementavam em Carmona eram olhadas com desdém na capital do Uíge. Já por aqui o dissemos e refrescámos a memória ao ver a foto deste post, naquele cruzamento do Hotel Apolo - na rua do Comércio.

Havia por ali perto um bar muito frequentado pela tropa - suponho que o Chave de Ouro... . e numa noite das patrulhas das tropas mistas, alguém dos movimentos (não me recordo qual...) tentou reagir a tiro, a uma «bocas» que foram mandadas da parte de fora do bar. Por civis. As ditas «bocas» eram muito frequentes, eram hostis à tropa portuguesa, mas não eram menos para os militares dos movimentos que integravam as forças mistas. Agora, um elemento das ditas forças mistas apontar uma arma a civis, bom... o momento teve muito dramatismo.

Pegou o Almeida, muito atento, no cano da espingarda do militar africano e encostou-se a este o bom do Marcos, sempre muito ágil nas suas reacções ao perigo. Foram momentos muito tensos, de transpiração fria, de coração a saltar. Houve medos comungados pelos militares europeus e «branqueou-se» o africano que se aprontava a disparar e quase foi esbofeteado por um dos ses «chefes». Não sei o que aconteceria se houvesse disparo! Ou se a agressão entre africanos fosse levada à prática. Imaginem-se as consequências de um tiroteio num quadro destes.

O grupo regressou imediatamente ao BC12, o africano que quis disparar ficou detido na prisão do Posto da Guarda da porta d´armas e ao outro dia foi entregue ao movimento a que pertencia - sem que alguma vez mais soubessemos dele.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Ir de férias ao Quitexe...

Quitexe foto tirada de costas para a Igreja, Julho/73. Foto de Aníbal Rosa, do Pelotão
de Morteiros 3096, blogue de César. À esquerda, a caserna do PELREC da CCS do BCAV. 8423


Aos tempos do Quitexe, ir de férias era o sonho de qualquer um. E não estou a falar de férias no «puto» ou de quaisquer outras, quer fossem em Luanda, Carmona, ou em outra qualquer cidade da extensa Angola. Para muitos, gozar férias significava, principalmente, não ter de ir para o mato, estar-se nas tintas para as escalas de serviço e vestir-se à civil, o que até dava um certo gozo!
Diga-se a verdade, e por estranho que possa parecer, havia quem não tivesse possibilidades financeiras para sair da vila e gozar, no mínimo, meia dúzia de dias na cidade de Carmona. O valor que um praça recebia, mesmo poupadinho, não dava para ir longe. E para não falar dos que tinham deixado responsabilidades familiares na terra!
Ah pois..., e na minha Companhia não eram poucos! Mesmo assim, nunca lhes notei um desalento! Sempre lhes reconheci uma precoce maturidade, talvez fruto das responsabilidades assumidas.
Outros, nossos colegas das outras companhias, vinham gozar as férias ao Quitexe, como se de um grande centro se tratasse. Para eles, era extremamente importante sair do isolamento e mudar os seus hábitos, por mais simples que fossem. Sabendo nós da importância que aquelas férias representavam, recebíamo-los, não com pompa mas de forma a proporcionar-lhes umas férias mais animadas.
Ora, era precisamente aqui que entravam os fados e outros momentos lúdicos. Deles, seria palco a Vivenda das Transmissões. Ver AQUI.

ANTÓNIO CASAL
1º. cabo rádio-telegrafista do BCAÇ. 3879
- PUTO. Gíria militar, para designar o território continental português (Portugal).

Companhia de Caçadores da 415 vai confraternizar em Condeixa




Mapa de Angola, A Província do Uíge,
a verde claro, onde ficava o Quitexe.

A Companhia de Caçadores 415, que os antecedeu no Quitexe, nos difíceis e dramáticos anos de 1963 a 1965, vai reunir em convívio no dia 12 de Junho, em Condeixa.

A concentração será às 9,30 horas, nas bombas da GALP, e os interessados em participar podem contactar Fernando Pombo (telefone 243709251) e António Bicacro (919068303).

