sexta-feira, 1 de maio de 2009

||| O 1º. cabo Soares

Viegas na porta da capela do Quitexe. Muitas
vezes ali foi procurada a tranquilidade
que o dia-a-dia militar exigia
A capela do Quitexe era (e é) templo pequenino, local de muitas orações e de sementeira e comunhão de fé. Foi também, como já aqui foi dito, espaço de refúgio a quem, no princípio das acções da UPA, fugia de males maiores. As placas na frontaria, mostram nomes de vítimas desses dias de dor e medo.
O dia desta foto, da qual não tenho data apontada, mas é de aí por Outubro de 1974, é o de uma surpresa minha: encontrar na capela, ajoelhado e muito concentrado, o Soares - provavelmente o elemento mais "rebelde" do PELREC, permanentemente inquieto e revoltado. Ia a entrar, com o Neto, e recuámos. Por momentos, ficámos a olhá-lo, a ouvir o seu silêncio, arrepiados e interrogados!
Esse dia, tinha sido o de mais um patrulhamento e protecção a um fazendeiro, de quem se diziam cobras e lagartos. Protecções que eram sempre viagens muito temidas, regadas de suor e ensopadas do pó vermelho das picadas e de grande violência física - 80 e tal quilómetros para lá e 80 para cá, mais os 40 e 40 de ir e vir de Carmona; outros 80 mais 80 para ir à fazenda, sempre em acção de protecção ao fazendeiro, que ia à capital vender o seu café e fazer reabastecimentos. Tratar da sua vida.
Já na tarde, na fazenda e na volta, mandou negar água aos soldados, estava eu e o Neto com ele, a beber cerveja que nos abriu, fresca, a soltar-se-nos na garganta de sede. O Soares gritava revoltado, em coro com oa nossos homens. Tínhamos todos comido o pó e sofríamos o cansaço das viagens feitas de perigos. Mais de 400 quilómetros num dia, em unimog´s. E amargávamos o débito de insegurança que se sentia, sempre que galgávamos picadas ou trilhos, espreitados dos cumes e dos encobertos do capim, para um qualquer destino que poderia não ter regresso. E o fazendeiro mandou recusar-lhes água. A nós, furriéis, dava cerveja e oferecia wisky.
Eu e o Neto, não bebemos mais ("filho da p...", pensámos nós, do fazendeiro) e saímos a correr, tentando controlar a revolta dos homens - que já tinham saltado uma cerca e se dessedentavam nas mangueiras de rega.
«Eu ia matá-lo!!!!...», disse o Soares, à saída da capela, quando nos viu, com olhos de raiva. Falava do fazendeiro e o seu ar era ao mesmo tempo constrangido e melancólico, a morder os lábios. Virou-nos as costas, olhando para o lado da pista e ouvimo-lo dizer. «Vocês não me deixaram ir para a cadeia!!!...».
- SOARES. Fernando Manuel Soares, 1º. cabo atirador de cavalaria, natural de Lisboa.
- GENA. Gena Guedes do Quitexe, comentadora da postagem do dia 23 de Abril, "A capela, a missa e a missão do Quitexe». Pode contactar-me pelo endereço c.viegas@mail.telepac.pt? Obrigado.

5 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Viegas: estou surpreendido com as tuas narrativas e dou-te os parabéns pela ideia andares a lembrar estas histórias da tropa. Acho, porém, de também devias falar das outras companhias e não limitares-te à CCS.
Um grande abraço,
J. Luís

Anónimo disse...

Meu caro Viegas: estou surpreendido com as tuas narrativas e dou-te os parabéns pela ideia andares a lembrar estas histórias da tropa. Acho, porém, de também devias falar das outras companhias e não limitares-te à CCS.
Um grande abraço,
J. Luís

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Meu caro Celestino.
De facto o nosso património pessoal passa pela história que podemos contar aos nossos filhos e aí reconhecidamente tens a tua marca na história.
Abraço Amigo
José Carlos Santos

Anónimo disse...

Bravo, Viegas!
Só tu!!! Só mesmo tu!!!
Grande, mas muito grande abraço para ti. Minha mulher delicia-se com estas histórias e impressiona-se por lhe garantir que são verdadeiras.
Abraços,
Matos