O PELREC, comandado pelo alferes Garcia - primeiro da direita, de pé. Clicar na foto, para a ampliar
JOSÉ ALBERTO ALEGRIA
(ex-alferes miliciano Almeida)
(ex-alferes miliciano Almeida)
TEXTO
Para ti António Garcia, a propósito
de os poetas serem fingidores…
Agora que, passados estes anos todos, o nosso amigo Celestino Viegas pôs mão à obra para nos motivar a reviver os tempos de Angola, quero que o meu primeiro contributo escrito seja dedicado a ti, para podermos todos ter-te neste convívio.
Quando cheguei ao Quitexe, já após vários meses da vossa instalação, em rendição individual e em machimbombo (num dia tão bem descrito pelo CV neste blog …), “caí” num grupo de camaradas que já se conheciam há muito tempo e no qual as relações humanas já estavam razoavelmente definidas. Dada a condição de Oficial de Reabastecimentos e também dadas as atribuições informais de “Oficial às Ordens” do Comandante, só nos momentos de lazer na Messe de Oficiais é que fomos tendo tempo para nos conhecermos.
Quis o acaso que partilhássemos a mesma mesa na sala de jantar (juntamente com a Alferes Jaime P. Ribeiro e outro) e, desde os primeiros dias, foi-me evidente a tua enorme necessidades de vangloriação heróica dos feitos do grupo de operações especiais que comandavas com dedicação e eficiência. Só que, tal como nas histórias dos caçadores e pescadores, as façanhas descritas eram de uma insólita e excessiva dimensão (do género: “ontem fizemos, ontem matámos, ontem esfolámos…”). Ora para mim, Oficial Miliciano de formação muito pouco militarista, as tuas diárias descrições das façanhas operacionais passaram a ser momentos a que eu ostensivamente não prestava a mínima atenção. Tal facto não te passava despercebido e noutras ocasiões, quando eu no bar ou na varanda da Messe me dedicava a ler os filósofos clássicos gregos (que, em boa hora, tinha levado para a guerra, dado que nunca os tinha lido na formação académica…), tu passavas a exercer a represália denominando-me sistematicamente e provocatoriamente como “o nosso intelectual”. E assim fomos gerindo a nossa “guerra fria” entre Julho e Dezembro…
Acontece que, ao aproximar-se o Natal, o nosso Comandante, em conversa de circunstância, me avisou: “Vais ver que na noite de Natal alguns dos mais “valentes” vão ser os primeiros a irem-se abaixo psicologicamente...”. Como te lembras, essa era a única noite em que partilhávamos o jantar com todo o pessoal, no Refeitório dos Soldados. Às tantas da noite, quando já havia muita emoção, acompanhadas de litros de bebida e abraços de lamechas, tive de ir à Messe dos Oficiais buscar algo e, como conhecia os cantos da casa, nem acendi a luz. Foi então que na penumbra me deparei contigo, recolhido num canto do bar, em plena crise de choro pelas saudades da tua família. Creio que uns breves segundos de hesitação foram suficientes para decidir fazer de conta que não te vi, e voltei ao Refeitório onde, por certo, a cerveja já tinha corrido mais e as lamechices natalícias também.
No dia seguinte, à hora da refeição na mesa de quatro do costume, não resististe a iniciar o relato de mais uma das gloriosas façanhas do teu grupo de operações oficiais… Só que, no final da descrição, para meu espanto e muito discretamente, piscaste-me o olho como que para dizer “desculpa lá, estas histórias já não são para ti que desde ontem me conheces um pouco, mas para os outros…”.
Quando cheguei ao Quitexe, já após vários meses da vossa instalação, em rendição individual e em machimbombo (num dia tão bem descrito pelo CV neste blog …), “caí” num grupo de camaradas que já se conheciam há muito tempo e no qual as relações humanas já estavam razoavelmente definidas. Dada a condição de Oficial de Reabastecimentos e também dadas as atribuições informais de “Oficial às Ordens” do Comandante, só nos momentos de lazer na Messe de Oficiais é que fomos tendo tempo para nos conhecermos.
