sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A passagem de ano de 1974 para 1975...

Bento, Rocha, Viegas, Flora, Lopes (enfermeiro da CCS), Capitão e Ribeiro (atrás), Carvalho, Flora, Lopes ( 3ª. CCAV.) e Reina, furriéis do BCAV. 8423 na noite de Ano Novo de 1974 para 1975, no Quitexe (Angola)


A 31 de Dezembro de 1974, por obra e magistério de quem mandava nas escalas de serviço, a minha modesta pessoa - furriel miliciano Viegas, nº. 06810773, cursado em Operações Especiais e medalhado Ranger da CCS do BCAV. 8423 - estava de serviço. Sargento de dia!! Só podia ser, por graça de quem, hierarquicamente superior, sempre me quis punir, embora sem o conseguir, ao longo de 15 meses da comissão angolana!
Isto para dizer que, na noite de passagem de ano de 1974 para 1975, o «menino» estava de serviço: sargento de dia à gloriosa Companhia de Comando e Serviços do Batalhão de Cavalaria 8423!!! Já, pela mesma razão, tinha estado na noite de Natal. E em outros dias especiais acontecera, ou viria a acontecer o mesmo! O dos anos, o de carnaval, o da Páscoa!
Passemos adiante!
Por essa altura, já os companheiros de Santa Isabel (a 3ª. CCAV.) acamaradavam connosco, no Quitexe! - na prossecução do calendário de mutação do dispositivo militar dos Cavaleiros do Norte! E que excelentes camaradas eram eles! Todos os furriéis, os que mais de perto se ligavam connosco!! O Flora, o Ribeiro, o Fernandes, o Ricardo, o Carvalho, o Lino, o Graciano e o Gordo, o Lopes, o Belo e o Rabiça, o Capitão e o Cardoso, o Reina e o Guedes!!! Quero crer que não me escapa nenhum.
A noite, comigo de serviço, foi de intensa camaradagem.
Passei pela caserna dos atiradores e, combinado com o Grácio, «ameacei-os» com uma saída operacional às 3,30 horas da manhã! Era mentira! Se eles raciocinassem bem, logo isso veriam, pois nunca as nossas saídas operacionais eram antecipadamente anunciadas.
«Esta noite, furriel?!..», compungiu-se o Soares, que era 1º. cabo e dos mais impertinentes militares do PELREC. Muito intrigado!
Assim seria!, disse eu, «ordens são ordens e estas noites mais sensíveis são sempre perigosas...».
Mas não foi!
Lá para as 11 e tal da noite, o Grácio fez transportar quatro ou cinco grades de cerveja - fresquíssima!!!, e da N´Gola, marca que se lançava por lá... - e logo as beberam os companheiros do PELREC, sabe-se lá com o que (ou quem) as comungando!!! Certamente lembrando folguedos de noites do mesmo dia, em anteriores anos, mas suas terras natais!
O Hipólito e o Dionísio vieram fazer-se passar em frente ao bar de sargentos, onde nós deglutíamos coisa acima da cerveja:  whiskys, licores do dito e os inevitáveis brandys Macieira e Vital - este de marca das Caves Primavera, de Águeda, que eu e o Neto fazíamos muita questão de propagandear.
- «Eh furriel, fixe!!!!...», bradou o Hipólito de longe, acenando de mão no ar e com sorriso largo, com,o que querendo dizer-nos obrigado pelas cervejas. E lá foram eles, supondo que teriam de se pôr a pé, lá para as três e tal da madrugada.
Não puseram! Nem o PELREC!
Os furriéis, na maior parte, deixaram-se ficar no bar pela noite dentro, nesta noite de passagem de ano!!!, até à hora da saída do pão, dos fornos da padaria militar, que ficava ao lado da nossa messe, pão quente, com manteiga!!! Que delícia!!! E quantos abusos alcoólicos se cometeram nessa noite!!! Olhem se o inimigo atacava!
Eu, da arma no coldre e granadas defensivas em guarda, lá me aguentei sem cervejas, sem álcool, sem brandys, sem whiskys. E a passar rondas de hora a hora. E cuidar da segurança que se fazia, à corrida de S. Silvestre do Quitexe!
«Ó furriel, então não há nada?!...», perguntou-me o Messejana, que fazia reforço no posto 5.  Houve. Houve  licor de whiskys e bagaceira, brandy Vital e Macieira. Tudo à medida!!! E pão quente com rojões feitos do porco roubado ao fazendeiro que nos recusou água!
Isto aconteceu faz hoje 36 anos!
Que saudades, oh malta!!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Mosteias não levava desaforo para casa...

Viegas e Mosteias no varandim térreo da Casa do
Furriéis, no Quitexe, Dezembro de 1974


O Mosteias não era homem que levasse desaforo para casa. Era, aliás, «o único homem» entre todos os furriéis - como nós dizíamos dele, fazendo graça com o seu estado de casado e pai de um filho, que nascera  já ele jornadeava por terras do Quitexe, como furriel sapador.
Era (e é...) até rapaz imponente, o Mosteias, para aí do seu metro e noventa de altura e com tanto de bondade na alma como de peso no corpo e força nos braços.
Fazia alteres com latas de cinco litros de tinta cheias de cimento e a sua generosidade muscular mostrava-se-lhe nos braços e na força das manápulas. Ai de quem se pegasse com ele!!! Levava uma surra e sorriríamo-nos nós do olhar de medo que medrava na cara do seu qualquer ocasional «inimigo».
Um dia, nos últimos de 1974, papaguéavamos nós conversa mole no varandim do bar de sargentos, a saborear a frescura de umas boas cervejas e à espera que o tempo passasse, quando um jovem civil meio estouvado e desajeitadamente peneirento, já muito nosso conhecido, se afirmou na frente das nossas trombas - a debitar rateres com o seu potente Ford Capri, carro de moda na altura e último modelo da marca.
Aqui para nós, era uma provocação habitual do miúdo, meio desbarbado e enciumado pela «letra» que algumas cachopas do tempo davam aos rapazes da guarnição militar. E não dariam a ele.
«Filho da p..., parto-lhe já o focinho!...!», disse o Mosteias, entre nós.
Que não ligasse, dissemos-lhe, pois «o gajo é parvo...». E o parvo lá continuava na avenida de terra do Quitexe a mandar rateres e a mangar com a malta.
O Mosteias levantou-se, não disse uma palavra, caminhou para o automóvel, abaixou-se e enfiou a mão para dentro. Se disse ou fez alguma coisa, não sei. O miúdo do Ford Capri é que pisou o acelerador e «picou» os cavalos todos para o lado da enfermaria, a caminho da rua principal, virando para Carmona.
«O gajo é parvo, pá...», disse o Mosteias, a sentar-se junto a nós e a pedir uma cerveja ao Lajes.
Bebemos todos, esquecendo o rapazola.
- MOSTEIAS. Luís João Ramalho Mosteias, furriel miliciano sapador, quadro superior de empresa, residente em Sines.
- LAGES: Carlos Alberto Aguiar Lajes, soldado atirador e em serviço no bar de sargentos. Natural e residente em Lisboa.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Mensagem de Natal do Comandante do Sector do Uíge

