sábado, 18 de dezembro de 2010

Natal sem frio, sem chuva, sem papas de abóbora menina...

Rocha, Fonseca, Viegas e Belo na Ceia de Natal de 1974, no Quitexe

(...)
Não está chuva nem frio, que por aqui se fazem em sol, neste Natal de 1974. Não posso ir ao musgo à Gocha e nem há árvore de Natal para enfeitar na igreja, com o ti Gil e a garatoda mais nova. Ou, se há árvore aqui pelo Quitexe, será para os brancos da vila adornarem, se calhar com algum gentio na ajuda a tarefa mais pesada. E eu, mais que pela certa, vou estar de serviço.
Os bilharacos da mãe Dulce, não vou ter. Nem o pão de ló a sair do forno da lenha, depois da broa cozida. Em trigamilha. Nem as formas dos bolos para eu rapar, de lambareiro. Nem o beijar do Menino e o leilão de pés de porco no adro da igreja, ao fim da missa.
O Natal de 1974 não vai ter frio, nem chuvas rijas, nem as nortadas que sopram do Valbom, fazendo a neve em fiapos. a atapetar as ruas, ou a fazer-se em filigranas nas árvores.
(...)
Meu Natal de 74 será por estas terras quentes de África, na Angola. Se eu pudesse, pedia que me arranjassem uma couve troucha, mais batatas e bacalhau do grosso, do alto, daquele a saber a sal, e mandava cozer tudo, ali na cozinha, regava-o com um fio de azeite, dois fios de azeite, três, quatro..., e lambia este sabor, limpando os beiços ao guardanapo. Mandava pôr a mesa, com toalha branca - e nem precisava de ser de linho... - e uma  pucheira de vinho, as filhós e as papas de abóbora menina, os sonhos, sem querer rabanadas, de que não gosto, tudo nos melhores pratos e com os melhores talheres.E servia-me, com esta minha nova grande família.
Estou bem, amigos, até ao Natal do ano que vem. Não vou dispensar-me, então, da missa do galo e da fogueira no adro da Igreja.
Extracto da carta, policopiada em papel de cera,
escrita e enviada a amigos e familiares, pelo Natal de 1974 -
mais ou menos por esta altura do mês.

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