segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Carta ao Garcia...



Meu caro Garcia:

Estejas onde estiveres, fica a saber que ontem estive contigo, na tua terra natal de Pombal de Ansiães, lá na serra de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde revi tua mãe e, com ela, com a sua doçura, falámos do Toninho. O Toninho que eu conheci oficial miliciano, meu comandante e meu amigo. Muito especialmente meu amigo.
Estava escrito que um dia lá voltaria eu. Foi ontem. Galguei quilómetros atrás de quilómetros, desde Bragança e da casa do Pires das transmissões, por uma mão-cheia de desvios naquela tua terra transmontana do Alto Douro - que por lá se faz, ainda agora, a auto-estrada.
E cheguei a Pombal. A Pombal de Ansiães!
Não dei logo com a  tua casa, que teu irmão restaura. Mas logo achei a tua associação e a igreja onde fizeste juras de amor a Olga. Eu já conhecia aquelas ruas estreitas, orladas de casas de pedra, aqui e ali com uma outra mais modernas. E lá cheguei.
Lá estava a mesma escada do adro, a mesma pedra escura do tempo, o mesmo templo da nossa religião católica, o mesmo cheiro pombalino, e as pessoas que logo me deram conta da tua família - a do Toninho. Até teu tio por lá andava. Na tua associação.
Parei uns momentos na terra que te serve de pouso. Até te fotografei! Não me quis pôr do teu lado, como fazíamos no chão vermelho de Angola, por onde jornadeámos a nossa juventude, casando afectos e multiplicando a generosa amizade que distribuías como cerejas.
Olhei-te de frente!!
E ali estavas tu, o Garcia!  A olhar-me de rosto sereno e seguro, como se ambos, e com os nossos soldados, fossemos partir para mais uma missão, mais uma patrulha, uma escolta, uma operação militar. Estes momentos, como tu sabes, fazem-nos lembrar muitas coisas e eu estou certo que, se pudessemos falar, ali ficaríamos horas e horas, e horas!!!!, muitas horas!!!, a evocar os lendários momentos da nossa passagem por Angola.
Olha, fui ver tua mãe, a senhora dona Maria do Calvário! Está no lar. E como eu sei que esta obra social faria chorar os teus olhos, de emoção e de alegria!!
Aqui, ocorreram-me os nossos sonhos associativos semeados em Angola e deixa-me dizer-te que os levei para a minha aldeia. Tal como tu! Nisso, fomos muito iguais!
Tua mãe falou-me de saudade e do que o seu  mundo seria diferente, se não tivesses ido antes de nós. E deixa-me dizer-te um coisa: ao abraçá-la, senti o cheiro do bravo alferes, com quem eu fui soldado de Portugal!
Ela está bem! Muito bem!
A vida leva-me ali, agora. Tenho de ir.
Amanhã volto a escrever-te.
Grande abraço.
Viegas

- GARCIA. António Manuel Garcia, alferes miliciano de Operações Especiais (Rangers). Natural de Pombal de Ansiães (Carrazeda de Ansiães). Foi inspector da Polícia Judiciária e  faleceu a 2 de Novembro de 1979.
- PIRES. José dos Santos Pires, furriel miliciano de Trasmisssões. Aposentado da GNR e residente em Bragança.

4 comentários:

Mário Simões disse...

Amigo Viegas, dou-te os meus parabésn e digo-te fiquei comovido e mesmo com um sentimento muito forte de como a vida por vezes é bem ingrata.
Parabéns, continua pois tens toda a minha grande consideração.
Mário Simões

Anónimo disse...

Caro CV:
Isto é bonito, muito bonito.... só mesmo tu!!!
JA

Anónimo disse...

Meu caro Viegas, parabéns pelo belo texto que escreveste sobre o querido amigo Garcia, fiquei emocionado e feliz, paradoxalmente sorri-me e voltei-me a sorrir nas vezes seguidas que li o texto, li-o várias vezes e emocionei-me.
Continua com o blogue pois é um documento importante das nossas vidas e até da história de Portugal, parabéns,
mário matos

Anónimo disse...

A vida é ingrata e dá-nos este choques, quando menos esperamos; eu não sabia da morte do Garcia e já foi á tantos anos, o tempo passa muito depressa.
Obrigado,amigo Viegas, por nos fazeres estas memórias, um grande abraço para ti.
A. Rodrigues
Lisboa