sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Joana e os cinco mortos de Santa Isabel


Fazenda Santa Isabel

ANTÓNIO FONSECA
Texto

A Joana era uma negra muito bonita e, tal como relata o texto de 17/7/2009, andava apaixonada por um soldado rádio-montador. Dava nas vistas pela beleza, mas também pela simpatia que irradiava. Com ela terei falado apenas duas ou três vezes e apenas por mera casualidade. Não fazia parte do meu “carnaval”, mas do daqueles que arranjavam os rádios emissores e receptores, como os TR 28 e os… Banana!

Mas lembro também, infelizmente, o seu corpo muito retalhado e as faces desfiguradas por cicatrizes que a deixaram quase irreconhecível! A emboscada a uma pequena coluna, em plena picada, tinha deixado marcas irreparáveis! Enlutou-nos a todos!
Cruzei-me com ela em frente à escola primária do Quitexe, quando me dirigia ao bar Camabatela para tomar o café, mas não lhe dirigi a palavra.
«Sou eu, a Joana!..., não me conhece?!...,» disse-me ela, ainda com dificuldade em articular as palavras e mostrando-me, sem qualquer pejo, quase todo o seu corpo, antes perfeito, agora coberto de cicatrizes profundas, muitas ainda por sarar. Os ainda bem visíveis golpes de catana, testemunhavam bem a violência de que tinha sido alvo.
Fiquei impressionado, não pelo que vi, porque já tinha visto muito pior, mas pelo facto de ela ter resistido! Outros tiveram um destino muito diferente! Apesar de muito debilitada, não escapou ao olhar de desprezo e acompanhado de comentário jocoso, de um civil que trabalhava na serração, e que não ficou sem resposta. Bem feia, por sinal, mas merecida!
Na longa conversa que com ela tive, fiquei a saber o que mais tarde viria a ser confirmado: a Joana não morreu no ataque porque… fingiu estar morta! Salva pelo natural instinto de sobrevivência, assistiu à morte de amigos e familiares. E também de militares que faziam escolta às viaturas civis, mas deles falarei um dia. Foi testemunha importante no relatório que o Comando de Batalhão e a Companhia de Santa Isabel elaboraram.
Da Joana, ainda lembro o sorriso na nossa despedida do Quitexe, ao lado da inseparável amiga Maria, ambas sentadas no degrau do bar do Pacheco, na avenida de baixo. Um sorriso que, embora triste, ainda conseguiu vencer as cicatrizes do rosto! E nem as marcas profundas das pernas lhe impediam que usasse a sua famosa mini saia de vinte centímetros! Apesar de tudo, continuava esbelta e bonita, a Joana!!! Quanto às baixas militares dessa operação, foram cinco - entre a guarnição de Santa Isabel.
ANTÓNIO FONSECA
CCS do BCAC. 3879

2 comentários:

Deus disse...

A foto foi tirada da net em que data? Em 1974, estava muito diferente. Será que actualmente é que está assim?
M.Deus, ex-op. cripto

Anónimo disse...

O Deus tem razão porque a fotografia foi tirada ao aquartelamento de Zalala, onde esteve a 1ª CCav 8423
J.Dias Ex.fur. milº TRMS