O Fernandes era da 3ª. CCAV do BCAV 8423, que se instalou na distante e algo isolada Fazenda Santa Isabel. Furriel miliciano atirador de cavalaria, vinha algumas vezes ao Quitexe. E por lá esteve alguns dias, por exemplo nas passagens para férias.
Algo reservado, talvez tímido até, mas muito bom camarada, amargou por lá o constrangimento de uma precoce queda de cabelo e nós, meio abrutalhados, bem lhe brincalhávamos o juízo por causa disso, sem cuidarmos muito do seu desgosto e das atenções que lhe devíamos. Foi psicologicamente forte, nesse nosso desrespeitoso e leviano agir. Também é desta têmpera que se fazem os homens maiores!
Como eu era dado à conversa (mais fiada, ou menos desfiada...) tivemos tempo para largos passeios na urbe quitexana (como o da foto), alturas em que ele sempre me falava da vida espartana da malta que estava em Santa Isabel e dos luxos dos aquartelados na vila. Que não, que «não é bem assim...», ripostava-lhe eu, em defesa da minha dama e apostando-lhe com o rigor do meu «conhecimento estratégico» (!!!!...), desenhando-lhe cenários que justificavam a minha teoria de que era «muito mais perigosa a defesa e segurança do Quitexe». E, portanto, «muito mais seguro e tranquilo estar em Santa Isabel!...». Ele que não tivesse dúvidas, blá, blá, blá...
Mas o Fernandes vem aqui por outra razão: a do sentimento e o da camaradagem.
Um dia, um nosso companheiro falhou na apresentação para o serviço de sargento de dia, na formatura das 8 da manhã. Era um domingo, saía eu próprio de serviço e não o poderia substituir. Era meu amigo de peito o camarada em falta, naquela hora a flautear-se por Luanda mas em gravíssima falta disciplinar no Quitexe. Flautear-se, é como quem diz, pois foi a Luanda para ver o pai, em trânsito para Moçambique - sem que o chegasse a ver.
Tínhamos nós (eu e o Neto, era este o «faltoso»...) combinado que se naqueles dois ou três dias em que foi a Luanda (de fugida...) ele fosse nomeado à ordem, eu o susbtituíria. Dizia-se na tropa que lhe «matava» o serviço e nada de pecado viria ao mundo. Só que alguém, propositadamente, fez com que fosse o próprio Neto a substituir-me no serviço de sargento-de-dia. O que nem era habitual, por sermos do mesmo pelotão! Sabemos quem foi, mas não vem agora ao caso.
Entrou aí o Fernandes, que acordei lá para as seis da amanhã. «Eh pá, se o Neto não chegar tens de ir tu à formatura, eu depois faço o serviço...».
Dispensando pormenores da apressada conversa dessa madrugada dominical, prontificou-se ele a fazer de... Neto, pois o Neto não veio mesmo, e depois continuei eu, assim como não se quer a coisa e com a cumplicidade do «novo» oficial de dia, o nosso saudoso (alferes) Garcia.
O Fernandes, e era aqui que eu queria chegar, assumiu de corpo inteiro a situação, num gesto de generosidade e absoluta camaradagem que lhe poderia ficar bem caro. E a mim! Ainda há dias falei deste «caso» com o Neto - que, na altura e por uma hora ou duas, afinal, não conseguiu encontrar-se com o pai, em Luanda, nem depois chegar a tempo ao Quitexe! Ainda hoje me «deve» este «serviço» e disso nos divertimos um destes dias, num encontro que inevitavelmente teve o Quitexe como tema quase único!
- FERNANDES. António da Costa Fernandes, furriel miliciano atirador de cavalaria da 3ª. Companhia de Cavalaria do BCAV 8423 (Santa Isabel), agora professor, de Lomar (Braga).
BATALHÃO DE CAVALARIA 8423. Os Cavaleiros do Norte!!! Um espaço para informalmente falar de pessoas e estórias de um tempo em que se fez história. Aqui contando, de forma avulsa, algumas histórias de grupo de militares que foi a Angola fazer Abril e semear solidariedade e companheirismo! A partir do Quitexe, por Zalala, Aldeia Viçosa, Santa Isabel, Vista Alegre, Ponte do Dange e Songo! E outras terras do Uíge angolano, pátria de que todos ficámos apaixonados!
domingo, 28 de junho de 2009
O Fernandes que fez de Neto por umas horas...
Quitexe. A casa da esquerda era o «solar» dos furriéis!
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4 comentários:
Lembro-me deste Fernandes andarlá pelo quitexe sempre de farda nº. 2e de uma vez nos ter pagar umas nocais no Topete; o Viegas mandavasempre vir uns camarões e bebia se cervaja due seus lha dava... Cumprimensotr para a malta toda.
Lembro-me deste Fernandes andarlá pelo quitexe sempre de farda nº. 2e de uma vez nos ter pagar umas nocais no Topete; o Viegas mandavasempre vir uns camarões e bebia-se cerveja que deus lha dava... Cumprimentos para a malta toda. A malta tem reunido, quando volta a reunir.
Parece que estou a ver o Viegas, e quando ele estava de serviço, é que era, desse Fernandes é que não tenho a menor ideia; lembra-se do preso do posto 5? conte lá essa...
Caro Santos:
Há várias histórias que tem a ver com o (famoso) Posto 5. Pode lembrar a qual se refere?
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