Os Cavaleiros do Norte, últimos militares portugueses a estar na vila do Quitexe, saúdam estes companheiros de missão, que semearam afectos que nós herdámos em 1974 e 1975.


quinta-feira, 13 de maio de 2010

As guarnições de Aldeia Viçosa e Vista Alegre

Vista Alegre, estrada de Luanda para Carmona (em cima) e capitão JD Themudo


Vista Alegre e Aldeia Viçosa passaram, em dias de Maio de 1975, a estar guarnecidas por militares do ELNA e das FAPLA, no cumprimento de um decisão da Comissão Nacional de Defesa. A 1ª. Companhia passara para o Songo e Cachalonde.

O princípio, se me lembro bem, era básico: gradualmente as forças dos movimentos de libertação, iriam ocupando as posições urbanas do exército português. Formava-se o exército nacional angolano.

Um dia deste mês, não recordo qual, lá fomos nós em coluna de asfalto, para uma visita de rotina do comando militar português - com «a especial intenção de verificar o cumprimento das missões determinadas» às forças lá instaladas. Visita rápida, que mal deu para olhar o Quitexe (na passagem). Mas deu para observar o desregramento comportamental das forças que por lá faziam a guarnição. Das diferenças que medravam entre eles e não escondiam, fazendo-se pasto incendiário dos tempos próximos. A paz - se era paz... - era claramente fictícia e não demoraram incidentes, alimentados em ódios tribais e com o sangue a molhar o chão de Angola, a enlutar famílias, a fermentar a guerra que viria a durar mais de 20 anos. Não o adivinharíamos, na altura!

Vagamente, lembro-de de o capitão Themudo - o nosso 2º. comandante - comentar na subida para o jeep: «Não sei o que vai acontecer, isto vai dar-nos água pela barba...». Foi proféctico.

- ELNA. Exército de Libertação Nacional de Angola, braço armado da FNLA.

- FAPLA. Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, do MPLA.

- THEMUDO. José Diogo da Mota e Silva Themudo, capitão de Cavalaria e 2º. comandante do BCAV. 8423. Actualmente, reside em Lisboa e é coronel reformado.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Soldado que vais para Angola...

Província do Uíge, ao norte de Angola. Por onde, no Quitexe, Zalala, Aldeia Viçosa,
Santa Isabel, Songo, Luísa Maria, Vista Alegre, Ponte do Dange, Carmona e
outras localidades, os Cavaleiros do Norte cumpriram a sua missão, entre 1974 e 1975


«Soldado, vais para Angola, onde irás encontrar populações negras e mestiças, que são portuguesas como tu. Têm usos diferentes, religião que pode ser ou não a tua; falam, ou não, a tua língua e têm os seus dialectos próprios. Embora com estas possíveis diferenças, mantém-se unidos a Portugal e como portugueses querem viver.
Vais ajudá-los nos seus problemas, como tal respeita-os, e aos seus costumes. Lembra-te que são seres como tu, a sua família é como a tua. Então, poderás contar que estás a cumprir uma parte muito importamte da tua missão de combatente. De contrário, serás uma mau militar e estás a atraiçoar os ideais que a Pátria te impõe e que juraste solenemente defender e fazer cumprir».


O que deixo atrás transcrito é parte da documentação - de acção psicológica - distribuída aos militares do BCAV. 8423, no período de penúltima preparação operacional para Angola - antes dos dez dias de férias, a chamada licença de norma. Não consigo recordar o efeito psicológico que a mensagem então terá tido nos nossos espíritos. Provavelmente, não teremos dado grande importância.
A fatalidade que era a nossa ida à guerra, estigma com que crescemos desde a nossa infância (pela adolescência e juventude adentro), ter-nos-á aligeirado a preocupação. Mas não deixa de ser interessante, 36 anos depois, avaliar o que nos foi proposto e o que, já em Angola, foi cumprido. Não tenho dúvidas que os Cavaleiros do Norte estiveram à altura, honrando a farda, assumindo as suas responsabilidades e sendo portugueses maiores - num período que gerou uma nação nova. Angola!

