sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Os desenfianços para os prazeres e desafios da cidade...

Entrada da cidade de Carmona (Uíge), do lado do Quitexe e Luanda


Texto
António Casal

Sendo o Quitexe uma Vila pequena, qualquer boa oportunidade era aproveitada para uma “fuga” até Carmona. Não era muito fácil, diga-se, principalmente porque o capitão tentava controlar todas as saídas não autorizadas! A verdade seja dita, teve o cuidado de nos avisar logo à chegada, dando mesmo a entender que, por parte dele, não haveria espaço para manobras habilidosas ou espertezas saloias!
Porque alguém me lembrou estas fugas para a cidade, resolvi consultar os meus “catrapázios” ! E lá estava escarrapachado o dia 27 Outubro de 1972!
Era uma sexta-feira, dia ideal para uma “fuga” que, segundo os meus planos, se prolongaria até à noite do dia seguinte. Por lá me esperava um amigo dos bons tempos de escola que, semanas antes, comigo se tinha cruzado em férias no “puto”! Era o alferes Cravo, companheiro de muitas noitadas e que tranquilamente passeava o seu “galão” por Carmona!
Por volta das três da tarde, lá arranquei com um civil, o Pimenta. Tendo este que regressar no mesmo dia com um familiar, ficou a promessa de que me traria de volta no seguinte, ao fim da tarde! O negócio do pai obrigava-o a essa deslocação, o que vinha a calhar, porque eu só entrava de serviço no domingo de manhã! Sempre dava para matar algumas saudades da cidade! E também de um pequeno restaurante, muito bom e que, apesar de discreto, tinha um atendimento cinco estrelas e também muito “personalizado!”
Então, e não é que o amigo Pimenta me pregou a partida?! Qual sábado, qual quê!..., deixou-me pendurado, o que me surpreendeu, e lá voltei à pensão para passar mais uma noite! Os negócios do pai tinham-no, inesperadamente, retido na vila. Perdido por cem, perdido por mil, havia era que aproveitar o tempo e todo o resto… antes que azedasse!
Apareceu só no domingo, à hora do almoço e desenfiado do talho, onde o pai não lhe dava tréguas nem ao fim de semana! E fê-lo por mim, preocupado com a minha ausência do Quitexe e possíveis consequências! Parece que estou a vê-lo, a correr para a porta da pensão, de pernas arqueadas, que suportavam o seu metro e sessenta mal medido!
Com o meu serviço, confesso, não estava minimamente preocupado! Tinha já um pacto com um companheiro, de modo a que nenhum ficasse descalço. Desenfiávamo-nos à vez, cada um para seu lado!
Confiei na sorte e lá nos enterrámos de novo na noite carmoniana, já com camisa emprestada. O asseio é a porta de entrada da elegância – dizia-se!
O regresso, esse foi só às seis da madrugada de segunda-feira! A viagem foi atribulada, com o Pimenta a jurar, e eu a confirmar, que viu três negros armados a descer para a estrada, o que o levou a carregar no acelerador do velho Peugeot 404, até avistarmos o quartel do Voluntários! Foi ali que se dissipou o meu medo, e foi também ali que o Pimenta recuperou a voz - tinha-a perdido 20 quilómetros antes!
«Tiveste medo!..., estava tudo controlado, pá!...» - , dizia ele, com o suor a correr-lhe pela cara!
Estava, estava..., pensava eu ainda não refeito do susto e a pensar por que raio me metia eu naquelas alhadas! Os 22 anos levavam-nos a actos que, lembrados à distância de 37, eram completamente absurdos!
Às oito entrei de serviço e tive de aguentar uma directa, para não pedir ajuda a quem não queria, ou a quem não confiava! E lá me caiu o capitão no posto de rádio, castigando-me com um interrogatório, ao qual escapava como podia, simulando uma transmissão para Zalala!
«Por acaso, você é alérgico ao colchão da tropa?!...», perguntava-me, quase a espumar-se por não me ter apanhado em flagrante! Justiça lhe seja feita, só recorria a punições, em situações flagrantes, o que sempre dava para respirar um pouco, ou montar alguma estratégia.
Na noite que terminara, ainda de oficial dia, tinha passado todos os quartos e camaratas a pente fino, às três da manhã! Á entrada do Quitexe, na estrada para Carmona, ficou de “castigo” o sargento dia, mais de duas horas! Contam, ainda hoje, porque eu não vi, que foi uma noite de doidos! Falam até em noite de “vingança” e de tentativa de ajuste de contas, por um episódio que terá ocorrido uns dias antes, e que teve como protagonista a Joana, de quem falei no texto de 17/7/2009! (ver AQUI) Verdade ou não, não sei, mas era o boato que corria lá para os lados do Comando! Mas acredito!...
Com alguma razão, ele dizia saber dos “desenfianços”, mas em circunstâncias normais não fazia muito alarido e chegava mesmo a ser discreto! No fundo, talvez tivesse a noção de que nós também estávamos a par das suas “fugas”, por vezes recambolescas! A vila do Quitexe era muito pequena!...

1 comentário:

SANTOS disse...

Este edifício é inesquecível, ficava lá à entrada de Carmona e como era redondo não dava para esquecer... tenho a impressão que um camarada nosso teve ali um acidente de motorizada e que teria falecido, era da segunda companhia, alguem se lembre disso? e quando a desenfianços como estes do casal, quantos de fizeram, eu uma vez tinha de entrar de serviço às 8 horas e às duas da manhã ainda ali estava à boleia, até que apanhei uma doe um camionista, que me deixou à entrada do Quitexe e os meus colegas pensaram que eu tinha ido dormir ao Talabanza.