O que a malta não inventava, para passar o tempo, que não nos matava saudades, antes as multiplicava por cada dia que se cortava no calendário.
Inventava-se tudo, desde um bom desenfianço para a cidade, a uma furtiva soneca, ou a uma tarde de cartas e cerveja gelada no bar.
Por Zalala, seria ainda menos fácil passar o tempo, que no Quitexe. E o que faziam os furriéis Rodrigues (à esquerda, na foto) e Pinto (à direita) para ultrapassar isso? Pois punham-se a cantar o fado do ceguinho e a vender revistas.
Vejam lá o que se inventava para, como lembra o Rodrigues, «tentar esquecer as tristezas, as saudades, a família, o sofrimento e sei lá que mais...».
Tudo disse havia por aquelas bandas e a farsa revisteira dos dois furriéis não era, claro, para vender nada, não era essa a intenção, mas antes para puxar a farra e a diversão, numa «feira» - a de Zalala - em que a possível clientela não passava, afinal, de uma companhia de "tesos".
Se eventualmente aparecesse algum potencial comprador, algum fulano mais desprevenido e com alguns trocos no bolso, curioso e convencido, achado de surpresa ou «apanhado do clima», interessado na compra ou que não entendesse bem a intenção da dupla, a resposta era sempre a mesma. «Lá lhe dizíamos que só tínhamos estas, que eram o mostruário, que o stock está esgotado», recorda o Rodrigues, evocando a mordacidade dos brincalhões de Zalala.
O mais corriqueiro dizer, a algum mais insistente e putativo comprador, era que «só daqui a seis meses é que vamos receber nova remessa».
Assim, a brincalhar, ajudando uns aos outros ou chateando, a dupla de cantores (ceguinhos) percorria as casernas e outros pontos do aquartelamento, quebrando a rotina, tentando transmitir os seus e outros sentimentos, colaborando nos diálogos que ocorriam e que eram sempre iminentes para todos - num lugar como aquele, que era Zalala.
O resultado do negócio era sempre saldo negativo nas contas de vendas, porque a contabilidade estava fora de questão, quanto ao deve e haver, mas nos resultados sociais atingia sempre o pico, pois toda a gente reconhecia e aplaudia a dupla de brincalhões que apalhaçavam a guarnição, que socializava e cordializava as gentes que por lá «morriam» de saudades dos chãos e dos cheiros das suas terras.
«Era esse o nosso objectivo. Bebiam-se umas cucas e não se queria saber da "revista" nenhuma.Todos estávamos no mesmo barco...», recordou o Rodrigues, agora morador em Vila Nova de Famalicão.
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