quinta-feira, 28 de maio de 2009

A segunda véspera da partida para Angola...

Cabos milicianos Viegas e Ferreira, no RC4, em
Santa Margarida, em Maio de 1974

Há 35 anos, faz hoje, foi a segunda véspera da nossa partida para Luanda, adiada de dois dias antes. O Neto pôs-se em casa, na Bicha-Moura (Águeda), enquanto o diabo esfregou o olho, pois sempre eram mais dois diazinhos de namoro com a Ni - que o coração andava em pulgas de paixão! Eu, optei por ficar em Santa Margarida, gozando das delícias do «edénico paraíso» que era o Regimento de Cavalaria nº. 4 - a nossa unidade mobilizadora.
Sem nada para fazer, para além do comer e dormir da circunstância, por lá enganei o tempo, em passeios e leituras, jogos de cartas e telejornais - que eram fartas das notícias do 25 de Abril, nos televisores a preto e branco do tempo. Estive na capela, fui ao cinema, dei umas idas ao destacamento onde estava o batalhão e por ali andei, em ciranda de horas a passar.
Companhia desses dois dias, entre muitos outros que por lá também ficaram, era o Zé Ferreira - o outro «ranger» de que falei há dias e que no RC4 fazia o seu IAO. Conversámos muito e coisa que ele estranhava era eu não ter aproveitado os dois dias do adiamento para ir para casa. Ele teria ido, assim como o Neto fôra. «Porquê, ó Viegas?...».
Não sei o que lhe respondi, não me lembro, mas devo ter sido muito convicto - pois a conversa mudou rápido. Já bem pela segunda noite dentro, começou a chegar a malta que aproveitara os dois dias e, por mim, confirmei a minha razão de não ter querido ir repetir despedidas! A malta vinha algo perturbada e mais nostálgica! A sentir mais a hora da viagem para a guerra.
«Amanhã a gente ainda se vê?», perguntou-me o Zé Ferreira.
«Não creio...», disse-lhe eu.
«A que horas vão para Lisboa?», retorquiu-me ele. Mas nem eu sabia bem.
A 29 de Maio de 1974, desfazia eu os nós da despedida que se aproximava, no fim de almoço e no bar dos cabos milicianos, íamos dentro de pouco tempo para o aeroporto de Lisboa, quando apareceu o Ferreira a correr - vindo do IAO. Olhou a sala, encontrou-nos - a mim e ao Neto e a outros... - e abraçou-se pendurado nos meus ombros.
Senti que nos queria dizer alguma coisa, mas não disse. Eu gracejei qualquer dito, não sei o quê..., reabracei-o e ele soltou-se em passo ligeiro, porta fora. Sempre sem uma palavra!
Ainda estou a vê-lo, depois a espreitar-nos da janela, até ir embora.
Ontem, telefonou-me por causa deste blogue e recordámos os dias de Santa Margarida. «Olha, faz além de amanhã 35 anos que andei pela primeira vez de avião. Quando fui para Angola...», disse-lhe eu.
"Estamos velhos, ó Viegas...», ouvi-lhe, dando-me troco.
Pois é, Zé... Estamos velhos! Estamos velhos e não esquecemos Angola!
- IAO. Instrução Altamente Operacional, último período de preparação militar, pós-mobilização. Por vezes, chamavam-lhe... manobras!

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei de ver a foto… parece a sorte grande e a terminação!
Parabéns pelo teu trabalho. Está espectacular.
ZéÉ FERREIRA,
o PIMENTA!