Miranda, vencedor da Volta a Portgal de 1980 e que foi soldado do PELREC
Santa Margarida, 7 para 8 de Janeiro de 1974. Os militares do BCAV. 8423 chegam ao Destacamento do RC4 desde a véspera e vão-se instalando numa das casernas. Havia a natural curiosidade de se conhecerem: de onde és, de onde não és, as habituais trocas de informação e a curiosidade (satisfeita) de se saber com quem se vai para uma missão que se adivinhava não ser fácil.
Estou de sargento dia e a minha insatisfeita curiosidade leva-me a ficar até tarde pela caserna, trocando impressões com a malta que estava e ia chegando. Uma das «atracções» da noite, que já ia longa, era o ciclista Francisco Miranda - que em 1970 fôra campeão nacional de rampa, pelo Sporting, título que repetiria pelo Bombarralense. E ganharia a Volta a Portugal em Bicicleta de 1980. Foi do PELREC, mas foi desmobilizado, por ser desportista. Era sobrinho de Leonel Miranda, outro vencedor da Volta e, se me lembro bem, fazia anos a 13 de Maio.
Volto tarde ao local de repouso e pouco depois fui chamado, para grande alarido na caserna. «Ó nosso cabo miliciano, vá lá...».
O que era, o que não era?! A malta, sem sono e de cerveja fartamente bebida, desfazia-se de «gozo» para cima de um militar que acabava de chegar, vindo a pé desde o apeadeiro ferroviário. A caserna era mais que uma feira, com travesseiros e botas pelo ar, atiradas para cima dele - ali baptizado com uma chusma de nomes, qual deles o mais caricatural.
O nosso homem, impecavelmente fardado, mas atrapalhado e constrangido, vinha de pau ao ombro e com várias sacas de pano penduradas, atrás e à frente. Era aquela figura de sátira, algo cómica, que despoletava a balbúrdia da caserna. Cheguei e, vá lá, amainou a barulhaça. Chamei o bom do nosso novo companheiro para o lado e lá me contou que trazia as sacas cheias de presuntos, paios, chouriços e queijos, broa e rojões - tudo feito em casa, preparadinho com amor de mãe. Estava temeroso, tremia, cheio de vergonha, e os olhos liam-se-lhe de angústias. A recepção da rapaziada amedrontou-lhe a humildade.
«Ó homem, então você vem-me para aqui nesta figura?!...». Que vinha, pois vinha, e o pai lhe dissera que todos os que tivessem «coisas» nos ombros eram superiores, para ele obedecer sempre.
«Você vai resolver isto bem, convida-se a malta e você dá um queijo...», disse-lhe eu, meio a brincar. Que sim, «se o senhor diz...». Gritei ao pessoal para irem desencantar cervejas e sumos, que logo apareceram. O cenário seguinte, podem imaginá-lo!
«Você vai resolver isto bem, convida-se a malta e você dá um queijo...», disse-lhe eu, meio a brincar. Que sim, «se o senhor diz...». Gritei ao pessoal para irem desencantar cervejas e sumos, que logo apareceram. O cenário seguinte, podem imaginá-lo!
O novo amigo viria a ser militar aprumado e disciplinado, um corajoso companheiro do PELREC. Falei com ele em 1994, para que viesse ao nosso primeiro encontro. Não veio. Voltei a falar, para que estivesse no de Leiria. Disse que sim, mas telefonou nas vésperas. Tinha «um problemazito...», não podia ir. E lá me lembrou a história do queijo!
«Ó furriel, aquela eu nunca mais esqueço...», disse ele, adivinhando-se-lhe a largura do sorriso. Ele, que nunca soube chamar-me de outra maneira.
«Ó furriel, qué quer?!!!...».
9 comentários:
Esta história de isentar alguns desportistas de serem mobilizados, não fazia grande sentido! Ou digo-o eu, porque não o era!
Quando tirei a especialidade no RTM do Porto, dois dos meus colegas eram o Humberto Coelho, do Benfica, e Pinto de Sousa, ex-Benfica, transferido para o União de Leiria. Havia mais dois e que viriam a jogar no FCP, mas não faziam parte das minhas amizades. Eu nunca tinha passado dum clube de aldeia, mas igualmente, ou mais, importante...para mim!
Aliás, eles já vinham comigo da recruta, no RI 7 de Leiria e foi aí que se cimentou a amizade que dura até aos dias de hoje.
Todos com "licença de pernoita fora", as noites do Porto eram uma "festa", sob a batuta do Humberto, que estava na sua cidade!
Mas não se pense que ele tinha vida facilitada! Era dos poucos que não escapava à marcação cerrada dos Sargentos da Guarda que eram do Sporting!
E de castigo, algumas vezes dormiu no Quartel em cama improvisada! E eu também, uma noite, por causa dele! Tinha de ser...por tabela!
