sexta-feira, 11 de junho de 2010

A valentia dos não operacionais do BCAV. 8423

Furriel Rocha, alferes Pedrosa e furriéis Machado, Lino e Cruz, na piscina de Carmona


MANUEL MACHADO
Texto



Corriam os primeiros dias de Junho de 1975, estava eu de sargento de dia ao batalhão, quando o 1º. cabo cozinheiro Pereira me  comunicou que a bomba de água tinha avariado, sem possibilidades de arranjo imediato e que já não havia água no quartel.
Entretanto, tinha sido pedida ajuda aos Bombeiros de Carmona - que tinham disponibilizado um auto-tanque, mas que não se atreviam a deslocá-lo para o BC12, devido a beligerância entre os movimentos de libertação.
Nesse dia, os combates intensificaram-se e já estava dentro do quartel cerca de 1200 refugiados e o pessoal militar, com necessidades de higiene e limpeza, para além da confecção de refeições. ~
A preocupação do 1º. cabo cozinheiro foi devidamente contada ao  oficial de dia - o alferes Pedrosa, da 2ª. CCAV., já instalada no quartel - que me informou que toda a tropa operacional estava no exterior a fazer segurança aos bancos, ao hospital, ao Comando do Sector do Uíge, etc. Restava o pessoal não operacional. Como já estávamos para lá das 17,30 horas, nas instalações restava o pessoal de serviço e os militares que permaneciam à espera do jantar.
O alferes Pedrosa disse-me logo: «Tem que organizar uma escolta, para que o camião cisterna possa vir para o quartel».
Dirigi-me à caserna da CCS, que conhecia melhor, e a um grupo de militares: «Preciso de voluntários para uma escolta».
Quase toda a gente se ofereceu e preparei uma coluna com uma Berliet e um Unimog 404. Arranquei na viatura da frente, como me competia, e entreguei o comando da viatura da retaguarda a um 1º. cabo do pelotão de manutenção, com indicação para responderem ao fogo que lhe fosse dirigido, e enquadrei os militares da viatura da frente.
Atravessámos a cidade pela zona industrial, com paragem nos dois chek-points montados pela FNLA e até à zona das piscinas. Aqui, enquadrámos o camião-cisterna entre as duas viaturas militares e fizemos o caminho inverso sem qualquer problema, até ao quartel.
Este pequeno episódio só serve para prestar a minha homenagem a estes homens que, sem qualquer hesitação e sem medo, também arriscavam a sua vida, num local onde todo o dia houve fogo e íamos agora atravessá-lo de noite.

Estes são os anónimos que também fizeram a guerra e de quem muita gente desconhece a sua valentia e a generosidade.
Pretendo apenas, passados que foram 35 anos, dar a conhecer um pequeno momento que demonstra inequivocamente a valentia destes homens e a honra que tive em os comandar por um breve lapso de tempo.
O lema do batalhão “perguntai ao inimigo quem somos”, aplica-se assim como uma luva a todos os militares do BCAV8423, sem qualquer distinção, porque todos cumpriram e até excederam as missões que lhe foram confiadas.
MANUEL MACHADO
Ler amanhã: Perguntai ao inimigo quem fomos!



- MACHADO. Manuel Afonso Machado, furriel miliciano mecânico de armamento, da CCS do BCAV. 8423. Natural de Covelo do Gerez (Montalegre) e residente em Braga, onde é quadro superior da EDP.
- ROCHA. Furriel-miliciano de transmissões. Natural e residente em Valadares (V. N. de Gaia), técnico de vendas.
- PEDROSA: Luís António Pedrosa de Oliveira, alferes miliciano atirador de cavalaria, da 3ª. CCAV. (Santa Isabel), natural e residente em Marrazes (Leiria).
- LINO. José Rodrigues Lino, furriel miliciano mecânico-auto, da 3ª. CCAV. (Santa Isabel). Natural do Fundão.
- CRUZ. António José Dias Cruz, furriel miliciano rádio-montador da CCS, natural de Cardigos e residente em Lisboa, onde é quadro da Câmara Municipal.
- PEREIRA. Alcino Fernandes Pereira, 1º. cabo cozinheiro da CCS.

1 comentário:

C. Silva disse...

Concordo em absoluto meu caro Machado, foi agradável ver que os atiradores das canetas e dos rádios não forma cobardes e avançaram para a solução do problema, um homem do 8423 nunca recuava, pro isso mandava perguntar ao inimigo quem éramos.
Abrçao para todos os camaradas.