Furriéis milicianos Neto e Viegas no final de mais uma operação militar (1975)
Os primeiros dias de Junho, em Carmona, foram de muitas dúvidas e medos e regados de sangue, nas mais das vezes inocente. Foram dias de muitos momentos grávidos de incertezas, de perigos que se semeavam a cada esquina das ruas da cidade, a cada sombra que nos enublava a vista e enlutava a alma. O que mais custava era ver o olhos tristes da crianças com medo, pedindo pão e amparo.
«Dá o eslata, esfurrié!!..», pediam elas, apontando a nossa ração de combate, quando passávamos nas ruas da cidade, ou nos bairros envolventes - por onde se gritavam lutos e fome, prolongados nos dias que medravam de «macas». Uma delas, sei lá qual, lembro lá quem!!!..., ranhosava-se pelo queixo abaixo e estendia a mão direita, enquanto enfiava a outra nos anéis do cabelo em carapinha.
«Dá o eslata, esfurrié!!...», insistia a criança de olhos tristes e de alma a chorar - a pedir-me o que eu não tinha para dar, naquele momento. Foi umas da que, nos dias de refúgio do BC12, se acamaradou no aquartelamento e por lá matou fome e medos.
O som da metralha ouvia-se sempre, de mais longe ou de mais perto, e o que nos espantava era a serenidade das crianças, no meio da balbúrdia de sons e de cheiros a pólvora.
Uma jovem mãe, de criança traçada nas costas, soluçava silêncios de dor que viemos a saber dever-se a um outro filho desaparecido. O outro, um outro..., sujo de ranho e de terra, brincava de tronco nu e calção maltrapilhado e roto, fazendo riscos no pó vermelho da rua do pequeno bairro.
«Vais no quartel!! Queres ir?...», perguntou-se à mãe.
Não disse nada, mas riram-se-lhe os olhos, carregando um embrulho de plástico com toda a sua fortuna. A outra, a maior fortuna desta mãe negra de Angola..., eram os filhos. Mas não sabia de um deles! Não sei se alguma vez soube!
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