terça-feira, 11 de maio de 2010

Perguntai ao Inimigo Quem Somos

O período de IAO, na Mata do Soares e redondezas, entre os municípios de Constância e Abrantes, foi tempo de farta mentalização psicológica - para além das naturais instruções de carácter técnico e físico.
Cavaram-se trincheiras, montaram-se acampamentos, socorreram-se «feridos», fizeram-se evacuações, assaltos e golpes de mão, patrulhas, operações e «roubos de fruta», desenfianços (como quem quer desafiar os riscos...), exercitou-se o corpo, fomentaram-se a disciplina, o aprumo e a ordem, cultivaram-se virtudes militares e, vejam lá, até se aprendeu a cozinhar e a coser (roupa). Foram dias de muita intensidade - quiçá, até, de alguma ansiedade, pois era a nossa última preparação para a guerra que nos esperava a partir de 27 de Maio.
O comando, repetidamente, fez distribuir documentação variada, incutindo mentalização adequada aos tempos que nos esperavam. Alguns slogans: «O soldado português é dos melhores do mundo», «O Exército Português é o espelho da Nação», «Suor da instrução é sangue que não corre», «Querer e saber querer», «Honrai a Pátria, que a Pátria vos contempla», «Cultiva as virtudes que te solicitarem, para te impores como verdadeiro soldado».
O lema do BCAV. 8423 vulgarizou-se no dia-a-dia: «Perguntai ao inimigo quem somos».
Pessoalmente, nunca gostei muito dele, por o achar simultaneamente vulgar e presunçoso. Mas quem era eu..., quem ainda hoje assim pensa?!
A 10 de Maio de 1974, uma 6ª. feira, terminou o IAO e o pessoal foi de semana, pouco passava do almoço. Agradável surpresa, seguida de rápida viagem no SIMCA 1100 do Neto, até aos sítios de Águeda, para os «adeus que vou pr´Angola» que se aproximavam.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Comício de Daniel Chipenda em Carmona

Daniel Chipenda, em baixo, fez um comício no estádio do Recreativo
do Uíge (foto de 2004), em Carmona, em Maio de 1975


Um dia de Maio de 1975, Daniel Chipenda fez um comício no estádio do Recreativo do Uíge. Prepararam-se grandes medidas de segurança. Os problemas internos do MPLA tinham levado este dirigente a desafiar, sem sucesso, a liderança de Agostinho - criando a Revolta do Leste - disso resultando a sua adesão à FNLA, acompanhado pelas suas forças.
Poupando os pormenores da sua dissidência - que, aliás, desconheço... -, foi montada uma grande operação de segurança, só com militares do BCAV. 8423 e envolvendo largas dezenas (ou centenas) de operacionais. A situação, como se calcula, suscitou grande expectativa e ansiedade entre nós. E alguns medos.
Um comício?! De um ex-MPLA aliado da FNLA?!
A verdade é que, talvez porque a rotina já nos exagerava a confiança, partimos para a operação muito tranquilos e, felizmente, não se registaran quaisquer incidentes especiais, para além de algumas pequenas escaramuças e alguma vozearia que teimava em insultar a tropa.
O destino, alguns anos depois, já no princípio da década de 80, juntou-me com Daniel Chipenda, em Águeda, numa noite de leitão à Bairrada. Falámos disso, recordando-lhe eu o incentivo que dera aos trabalhadores para não deixarem perder as colheitas. Iam os cafezais sem manutenção havia meses e perigava a apanha, pois eram eles «ameaçados» para a não fazerem. Chipenda, ele mesmo, foi a uma fazenda e ripou café.
Não se lembrava ele de mim, é óbvio, mas tinha presente a situação - interrogando-me se por acaso eu integrara a escolta que o protegera na ripagem do café. Não, não fôra.
«Tinha de dar o exemplo...», disse ele, refeiçoando leitão à Bairrada. E também que tinha «a certeza» que a tropa portuguesa de Carmona «foi imparcial e isenta». São palavras que cito de cor, seguro do conteúdo.
- CHIPENDA. Daniel Chipenda, antigo jogador de futebol do Benfica e da Académica. Dirigente e comandante militar do MPLA, criador da Facção Chipenda. Foi secretário-geral da FNLA e voltou ao MPLA. Foi embaixador de Angola no Egipto. Faleceu em Fevereiro de 1996.
- MAIO. Não estou certo que este acontecimento tenha sido em Maio, mas foi, seguramente, na altura da colheita do café.