Comando Sector do Uíge (em cima) e o comandante,  
general Altino de Magalhães (em baixo)

«Festa de família, época em que é mais viva a saudade dos parentes e amigos, não é ainda para nós que nestes Natal de 1974 terminará a velada de armas iniciada há 14 anos.Fique-nos a consolação de encontrar no seio do Exército uma segunda família, a mesma camaradagem diária de combatente para combatente. 
Fique-nos a certeza de estar a cumprir uma alta missão, ajudando a construir, em paz, um novo país de expressão portuguesa.
Nesta quadra, em que em todo o mundo se deseja PAZ NA TERRA AOS HOMES DE BOA VONTADE, juntemos os nossos esforços para que, em ANGOLA, se consiga essa paz e, indiferentes a ofensas e calúnias, com a consciência tranquila, prossigamos confiantes e seremos até ao fim, para que possa os dizer, com satisfação e orgulho, MISSÃO CUMPRIDA!
Na impossibilidade de o fazer pessoalmente, com esta saudação a todos os oficiais, sargentos e praças do Sector, envio os meus votos de Boas Festas e Feliz Natal». 
ALTINO DE MAGALHÃES

Comandante do Sector do Uíge
Mensagem do Natal de 1974

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Estar longe e a matar saudades...

Vista aérea do Quitexe, nos anos 70. Messes de sargentos e oficiais (círculo cor de rosa), casa dos furriéis e secretaria da CCS (amarrelo), edifício do comando, parque-auto e parada (vermelho), igreja (verde) e administração civil (roxo) 




A vila do Quitexe era assim um conjunto de casas, distribuídas por duas ruas principais. A principal, em primeiro plano e depois de curvamento, correspondia (e corresponde) à chamada estrada do café - ligando Luanda a Carmona (hoje, Uíge). Paralelamente, na zona de círculos de cor, ficava a avenida e a zona militar.
Ainda na rua principal, ficavam um depósito de material de guerra (onde se registou um singular incêndio, a 17 de Janeiro de 1975 - ver AQUI) e a oficina e lar das transmissões. E restarurantes e a popular Geladinha do Quitexe, uma padaria, a administração civil e o jardim público, a estação dos Correios.
Eram ruas de grandes passeios e fartas conversas, normalmente já pela noite aberta, a desescaldar o calor africano que nos moía o corpo - indo ou saindo de restaurantes e bares. E por lá se espreitavam também a graciosidade das cachopas de cor mais clara, que nos enchiam os olhos de alegria e o corpo de desejos. Sem muita conversa, não fosse algum fortuito sonho de momento se transformar em drama emocional.
A rua de cima, assim a chamavamos, escondeu muitos segredos e foi percurso da corrida de S. Silvestre, na noite de passagem de ano. Por ela se declamaram promessas e fizeram juras de saudade, sempre que, noite adentro e por horas de lazer, os militares da guarnição «maquilhavam» a nostalgia e a distância de milhares de quilómetros das terras dos seus berços.
O período natalício, até aos Reis de 1975, foi tempo de muitas emoções. Faltava-nos o cheiro dos bilharacos, a verdura do musgo dos presépios, o repenique dos sinos, até as papas de abóbora. Mas estavamos longe, a matar saudades!

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Outros Natais do Quitexe...


Outros Natais se celebraram no Quitexe, antes que por lá jornadeassem os Cavaleiros do Norte - fechando as portas da soberania portuguesa em terras do Uíge!
A foto mostra a festa que, em 1966, por lá juntou militares e civis em comunhão de emoções, certamente regadas de saudades pelo chão das suas terras natais - onde se amarrava o frio a pesadas samarras e meias grossas, enquanto por lá se mostravam os braços nus ao calor africano. Olhem para aquelas jovens europeias!
O Natal no Quitexe que reportamos, o do ano de 1966, mostra, em primeiro plano, o tenente coronel Dagoberto Graça, ao tempo comandante do Batalhão de Artilharia 786. A gentileza fotográfica é de José Lapa, que por lá jornadeou entre 1965 e 1967 - abrindo, com os artilheiros do BCART., os caminhos de missão que chegaram aos nossos dias.
Outros Natais, no Quitexe da nossa saudade!

domingo, 26 de dezembro de 2010

Guardados estavam os rojões para o dia de Natal...


A 25 de Dezembro de 1974, guardados estavam, no enlatado ido de Portugal, saborosos rojões mandados por minha mãe. Levados pelo Xico Neto, que viera de férias a Portugal. Uma lata de cinco quilos, daquelas redondas, da fábrica Tóbom, do Montijo - se me lembro bem.
Foi uma delícia!!!
A «coisa» foi combinada com o Almeida, 1º. cabo cozinheiro (da messe de sargentos), e meteu batata cozida com a pele, que pouco por lá se usava. Descascada à mão e engarfada com os suculentos rojões que daqui foram, deste sítio de onde agora escrevo. O prazer da lambeirice foi ao pormenor de se arranjar broa de milho, em Carmona e nesse dia levada pelo pessoal do SPM. Não era como a daqui, não era, mas que maravilha nos soube! Tudo regado a vinho tinto, outra raridade por lá. E arranjado como? Pois, sem contar os promenores, numa daquelas habilidades da tropa que hoje quase nos fazem corar.
-Ó Xico, logo ás....».,  avisei eu o Neto, marcando hora do surpreendente petisco. E mais três ou quatro amigos.  
Devorámos o pitéu, que, preparado pelo Almeida, com saberes que lhe desconhecíamos, os pôs como se estivessem a sair do tacho, aqui ao lume.
«Guardaste isto, pá!...», disse o Neto, a sorrir de alegria.
O Neto, aliás, nem queria crer no que lhe se punha na frente dos olhos e a afiar-lhe o apetite, tudo muito bem empratado - como sugere a foto. Faltavam os grelos, pois era, não havia por lá. Mas arranjaram-se umas alfaces, em salada, bem azeitada - num cozinhado divinal. E que, por horas, nos matou as saudades todas das nossas terras e nossas gentes. E das nossas cozinhas!

sábado, 25 de dezembro de 2010

A noite da consoada natalícia quitexana...


