quarta-feira, 30 de junho de 2010

A revolta da Companhia do Liberato - 3

Parada e parque-auto do Quitexe. A primeira caserna, à esquerda, era a do Pelotão de Atiradores (PELREC). A seguir, a de sapadores, mecânicos e condutores. Ao fundo, na esquina da avenida, o edifício do comando do BCAV. 8423. A foto foi tirada do lado da capela


(fim)
O regresso ao Quitexe foi muito tranquilo e ainda hoje estou convencido que, na altura, nenhum de nós - então no melhor da nossa juventude, irreverência e generosidade... -, nenhum de nós se terá apercebido muito bem da gravidade da situação. Poderia ter sido uma mortandade.
Algures, perto da sanzala do Quimbinda (?), a coluna afrouxou a velocidade e foi nesse tempo que me lembro perguntar-me o Dionísio (?) se ainda ia «haver tiroteio...». Que «não, não vai haver...»,  lhe disse eu, pousando os olhos na serra do Quimbinda, como que a disfarçar alguma ansiedade e a querer vencer os meus constrangimentos da amarga e dramática hora que passávamos.
O Neto, sempre mais «acelerado» que eu, sempre mais generoso na sua partilha de emoções com os nossos companheiros de jornada, exibia a G3, deitando-a no ar com a mão direita. O Ezequiel segredou-me ao ouvido: «Já nos safámos...». O Botelho (o que será feito do Botelho?), que se fazia sempre herói da pequenas coisas de caserna e de conquistas lá por Lisboa, ia estranhamente de cabeça baixa. E eu a provocá-lo: «Então, herói?!!!!...». E ele,a  mastigar a saliva, sem uma palavra. Mais exuberante o Soares, tinha de ser... «Dávamos cabo deles!!!:.. Limpávamos-lhe o sebo...».
O Garcia, o nobre e valente alferes Garcia, sempre de olhar profundo, ia sei lá com que pensamentos.
Lá chegámos ao aquartelamento do Quitexe e estranhámos não ver soldados nas ruas da vila. Quase todos estavam na parada, ao parque-auto. Não porque ali fossem as casernas e o refeitório, que eram, mas porque nos esperavam.
«Fir-mee! Sentido! Om-broooooo arma!».
Garboso, ele mesmo puxando a G3 ao ombro direito, o alferes Garcia apresentou o PELREC ao comandante que saía do gabinete.
Os soldados destroçaram e foram às suas vidas. O sol vermelho de Angola punha-se acima da serra de lá longe e eu e o Neto caminhámos para a casa dos furriéis. