sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A propósito dos aerogramas...

Tipo de aerograma usado pelas Forças Armadas Portuguesas (net)

JOSÉ ALBERTO ALEGRIA*
Texto

Ao ser trazido para estas conversas o tema dos aerogramas, gostaria de enquadrá-lo no tema mais vasto do que era a correspondência com as nossas famílias e amigos naqueles tempos longínquos da nossa comissão de serviço em Angola, em 1974/75.
Será assaz difícil para um jovem de hoje compreender que, há apenas 35 anos, a comunicação entre duas parcelas do território nacional (se bem que localizadas em dois continentes diferentes) se fazia apenas por meios e por ritmos que parecem ser muito mais afastados no tempo. Mas a realidade era essa: quando estávamos no norte de Angola, a comunicação mais corrente com os nossos era por aerogramas e cartas, que demoravam longos dias a chegar ao seu destino.
Ao longo destes anos, quando me perguntam qual a lembrança mais forte que guardo desses tempos da guerra, acabo sempre por falar da memória que tenho da chegada quotidiana da correspondência ao Quitexe. O ritual processava-se em frente da Messe de Oficiais, do outro lado da rua, junto ao bar dos Soldados, quando o responsável pela vinda do saco do correio, desde Carmona, subia para um muro e começava a distribuição das tão ansiadas notícias. A essa hora, normalmente eu estava na varanda da Messe e observava como, de imediato, se formava um maciço compacto de Soldados que esperavam ouvir o seu nome dito do alto do muro. Cada um que recebia um aerograma, ou carta, afastava-se e tranquilamente ia pela rua fora, saboreando avidamente as últimas palavras doces chegadas de casa. E assim o grupo ia fiando mais reduzido, até que aos últimos nada mais restava do que a desilusão da falta de notícias…
É desses de que me recordo muitas vezes, porque a tristeza daquela ausência de umas palavras de conforto era a verdadeira imagem da desilusão e da solidão humana. O ritmo lento com que se afastavam daquele ponto que, momentaneamente, lhes tinha dada a esperança das palavras da mãe, da namorada, do irmão ou do amigo, traduzia bem o sentido da palavra saudade…
Mas se a saudade é este nosso “fado” de termos nostalgia de tudo o que amamos e que está longe, numa mistura de ternas memórias e amargos sentimentos de afastamento, também observei na nossa vida colectiva do BCAV 8423 uma outra característica que nos define como portugueses: esta nossa capacidade de improvisação e adaptação às novas situações.
Creio que todos nos lembramos que quando uma Companhia tinha de mudar de “pouso”, ou o Batalhão também mudava de cidade, mesmo que as condições encontradas à chegada fossem incrivelmente decepcionantes, passado um dia ou dois cada homem já tinha “construído” o seu pequeno recanto, já tinha colado a foto da sua querida (ou, na falta, uma folha de calendário insinuante …) e já estava de novo “em casa”, mesmo nas condições mais adversas.
E talvez tenha sido assim, neste misto de capacidades de improvisação e gestão de saudades imensas, que o nosso povo português se expandiu pelos diversos continentes, criando raízes, deixando marcas e afirmando-se como um povo com uma peculiar identidade nacional.
JOSÉ ALBERTO ALEGRIA
(ex-alferes ALMEIDA)
Em Agadir, a 23 de Agosto 2009

1 comentário:

OLIVEIRA disse...

Bonito, sr. Alferes Almeida, até me emocionei a ler porque fiz precisamente isso que diz sei lá quantas vezes no Quitexe... eu e muitosamigos que ás vezes chorávamos de saudades na caserna e nos balneários...