Noite de Natal no Quitexe de 1974. De  pé, 1º. cabo Soares 
e dois militares. Quem serão? Sentados: capitão
Fernandes, furriel Reino, comandante Almeida e Brito,
alferes Pedrosa (?) e capitão Falcão


RODOLFO TOMÁS
Texto


Lembro-me bem de toda a azáfama das senhoras, durante aquele dia 24 de Dezembro de 1974, no rancho geral.
Para todos os soldados, era algo de fascinante vermos que as mesas estavam nesse dia muito limpas. E bem recheadas.
Toda a gente trabalhava, as senhoras principalmente, claro. A partir do princípio da tarde, havia colegas que propositadamente passavam junto (ou perto) do refeitório, só para deliciarem-se com os odores, ou melhor, os cheirinhos a doces, canela, limão, açúcar torrado enfim, todos os cheiros que nos eram familiares e que já à muito tempo não os sentíamos.
Foi uma noite inesquecível, principalmente depois do "chá" com que o nosso Comandante nos brindou .depois da sua chegada: «Ah, vocês julgavam que eu não regressava; como vêem cá estou e muito bem».
Foi desta forma que "festejámos" a noite de Natal de 24-12-74. Para todos os colegas do BCAV. 8423 um Santo e Feliz Natal, com muita saúde, grande abraço a todos.
RODOLFO TOMAZ

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A Noite de Consoada de Natal no Quitexe de 1974

Furriéis Rocha, Fonseca, Viegas, Belo e Flora, um soldado, outro soldado e 1º. cabo Vicente, de bigode e caneca na mão (à esquerda), Monteiro, Pires (Montijo), Costa (Morteiros, a rir), Machado (a fumar), soldado Lajes

Tenente Luz sentado de costas), alferes Hermida (bigode) e Cruz (bigode e óculos), de frente, rodeando as respectivas esposas, capitão Fernandes (sentado na mesa principal, de frente), NN, comandante Almeida e Brito, furriel Reina e capitães Falcão (encoberto) e Oliveira (óculos), tenente Mora (1º. da direita, encoberto, com a esposa. À esquerda,

 
Noite de Natal no Quitexe. Já por aqui falámos muito dela. Ainda ontem, o alferes Cruz aqui deixou um bonito retrato, da comunhão de afectos que juntou a família militar do Quitexe, a 24 de Dezembro de 1974.
As duas fotos mostram parte da que foi a noite de consoada, «misturando» a guarnição num momento muito especial da comissão que nos levou a Angola. Repare-se que lá estão as mulheres dos militares (oficiais e sargentos) da CCS. E garanto que nessa noite não faltou alegria e saudade a todos nós.
Estava de serviço e coube-me (com outros) distribuir consoadas pelo postos de vigilância. Foram momentos emotivos, que só cada um pode retratar bem. Por mim, foram também felizes - entre os quatro dedos de conversa que se trocaram nesses pequenos tempos de partilha da mesa de consoada, no alto dos postos.
Foi há 36 anos! Vejam lá como o tempo passa!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

As várias festas de Natal no Quitexe de 1974...


Alferes Cruz e dra. Margarida Cruz, com o filho Ricardo ao colo. Repare-se na árvore de Natal e no bolo-rei (em cima). Representação de Natal  ao vivo, na sanzala Aldeia, do Quitexe (em baixo)



ANTÓNIO ALBANO CRUZ
Texto

Apesar de não termos o frio e a neve a lembrar o Natal no Quitexe de 1974, cedo começámos a prepará-lo. Recordo a árvore em casa, os enfeites nas oficinas-auto e messe de oficiais e as dificuldades e imaginação que houve na preparação daquela que,  para todos nós, seria a mais marcante e mais festiva quadra do ano, fora do recato familiar.
Recordo a minha esposa Margarida e o nosso amigo Albino Capela, na sanzala Aldeia, no Quitexe, onde davam aulas e, empenhadamente e com muito carinho, encenaram um presépio ao vivo, com coro e muitas canções de Natal.
Recordo ainda a Margarida e as restantes senhoras, esposa e filha do capitão Oliveira, as esposas do tenente Mora, alferes Hermida e sargento-ajudante Machado e, se não me engano, a Irmã Augusta, todas empenhadas a ajudar a preparar os doces e ceia para toda a CCS.
A ceia foi no refeitório.
Penso que estando representados todos os cantos do país, desde o Algarve a Trás-os-Montes, todos se empenharam para que não deixasse de haver referências a cada um dos nossos hábitos e costumes natalícios. Claro que o bacalhau foi rei, mas também não faltou o polvo e outros pratos típicos. Dos doces e para além da aletria, rabanadas, mexidos e sopas secas, ainda veio o queijo, o arroz-doce, o leite creme e outros.
Quanto a bebidas, havia para todos os gostos.
Em conversa com o alferes Ribeiro, recordou-me ele que, nessa noite, a quantidade e variedade era tanta que alguns de nós entraram de gatas nas suas casernas e quartos.
Acho que tudo isto nos ajudou a criar a nossa personalidade, a nossa maneira de ser e estar e a força que agora, nos momentos difíceis que atravessamos, tanto jeito ou falta nos faz.
A todos os companheiros do BCAV. 8423 e em especial da CCS, desejo um BOM NATAL e um FELIZ e PRÓSPERO ANO de 2011.
ANTÓNIO ALBANO CRUZ
Alferes miliciano da CCS do CCAV. 8423

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Adeus Lamego, que vou para Santa Margarida!

Neto, Viegas e Monteiro, furriéis milicianos no Quitexe, idos de Lamego e Sana Margarida


O ultimo dia de Lamego, foi 21 Dezembro de 1973. Já lá voltei algumas vezes e por lá (res)senti o cheiro do chão que no segundo curso de Operações Especiais de 1973 por lá pisámos, galgando do quartel de Penude, pelas  serras e vales das suas fronteiras mais próximas.
Ao dia, já de malas no carro do Neto, comemos na messe de Almacave, bacalhau à Gomes de Sá (comia-se bem, por lá...), dissemos adeus à malta mais próxima e ala para Águeda, com a guia de marcha na mão e uma mobilização para Angola.
Para trás, ficavam cinco meses de instrução (recebida e dada ), um mar de emoções e de dores sofridas, de muitas angústias, também!, e de um enorme orgulho por termos conseguido acabar o curso, bem classificados, sem mácula e preparadíssimos para o que desse e viesse.
A mim e ao Neto, consolava-nos saber que os anos de Angola (para onde íamos) seriam vividos em comum. E assim viria a ser.
Ao tempo, a nossa juventude era medrada no estigma de ir à guerra e para ela nos instruíram: sabíamos ao que íamos.
A viajar no SIMCA 1100 do Neto, de Lamego para Águeda, enquanto o Monteiro seguia para Marco de Canaveses (à vida dele...), lembrámos muitas coisas: a prova do cemitério, a Dureza 11, as 24 Horas de Lamego, os treinos de combate, as aulas e ensaios de minas e armadilhas, os saltos de helicóptero, os rastejamentos nos charcos e sob o arame farpado, as provas nocturnas e a morte do nosso companheiro soldado-cadete - alvejado por tiro de metralhadora, quando, de noite, rastejava no chão de Penude.
«Estamos bem preparados, pá....», dizia o Chico, de mãos no volante do SIMCA 1100 e a acelerar pelas saudades da sua namorada Ni. Até Águeda. 
Assim nos sentíamos. Sem medos. E assim fomos para Angola. E voltámos!

