segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A história do álcool com a liamba do homem do Talabanza


ANTÓNIO CASAL
Texto

Porque aqui se escreveu sobre liamba, recordo-me de numa qualquer madrugada ter acordado com algazarra que nos guiou até junto à padaria civil, na estrada do café.
Um indivíduo de raça negra, na casa dos 30 anos e armado de faca, cambaleava e balbuciava um dialecto que não entendíamos. A única palavra quase perceptível que repetia, parecia-nos ser a do nome de um comerciante, proprietário de um bar perto das bombas de combustíveis. E era nessa direcção que ele, de olhos revirados, insistentemente apontava o dedo! «É os patrão dos loja dos remédio!...», dizia-nos, a medo, um “tradutor” local, de ocasião.
Cerca das nove horas, quando tudo parecia já sanado, voltaram as ameaças, envolvendo agora um militar do Pelotão de Morteiros, a quem tentou alargar a sua ira. Não caiu o mimo em boa rosa e as coisas complicaram-se um pouco. Digamos que muito!...
Só acalmou com a chegada do Cabo Cipaio que, usando métodos arcaicos, controlou a situação. E de que maneira!!! Não, não foi para a enfermaria, não senhor! Ou melhor, foi… mas cerca de uma hora depois para lhe serem tratadas algumas escoriações sofridas, acreditamos que “acidentalmente”, no interior da Administração!
E tudo isto porque não lhe terão sido vendidos, como pretendia, três frascos de álcool puro, mas apenas um - foi a explicação, em jeito de comunicado, dada pelo comerciante em plena rua. Segundo este, o indivíduo, que era residente na sanzala Talabanza, tinha por vício beber álcool puro, a que juntava umas boas fumaças de liamba! Não acreditei e perguntei à Teresa, a lavadeira que me mimava a roupa na sanzala Canzenza. E que logo me garantiu em tom grave, não gostando da minha dúvida: «Chiiiiiii…Teresa não mente!..., jura “Sangue de Cristo”!..., Huuumm....»!!!
A ocorrência, muito comentada nos bares dos militares, terá sido até muito proveitosa porque terá servido, dizia-se, de alerta a duas ou três «inteligências», que ultimamente quase se tinham mudado para a sanzala Talabanza e andavam por ali a inventar umas misturas – alcoólicas e outras! E porque estava atento quem devia, por via dessas habilidades quase viram os seus passaportes carimbados para Zalala! Mas a história do álcool não morrera ainda!...


Alguns dias depois, inesperadamente, de novo «liambado» e ainda com as marcas da primeira escaramuça vivida na Administração, ele voltou à carga disposto a vingar-se da humilhação! A coisa esteve muito feia e chegou a recear-se o pior. Mas não foi muito longe! «Amistosa e simpaticamente», como era apanágio dos Cipaios, este guiou-o de novo à Administração, ficando eu com a sensação de que a “desintoxicação” iria mesmo resultar!
A maior apoiante desta disciplina foi a mulher que, durante mais de meia hora cantou em dialecto, enquanto dançava o que nos parecia ser um ritual.
Não sei o que dizia, mas notavam-se-lhe as feições assaltadas de inquietação! «Mulhé tá contente, munto contente!...», logo me disse um velhote desdentado, ligado às suas origens! Lá teria as suas razões! E tinha!
Porque os tempos eram de há 36 anos atrás, o “Xanax” ainda não existia no pequeno armário da farmácia privada do Quitexe! Talvez por isso, quem sabe, os Cabos da Administração recorriam ainda a métodos ancestrais para acalmar as mentes agitadas! E bem duros, testemunharam os meus olhos!!!
Trinta e oito anos depois ainda não estou, como nunca estive, completamente convencido da versão do comerciante. Não é que eu não queira acreditar, mas porque os meus olhos chegaram a ver o que dias antes, se calhar, não deviam! Agora é tarde, ficará sempre a dúvida!
A ocorrência despertou a atenção dos militares mais curiosos, que não hesitaram em subir a transversal em direcção à estrada do café. Saiu-lhe caro, não se lembrando eles do sempre atento Capitão, que lhes montou uma teia e não perdeu a oportunidade de mandar aplicar alguns serviços.
«Filho da p…ta, onde é que o gajo estava que ninguém o viu?!..., parece que tem 100 olhos»!..., praguejavam os “desertores” dos serviços.
Com ou sem pragas, o certo é que os postos de sentinela que protegiam a pequena vila do Quitexe mais pareciam pequenos Estádios da Luz! Tantos foram os serviços à “Benfica”!!!

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