Quis o acaso que partilhássemos a mesma mesa na sala de jantar (juntamente com a Alferes Jaime P. Ribeiro e outro) e, desde os primeiros dias, foi-me evidente a tua enorme necessidades de vangloriação heróica dos feitos do grupo de operações especiais que comandavas com dedicação e eficiência. Só que, tal como nas histórias dos caçadores e pescadores, as façanhas descritas eram de uma insólita e excessiva dimensão (do género: “ontem fizemos, ontem matámos, ontem esfolámos…”). Ora para mim, Oficial Miliciano de formação muito pouco militarista, as tuas diárias descrições das façanhas operacionais passaram a ser momentos a que eu ostensivamente não prestava a mínima atenção. Tal facto não te passava despercebido e noutras ocasiões, quando eu no bar ou na varanda da Messe me dedicava a ler os filósofos clássicos gregos (que, em boa hora, tinha levado para a guerra, dado que nunca os tinha lido na formação académica…), tu passavas a exercer a represália denominando-me sistematicamente e provocatoriamente como “o nosso intelectual”. E assim fomos gerindo a nossa “guerra fria” entre Julho e Dezembro…
Acontece que, ao aproximar-se o Natal, o nosso Comandante, em conversa de circunstância, me avisou: “Vais ver que na noite de Natal alguns dos mais “valentes” vão ser os primeiros a irem-se abaixo psicologicamente...”. Como te lembras, essa era a única noite em que partilhávamos o jantar com todo o pessoal, no Refeitório dos Soldados. Às tantas da noite, quando já havia muita emoção, acompanhadas de litros de bebida e abraços de lamechas, tive de ir à Messe dos Oficiais buscar algo e, como conhecia os cantos da casa, nem acendi a luz. Foi então que na penumbra me deparei contigo, recolhido num canto do bar, em plena crise de choro pelas saudades da tua família. Creio que uns breves segundos de hesitação foram suficientes para decidir fazer de conta que não te vi, e voltei ao Refeitório onde, por certo, a cerveja já tinha corrido mais e as lamechices natalícias também.
No dia seguinte, à hora da refeição na mesa de quatro do costume, não resististe a iniciar o relato de mais uma das gloriosas façanhas do teu grupo de operações oficiais… Só que, no final da descrição, para meu espanto e muito discretamente, piscaste-me o olho como que para dizer “desculpa lá, estas histórias já não são para ti que desde ontem me conheces um pouco, mas para os outros…”.
A partir desse dia, passou a haver entre nós um código de comunicação e de compreensão em que o “valente comandante de operações especiais” e o “discreto intelectual” foram construindo uma bonita amizade. Por duas vezes que vim de licença à Metrópole, pediste-me mesmo para ir ver a tua namorada, à residência onde estava hospedada no Porto!
Regressados da nossa missão africana, mantivemos um permanente contacto que incluiu dois momentos muito fortes:
1 - O teu casamento na Igreja de Pombal de Ansiães, onde tendo chegado já atrasado na companhia do nosso estimado Oficial António Souza Cruz, e, estando já todos a tirar a fotografia de grupo na escadaria, tiveste o desplante de abandonar o grupo e vir a correr na nossa direcção, manifestando assim a alegria pela nossa presença. Pouco tempo deste-me o prazer de vir com a tua Mulher passar uns dias da lua-de-mel na casa de meus Pais em Albufeira.
2 - Passado um ano ou dois, combinámos ir cinco dias de verão para casa dos teus Pais em Pombal de Ansiães. Já eras Inspector da Judiciária e para isso pediste uma licença que possibilitou partilharmos um tempo inolvidável nas terras quentes do Douro. A viagem de regresso ao Porto foi um tempo de premonição: sendo noite, quiseste falar abertamente de vários assuntos que te obcecavam naquela época: a exaltação da chegada breve do teu primeiro filho, a tua profundo decepção pelo trabalho na Polícia Judiciária, onde assistias a práticas que eram contra os teus princípios de honra e de ética, e a tua consequente decisão de ter de abandonar em breve essa Instituição. Foi uma conversa plena de franqueza, de emoção e de sentimentos íntimos, que só é possível entre dois amigos certos.
Poucos meses passados, o António Souza Cruz telefonou-me a perguntar se tinha lido a notícia no jornal: o Inspector António Manuel Garcia tinha morrido, em serviço, num acidente de viação. Por coincidência ou não, participava na investigação sobre o assassinato de Ferreira Torres… Esse foi um dos dias mais tristes da minha vida, por saber que ficavam tantas coisas por partilhar, tanto contigo como com a tua Família!
Mas agora ao rever a tua imagem em tantas das fotos que este blogue nos está a proporcionar quero sobretudo dizer-te:
«Meu caro António Manuel Garcia, tu és um dos mais presentes entre todos nós, pela tua honradez, pela tua coragem e pela tua verticalidade.
E mais tarde, noutro mundo, ainda quero ouvir outras das tuas inenarráveis façanhas de bravo Oficial de Operações Especiais do BCAV 8423…».
Regressados da nossa missão africana, mantivemos um permanente contacto que incluiu dois momentos muito fortes:
1 - O teu casamento na Igreja de Pombal de Ansiães, onde tendo chegado já atrasado na companhia do nosso estimado Oficial António Souza Cruz, e, estando já todos a tirar a fotografia de grupo na escadaria, tiveste o desplante de abandonar o grupo e vir a correr na nossa direcção, manifestando assim a alegria pela nossa presença. Pouco tempo deste-me o prazer de vir com a tua Mulher passar uns dias da lua-de-mel na casa de meus Pais em Albufeira.