domingo, 9 de maio de 2010

O comício de um militar num café-restarurante de S. Miguel de Rio Torto

Alferes Garcia e furriel Viegas, frente à CCS do Quitexe, na partida para uma operação militar


Hoje, o dia de hoje de 1974, foi o penúltimo do IAO, na Mata do Soares, e noite de um «desenfianço» a um café/restaurante de S. Miguel do Rio Torto. Vale a pena lembrar que se viviam, ao tempo, as labaredas mais acesas do entusiasmo popular com o 25 de Abril. Alguém nos pagou o jantar, nunca soube quem. E, com a abastança gastronómica e o que por lá se falou, chegámos tarde à «emboscada» dessa noite.
Houve «chá», por isso!!! Sermão e missa cantada!!! Do aspirante a oficial miliciano Garcia, comandante do PELREC - muito avesso a indisciplinas e rigoroso no cumprimento de deveres. Lá me expliquei como pude, justificando o deslumbramento porque nos deixámos tomar, embrulhando-nos no que para o povo era, ao tempo, sempre motivo de festa: a presença de militares. «O que é que queres? Não podia deixar envergonhar a tropa...», disse-lhe eu.
«Mas houve algum problema?...», interrogou-me o Garcia.
Pois, não houvera! Eu até dera uma parlenga muito séria sobre os méritos da tropa e as prováveis vantagens da revolução. «Não tinha hipótese de evitar que nos vitoriassem...», disse eu. E disse um dos soldados, não me lembro quem: «Ó meu aspirante, o nosso cabo miliciano fez um figurão, aquilo é que era a falar!...».
Convenceu-se o Garcia de tal mérito só, porém, quando, uma noite de serviço no Quitexe e meses depois, a história veio à baila. «Ainda hoje estou convencido que fui enganado...», argumentou o Garcia. Que não, «nem penses nisso». «Eu fiz até um verdadeiro comício...», regozijei-me. Na verdade, a sala do tal café-restaurante ouvira-me como nunca mais fui ouvido.

sábado, 8 de maio de 2010

Os fados do Quitexe...., fossem de Lisboa ou de Coimbra!

Casas das Transmissões do Quitexe (1972/73). Ou dos fados de Lisboa e
Coimbra. Ao fundo (casa de arcadas), era a residência do Comandante do BCAV. 8423. Entre
a casa das TMS e a viatura, era a casa da enfermaria militar


Os fados foram, em tempo de missão por terras do Quitexe, alguns dos momentos lúdicos que a tropa «produzia» para matar o tempo, ou as saduades. Ou para receber os companheiros que, de outras Companhias, faziam férias pela vila. O que era um luxo!
Deles, dos fados, era palco muitas vezes a Vivenda das Transmissões, aproveitando a varanda que dava para o quintal. Cientes de que não iríamos incomodar o sono de ninguém, lá se afinavam as cordas – vocais e instrumentais.
Faltava-nos uma guitarra portuguesa, mas com duas clássicas tínhamos a questão quase remediada. Também não éramos esquisitos!
Munidos de violas e com ar sério, entravam o Marinhas, hoje professor de música aposentado, e o Castro. As vozes estavam entregues ao Matos e ao Santos, no chamado fado de Lisboa, e ao Casal, no fado de Coimbra. Talvez não tenham sido grandes momentos musicais e não culpo apenas a falta de acústica! Certo, é que ninguém alguma vez reclamou e as cerca de três horas que durava, só não se prolongavam até de madrugada porque nos tinham sido impostos limites. E muito bem! E também porque às oito da manhã começava um novo dia, e às vezes bem austero.
Cabia-me o fel da abertura e o mel do encerramento do serão. Abria com Balada do Encantamento e fechava com Fado Hilário. Segunda reza a sobrevivente cábula, à minha conta eram treze, sempre alternados com fados de Lisboa e também alguns “solos” superiormente tocados pelo «quase» professor de música.

