quarta-feira, 30 de março de 2011

O alferes Sousa, que era contra a guerra colonial

Avenida do Quitexe. Ao fundo, ao lado esquerdo da casa do telhado triangular, a enfermaria militar



ANTÓNIO FONSECA
Texto

Já um dia aqui falei do alferes Sousa, de Operações Especiais, e da razão que o levou a ameaçar-me com uma participação, em plena operação militar. Com ele, e salvaguardando sempre as devidas distâncias, passei muitas horas em amenas conversas. Algumas bem interessantes, outras nem por isso e porque visavam apenas matar horas sem sono em noites quitexanas.
Era uma pessoa de contrastes e tanto lhe dava para gargalhar como para se entregar a uma tristeza que não se entendia e até preocupava os mais sensíveis e atentos. Inteligente, e muitas vezes com tom crítico, recorria a frases carregadas de ironia, provocando algum mal-estar em alguns oficiais. Com o alferes Serpa, oficial de transmissões do Batalhão, teve momentos pouco amistosos sempre que se falava de política ultramarina. Mas só discutiam em “campo aberto”, afim de que ninguém testemunhasse o teor das conversas, avisado que estava, por este, de as suas convicções ideológicas poderem muito bem chegar às altas patentes militares. Mas não era o único na corda bamba! Havia mais, e até com bastante peso na hierarquia militar, que só viriam a respirar fundo após 25 de Abril de 1974.
Filho de engenheiro e médica, família de convicções antagónicas à legitimidade da guerra de África e que ele também interiorizou, nunca deixou de exprimir o que lhe ia na alma, como o fizera em lutas estudantis, assumindo riscos que lhe iam ficando muito caros. As muitas operações e escoltas em que participou, sempre de forma bem activa, contrastavam muito com os seus ideais. Mas, segundo ele, era a única e melhor forma de defender os seus homens, numa luta onde não havia lugar para perguntas, “ses ou “mas”!
No dia a dia do Quitexe, ocorriam episódios, a nível de Comando, que nem sequer eram sonhados, porque não podiam ser transpirados, mas que tinham uma ligação muito directa com a maneira de ser e agir de cada um, principalmente no que aos alferes milicianos respeitava. As muitas reuniões no Quitexe com os comandantes das companhias de Zalala, Aldeia Viçosa e Santa Isabel, mas principalmente as constantes deslocações do comandante de Batalhão a Luanda, seriam indicações de que alguma coisa estaria para acontecer, embora sempre se procurasse esconder essa “mensagem”.
Muitos destes pormenores, vim a conhecer esta semana, em conversa com o ex-alferes Sousa, quando este me achou, literalmente, a almoçar numa esplanada na rua de Santa Catarina, no Porto, cidade onde reside e goza a sua aposentação. Por coincidência, alguns dias antes tinha eu estado a 100 metros de sua casa, numa cerimónia com parte lúdica, a que não assistiu apenas por impedimento, face a compromissos familiares, mas que até era parte interessada, pois a obra de engenharia tinha também o seu dedo. Pois é, ele há coisas!...
Trinta e sete anos depois, garante, não se esqueceu de ninguém e recorda Quitexe de uma maneira muito especial. A Companhia também não o esqueceu, e por isso mesmo quase fui incumbido de o achar para o almoço de 2011. Não fui suficientemente perspicaz…e o “achado” fui eu!
ANTÓNIO FONSECA
1º. Cabo de Transmissões do
Batalhão de Caçadores 3879,
no Quitexe em 1972/73

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