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Natal no Quitexe foi ser... pai de meninos!

Igreja da Mãe de Deus do Quitexe, no tempo do BVCAV. 8423.
 Por lá também se «fazia» Natal!


Por estes dias de Dezembro de 1972, multiplicavam-se os aerogramas e cartas que levavam e traziam saudades da família e dos amigos. Com a época natalícia a bater à porta, era ver o pessoal sentado nas camaratas e quartos a entregar-se à escrita. Retenho a imagem do Nunes, sempre muito recatado e de quem nunca se ouviu uma palavra menos própria, sentado na cama a escrever com ar nostálgico. Era uma carta para a filha de ano e meio, o seu ai Jesus do dia a dia - não a via há oito meses!

«Já deve estar bem crescida, já era uma mulherzinha…», dizia ele, sorrindo para a foto já me mostrada umas dez vezes, mas como se fosse a primeira! Carregou o pesado fardo da saudade por mais 18 longos meses. Outros havia, que não tinham ainda mimado o filho que nascera depois da nossa partida para Angola! Como o Dias, que gritou aos sete ventos «já sou paaaaai…, já sou paaaaai…», quando recebeu um telegrama a comunicar-lhe o nascimento da filha! Pulou, dançou, bebeu…e chorou como uma criança! Uma grande mistura de sentimentos deve ter-lhe assaltado os seus frescos vinte e um anos! Parecia um “miúdo”! Era um “miúdo”, claro que era, como os outros!
Mas as obrigações não se compadeciam com sentimentos, e a vida continuava como se nada de extraordinário tivesse acontecido. Mas Natal… era Natal, e as hostes andavam carregadas de emoções! Quase cheirava a filhoses, carregadas de açúcar e acompanhadas de uma caneca de café de cevada! Cheirar…cheirava, ou parecia que cheirava!...
Quem não tinha mãos a medir era o 1º Cabo do SPM, que aproveitava a ansiedade de alguns para lhes esconder as cartas, desesperando-os! Pura brincadeira, entregava-as minutos depois para lhes ver o sorriso de orelha a orelha! E rara era a carta que neste período não trouxesse uma notita para ajudar a colorir um pouco o dia de Natal. Algumas bem pequenas, mas enviadas sabe-se lá com que dificuldade! Com muita, certamente!
ANTÓNIO FONSECA

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A apresentação dos Rangers em Santa Margarida


Monteiro, Neto e Viegas no messe dos cabos 
milicianos do RC4, em Santa Margarida

A 20 de Dezembro de 1973, eu, o Neto e o Monteiro recebemos ordem de marcha para Santa Margarida - onde, no RC4, nos teríamos de apresentar no dia 24, em vésperas de Natal. Idos de Lamego, do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), onde nos fizemos Ranger´s e de que nos despedimos a 21, uma 6ª. feira.
Pelo meio, punha-se um fim de semana, passado em casa e, na manhã de 24, lá nos pusemos nós a caminho de Santa Margarida e com a firme certeza de que nos apresentaríamos e logo nos dispensariam para as festas natalícias em casa. Não viria a ser bem assim.
A 24, ao fim manhã, lá estávamos nós - eu e o Neto -, galgando quilómetros no seu (dele) SIMCA 1100, que tantas histórias teria para contar, se falasse. O Monteiro não sei como foi, mas lá apareceu também. E apresentados fomos, a um oficial de dia com apelido de ex-Presidente da República e que nos deu baile no gabinete. Ora porque nos apresentávamos de costas para a bandeira nacional, ora para as fotos do então PR(Américo Tomaz) e Presidente do Conselho (Marcelo Caetano.
O pior estava para vir: iríamos ficar de serviço.
Que não, que não podia ser, que estávamos mobilizados, tínhamos de ir passar o Natal a casa. Mas, impertinente e admoestador, o oficial de dia teorizou sobre os regulamentos e chamou o sargento de dia, para que nos orientasse no serviço.
«Meu capitão, desculpe lá!!! Está a dizer-nos que vamos os três ficar de serviço?», perguntei eu. Pois que era mesmo assim e assim teria de ser.
Irritou-se o Neto, sempre mais impulsivo que eu: «Eu fico é o caraças. Pior castigo que ir para Angola já não vamos ter.... Vamos é embora!!!!...». E aprontou-se a passar a porta de armas.
Olhei eu para o Monteiro e, de saco TAP ao ombro e sem olhar para trás, abandonámos o RC4, entrámos no SIMCA 1100 e... ala que se faz tarde. Se querem saber, não fomos castigados. O oficial de dia tinha estado a dar-nos tanga!

domingo, 19 de dezembro de 2010

O Pagaimo do Pelotão de Morteiros 4281

Valdemar e Pagaimo, militares do Pelotão de 
Morteiros 4281 (em cima). Alferes Leite, à direita, 
em baixo, com os também alferes Garcia e Ribeiro, 
da CCS do BCAV. 8423