Tudo muito “puxado”, em directo, ao vivo, sem microfones ou truques manhosos. Nem playback, porque não estávamos ali para enganar ninguém! E também com algumas gafes à mistura, mas sempre bem disfarçadas.
Nada era deixado ao acaso, e até o aquecimento das vozes era uma imposição do Marinhas, ainda estudante de música mas já cheio de preciosismos e exigências. Com ele, era assim ou ponto final! Mas tínhamos de aguentar, não fosse ele o cérebro de tudo aquilo!
E muitas outras noites se seguiram, sempre com o mesmo objectivo, embora nem sempre fácil, atendendo aos compromissos de cada um.
Noites Quitexanas diferentes, com momentos lúdicos e despretensiosos e que, por horas, nos transportavam para a nossa terra, ficasse ela no local mais recôndito! É que o fado, seja de Coimbra ou de Lisboa, é indubitavelmente a canção nacional!..., e cantado no Quitexe deixava as suas marcas emocionais, para não dizer… lacrimais!...
Mas nada que umas nocais ou uns “sbells” não curassem, não estivéssemos nós em ambiente de festa!

ANTÓNIO CASAL
1º. cabo rádio-montador da CCS do
BCAC 3879, no Quitexe em 1972/73

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Uma ilha no mar da FNLA

Cruzamento da Rua do Comércio com a Adm. Carmo Ferreira, em Carmona


Os primeiros dias de Maio de 1975, em Carmona e na província do Uíge, foram de crescente tensão - tensão fermentada em ódios que levedavam de dia para dia.
«Não esmorecendo, expondo os seus problemas mas cumprindo, começaram a verificar-se desautorizações e atropelos», refere o Livro da Unidade, citando o BCAV. 8423 como «alvo de vexames», as tropas portuguesas apelidadas de «partidárias» e consequentemente «vendo as suas actividades mal aceites, ainda que não suscitem quaisquer dúvidas quanto à sua isenção».
As diferenças entre MPLA e FNLA eram visíveis, quase se apalpavam, e eram permanentes as contendas, algumas «abrilhantadas» a fogo de armas, algum sangue e agressões físicas e morais. A tropa portuguesa, lê-se no Livro da Unidade, afirmava-se «viver-se numa ilha, no mar da FNLA, com todas as inconvenientes posições que daí advém».
Aos militares porugueses, ia valendo «a coesão criada e a disciplina vivida». Para impor a ordem, salvar vidas e bens, honrar a soberania que se aproximava do fim - a portuguesa - e procurando ajudar a criar as bases do novo país - Angola. Mas essa missão era muito mal entendida pelos dirigentes e militantes dos dois movimentos, já não falando da comunidade civil branca (europeia). Disso eram alvo permanente os militares da PM e das forças mistas.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O 25 de Abril em S. Miguel de Rio Torto num casamento...

S. Miguel de Rio Torto, no mapa. À esquerda, vê-se Santa Margarida,
onde se situava o Campo Militar

A 5 de Maio de 1974, um domingo, o PELREC galgou da Mata do Soares para os lados de S. Miguel de Rio Torto, onde algures iria «emboscar» um grupo de combate de uma das companhas operacionais. Vivíamos o IAO, a «coisa» era a sério.
A madrugada nasceu fria e tivemos de pôr os ponche, para nos protegermos do orvalho que de se dependurava do céu. O aspirante Garcia guiou-nos, de azimute na mão, pelos matos altos das Arreciadas, espreitando o sítio do Fortim do Caneiro (antigo reduto militar), por S. Macário, Vale da Cortiça e, como de antemão sabíamos a progressão do IN, lá os emboscámos e até fizemos alguns «prisioneiros» - depois «devolvidos». Antes, num golpe de mão agilizado pelas técnicas aprendidas no CIOE, em Lamego, roubáramos provisões a um outro grupo, que dormitava e não nos sentiu chegar.
Alvoreceu e lá se foi o pequeno almoço de ração de combate. Era domingo e ouvimos o tocar de trindades de algum lugar próximo - o que emocionou e constrangiu alguns de nós, seguramente a lembrar-nos do toque de sinos dos campanários das suas aldeias. A ordem foi montar o bivaque e descansar. Ouvimos, já manhã adentro, o toque de chamar para a missa e, já não lembro porquê, a ordem de progressão foi em direcção à aldeia: S. Miguel de Rio Torto. Que estava bem mais longe que supúnhamos. Bem demorámos a chegar, já ia para lá do meio dia, «acampando» na raia. Por ali refeiçoámos a ração de combate.
Eu e um grupo fomos mandados em patrulha e achámo-nos num casamento, em S. Miguel, no qual, efusivamente vitoriados pelos convivas, comemos e bebemos, em ambiente de farta animação - que deu em baile, tocado a acordeão. Festejava-se o casamento e o 25 de Abril e nós, ali chegados por acaso, fomos heróis endeusados pelos populares do casório. O meio da tarde deu para chamar o resto do PELREC, que se banqueteou e passeou até à noite. Eram os dias deslumbrados do imediato pós-25 de Abril!
- IAO. Instrução de Aperfeiçoamento Operacional.
- PONCHO. Capa de protecção ao frio e chuva, usada por militares.
- CIOE. Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O 25 de Abril de 1974 visto de... Angola

