quinta-feira, 28 de abril de 2011

O carro do militar que andou pelo ar nas mãos do povo...

Neto, Viegas, Matos e Monteiro, num carro de combate do RC4

A 26 de Abril de 1974, o BCAV. 8423, considerou-se «parte integrante do Movimento das Forças Armadas» e nesse dia, uma sexta-feira, o comandante Almeida e Brito «explicou a todo o pessoal» o que o movimento pretendia, em «palestras orientadas especificamente para oficiais, sargentos e praças».
Confesso que me escapa na memória o teor preciso da intervenção, mas tenho presente a euforia do momento em que todos fomos dispensados para fim de semana, o que não estava previsto - pois o que se deveria realizar a partir da 2ª. feira-seguinte o IAO.
Ao final do almoço, saímos de Santa Margarida para Águeda, no SIMCA 1100 do Neto, dando boleia ao Matos (da 2ª. CCAV), que era de Anadia e à porta dele passávamos nós, em Avelãs de Caminho. E ao Monteiro, que de Águeda seguiria para o porti e daqui para Marco de Canaveses.
A viagem, nas estradas do tempo, era algo morosa e lenta, batiam-nos palmas quando nos reconheciam militares, mas o espanto maior viria a ser em Coimbra - onde, na baixa, decorria uma manifestação com milhares de pessoas.
A passagem do trânsito era feita a velocidade menor que o passo, a certa altura os populares descobriram que dentro do SIMCA 1100 iam militares e, quando demos por ela, o carro foi levado no ar alguns metros, à força das mãos e do entusiasmo dos manifestantes. Foram uns três, quatro metros, em frente ao Hotel Astória, e esse momento, foi, porventura, aquele em que sentimos mais apaixonadamente a euforia que deslumbrava o povo.
Chegado à aldeia, soube que minha mãe andava no campo, a sachar milho. «Então, rapaz?!...», perguntou-me,quando me avistou. Ainda esta tarde, ambos recordámos esse momento. Disse-lhe que estava tudo bem, não lhe despindo, com a resposta, o luto que lhe ia na alma. E muito menos o faleci a Nilzalina, vizinha da terra e da sacha do milho, também ela viúva e mãe de António Melo - conterrâneo e amigo, do meu ano e escola, que nessa altura jornadeava pela Guiné.
« Tiveste sorte, já não vais...», disse-me ela, com o ar resignado de mãe que tem um filho na guerra.
Claro que fui. Para Angola. 

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