O dia 19 de Dezembro de 1974 fez de véspera da saída do Pelotão de Morteiros 4281 do Quitexe, por onde acamaradou sete meses com a CCS dos Cavaleiros do Quitexe. Tenho particular afecto pelo grupo, em memória da minha primeira operação militar em terras do Uíge.  
Olho o Livro da Unidade e recordo a data: 20 de Junho de 1974, Operação Castiço DIH, dividida em quatro fases, que se prolongaram até 7 de Julho e envolveram todas as subunidades orgânicas do batalhão. Ainda em sobreposição com o BCAC. 4211, que nós substituíamos. Foi o Pelotão de Morteiros que nos foi buscar à fazenda que foi objectivo final da operação, comandado pelo alferes Leite.
O pelotão estava instalado ao lado da padaria, entre as messes da sargentos e oficiais, e dele (do PM) lembro o impagável furriel Costa. Impagável - ele que me perdõe... - pelas teorias que desenvolvia sobre qualquer assunto (fosse qual fosse...) e porque vivia na suspeição de que o álcool fazia mal. E, por isso, só  dussóis, missions, coca-colas e, vá lá, ousava até beber água. Até que lhe começámos, à socapa, a meter álcool nos sumos e lá os bebia ele, como se estivessem no estado original. Era um bom companheiro, de quem não sei paradeiro.
A vida civil tornou-me encontrado, poucos anos depois, pelo 1º. cabo Pagaimo, que por lá também fez missão e por cá, nas Brigadas de Trânsito, me fez stop na estrada de Águeda para Aveiro, aí pelos anos 80, fartando-se de brincalhar comigo - que não o reconheci. Pedia-me ele os documentos, olhava os pneus e os faróis, se eu tinha tirado a carta em Angola, a intoxicar-me de questões e a irritar-me.
«Ouça lá, se quer multar-me, multe...», disse-lhe eu, já com a paciência no limite e a contar as horas para um compromisso.
E ele, nas calmas, a bater com a biqueira da bota nos pneus e a dar voltas ao carro. «Então não me conhece?». Que não, respondi eu. E veio a velha questão: se o gajo me conhece, só pode ser da tropa. Era ele, o Pagaimo - que eu conheci de camuflado, no Quitexe, e ali me inspectava na estrada, com a farda da BT vestida. Como é que eu o havia de conhecer?
Ah e não me multou. Também não tinha ponta pode onde me pegar.
- PAGAIMO. Celestino de Jesus Pagaimo, 1º. cabo do Pelotão de Morteiros 4281, aposentado da GNR. Natural e residente em Cantanhede.
 Ver AQUI.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Natal sem frio, sem chuva, sem papas de abóbora menina...

Rocha, Fonseca, Viegas e Belo na Ceia de Natal de 1974, no Quitexe

(...)
Não está chuva nem frio, que por aqui se fazem em sol, neste Natal de 1974. Não posso ir ao musgo à Gocha e nem há árvore de Natal para enfeitar na igreja, com o ti Gil e a garatoda mais nova. Ou, se há árvore aqui pelo Quitexe, será para os brancos da vila adornarem, se calhar com algum gentio na ajuda a tarefa mais pesada. E eu, mais que pela certa, vou estar de serviço.
Os bilharacos da mãe Dulce, não vou ter. Nem o pão de ló a sair do forno da lenha, depois da broa cozida. Em trigamilha. Nem as formas dos bolos para eu rapar, de lambareiro. Nem o beijar do Menino e o leilão de pés de porco no adro da igreja, ao fim da missa.
O Natal de 1974 não vai ter frio, nem chuvas rijas, nem as nortadas que sopram do Valbom, fazendo a neve em fiapos. a atapetar as ruas, ou a fazer-se em filigranas nas árvores.
(...)
Meu Natal de 74 será por estas terras quentes de África, na Angola. Se eu pudesse, pedia que me arranjassem uma couve troucha, mais batatas e bacalhau do grosso, do alto, daquele a saber a sal, e mandava cozer tudo, ali na cozinha, regava-o com um fio de azeite, dois fios de azeite, três, quatro..., e lambia este sabor, limpando os beiços ao guardanapo. Mandava pôr a mesa, com toalha branca - e nem precisava de ser de linho... - e uma  pucheira de vinho, as filhós e as papas de abóbora menina, os sonhos, sem querer rabanadas, de que não gosto, tudo nos melhores pratos e com os melhores talheres.E servia-me, com esta minha nova grande família.
Estou bem, amigos, até ao Natal do ano que vem. Não vou dispensar-me, então, da missa do galo e da fogueira no adro da Igreja.
Extracto da carta, policopiada em papel de cera,
escrita e enviada a amigos e familiares, pelo Natal de 1974 -
mais ou menos por esta altura do mês.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Joana e os cinco mortos de Santa Isabel


Fazenda Santa Isabel

ANTÓNIO FONSECA
Texto

A Joana era uma negra muito bonita e, tal como relata o texto de 17/7/2009, andava apaixonada por um soldado rádio-montador. Dava nas vistas pela beleza, mas também pela simpatia que irradiava. Com ela terei falado apenas duas ou três vezes e apenas por mera casualidade. Não fazia parte do meu “carnaval”, mas do daqueles que arranjavam os rádios emissores e receptores, como os TR 28 e os… Banana!

Mas lembro também, infelizmente, o seu corpo muito retalhado e as faces desfiguradas por cicatrizes que a deixaram quase irreconhecível! A emboscada a uma pequena coluna, em plena picada, tinha deixado marcas irreparáveis! Enlutou-nos a todos!
Cruzei-me com ela em frente à escola primária do Quitexe, quando me dirigia ao bar Camabatela para tomar o café, mas não lhe dirigi a palavra.
«Sou eu, a Joana!..., não me conhece?!...,» disse-me ela, ainda com dificuldade em articular as palavras e mostrando-me, sem qualquer pejo, quase todo o seu corpo, antes perfeito, agora coberto de cicatrizes profundas, muitas ainda por sarar. Os ainda bem visíveis golpes de catana, testemunhavam bem a violência de que tinha sido alvo.
Fiquei impressionado, não pelo que vi, porque já tinha visto muito pior, mas pelo facto de ela ter resistido! Outros tiveram um destino muito diferente! Apesar de muito debilitada, não escapou ao olhar de desprezo e acompanhado de comentário jocoso, de um civil que trabalhava na serração, e que não ficou sem resposta. Bem feia, por sinal, mas merecida!
Na longa conversa que com ela tive, fiquei a saber o que mais tarde viria a ser confirmado: a Joana não morreu no ataque porque… fingiu estar morta! Salva pelo natural instinto de sobrevivência, assistiu à morte de amigos e familiares. E também de militares que faziam escolta às viaturas civis, mas deles falarei um dia. Foi testemunha importante no relatório que o Comando de Batalhão e a Companhia de Santa Isabel elaboraram.
Da Joana, ainda lembro o sorriso na nossa despedida do Quitexe, ao lado da inseparável amiga Maria, ambas sentadas no degrau do bar do Pacheco, na avenida de baixo. Um sorriso que, embora triste, ainda conseguiu vencer as cicatrizes do rosto! E nem as marcas profundas das pernas lhe impediam que usasse a sua famosa mini saia de vinte centímetros! Apesar de tudo, continuava esbelta e bonita, a Joana!!! Quanto às baixas militares dessa operação, foram cinco - entre a guarnição de Santa Isabel.
ANTÓNIO FONSECA
CCS do BCAC. 3879

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O futebol como destressante na guarnição do Quitexe

Uma equipa da CCS. Em cima, Grácio, Gomes, Miguel (1º. cabo), Botelho, Miguel (furriel
miliciano paraquedista), NN e Soares (em cima). Miguel (condutor, ?), Mosteias, Lopes,
NN, Monteiro e Teixeira (estofador). Clicar a imagem, para a ampliar

