sábado, 4 de julho de 2009

A visita de médico e o «esfurrié Veigas» do BCAV 8423

Furriéis Viegas e Pires (do Montijo) com crianças e mulheres
na aldeia do Talabanza, arredores da vila do Quitexe
Uma das nossas primeiras saídas transportadas foi em visita de médico. Literalmente. O capitão médico dr. Leal ia em serviço de consultas itinerantes, levava medicamentos, consultava, receitava, media tensões e febres, ajudava o bom povo das sanzalas e os contratados do Huambo e famílias, que iam para o Uíge fazer as campanhas do café.
Saíamos de madrugada, ainda sem o sol nascer, e lá íamos nós picada fora, com destino marcado e contactos fixados com fazendas e aldeias. Foi nessa viagem que descobri o nascer do sol de Angola, mesmo a chegar a uma fazenda, quando já saíam centenas, talvez milhares de bailundos para o cafezal.
A coluna parou no enorme terreiro da seca, era para nós a hora de comer parte da ração e aproximaram-se de nós dezenas de miúdos, rodeando-nos O que nos incomodou. E atemorizou! O que é que estes tipos querem? Viemos a saber: queriam parte da nossa ração.
O facto era insólito para nós, que no geral até detestávamos as rações e bem as daríamos sem grande custo. E suscitou alguns constrangimentos e desconfianças. E, e é por isso que aqui vem a história, causou-me um estranho medo. A mim, um dos miúdos tratou-me por «esfurrié Veigas».
O quê, pá?
«Esfurrié Veigas, me dá teu ração...».
Como era possível ele saber o meu nome, embora dito de forma errada? Foi uma dúvida que só desfiz meses depois, em Maio de 1975: um dos gerrilheiros da FNLA chamava-se Viegas (como eu), tinha passados em vésperas pela tal fazenda e referira haver no novo batalhão um furriel com o mesmo apelido. Coisa que o miúdo «apanhou», sei lá como! Só que diziam Veigas, trocando as duas primeiras vogais. Como sabiam tal coisa, nunca soube. E como fui reconhecido? Bem, ainda hoje não sei!
O dr. Leal fez as consultas que tinha a fazer, dividimos as rações com os «putos» e ficámos de mãos a abanar para os da fazenda e aldeias seguintes. Todos no-las pediam e já não tínhamos o que dar. Ainda hoje sinto essa dor de alma! E lembro as inquietações que senti nas semanas seguintes: mas como é que estando eu há dias no Quitexe as crianças da fazenda sabiam o meu nome?
- CAPITÃO LEAL. Manuel Soares Cipriano Leal, médico do Hospital Militar de Luanda, destacado no BCAV 8423, no Quitexe. Reside em Fafe.
- FOTO: A foto deste poste é do meu arquivo pessoal e nada tem a ver com a história. É meramente ilustrativa.

2 comentários:

SANTOS disse...

Ó Viegas eu seu que não eras gajo para isso, nas não largaste águas nem nada, quando o "espretito" disse o teu nome.
Se calhar nesse tempo já eras como o Constantino,o brandy cuja fama já vinah de longe e muito Constantino se bebia por lá.

Anónimo disse...

Por falar em Brandy, a maior borracheira que eu apanhei em terras de Angola foi com o Viegas. Bebemos os dois uma garrafa de brandy "MOSCA", no bar de sargentos.
Depois foi ir até ao quarto de gatas pois já não havia força nas pernas.
É verdade.

MONTEIRO