quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Mosteias não levava desaforo para casa...

Viegas e Mosteias no varandim térreo da Casa do
Furriéis, no Quitexe, Dezembro de 1974


O Mosteias não era homem que levasse desaforo para casa. Era, aliás, «o único homem» entre todos os furriéis - como nós dizíamos dele, fazendo graça com o seu estado de casado e pai de um filho, que nascera  já ele jornadeava por terras do Quitexe, como furriel sapador.
Era (e é...) até rapaz imponente, o Mosteias, para aí do seu metro e noventa de altura e com tanto de bondade na alma como de peso no corpo e força nos braços.
Fazia alteres com latas de cinco litros de tinta cheias de cimento e a sua generosidade muscular mostrava-se-lhe nos braços e na força das manápulas. Ai de quem se pegasse com ele!!! Levava uma surra e sorriríamo-nos nós do olhar de medo que medrava na cara do seu qualquer ocasional «inimigo».
Um dia, nos últimos de 1974, papaguéavamos nós conversa mole no varandim do bar de sargentos, a saborear a frescura de umas boas cervejas e à espera que o tempo passasse, quando um jovem civil meio estouvado e desajeitadamente peneirento, já muito nosso conhecido, se afirmou na frente das nossas trombas - a debitar rateres com o seu potente Ford Capri, carro de moda na altura e último modelo da marca.
Aqui para nós, era uma provocação habitual do miúdo, meio desbarbado e enciumado pela «letra» que algumas cachopas do tempo davam aos rapazes da guarnição militar. E não dariam a ele.
«Filho da p..., parto-lhe já o focinho!...!», disse o Mosteias, entre nós.
Que não ligasse, dissemos-lhe, pois «o gajo é parvo...». E o parvo lá continuava na avenida de terra do Quitexe a mandar rateres e a mangar com a malta.
O Mosteias levantou-se, não disse uma palavra, caminhou para o automóvel, abaixou-se e enfiou a mão para dentro. Se disse ou fez alguma coisa, não sei. O miúdo do Ford Capri é que pisou o acelerador e «picou» os cavalos todos para o lado da enfermaria, a caminho da rua principal, virando para Carmona.
«O gajo é parvo, pá...», disse o Mosteias, a sentar-se junto a nós e a pedir uma cerveja ao Lajes.
Bebemos todos, esquecendo o rapazola.
- MOSTEIAS. Luís João Ramalho Mosteias, furriel miliciano sapador, quadro superior de empresa, residente em Sines.
- LAGES: Carlos Alberto Aguiar Lajes, soldado atirador e em serviço no bar de sargentos. Natural e residente em Lisboa.

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