A acção psicológica esteve em acção permanente (sempre esteve...) pelo mês de Dezembro de 1974 fora, por exemplo com a realização de partidas de futebol, melhor ou pior jogado no campo pelado do Quitexe. E que grandes peladas por lá se jogaram...
Os convencionais jogos entre equipas da CCS - e afamou-se a do parque-auto, a dos ferrugens!!! - deram lugar a «confrontos» inter-unidades e também partidas com formações civis, que se formavam para o efeito.
Não sei bem se por esta altura, foi exibido o filme «Eusébio», que encheu o salão do Clube do Quitexe, da plateia ao balcão, projectado pelo Tomás, que tal obra fez durante vários meses.
O futebol, com o seu poder de atracção, levava «multidões» ao pelado quitexano e funcionava, digamos, como que um escape milagroso para o algum tédio que esta fase menos operacional provocava na guarnição. Era uma espécie de calmante, um destressante... - agora se diria.
A magia do pontapé na bola também se viveu intensamente no Quitexe militar, entre a guarnição que foi a última do Exército Português em Angola. 
 Ver AQUI.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O abandono definitivo da Fazenda Santa Isabel


Flora, Belo, Fernandes e Ricardo, furriéis de Santa Isabel já no Quitetexe (1974)


A 10 de Dezembro de 1974, completou-se a rotação da 3ª. CCAV. 8423, de Santa Isabel para o Quitexe. Quitexe que, mal eu diga, era um paraíso para os nossos companheiros que tinham jornadeado pelos lados da serra do Quimbinda, desde Junho, e por lá sentiram as «passas» de uma comissão que, não sendo um drama, ou uma tragédia, teve os seus momentos menos bons.
Quase todos nos conhecíamos já, principalmente do período de formação do batalhão - de Janeiro a Maio desse ano, em Santa Margarida. E também da regular presença de um pelotão no Quitexe, reforçando a capacidade operacional do comando do batalhão. A comunhão de espaços e de tarefas, na vila quitexana foi, também por isso, assumida com total tranquilidade e muito, muito companheirismo.
O abandono de Santa Isabel, como o de Zalala e de Luísa Maria, significava, por outro lado e para nós, a abertura do caminho que nos traria ao cabeceiro do regresso a Lisboa. Era isso muito expectável, e desejado, embora o tempo e as delicadezas do processo de descolonização nos «obrigassem» a continuar por lá até Setembro de 1975. Foram repetidas as decepções, quanto a esse objectivo.
Ainda muitas águas iriam passar debaixo da ponte das nossas esperanças. 

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Destacamento de Luísa Maria foi extinto há 36 anos

Pose a partir para operação na área da Árvore Vaidosa (a 10 de Outubro de 1974,
em cima). Destacamento da Fazenda Luísa Maria, adido à 3ª. CAV. 8423 (Aldeia
Viçosa). Foto de Novembro de 1974 (em baixo)


A Fazenda Luísa Maria foi poiso de vários pelotões da 2ª. CCAV. 8423, que o capitão miliciano José Manuel Cruz comandava com proficiência e discrição - a partir de Aldeia Viçosa. Foi também fim ou ponto de passagem de algumas missões do PELREC - o pelotão de atiradores da CCS.  Foi desactivado faz hoje 36 anos.
A retracção do dispositivo militar a tal levou e dias antes (a 10!) já a 3ª. CCAV. 8423, a de Santa Isabel, de deslocara totalmente para o Quitexe.
Assim evoluía a nova disposição operacional do Subsector do Quitexe - que dependia directamente do Comando de Sector do Uíge, em Carmona.
O destacamento militar da Fazenda Luísa Maria foi, em data que não sei precisar, ponto de partida para várias operações militares  para a área da perigosa Árvore Vaidosa. Uma delas, talvez de dois dias e com retorno a banho retemperador nos chuveiros da  camarata militar.
Uma vez, a uma tarde de um domingo, no regresso ao Quitexe e em plena picada, fomos testemunhas de uma estranha correria - a de um homem a fugir, com quanto as pernas lhe davam, na frente de uma pacaça, que perigosamente o ameaçava. Salvou-se por se pôr à volta de uma árvore e porque, entretanto, tiro certeiro de G3 abateu o animal. 
Ver AQUI.
E AQUI.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A falta de aerogramas entre a rapaziada da tropa...


Aos meados de Dezembro de 1974, rebentou uma inusitada crise no Quitexe! Era má a alimentação, fervia a indisciplina militar, havia incapacidade de comando, falta de cerveja ou bons wiskyes?! Ou gasóleo para as Berliets e unimogs, balas para as G3´s?  Nada disso: faltavam aerogramas! Os famosos bate-estradas.
O aerogramas eram meio de correspondência comum no mundo militar, voando de cá para lá e de lá para cá, com as boas e as más notícias, as saudades e as paixões que se faziam labaredas em cada um que se escrevia. Quantas lágrimas se choraram nas suas páginas amareladas ou azuis, quantas paixões de multiplicaram e azedaram, quantas orações de mãe se carrearam no silêncio que se dobrava e desdrobava, colando-se palavras até ao último vinco do papel - que ainda por lá levava mais um beijo e um adeus?!
Pois em meados de Dezembro de 1974, não havia aerogramas no Quitexe! O que era um drama, que nem podem imaginar. Socorri-me do amigo Alberto (foto, de 2002), que por Luanda jornadeava pela Base Militar.
«Não há aerogramas, pá!!! Isto está uma m... depois do 25 de Abril anda tudo desorganizado», escrevia-me ele, em carta de 12 de Dezembro, que agora reli, queixando-se de Lisboa, onde supostamente «anda tudo aos montes» e, quanto à correspondência, «só a mandam quando lhes apetece».
E os aerogramas? «Aqui na base, não há e já fui ao Depósito Base de Intendência. Também não há e ninguém sabe quando haverá», disse-me o Alberto, com uma facadinha no então muito recente 25 de Abril: «O glorioso 25 de Abril dá nisto e nem só..., pois isto nem é nada, a ver outras coisas que por aí se fazem».
- ALBERTO. Alberto Fernando Dias Ferreira, 1º. cabo especialista  da Força Aérea. Natural de Fermentelos (Águeda) e já falecido. Era quadro superior da administração fiscal e foi vereador e candidato a presidente da Câmara Municipal de Águeda.
Ver AQUI

domingo, 12 de dezembro de 2010

A verdadeira história dos beduínos do Quitexe...



