Bastaram cinco minutos de conversa no Topete, para que o “pavão” exibisse as suas asas, disparando um palavreado cheio de filosóficos floreados de conquistador nato! As palavras saíam-lhe pelo canto da boca, tornando-se quase imperceptíveis, reforçando assim o seu tique de “malandreco”! O vocabulário, esse era repleto de palavras “estranhas” e com muitos estrangeirismos à mistura, para enfatizar ainda mais! E ainda estava na introdução, porque os feitos seriam bem explanados à medida que desenvolvia o seu monólogo! Sempre de cigarro em riste e pronto a disparar umas fumaradas, ali estava ele nas suas sete quintas, convencido de que todos se tinham rendido ao seu charme! Até dava um estalido com a boca a cada chupadela de cigarro! Mas que classe!...
Ao fim de quase uma hora de espectáculo, perguntei-lhe de que zona do país era oriundo, como se não estivesse já devidamente informado! A resposta saiu-lhe pausada, mascada e misturada com o fumo do cigarro, enquanto olhava para mim de soslaio: «Olha pá, nasci, fui criado e sempre vivi no Cais do Sodré – já ouviste falar?!...».
«Hum… com que então do Cais do Sodré… Faltava-me agora esta ave rara cheia de tiques – deve ser dos que põem o Tejo a correr para a nascente!...», resmunguei eu para dentro! Assustei-me só de pensar que tinha de o gramar todos os dias com as suas histórias, como se fosse um castigo. Curiosamente, o pessoal já se dispunha em U para ouvir as suas narrativas, fazendo fé em todas as suas palavras! Fazia lembrar as palestras da recruta, mas aí tudo o que ouvimos nos foi útil! Era um espectáculo, o homem até ficava inchado! Mas como costuma dizer-se, nem tudo o que parece é!
A realidade, afinal, tinha duas faces bem distintas, e toda aquela pose servia, também, para disfarçar muita angústia e alguma insegurança. Uma verdade, a mais negra, soube-o da sua boca, é que ele não tinha rigorosamente ninguém, apesar de uma vida muito e bem (?) preenchida até ao momento do embarque para terras de Angola! A outra verdade, a de Don Juan, soube-a pela boca de um colega, seu amigo na vida civil. Era mesmo um Don Juan e figura bem conhecida no Cais do Sodré!
No Quitexe, não deixou os seus créditos por “mãos” alheias e não tardaram a aparecer por ali quatro ou cinco imitadores mas, diga-se, desprovidos de pinta! Afinal, um profissional… é sempre um profissional! Libertinagens à parte, foi sempre um companheiro correctíssimo e exímio nas suas funções – Operador de Mensagens! Mas houve excessos que não estavam nas suas previsões e, à sua atribulada saída do Quitexe, seguir-se-ia o risco de não embarque para o “puto”! Foi difícil, mas conseguiu, com uma cunha que meteu alguns galões e que surgiu sabe-se lá de onde! Foi um êxito conseguido a ferros!
Com muito empenho e persistência, consegui “dar com ele”, ao fim de 37 anos! A minha ida ao Cais do Sodré, não tinha surtido efeito! Do lado de lá estava o meu amigo Martins, o já avô babado a perguntar uma boa meia dúzia de vezes se era mesmo eu! Ainda “senhor” dos seus tiques de voz, lembrou-me estes episódios Quitexanos que de imediato “ameacei” narrar, mas com as devidas omissões! Irá conferir na net, para salvaguardar o seu currículo – logo avisou! Os pormenores, iremos recordá-los num almoço prometido para breve e que terá o Quitexe como pano de fundo! Sempre o Quitexe!
ANTÓNIO CASAL
5 comentários:
Boa noite,
Sendo um antigo combatente, e tendo a preocupação de divulgar todos os temas inerentes á guerra colonial, gostaria que o link do meu blog, http://onzima-laranjeira.blogspot.com/, fosse adicionado ao vosso,com a finalidade de expandir, e dar a conhecer as histórias da guerra que passamos em terras de Angola, e das quais guardarei para sempre, os bons e os maus momentos no meu baú.
Estive em comissão de serviço militar de 71/73, em Carmona, mais precisamente na vila do Songo.
O link do seu blog, já o adicionei, sempre que queira, estarei ao s/dispôr.
Saudações cordiais.
Atentamente
A. Laranjeira
Hora aquí está uma foto que lembra perfeitamente a casa e oficina dos radiomontadores. É verdade, a primeira casa que se vê é mesmo a habitação dos radiomontadores. Agora já pode ver, o amigo Casal, que não era possivel fazermos grandes "tainadas", tal como aquí já referiu, com fados de Coimbra etc. Breve enviarei uma foto tirada à porta com os meus colegas. Dentro destas portas passaram-se momentos de grande nostalgia, para além de irmos dando a possibilidade dos nossos colegas poderem ouvir, nos seus rádios, os relatos de futebol através da onda curta. Ao domingo de tarde era só futebol e "batota". Tentar reparar os telefones dos postos ás vezes não era nada facil. O amigo Casal lembra-se de dar à manivela?
Amigo Casal
Antes de mais quero dizer-te que gostei de me ver na fotografia. Todos esses pormenores só podiam ser contados por ti porque ninguém mais teve conhecimento da minha vida. De vez em quando lá desabafava um pouco mas era de facto a ti que eu recorria sempre. Quanto aos tiques, faziam parte do meu abono de familia e nunca os larguei até aos dias de hoje. Eu dava as munhas palestras porque andavam lá uns marmanjos que ainda confundiam uma mulher com um autocarro. Se tivesse pensado bem ainda tinha ganho uma pipa de massa, mas não tive esperteza para isso. Mesmo assim ainda dava para ir até Carmona dar uma voltas. Tu é que chegavas a ficar lá dois dias seguidos mas o capitão não era parvo. Um dia de manhã perguntou-te se eras alérgico ao colchão da tropa. Tinha saido de oficial de dia e ás três da manhã tinha passado os quartos todos a pente fino. Faltavas tu e o Alvarito mas o gajo andava mais atrás de ti e sabes bem porquê.
Sempre foste tu que enfiaste a preta em casa dele ou não? Santinho também não eras mas parecia que andavas de pantufas.
O texto de ontem com os papelinhos, faz-me lembrar as cenas do Quitexe. Eu é que não fui tão imaginativo e por pouco não me lixei. Depois falamos destes pormenores e podes crer que até te vais surpreender. O telemóvel não dá para contar estas coisas, tem mesmo de ser á mesa.
Um abrço
Martins ( o manguelas)
Até que enfim que alguém consegue dar com o Manguelas. Tinhas que ser tu não é Casal? Depois de ler bem o que tu escreveste, confesso que nunca vi coisa mais igual. Parece que o estou a ver sentado e a mandar aquelas papaias todas. Lembras-te que um dia lhe disseste que se falasse para ti pelo canto da boca, lhe davas um murro na moleirinha? Ele ficou bruto contigo mas engoliu. Mas no fundo até era porreiro e você eram amigos. Gostava de o ver para o ano no almoço para ver se ainda é todo tangas. Bons tempos aqueles.
Que saudades eu tenho daquelas tertúlias, daqueles bocados á noite com uns faditos á mistura.
Isto é só saudades.
Castro
Ó Castro, não havia murro nenhum, homem! Tudo fazia parte de galhardetes bem dispostos, próprios da idade. E sempre se animava um pouco o bar onde estivéssemos a conviver!
Com que então, tens saudades das tertúlias! E das escoltas, não?!
Bons tempos amigo, bons tempos...e bela idade!
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