Casa das Transmissões no Quitexe de 1973

Quando em Lisboa se tomavam posições com vista à revolução, eu e outros camaradas apetrechavamo-nos para uma operação de dois dias. Alheios aos acontecimentos, partimos às duas da madrugada para uma saída que marcaria, não só esta data, mas também a nossa passagem por Angola.Com o nosso tempo terminado a 14 de Abril, foi com algum, e até muito receio, que iniciámos a caminhada em zona onde sabíamos ser alvos fáceis.
Os nossos receios viriam a provar-se fundados.
A travessia de um riacho "obrigou-nos" a uma desatenção que quase nos foi fatal. De um morro surgiram rajadas de metralhadora que nos fizeram aumentar o clima de tensão. E de medo também! Afinal, tínhamos o nosso tempo cumprido, e estávamos a passar por uma situação complicada. Recordo as sucessivas cargas de água misturadas com um calor abrasador, e que que nos secava a roupa, em pleno andamento.
O alferes viria a necessitar de ajuda, mercê de uma repentina indisposição que o debilitou fisicamente. Homem de Operações Especiais, tinha um ponto fraco que não conseguia controlar em situações de grande tensão - o estômago! Ainda nos faltavam muitos quilómetros para percorrer e o nosso guia parecia não estar com muita vontade de avançar.
Pairou a desconfiança sobre a sua lealdade e as coisas chegaram a estar feias para o seu lado! Teve o furriel de tomar atitudes que não estavam previstas nos Códigos de Boa Conduta, para "convencer" o cavalheiro a cumprir a sua obrigação. Chegada a hora certa, via rádio, fiz o contacto com o Comando, para que nos recolhessem com medicação adequada e alertando para os necessários cuidados com que o deviam fazer.
A minha parte estava feita e eu, digo-o com vaidade, fiquei satisfeito por me sentir útil.
Ainda avistámos o IN à distância, mas o seu rumo era diferente do nosso. Além disso, a nossa operação acabava ali mesmo. e quanto menos ondas melhor! O nosso pensamento estava na família e disso já muito falavam as nossas missivas. Regressados ao Quartel, nada ainda transpirava sobre a Revolução. Mas eu soube-o, ainda com o meu banho por tomar. Em segredo e depois de assumir a minha «palavra de honra», o Silva, operador-cripto, lá desabafou ao meu ouvido o que só viria a saber-se alguns, e até muitos, dias depois.Já com dez dias passados, viria a receber uma encomenda com jornais, que nos davam conta das novidades. Correram toda a Companhia, mas alguns nem para ele olhavam. Aquilo nada lhes dizia e queriam era ir para casa! Era (foi) o meu 25 de Abril de 1974! Cheio de acontecimentos e muito marcante, por terras de Angola.
ANTÓNIO CASAL
1º. cabo rádio-telegrafista da CCS do
BCAÇ. 3879, no Quitexe em 1972/73

terça-feira, 4 de maio de 2010

O IAO de Santa Margarida e as dores de cabeça curadas com uma massagem

Viegas e Ferreira, no RC4, em Santa Margarida, semanas antes da partida para Angola.
Francisco Miranda, em baixo, soldado que foi do PELREC e não foi para a «guerra»


