terça-feira, 8 de junho de 2010

Carmona, 1 de Junho de 1975...

Rotunda de Carmona, para a RIMAGA (esquerda), zona industrial (em frente) e Negage (à direita)

A madrugada de 1 de Junho de 1975, em Carmona foi de muitos medos. O susto ganho na viagem da messe para o BC12 «avisou-nos» do que poderíamos esperar desse domingo de dores e de sangue.
O silvo das rajadas, o estrondo dos morteiros e dos obuses ouviam-se como se rebentassem na parada do quartel. Chegou a supor-se que iríamos ser atacados, aperfeiçoando-se rapidamente a defesa da unidade.
Todos nós, os mais operacionais do BCAV. 8423, tínhamos missões pré-destinadas. Ao PELREC, por exemplo, coube alternadamente a defesa rotativa de pontos essenciais da cidade: o aeroporto, o hospital, a central eléctrico, o abastecimento de água, a estação de rádio, a recolha de feridos e de refugiados.
A foto mostra uma área próxima da zona industrial, onde assistimos a pertinaz e feroz caça ao inimigo. O militante de um partido fugia pela estrada fora, escapando entre as balas de sucessivas rajadas, sem que fosse atingido. Acabou por cair, extenuado e já dento de um capinzal, onde foi abatido à catanada, pontapé e tiros de pistola, à queima-roupa.  
Dito isto assim de forma quase crua, parece até uma «brincadeira» de desenhos animados. Mas era assim, na prática, que angolanos se puseram contra angolanos. Matando-se, regando o chão vermelho da sua terra com o seu próprio sangue, empastando-o no pó da tragédia que medrava diante dos nossos olhos.
O cheiro da pólvora e da morte sentia-se a cada momento que passava. Civis amedrontados, ontem cuspindo para o chão onde passavam militares, socorriam-se da tropa que passava. A nenhum foi dito «não».
Os combates, alguns quase corpo a corpo, entrincheiraram ódios e semearam lutos. Carmona, a 1 de Junho de 1975, cheirava a pólvora, a morte, a tragédia!

4 comentários:

Oliveira disse...

Foram dias do caraças embora eu nem saísse do quartel mas lembrome dos refugiados

Monteiro (Ex Furriel) disse...

Lembro-me perfeitamente deste dia.
Não estavamos à espera de tanta confusão e tantos tiros. Como diz o Viegas os mais operacionais foram os que sairam do quartel para defenderem pontos estratégicos e de interesse geral da população. A mim, porque sempre me considerei um militar operacional (altamente), saiu-me na roleta a defesa do aeroporto. Com oito ou nove homens bem armados e desse para o que desse lá fomos para o aeroporto. Passamos horas e horas a fio no aeroporto, completamente deserto, sem movimento algum de aeronaves como era lógico naqueles momentos de guerra.
Fomos mais tarde rendidos por outros camaradas. Não passou de um susto de muitas horas de amargura e de incerteza.

Abraços

Monteiro

C. Silva disse...

Lembrar-nos destes dias é recordar dias de muito sofrimento, pois muitos de nós não estavam preparados para a guerra que se instalou na cidade e muita coragem tiveram os nossos operacionais a que estava à cabeça o grande pelotão do alferes Garcia, que era extraordinário, humilde e muito corajoso; eu lembro-me de a parada, na rampa que descia para o refeitório pois a parada estava cheia de refugiados e estar o furriel Neto e o Viegas perguntarem aos soldados quem queria ir numa missão de socorro a uma fazenda,já no quarto ou quinto dia da porrada e todos se oferecerem, apesar de estarem todos estourados, pois era um grande pelotão e o alferes Garcia passou a braçadeira de oficial de dia e foi cm eles, buscar os civis a uma fazenda, acho que se chamava Bamba ou coisa parecida...
Abraço para todos os amigos e que o Viegas não páre com o blogue..

C. Silva disse...

Foi essa a história das botas que apareceram com um pé dentro na zona industrial ao pé da fábrica dos sumos? eu lembro-me de na altura se falar muito disso e de terem enterrado a bota no cemtério, mas não tenho a certeza, talvez possa estar a baralhar... alguém se lembra disto?