segunda-feira, 29 de junho de 2009

O exame do sô Cabrita, que era soldado básico...

Furriéis Cruz e Viegas, dois dos «professores» do Quitexe, com o Neto. As
aulas regimentais funcionavam no coberto que se vê atrás, ao lado do Bar dos Soldados

Estrada de Carmona, no Quitexe, em foto de Franklin (2009)

A estrada para Carmona era caminho de muitos de nós, que lá íamos do Quitexe, sempre que podíamos, para «descontrair»... - as mais das vezes no transporte do SPM, que era de todos os dias menos à 2ª. feira, se bem me lembro. A cidade, já era de muito boa dimensão e parecia-nos organizada, muito agradável e com muitas respostas aos nossos desejos de jovens que por lá passeavam as irreverências e apetências dos 22 para 23 anos.
Um dia, o Cabrita - que não sabia ler nem escrever... - foi lá «descontrair-se», na véspera de fazer o exame da 4ª. classe, preparada numa improvisada sala de aulas, mesmo ao lado do bar dos soldados, no Quitexe (foto). Ele e outros!! Por ele, e por ser ele aqui falo desta pequena história, havia uma afeição muito especial. Já não consigo narrar os pormenores do exame, mas sei que o Cabrita andava nervoso, angustiado, ansioso, cheio de dúvidas. A gramática, a matemática, as contas... «As contas, ó sô Viegas... Ai as contas!...», queixava-se ele, timorato e constrangido.
O curioso é que aquela cabecinha do Alvor algarvio - em cujo hotel a namorada fazia limpezas... - , aquela cabecinha do sô Cabrita fazia contas de cabeça com enorme facilidade e quase instantaneamente. Ora se assim fazia contas, que assim as fizesse no exame... - de cor!!! - e as passasse para o papel. «Aquilo é fácil, tenha calma...», tranquilizava-o eu! Procurava tranquilizar.
O Xico Neto e o Cruz, também eles «senhores professores» das regimentais aulas do Quitexe, tinham andado dias a fio a tentar "catequizá-lo" para o exame. Mas qual quê?, o sô Cabrita era um molho de nervos!
Na manhã do exame, passámos pela capela e parámos um pouco: «Então, ouça lá, você não quer o exame para tirar a carta de barco?!....", perguntava eu. Isso era o que ele queria, ele era pescador e queria ter o seu próprio barco. «Então, acredite que vai passar...», disse eu. «Não vou, não... sô Viegas», titubeava ele.
Na hora do exame, o sô Cabrita ia lívido. E lívido o deixei! Não uma hora depois, estava de saída, muito intranquílo, desassossegado. «Estragou tudo!...», pensei eu. Mas, não: fez o exame lindamente e passou, ganhando o diploma da 4ª. classe. Hoje, dispõe de embarcação própria, a Dulce Helena, no porto de pesca de Cascais, e nele já fui eu, com ele e a família, numa procissão do mar.

8 comentários:

SANTOS disse...

Lembro-me muito bem do Cabrita, era o soldado básico, andava sempre a rir-se e não fazia serviços, gostava muito de bagaço e wisky, se ele está em Cascais vou um dia destes procurá-lo.

Monteiro disse...

Como foi bonito teres participado nessa procissão. Só te fica bem.
Bem haja aos anjos e santos e ao nosso amigo Cabrita.

Viegas (ex-furriel miliciano) disse...

Monteiro:
Sou católico apostólico romano, filho de sacristão e confidente do clero da minha diocese. Ainda no sábado toquei um festivo repenique de casamento na igreja onde fui baptizado, em Ois da Ribeira - imediatamente a sul da minha casa desta minha terra de nascença e residência.
De queres saber, pela razão do que assumo como católico, a procissão do mar foi um momento emotivo e empolgante.
O sô Cabrita esmerou-se e emocionou-se na recepção ao seu antigo furriel e sempre amigo. Sabias que ele me quis procurar num programa da SIC, aquele do Henrique Mendes?

QUITEXE disse...

Parabéns pelo que fizeram em favor dos amigos a quem a vida certamente não ajudou ao menos para terem a 4ª. classe e que vocês ajudaram, devem sentir orgulho pelo que fizeram...

SANTOS disse...

E lá está o Viegas sempre a dar-lhe parece que o estou a ver numa formatura ao pé da caserna a passar um raspanete ao pelotão dele, too formado e depois irem todos tomar banho nos chuveiros do balneários.

Anónimo disse...

Na minha terra (Marrazes), os repeniques punham todos em alvoroço. Era sinónimo de Casamentos e chegavam a juntar-se duas a três centenas de pessoas para verem os noivos na escadaria. Era o acontecimento do dia! Hoje,Já não temos repenicador e nem damos pelos casamentos.
A propósito de procissões, o meu amigo Damião, soldado condutor e
morado em Peniche, disse-me que valia a pena deslocar-me lá para assistir. Foi uma noite fria mas garanto que valeu a pena. «Já levo quase uma semana mal dormida só de pensar neste dia», dizia-me,eufórico e feliz da vida. O convite já vinha do Quitexe e em 75 lá fui e em boa hora.
Casal

Anónimo disse...

O comentário do Santos fez-me sorrir.
Com que então iam tomar banho nos chuveiros do balneário? Que chic!!!
Pois em 1967/69. Quitexe. CCS do BCAV1917, vou contar-vos como era o meu banho. Na altura, o motor eléctrico que fornecia água á Vila funcionava das 18 ás 6 da manhã. Claro que só havia água nesse período.
Significa que para termos água ao longo do dia para tomar o dito cujo, colocámos um barril de 100 litros junto á torneira.
Aí tomávamos o nosso duche, "á Pato", claro.
A moradia, lado direito, sentido Luanda/Carmona, fazia canto e era frente ao jardim. 3 quartos, 5 militares. Quando a Enfermaria que era frente á Casa de Cantoneiro (Transmissões) mudou para alguns metros mais abaixo e tinha varios quartos na traseira para aí passei.
Ao que me apercebo, posteriormente, a enfermaria voltou a transitar para outro local, bem como muitas outra especealidades.
Agora por isso! Há por aí alguém que se recorde do Fazendeiro Sr, Ferreira, esposa Dª. Rosa e Filha Alice (Chaves), que residiam junto ao Pel.Morteiros e Mésse Sargentos?
fclaudio@live.com.pt

francisconeto disse...

Olá amigo Viegas.
Ao ler e ver aqui algo do Sr .Cabrita até os meus olhos ficam umidos pela saudade de tanta coisa boa que foi transmitida por mim e por ti para que o n/basico Hoje É uma pessoa de H grande.
Quando estiver contigo quero o telefone dele para poder entrar em contcto com ele.