segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Zé da Bernardete no cemitério de Catete

Cemitério da Estrada de Catete (o novo), à saída de Luanda

Assim que soube que o meu destino era Angola, era Dezembro de 1973, liguei para a vizinha sra. Celeste, para dar notícia a minha mãe. Falava de uma das cabines da estação dos CTT de Lamego e, convencida de que eu já não voltaria a casa, lembrou-me minha mãe o Zé, o falecido marido de Bernardete! «Não é lá que ele está sepultado?», interrogou-me mais tarde.
Em Luanda, já em Junho de 1974 e logo que pude, fui ao cemitério de Catete. O objectivo era descobrir a campa onde estava sepultado José Tavares Mónica, o Zé de quem falara minha mãe. O Zé que não conheci mas era filho da ti Sofia, de Travassô. E que fôra marido da Bernardete - Bernardete que doze anos antes voltara viúva e grávida do filho mais novo. Tudo gente da minha terra europeia de Ois da Ribeira.
Não foi fácil descobrir a campa. São milhares e milhares as que enchem o enorme campo sagrado onde se sepulta(va)m os luandenses e na secretaria de lá não recolhi boas-vontades suficientes para que a localizasse facilmente. Dos irmãos Resende, tinha uma noção próxima: entra-se, ligeiramente à direita, uns talhões em frente. Descobri-a!
Retive-me em momentos de recolhimento, interrogando-me sobre o destino. O jovem casal tinha saído de Ois da Ribeira, em finais dos anos 50, para governar a vida em terras de Angola. Um acidente de trabalho, num silo do porto de Luanda, engolira-o para a morte - deixando orfã a Zézita, ao tempo de uns três ou quatro anos, e com o segundo filho a caminho, no ventre de Bernardete, o Zé! Eu mesmo tinha vivido o drama da perda de meu pai, em Agosto de 1972, ainda não se tinham passado dois anos, e à minha alma sacudiram-se mil pensamentos sobre o valor da vida e das esperanças que sobre ela semeamos!
Sou crente, de formação católica, apostólica e romana, foi meu pai até sacristão de Ois da Ribeira, mas sempre achei melhor uma boa conversa que uma oração, por mais penitente e confessional que seja. Isto, para dizer que naquele dia não rezei em louvor e redenção da alma de Zé, que fôra marido da Bernardete. Falei com ele, contando-lhe traquinices que eu próprio vivera e provocara com os filhos - ambos mais novos que eu e de quem ainda hoje sou amigo de peito. Tenho a certeza que me ouviu e quase diria que até lhe ouvi perguntas sobre a sua família de Ois.
Saí do cemitério com uma estranha alegria e, por aerograma, logo mandei notícia a minha mãe: «Estive na campa do marido da Bernardete, estava composta!...». Queria isto dizer que estava com flores e limpa! Quando recebi troco dela, da autora dos meus dias, disse-me, simplesmente, sobre a nova: «Ai foste lá?! Fizeste muito bem!...».
Voltei lá uma boa meia dúzia de vezes, ou mais! Sempre que ia a Luanda, ido do Quitexe ou de Carmona.
- BERNARDETE. Filha de Higino e Efigénia, mãe de Zézita e Zé. Enviuvou de José Tavares Mónica aos 20 e poucos anos.
- ZÉZITA. Maria José Pires Tavares, filha de Bernardete e José. Professora primária, reside em Ois da Ribeira.
- ZÉ. José Pires Tavares. Irmão de Maria José, filho de José e Bernardete, padrinho de minha filha Ana. É militar e reside em França.
Foto de 2005, tirada DAQUI.

6 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Viegas, eu sou quitexense de coração e tenho andado a acompanhar o blogue com muito interesse e gosto.
Não tenho o prazer de o conhecer mas quero dizer-lhe que fiquei emocionada com o este seu depoimento, pois amigos destes não há por aí.
A minha avó Lucília também está enterrada no cemitério de Catete, onde fui algumas vezes quando era pequenita.
Margarida Santos

Anónimo disse...

Belíssimo depoimento, meu caro!
És o mesmo Viegas que eu conheci, estou a lembrar-me das belas coisas que fizeste naqueles tempos!!
E as cartas para as namoradas, seu filho da mãe!! A do Cabrita, do Neto, do Monteiro, do... das minhas!
Abraço dos grandes, estou de férias no Brasil!
Fonseca

Anónimo disse...

Caríssimo Viegas, felicito-te pela narrativa e sentimentos expostos neste belo texto.
Sampaio

G.Tavares disse...

Também sou como tu: quando visito alguém "que ja partiu", uma boa conversa, mesmo se não a substitui, consola-me mais que uma oração. Compreendo que saiste do cemitério com uma "estranha alegria" - a mesma que me envolveu agora ao pensar que aquele a quem estou pela vida ligada mas não conheci, sorri com esta conversa que fêz que o meu pensamento se encontrou ao lado dele! teria tanto para lhe contar...

Anónimo disse...

O Letras disse-me que esteve com o Viegas em Lisboa e que ele está o mesmo gajo, mais gordo e sempre com aquela piada fácil e fina, como quem está a dar um valente chá de luvas à malta. Foi um grande camarada nosso e a propósito deste blogue andei a investigar na net e quase soube da vida dele toda. Meus amigos vão ver a http://arcordois.blogspot.com.
O gajo já é comendador e tudo, é o big boss lá da terra dele, já no nosso tempo era aquele líder que a gente sabe.
Vocês lembram-se daquelas brincadeiras do Quitexe e da festa no cinema de Carmona! Não foi ele que uma vez foi ao cinema disfarçado de mulher, ganda gajo, este Viegas e já lá vão 35 anos...
Abraço, Viegas, se me lês. E muitos parabés pelo blog, quem anda lêlo mais é a minha pequenita mais nova, que me pergunta coisas de Angola.
Vou mandar-te mensagem para o email e deixa-me dizer-te que uma vez fui contigo a esse cemitério, lembro-me muito bem, fomos de táxi desde a Paris Versailles e nesse dia jantámos com um amigo teu de Luanda, que era civil e tinha um Toyota, que nos foi buscar ao cemitério, ele morava lá perto. Ao ler isto agora entendo melhor a tua persistência daquele dia.
Brejo

Anónimo disse...

Caro Viegas.
Só uma palavra: BONITO!
Só tu!
Santos