O que é certo e era aqui que eu queria chegar, logo ali no RTM eu vi na folha de Mobilização o meu nome, mas o dele não estava lá! Penso, ainda hoje, que foi o único não mobilizado para terras Africanas! Livrou-o, e ele sabia bem, o facto de já ser Internacional! Vi-o, a última vez, há uma boa meia dúzia de anos na Luz: Ele com carta branca e eu "infiltrado" nos camarotes, porque também sou filho de Deus!
E lá veio o cumprimento de praxe:«tás bom, ó mobilizado»?!
Ele nem sabe o que perdeu por não ter conhecido as terras do Quitexe!
Direi eu, mas ele...talvez nem tanto!
Caro Casal:
Ciclista e sem a mesma sorte, foi Mário Albuquerque, o Faísca, ciclista notável e vencedor de duas Voltas a Portugal.
Foi parar ao Quitexe, como civil, e lá lhe mataram a mulher e filhos, nos incidentes de 1961.
Pode ir ver aqui: http://www.centenariosporting.com/index.php?content=578.
Conheci pessoalmente o Sr.Albuquerque na minha passagem pelo Quitexe.O que me fazia imensa pena era ver aquele homem e a sua figura de grande sofrimento, pela dor causada pela perda da esposa e dois filhos,(um Casal)em Março de 1961.Lembro um dia que estava de piquete, por volta das tres horas da madrugada,passava a ronda ao posto cinco e o sentinela ter-me avisado que estava a avistar um vulto,que vinha do lado do cemitério.Com o cuidado que a situação exigia,verificamos que o vulto era o Sr Faísca,que vinha do cemitério,depois de ter estado junto á campa dos seus entequeridos,o que depois soube ser habitual ele proceder assim.Confesso que a partir deste acontecimento, pude constatar o grande sofrimento do Sr.o que deixa qualquer pessoa abalada.
De Santa Margarida, recordo um Restaurante onde a malta parava à noite. Ficava junto à estrada, ou rua, não me recordo muito bem.
Ah, e recordo-me de um Alferes que que por ali (no quartel) andava a cavaquear com o pessoal! Todos nós tínhamos entregue um pequeno questionário e por causa desse mesmo questionário veio falar comigo! Depois de muito blá blá, acabou por me dizer que era guitarrista e acompanhava os baladeiros de Coimbra! Aproveitei para lhe pedir que não se esquecesse de levar a guitarra para Angola, onde certamente iria ter tempo para se esticar nas notas musicais! Estranhamente, disse-me para tirar cavalo da chuva, porque a guitarra não ía a lado nenhum! "Bom, isso é lá contigo", pensei eu! Quando já estávamos a aterrar, pensei perguntar-lhe se afinal tinha trazido a guitarra! Como não o encontrei à saida do avião, perguntei a um Alferes se o tinha visto! Que não, não o tinha visto e no avião não tinha entrado. Como aquilo me estava a fazer confusão, perguntei a outro Alferes, que me respondeu ao ouvido e a medo: «O Alferes Oliveira não veio, fugiu! Mas cale-se, não diga nada, tá a ouvir?». Se calhar era com medo que eu também fugisse!
Depois é que me pus a pensar: "Por isso, aquele macaco andava sempre a rir e a contar anedotas! Também por isso me garantiu que a guitarra não ía a lado nenhum!".
Certo é, que o falinhas mansas por ali andou a passear a boa disposição, e a sua descontração até nos servia de bálsamo! Pudera!..., e ainda escreveu uma carta a um Alferes, cerca de 15 dias depois! "Algures em França", dizia ele na missiva!
Perguntas ao José lapa e a quem mais puder ajudar. Ando em busca de informação sobre o Faísca e, pela vida itinerante e trágica que teve, torna-se difícil encontrar quem o tenha acompanhado por algum tempo que fosse.
Assim, agradeço todo e qualquer pormenor que recordem sobre ele: o que fazia; em que trabalhava; onde vivia; era sociável; mergulhava no álcool; etc. etc.
Se me puderem contactar para cabral.jotac@gmail.com, agradecia.
João Cabral
É dito que Francisco Miranda é sobrinho de Leonel Miranda. Mas não é verdade. Fica a correcção.
Bruno Miranda:
Pode dizer-nos qual é o grau de parentesco entre eles? Na altura, era a informação que tínhamos.
Não é nenhum :)
Bruno Miranda
Voltando à história do «Faisca», lembro um senhor que teria a minha idade de hoje nos meses de Julho e Agosto de 1975 todos os dias sentado num banco de pedra à frente da Messe dos Sargentos, na Av dos Combatentes, e a quem todos nós dávamos algo de comer. Imagem muito triste. A tristeza que havia no olhar dele era incomensurável. Na altura não conheciamos toda a tragédia do ser que estava na nossa frente. Dizia-se que... mas nada de muito claro.
J.L. Reboleira Alexandre
Ex Furriel Mil.
Enviar um comentário