sexta-feira, 5 de junho de 2009

O vizinho Neca Taipeiro a 8 000 quilómetros de casa...

Saímos do Grafanil ainda era noite da madrugada de 6 de Junho de 1974, depois de muitos pastéis comidos e algumas cervejas bem bebidas, no destacamento! Nada de exageros nas comidas e bebidas, bem entendido! O tenente Mora bem se encarregou de nos impregnar o sentimento de identidade militar e prevenindo-nos para o futuro que nos esperava: o mato, a guerra, blá, blá, blá... E lá fomos nós!
A primeira grande e agradável surpresa foi a de que havia mais cidade e civilização para além de Luanda. Passámos o Cacuaco e chegámos ao Caxito, onde parámos. Tudo tranquilo! E lá seguimos. Voltámos a parar em Ucua e imaginem o meu espanto: entrámos apressados num bar, de um balcão enorme e com toda a gente a pedir cerveja! Uff, que calor!
Como me sentia obrigado, fui ficando para trás, enquanto os soldados se esgalgavam nas nocais, nas cucas, nas ekas, nas missions! Lembro-me que o Neto puxou de um cigarro, baforou o fumo em espirais que subiam no bar e me perguntou o Pires (de Bragança) se não ia beber. Claro que ia!
Aproximei-me do balcão, olhei descontraído, naquela de vou beber já, «ó migo, olhe lá, traga lá uma cerveja!...».
Olho e quem vejo eu?! O Neca!
«Ó filho do Zé Taipeiro, uma cerveja!!!...», gritei, seguramente de ar feliz, porventura provocador e cúmplice!
E o homem do bar, naquela balbúrdia, nem me ouviu.
Como já estava ferradinho na brincadeira, deixei que se calasse o barulho e voltei a gritar, do fundo do balcão, a provocar: «Uma cerveja, ó filho do Zé Taipeiro!...».
Olhou-me o homem do bar, era o Neca, o Neca Taipeiro, surpreso e de olhar interrogado. Quem é que ali, na aquele sertão imenso e longínquo, a mais de 8000 quilómetros de casa, lhe podia chamar assim? Só mesmo um vizinho, que era eu! Ainda hoje moramos a 70 metros. Abraçámo-nos!
«Como é que está Óis, como é que está o meu pai, como é que está a minha mãe?!...», perguntou-me ele, naquele supetão de questões que se fazem na surpresa de um encontro destes.
Despedimo-nos e lá fomos nós a caminho do Quitexe.
- NECA TAPEIRO: Manuel Simões Ferreira dos Reis, meu vizinho de Ois da Ribeira (Águeda), filho de José Maria Simões dos Reis, o Taipeiro. O Neca, com Aníbal Gomes dos Reis (o Lito), foram os primeiros soldados da minha aldeia a fazerem a guerra de Angola, logo em 1961. Regressaram juntos em 1963 e foram recebidos com uma enorme festa popular. Foram os meus primeiros heróis! Ainda são vivos! E meus amigos, ainda que mais velhos 12/13 anos! O Neca voltou a Angola, como civil e nessa condição o encontrei.

2 comentários:

Cavaleiro disse...

Gostei de ver...

SANTOS disse...

Eu de repente lembro-me dessa cena e ainda bebi uma cerveja eka à conta... O homem usava óculos e ficou banzado quando o viu a chamar por ele, nem imaginava tal coisa, um vizinho no meio daqueles camuflados todos a chamar por ele.
Abraços para toda a malta que me lê e que foi companheiro da n/ missão em Angola.
SANTOS