segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

As férias do Neto e a troca de angolares por escudos

Nota de 100$00 do Banco de Angola (angolares) e aerograma recebido faz hoje 36 anos (clicar nas imagens, para as ampliar)


A 6 de Dezembro de 1974 recebi correio do «puto», do José Carlos Carvalho - que agora se reformou de professor... -, dando conta de novidades de Águeda e dos amigos (dele e meus) que por cá ficaram, uns mais à esquerda, outros mais à direita do país político que então saía do parto.
«Imagina lá que agora andam por aí camaradas aos pontapés, adornados com o estético emblema do PCP, de punho fechado e a maioria (barulhenta) já perfeitamente esquecida que, durante o obscurantismo fascista, não deram piu, para não terem chatices!», escrevia o desde há dias aposentado do ensino, no aerograma ali ao lado reproduzido.
Desfiou ele os seus comentários pessoais sobre amigos comuns - que, naturalmente, aqui não vou repetir... - e deu-me conta de por Águeda ter encontrado o Neto: «Tenho-o visto por cá».
«Tá com bom aspecto, pelo que pude apreciar, e não deve ter gostado nada de regressar a essas edénicas paragens», releio agora, no aerograma azul do Zé Carlos Carvalho, que guardo há 36 anos.
Outra questão sublinhava ele, a de um tio dele, a morar em Santo António do Zaire e que, «morto por se pirar...», precisava de «trocar angolares por escudos nacionais». «Ele anda aflito com essas m... que acontecem aí dia-a-dia», dizia-me o Zé Carlos, explorando a possibilidade de eu lhe cambiar moeda. Não lha troquei, pela  certa. Eu próprio não a tinha. Mas sublinhava ele: «Se isso te for possível, di-lo com urgência, que ele contactará contigo, por meu intermédio».
A troca de moeda, angolares por escudos, foi negócio próspero para muitos - nos  últimos tempos da soberania Portuguesa em Angola. Um escudo chegou a «valer» cinco, dez angolares. Era a necessidade de cambiar uma moeda que o Estado Português nunca reconheceu aos portugueses que vieram de Angola - muitos deles sem mais riqueza que o mão cheia de notas que esconderam nos bolsos.
- NETO. José Francisco Rodrigues Neto, furrel miliciano de Operações Especiais (Ranger´s), meu companheiro de escola e de tropa (durante 21 meses consecutivos). Natural e residente em Águeda, onde é empresário.
- PUTO. Designação angolana atribuída ao Portugal europeu.
- ANGOLARES. Escudos angolanos, emitidos pelo Banco de Angola (ver foto).
- CARVALHO. José Carlos de Oliveira Carvalho, professor do ensino secundário (aposentado) e técnico de contas, natural e residente em Águeda.

1 comentário:

José Carlos Carvalho disse...

Companheiro:
A horita que, para já, passei a viajar pelo blogue dos Cavaleiros do Norte trouxe-me um conjunto de sensações inesperadas. Desde logo, pelo extraordinário trabalho do seu responsável, a transbordar de amor, nostalgia a rodos... e rigor! Depois, a saudade de 1974, num tempo em que tudo, tudo era alegria e fé no futuro, até os dias de dor! Ainda a qualidade que o blogue tem, mesmo para quem o vê de fora, o que fez nascer a vontade de beber mais e mais desta "fonte". Enfim, quase senti pena de não ser um de vós, não fora saber que vocês faziam as vossas "festas" com fogo verdadeiro, lá na mata angolana...
Um abraço fraterno para todos os Cavaleiros do Norte!!!