Ontem, dia 3 de Maio de 2010, fizeram-se 36 anos do início do IAO, em Santa Margarida - na mata do Soares. Era sexta-feira e todos nós sabíamos da importância deste período de instrução - que se desenvolvia já com as quatro companhias em completa autonomia.
O objectivo era colocar os homens em situações de todo semelhantes às que iríamos encontrar em Angola, ainda que tenuemente próximas, logo pelas diferenças climáticas. E a circunstância mais evidente: não termos inimig real. Era o PELREC que, pela Mata do Soares, fazia de IN, emboscando, armadilhando, atacando os grupos de combate das três companhias operacionais do BCAV. 8423.
Por estes dias, soubemos que a partida para Angola seria a 27 de Maio, uma segunda-feira. Sabíamos há zsemanas que era em finais do mês, faltava saber o dia. Soubemos também que Francisco Miranda, soldado do PELREC já não ia connosco. Era ciclista profissional e tinha «comprado» a tropa.
Os dias e noites de 3 a 10 de Maio foram vividas com entusiasmo, dedicação e partilha. Por mim aconteceu-me uma coisa curiosa: ao terceiro ou quarto dia, senti fortes dores de cabeça, agudas, impertinentíssimas, violentas..., e fui enviado à enfermaria militar do RC4 - onde estranhamente o médico, um senhor já de idade bem avançada, mandou o enfermeiro fazer-me massagens às pernas.
«Massagens?!...», perguntei-lhe eu.
Que o «o dr. mandou...» e estava mandado. Era o que ele ia fazer, «ponha lá as calças para baixo...», mandou-me ele, esticando-me eu na maca.
A verdade, vejam lá... e ainda hoje estou saber porquê, é que, de volta ao acampamento para lá de Malpique e fronteirando com S. Miguel de Rio Torto, pouco depois estava sem dores de cabeça. Há 36 anos! E nunca mais tal dor de cabeça me deu!
- RC4. Regimento de Cavalaria de Santa Margarida, unidade mobilizadora do BCAV. 8423.
- IAO. Instrução de Aperfeiçoamento Operacional. Dizísmos nós, Instruçao Altamente Operacional.
- IN. Inimigo, assim era identificado.
-MIRANDA. Francisco Miranda, ciclista profissional. Fôra campeão nacional de rampa, pelo Sporting e pelo Bombarralense. Viria a ganhar a Volta a Portugal de 1980. Ver AQUI.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Os primeiros dias Maio de 1975, em Carmona, não foram fáceis...

Rua do Comércio, cidade de Carmona (foto dos anos 70 do século XX)

O ambiente na cidade de Carmona era tenso, nos primeiros dias de Maio de 1975. «Pareceria que o fim tácito de vários anos de guerra em Angola traria, como consequência, situações de acalmia em todo o território, procurando os diversos movimentos emancipalistas, através da ideologia político-social que defendem, fazer enraizar nas populações os seus ideais e, daí, com maior ou menor facilidade, conduzir-se-iam as suas acções no decurso do processo de descolonização», lê-se no livro do Batalhão de Cavalaria 8423.
A verdade é que não era isso que acontecia - no terreno e na prática. O que parecia ir ser fácil e desejado por todos, complicava-se, e o papel de arbitragem que tacitamente era atribuído a Portugal e às suas forças armadas era muitas vezes posto em causa - acusadas por uns e outros de não isenção. Pelos dirigentes e militantes dos movimentos, pela população branca.
A manutenção da ordem era cada vez mais difícil e repetiam-se as escaramuças, nalguns casos envolvendo mesmo confrontações físicas. Mas o mais vulgar eram os insultos à tropa, acusada das mais incríveis responsabilidades e muitas vezes alvo de tentativas de vexame, de agressões verbais.
A PM que desde a nossa chegada do Quitexe actuava diariamente na cidade era vulgarmente alvo de piadas e críticas, da parte de populares - o que nos obrigava a permanente auto-controlo. Nem sempre fácil! O que mais valia, por esse tempo, era a disciplina dos militares - o seu garbo e virtude, que resistia a provocações e tentativas de chacota. Em alguns momentos, foi precisa muita coragem. E sorte. A que protege os homens de bem e de boa-vontade. E era cada vez mais latente o que separava os movimentos!