sábado, 12 de dezembro de 2009

O encarregado que não distribuía o que devia pelos trabalhadores...

Uma picada para as fazendas de café da zona do Quitexe.
Foto de Luís Fernando, de 2007 (net)

O processo de descolonização vivia-se por esta altura de Dezembro de 1974 com nuances que envolviam alguns incidentes entre e com civis. Nomeadamente em fazendas, onde o relacionamento entre os trabalhadores e os encarregados (normalmente europeus) nem sempre era pacífico.
As envolventes reinvindicativas cresceram, com ou sem razão - e não a vamos nós ajuizar... - e não raras vezes eramos chamados a intervir. Como no caso que vou recordar, apontado para estes dias daquele ano.
Um trabalhador bailundo chegou à administração civil do Quitexe, fugido de uma fazenda e queixando-se de agressões e de roubos. Podendo a memória trair algum pormenor, a lei então vigente concedia direitos aos trabalhadores que não estariam a ser cumpridos. O que nem seria assim tão invulgar. A distribuição de géneros alimentícios, por exemplo, seria mal pesada e não era a favor dos trabalhadores.
Numa fazenda registou-se uma revolta e a reacção patronal foi dura. Por alguma razão fugiu o bailundo, galgando a mata e as picadas, ligeiramente ferido e trazendo a mensagem do arbítrio. Fomos mandados lá, na madrugada seguinte, e ainda demos conta desse tipo de «operação», que conferimos sob violenta contestação do encarregado e do pessoal branco - que também o havia, embora em pouco número.
Fôramos avisados do eventual ilícito, fomos portadores da legislação e, a dado momento, no fulgor quase juvenil do nosso sentido de justiça, exibimo-la ao encarregado. Que reagiu muito mal, com insultos e ameaças. Poupando pormenores, levámo-lo para o Quitexe e não foi da melhor maneira para ele. Entregue à administração civil, não soubemos o que lhe aconteceu - constando-se por lá que teria ido preso para Carmona e que lá o haviam soltado.
Nesse dia, porém, os trabalhadores bailundos receberam o que tinham a receber para o período de trabalho seguinte.

3 comentários:

Anónimo disse...

A 22 de Junho de 1954, foi feita uma grande reportagem jornalística sobre Angola! E que reportagem! Mas não falava destas falhas que todos (ou quase todos) conhecíamos! Comentavam-se questões desta natureza, mas imediatamente eram camufladas. E algumas, afirmo eu, eram bem mais graves! Mas, felizmente, não se podia generalizar porque também havia bons exemplos, dizia-se!
Já naquele tempo, a legislação era bem clara e axaustiva, mas...não era bem interpretada!
Casal

Anónimo disse...

Estas picadas meteram medo a muita gente e muitos amigos mosso por lá perderam as vidas ou ficaram feridos

http://cavaleirosdonorte.blogspot.com disse...

ANÓNIMO:
A foto da picada é recente, de 2009, tirada pelo jornalista e escritor angolano Luís Fernando - que é natural do
O blogue dele está neste endereço:
luisfernandoangola.blogspot.com.
Vale a pena ir ver.
A picada da imagem é a que de sirige a Isabel Maria, nos arredores do Quitexe.

A. CASAL:
Havia de tudo, realmente. Uma das coisas que mais me chocou, no tratamento aos contratados, observei-a no sul de Angola, numa das minhas férias. Ia tendo um sério incidente com o europeu - que eu conhecia relativamente bem - que «abusou» e nao gostou da minha interpelação, citando-lhe de cor a lei que fui «obrigado» a conhecer.
Abraços.