sábado, 10 de julho de 2010

A (não) sabotagem da luz eléctrica do Quitexe

Alferes Ribeiro e Garcia, tenentes Luz e Mora, no Quitexe (1974)

Milicianos e profissionais, sempre houve boa relação entre os oficiais do BCAV. 8423. A foto mostra os alferes milicianos Ribeiro (sapadores) e Garcia (PELREC, os atiradores) e os tenentes Luz e Mora na avenida principal do Quitexe - com o edifício do comando do Batalhão em fundo. Todos a olhar para uma qualquer coisa, ou alguém, que lhes interessasse.
O tenente Mora era uma figura curiosa, dada a episódios singulares. Todos recordamos, com graça e respeito, a sua exigência de palada - o convencionado cumprimento entre militares, a que eram obrigados os inferiores hierárquicos. Pois o tenente Mora, quando por qualquer lapso ou distracção não lha batiam, batia-a ele aos subalternos, como quem nos espetava um chá, a chamar a nossa atenção. E lá tínhamos nós que levantar a mão direita e fazer sentido, em palada de cortesia.
Uma noite, no Quitexe, tendo-se ele oferecido para fazer de oficial-de-dia (a que não era obrigado, mas que fazia para «poupar os nossos alferes...»), fazia eu de sargento-de-dia e juntámo-nos em longa conversa sobre espirituais hindus - de que eu não entendia nada, mas saberia ele, que era casado com uma senhora indiana. Ouvia-o o mais atentamente que podia, até que chegou a meia noite, hora em que cessava a iluminação fornecida pela administração pública e entravam em funcionamento os geradores militares - que um homem de serviço ia ligar. E era sempre assim: por fracção de segundos, não havia luz no aquartelamento.
«Sabotagem!...», gritou o tenente Mora, que não saberia desse pormenor dos geradores.
Que não era nada, disse e insisti eu. Que era assim todas as noites, qual sabotagem qual carapuça!!
Estávamos a conversar na frente da messe de oficiais e bem tinha eu visto passar o militar que ia ligar o gerador. Portanto, tudo como devia ser. Só que a habitual fracção de segundo, foi mais além uns centésimos e a luz demorou. Coisa que também não era especialmente preocupante.
«É sabotagem, Viegas... temos de tomar decisões!!!...», gritou o tenente, já a rastejar junto ao separador da avenida principal do Quitexe. Tinha visto qualquer coisa para o lado da administração civil e, pronto, o inimigo vinha dali. «Rasteje e avance!!!...», ordenou-me o tenente Mora. E eu de pé, descontraído, a dizer-lhe que não era nada.
Nesse momento, a vila e a toda a guarnição militar recuperaram a luz e lá se levantou o tenente, recuperado do susto. «Você é um homem calmo e de coragem...», disse-me o refeito tenente Mora. «Vou pôr isso no relatório...».
Não sei se pôs, mas a história de alguma maneira se fez lenda na guarnição. 
- MORA. João Eloy Borges da Cunha e Mora, tenente do SGE e adjunto do Comandante da Companhia de Comando e Serviços (CCS), dfo BCAV. 8423. 
 - Ver Tenente Luz, AQUI.
- Tenente Mora, AQUI.
- Alferes Garcia, AQUI.
- Alferes Ribeiro, AQUI.

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