MANUEL MACHADO
Texto

A história do beduíno é real e passou-se na minha recruta, quando frequentava o curso de sargentos milicianos nas Caldas da Raínha. É uma história curta, que se passou com um alferes miliciano contratado, que comandava o meu pelotão, bem secundado por dois cabos milicianos que, infelizmente, eram do mesmo tipo. Gabava-se de que todas as noites bebia uma garrafa de wiskye, pelo que é imaginável a sua disposição para lidar, na manhã seguinte, com um pelotão de recrutas, dada a ressaca com que acordava.
Tivemos uma instrução do pior, não havia ribeiro que tivesse muitas silvas por onde não passássemos, nem lagoa onde não metessemos o corpo. Numa dada noite, pôs-nos a pé às duas da manhã, alegando instrução nocturna, já bastante toldado pelo álcool, e fez-nos passar por dentro do tanque onde os prontos lavavam a roupa e pela vala onde eram vazados os dejectos dos porcos. Isto depois de darmos algumas voltas ao quartel. Realmente era o banho ideal. No final, tomamos banho vestidos para retirar alguma da porcaria de que vínhamos impregenados.

O alferes vertia as suas frustrações nos exercícios de aplicação militar que adaptava no sentido de os tornar mais difíceis para os instruendos. Para ele, não tínhamos nome, éramos todos beduínos pois não íamos ter sossego nem tenda certa durante três anos.
A verdade é que assim foi, sempre com a casa às costas até ao final. Este fulano, dizia algumas coisas que nunca mais esqueci, com a de «os cães vadios no interior da unidade são vossos superiores» e «quem os molestar será punido». Isto dá para ver a coação psicológica que nos era feita por essa gente. É claro que o melhor era não fazer ondas, mas dizia cá para com os meus botões - vai meter essa a outro.
E assim passei três meses de recruta no Regimento de Infantaria nº 13, nas Caldas da Raínha, no primeiro turno de 1973 - que se iniciou a 23 de Janeiro na quarta companhia de instrução.
Daí que nós enquanto militares eramos realmente como as tribos de beduínos do deserto, que não tem lugar certo para estar.
- MACHADO. Manuel Afonso Machado, furriel miliciano mecânico de armamento. Natural de Covelo do Gerez (Montalegre) e residente em Braga.
- BEDUÍNO. Nome que Machado vulgarmente atribuía aos militares do BVAV. 8423 e que muito se popularizou na guanição.

sábado, 11 de dezembro de 2010

As latas cheias de rojões e de enguias de escabeche

Clube Recreativo do Quitexe, nos antos 70. Grandes «filmes» por ali passaram...


O mês de Dezembro de 1974 foi mês de festas, futebol e cinema, no Quitexe. Para além da convencionais e já por aqui muito faladas acções militares. No dia 11, iniciou-se a actividade da Comissão Local de Coordenação Civil-Militar (CLCCM) da vila - que fôra constituída nos primeiros dias do mês e por objectivo tinha «impôr uma mudança radical dos hábitos dos longos anos de guerra» -como se lê no Livro da Unidade. Compreende-se: até aí eram comissões de contra-subversão, agora desenvolvia-se e acelerava-se o processo de descolonização.
O Clube Recreativo do Quitexe foi espaço para exibição de filmes, pela mão do operador Rodolfo Tomaz - se me lembro bem. As fitas eram vistas com grande entusiasmo pela comunidade militar e, na Zona de Acção (ZA) do BCAV. 8423, em todas as unidades e abertas à população civil.
Funcionavam como motivadoras de acção psicológica.
Por estes dias, chegou o Neto - de férias em Águeda e com a mala cheia de recordações de casa. De minha parte, a mãe Maria Dulce deu-se ao trabalho de encher uma lata de cinco quilos, daquelas redondas, onde se vendia unto (ou banha de porco, quem se lembra?), uma lata cheiínha de rojões. Ui, ui, ui, ui!!!!!.... rojões!!!!!.... Certamente de algum porco a que eu próprio ainda dera alguma lavagem. De certeza! E uma outra, mais pequena, com enguias em escabeche. Que delícias!!! Nem imaginam a gulodice com que devorámos os pitéus, reachando o paladar das cozinhas da mamã. Um luxo!!!

- Cinema no Quitexe. Ver AQUI.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Alvarito do Marinhense que futebolou pelo Quitexe


ANTÓNIO FONSECA
Texto

Por vezes, dou comigo a pensar no quotidiano por terras do Quitexe e nas mais pequenas coisas a que, ao tempo, não atribuímos grande valor, talvez fruto da nossa juventude. Como, por exemplo, nos azares de uns… e sorte de outros!

Lembro aqui o bom camarada Alvarito, ex-jogador do Atlético Clube Marinhense (Marinha Grande), que nunca se conformou com a sua mobilização. O futebol era a sua vida e não imaginava este sonho enterrado em África. Conjecturava-se, na altura, que iria ingressar num “grande”, e até já estavam feitos alguns alinhavos nesse sentido, mas teria de escapar ao então Ultramar. Mas não escapou e rumou ao Quitexe!
E foi o furriel miliciano vagomestre da CCS, jogador do Caldas Sport Club, que o reconheceu dos campos – já tinham sido adversários -, e chegou à fala com os responsáveis do Recreativo de Carmona. Treinou, agradou e, logo debelada a burocracia, fez o que melhor sabia fazer!
Tornou-se, ou tornaram-no, na “coqueluche” da equipa e, vejam lá, o presidente do clube até disponibilizou a sua avioneta particular para que o fossem buscar, sempre que necessário, ao Quitexe, e levá-lo aonde a equipa se deslocasse! Andava vaidoso, como ele mesmo dizia, com todas as mordomias e privilégios com que o mimavam. E também esfregava as mãos a prémios generosos, mas bem mais modestos que os praticados nos dias de hoje! E nós, não menos vaidosos! Por ele! O único senão prendia-se com as viagens aéreas, que lhe causavam suores e medos que quase o aterrorizavam - não partia sem que o quarto testemunhasse as suas preces.
«Ó Casal, e se aquela m…da cai?!..., aquilo abana por todos os lados! Se eu for desta para melhor, ficas responsável por isto!...», dizia-me ele, apontando a mala, com um riso amarelo e os suores de aflição a ensoparem-lhe a camisa engomada! E a esperar de mim uma garantia que eu não lhe podia dar: a de que a avioneta não cairia! Mas garantir…eu “garantia”! E nunca caiu!!!
Estas e outras passagens do Quitexe foram lembradas em almoço recente, salientando eu a saudade com que de muitas delas se falou, e que algumas vezes levaram os dedos do meu “convidado” a estancar o que parecia ser uma lágrima teimosa! Principalmente quando lhe falei das minhas férias no “puto”, em Setembro de 1972, e do emotivo jantar com os pais e namorada, num restaurante em S. Pedro de Moel.
«Por tudo o que é sagrado, cuide do nosso menino!...», dizia-me a mãe de filho único, que ainda o mima, com a conivência das lágrimas do pai e da namorada, e apertando-me a mão,  tremulamente! E eu, ali, a engolir em seco, sem poder dizer que o “menino” viajava por cima de matas angolanas, atrás do seu sonho! Caramba, já lá vão 38 anos!..., e parece que foi ontem à noite!
E cuidei, o melhor que pude e soube, mas, porque nunca me senti exemplo para ninguém, tive que me esforçar em dobro, resfriando os meus (e os dele) ímpetos de saudável «galderice» que os 22 anos nos permitiam!
ANTÓNIO FONSECA
- FOTO. Equipa do Marinhense de  1970/71, que quase subiu à 1ª. divisão. Em cima, Pinto (treinador), Manuel Joaquim, Carlos Alberto, Vitor Manuel, Parada, José Morais, Ribeiro, Florival, Cardoso e Anacleto. Em baixo, Leitão, Jacinto, Cunha Velho, Naftal, Carapinha, Zeca e Alvarito.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Inventar para ir a Carmona e a carta de condução...

