domingo, 14 de fevereiro de 2010

Poesias...


Vou partir para a metralha, amor!
Carrego de morte os bolsos e os olhos
Doidos de manhãs claras, rasgadas no infinito.
Afivelo a alma bem dentro da alma. Calma!
Mas, de medo, trauteio a marcha do Rio Kweit!

Não quero sujar as mãos de qualquer remorso
Não quero ser cobarde se o medo me espreitar.
Tenho o meu povo e a minha bandeira
E, se tombar no sangue, no trilho ou na lama,
Será para ti, amor,
A força e o sim do meu último olhar.

Vou partir para a metralha,
amor!

Galgo a picada, no meio de muitos homens,
30 jovens paridos de mães saudosas,
Rapazes amantes de namoradas nervosas,
Suados pelo sol forte da terra vermelha d´Angola....

As mulheres, na tabanca,
De olhos grandes e mãos pousadas no ventre,
Ouvem o eco dos filhos crescendo na terra
E põem o coração no poente que morre.
Olham para nós, vagamente, de seios caídos
E catanas pousadas no chão,
Que mais parecem espadas ou punhais a sangrar-nos
Como o porco que se abate pelo Natal

Uma velha cachimba, sentada na soleira
E olha os meninos, não vão eles cair...
São meninos sujos de ranho e terra
Mil meninos nus, mais de mil, quase todos nus...
Que brincam não sei a que jogo e sorvem cajús
E devoram mangos como se fossem pão,
Os meninos nus!...

Carrego de morte os bolsos
E os olhos doidos de manhãs claras,
Rasgadas no infinito!
Afivelo a alma bem dentro da alma.Com calma!
Mas, de medo, trauteio a marcha do Rio Kueit.

Vou partir para a metralha,
amor!

É urgente galgar a picada, com estes homens,
Trinta jovens!! São trinta jovens!!!
Trinta jovens tal como eu,
Todos paridos de mães saudosas
E amantes inquietos de namoradas nervosas
Aqui pisando a terra vermelha d´Angola
Carregando mochilas de vida e de morte,
Com armas, medos e obuses,
Granadas espalmadas pela coxa direita molhada de suor.

Vou partir para a metralha,
amor!

Teu amor, amor...
Teu amor anda na guerra
E traz os olhos gretados de lágrimas
Que lhe choram do sol quente.
Não é medo, amor...
É o sentir de gente!

Um irmão negro mata uma serpente cuspideira
E eu leio-lhe sombras de angústia nos olhos...
A tarde veste margens da amargura na alma
Que se nos resta ao sol-pôr
Enquanto nos lembramos dos meninos nus
E das suas brincadeiras,
E recuamos ao adro das nossas meninices.

O Carlitos, lembras-te?
Com quem corriámos no roubo dos ninhos
Nos assaltos aos cachos e às laranjeiras?!
E da catequista da doutrina?!
E os seios da vizinha que cresciam,
medrando sobre a blusa?!
E a professora enchendo de apetites
a gulodice dos putos?!
E do primeiro beijo roubado na sacada da escola!?


Vou partir para a metralha, amor...
Carrego de morte os bolsos
E os olhos doidos de manhãs claras,
Rasgadas no infinito...
Afivelo a alma bem dentro da alma. Calma.
Mas, de medo, trauteio a marcha do Rio Kweit...


Volto e lá estão as velhas negras, cahimbando
Mães negras que seriam brancas como as nossas
E são felizes e iguais como se o mundo,
O mundo todo estivesse nas suas mãos.

E ainda lá estão os meninos nus
Que olham para mim,
De mochila carregada aos ombros, de medo,
A trautear a marcha do rio Kweit...

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