Hotel Presidente, na marginal de Luanda (em cima) e a estrada de Luanda para o Grafanil
Os últimos dias de Luanda foram vividos em grande frenesim, entre a balbúrdia dos cada vez mais dramáticos e repetentes incidentes urbanos e a euforia entusiasmante de quem se via já no seu adro natal. Já por aqui contei de como os dividi, mas esqueci de falar da forma familiar e amiga como, no Campo Militar do Grafanil, nos comungávamos de entusiasmos e afectos com os nossos companheiros cabos, soldados, furriéis e alferes milicianos. Se há gosto que vale a pena recordar, na verdade, é o dessa partilha solidária que, em todos os momentos, se solidificou e multiplicou entre todos.
Num dos últimos dias de Luanda, o Neves, soldado do PELREC, andava triste e amuado. Que se passaria? Coisa simples, viemos a saber, mas para ele de enorme importância: tinha um familiar (ou um amigo?, não recordo) em Luanda, que ele queria visitar desde que chegara a Angola. Mas não tinha meios. Tinha a direcção, porém, num papel já debotado dos suores de 15 meses de Angola e que já mal se lia.
O amigo (ou familiar?) vivia na Corimba.
A coisa, para mim e para o Neto, pôs-se muito fácil: «Ó homem, a gente leva-o lá...». E levámos, no carro do Neto, achando-lhe a casa que procurava.
Ficou lá pela manhã, com o nosso compromisso de o levarmos à noite, para o Grafanil! Mas atrasámo-nos, distraídos na sensualidade e cio das noites de Luanda, e atabalhoou-se o Neves, com medo de algum castigo. Soubemos que se precipitou, mesmo, a querer ir a pé até ao Grafanil, que era a uma porrada de quilómetros, uns 14 ou 15!, mas foi "travado" pelo familiar. E finalmente lá o pegámos.
O Neves estava branco na cara e medroso na alma! Que não, que não ia ser castigado, nada!, garantíamos-lhe nós! Que não se preocupasse! Que não tivesse medo! Mas o bom do Neves foi lívido e sem uma palavra até ao Grafanil, onde o alferes Garcia fazia de oficial de dia e lá o descomprometeu. E descansou!
Para o desafligir, ficámos algum tempo com ele, num dos bares do campo militar, com ele e outros a despejar nocais, ou cucas, ou n´golas - cervejas angolanas, bem fresquinhas e que tantas vezes nos tinham matado dores de alma.
«Mas eu não vou levar uma porrada?!...», perguntava o Neves, repetidamente, aflitivamente, camuflando-se do grupo que parodiava no bar.
«Não, homem!!...», gritava-lhe o Neto, sempre mais expansivo que eu e a azucrinar o juízo do santo do Neves.
«Ele ainda está com medo?....», perguntou o Garcia, a quem fomos dar o «até amanhã». Como lhe dissemos que sim, foi buscá-lo e ficou a conversar com ele pela noite fora. Eram assim feitos, de pormenores e de partilha, diria que de amor!..., os nossos últimos dias de Angola.
- NEVES: José Coutinho das Neves, soldado atirador do PELREC. Mora na zona de Sintra.
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