Entrada de Carmona, do lado do Quitexe (à esquerda) e do Negage


Ir a Carmona era boa razão para se inventar todo o tipo de desculpas, assim se tivesse uma folguinha no trabalho operacional. A cidade ficava relativamente perto, a escassos 40 kms. e em estrada de asfalto, facilmente se arranjavam boleias e todos os dias para lá ia (e vinha) a viatura do SPM, buscar o correio. E sobravam motivos para lá ir.
Carmona, por um lado, respondia aos cios do nosso desejo, oferecia respostas aos nossos deslumbramentos e apetites, redesenhava-nos o ar de civilização que o Quitexe, uma pequena e até bem interessante vila, não nos oferecia, porém. Ir a Carmona, era respirar o cosmopolitismo e carregar baterias para as tarefas operacionais que nos exigiam os Cavaleiros do Norte. Bons restaurantes, bares americanos e cinemas, escolas e liceu, livrarias, discotecas, tudo nos respondia às expectativas de quem, aos 21 para 22 anos, olhava para o mundo como que o querendo pôr no bolso.
E o que tem isto a ver com 9 de Dezembro, o dia de hoje? Pois bem, em 1974, a desculpa oficial para ir a Carmona foi contratar as aulas para a escola de condução. E lá viria a fazer exame a 4 de Abril de 1975. O tempo passa! 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A Comissão do MFA dos Cavaleiros do Norte

 Furriéis Cruz e Viegas na avenida do Quitexe. Atrás, vê-se o
bar dos soldados e o telheiro onde funcionou a escola regimental

Aos primeiros dias de Dezembro de 1974, foi eleita a Comissão do MFA do BCVA. 8423, integrando um oficial, um sargento e um praça. Não sei da data exacta, mas lembro-me bem de o Cruz, o furriel mais velho de todos nós (é de 1951), ter sido eleito o representante da classe de sargentos. E eu, seu modesto e orgulhado suplente.
Houve algum burburinho na eleição pois, de forma subreptícia mas a pretender-se imperativa, fôra sugerido que o eleito da classe deveria ser um 1º. sargento. Mas assim não foi e o Cruz, que era rapaz de muito boa presença e culta conversa, meu amigo de peito, foi o delegado eleito - sendo para ele o meu voto.
Não me lembro dos eleitos dos oficiais e praças do batalhão, mas sei que objectivo dos delegados eleitos era participar nas reuniões do MFA, a nível do Comando do Sector do Uíge, e assim acontecia de 15 em 15 dias.
A primeira, foi a 7 de Dezembro, em Carmona - e eu também lá estive. De uma delas, recordo o comportamento exibicionista de um coronel ido de Luanda, todo cheio de nove horas e ideias para a nossa forma de actuação e relacionamento com os representantes dos movimentos de libertação. Que devia ser assim, devia ser assado. E eu, aldeão e irreverente como era, e se calhar até algo menos respeitador, a perguntar-lhe como podia ele ir de Luanda e dizer a quem estava - e bem conhecia o terreno e as pessoas... -, dizer como agir, como reagir, como decidir.
A questão valeu-me uma severa reprimenda verbal de um capitão, cujo nome não recordo mas ao qual ripostei com alguma animosidade, em conversa de bar, no Comando de Sector.
«Ó pá, deixavas lá o gajo falar... Ele vai ficar e nós ficamos cá...», disse-me o Cruz, já na petiscança do Escape - restaurante de ali perto e onde fazíamos horas para o regresso ao Quitexe. Creio que na viatura do SPM, com era costume.
- MFA. Movimento das Forças Armadas.
- CRUZ. António José Dias Cruz, furriel miliciano mecânico rádio-montador. Natural de Cardigos (Mação) e residente em Lisboa, onde é funcionário da Câmara Municipal.
- CRUZ + VIEGAS. Ver AQUI.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O dia da ordem de serviço com a mobilização para Angola

Cópias da Ordem de Serviço nº. 286, de 7 de Dezembro de 1974, do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), em Lamego, com a mobilização de Monteiro, Viegas e Neto para o BAT. CAV. 8423. Em baixo, Viegas de serviço no CIOE, por aquela altura



A ordem de serviço nº. 286, do Centro de Instruções de Operações Especiais (CIOE), em Lamego, de 7 de Dezembro de 1973, trazia chapada a mobilização dos três 1ºs. cabos milicianos que viriam a ser o furriéis da CCS do BCAV. 8423 - o Monteiro, o Viegas e o Neto.
A Nota nº. 4700 - Pº.33.007, de 17 de Novembro do mesmo ano e da Repartição do Serviço de Pessoal (RSP), da Direcção do Serviço de Pessoal (DSP), do Ministério do Exército, já fizera as nomeações, que nos só conhecemos faz hoje 37 anos.
Foram momentos felizes!! Isto que eu digo é uma caricatura, pois ninguém queria ir para a guerra. Mas no quadro de então, o de uma juventude que cresceu com esse estigma, ir para Angola era o melhor que nos poderia acontecer. Era o «teatro» de guerra mais pacífico - muito melhor que, como se dizia ao tempo, as dificuldades que se viviam na Guiné-Bissau e Moçambique.
No meu caso pessoal, acrescia a vantagem de em Angola ter família mais ou menos próxima e vários amigos.
O dia 7 de Dezembro de 1974 era uma 6ª.feira, véspera de feriado nacional, e o meu fim-de-semana seria passado em Lamego, por estar de escala, em serviço. Mas telefonei para a vizinha Celeste, dos Correios de Lamego, para que desse o recado à minha mãe.
«Já não vens a casa?», perguntou-me a filha Cinda, agora com 65 anos. Que não, lhe disse eu. E vim a casa por mais uns meses. Ainda passei mais duas semanas em Lamego, segui para Santa Margaridas (em vésperas de Natal), e, depois, voei para Angola - já na noite de 29 para 30 de Maio de 1974.
Ver AQUI.