2 - Passado um ano ou dois, combinámos ir cinco dias de verão para casa dos teus Pais em Pombal de Ansiães. Já eras Inspector da Judiciária e para isso pediste uma licença que possibilitou partilharmos um tempo inolvidável nas terras quentes do Douro. A viagem de regresso ao Porto foi um tempo de premonição: sendo noite, quiseste falar abertamente de vários assuntos que te obcecavam naquela época: a exaltação da chegada breve do teu primeiro filho, a tua profundo decepção pelo trabalho na Polícia Judiciária, onde assistias a práticas que eram contra os teus princípios de honra e de ética, e a tua consequente decisão de ter de abandonar em breve essa Instituição. Foi uma conversa plena de franqueza, de emoção e de sentimentos íntimos, que só é possível entre dois amigos certos.
Poucos meses passados, o António Souza Cruz telefonou-me a perguntar se tinha lido a notícia no jornal: o Inspector António Manuel Garcia tinha morrido, em serviço, num acidente de viação. Por coincidência ou não, participava na investigação sobre o assassinato de Ferreira Torres… Esse foi um dos dias mais tristes da minha vida, por saber que ficavam tantas coisas por partilhar, tanto contigo como com a tua Família!
Mas agora ao rever a tua imagem em tantas das fotos que este blogue nos está a proporcionar quero sobretudo dizer-te:
«Meu caro António Manuel Garcia, tu és um dos mais presentes entre todos nós, pela tua honradez, pela tua coragem e pela tua verticalidade.
E mais tarde, noutro mundo, ainda quero ouvir outras das tuas inenarráveis façanhas de bravo Oficial de Operações Especiais do BCAV 8423…».
JOSÉ ALBERTO ALMEIDA
- ALMEIDA 1. José Alberto Alegria Martins de Almeida, alferes miliciano de reabastecimentos. Econonista e arquitecto, é profissionalmente conhecido por José Alberto Alegria, mora em Albufeira e é Cônsul de Marrocos no Algarve.
- ALMEIDA 2. Chegada do alferes Almeida ao Quitexe em http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2009/05/o-alferes-miliciano-almeida.html
- GARCIA 1. António Manuel Garcia, alferes miliciano de operações especiais, comandante do PELREC, natural de Pombal de Ansiães (Carrazeda de Ansiães). Faleceu em 1979(80), era agete da Polícia Judiciária.
- GARCIA 2. Ver acção militar em http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2009/04/o-alferes-garcia-e-o-4-de-maio-de-1975.html
5 comentários:
Brilhante homenagem a um alferes que sempre admirei, por o ver sempre próximo dos soldados e com eles vivendo o dia a dia. Sou testemunha da admiração que os soldados tinha por ele e estas palavras do Alferes Almeida são bonitas e confirmam o que ele era.
Oliveira
Foi dos melhores que camaradas da tropa do quitexe e de carmona que eu conheci, pois participava muito das nossas borgas da caserna, era muito popular, tenha pena que tenha falecido tão cedo...
Só agora li só agora comento,fui compnheiro do Garciadesde lamego,Homem de H Grande,par ele todos eram gente.Foium alferes competente,com lideramça ,trasmitia segurança a todo o grupo.Comboa estrutura fisica mas tambem mental,por isso chorar não foi um acto de frquesa mas sim de coragem eu choro porque sou forte.Lembro o Garcia já muito perto do fim da nossa missão a perguntar o que eu faria se eu estivesse na situaçõ dele e eu disse vai para a PJ porque varejar azeitona não dá para meu espanto vim a sabr pelo Viegas que o Garcia tinha morrido em trbalho como OP da PJ Até sempre companheiro.Francisco Neto.
Do alfetres Garcia creio que os meus colegas já disseram quase tudo e melhor do que eu. Apenas quero avivar a memória; foi o alferes Garcia que numa manhã de Abril no campo militar de Santa Margarida abriu um dos portões da caserna, eram 6.30 da manhã, e estava de oficial de dia. O toque de alvorada foram 2 ou 3 tiros de G3. Estavamos no 25 de Abril. Não posso ter melhor recordação do alferes Garcia. Até sempre...
É nesta página que vou conhecendo o meu pai. obrigada a todos pela partilha de momentos únicos entre vós, naqueles tão conturbados tempos, e obrigada também ao Celestino por tão simpaticamente me dar a conhecer o Alferes Garcia, o Toninho de Pombal de Ansiães, o agente Garcia da PJ e o MEU PAPÁ.
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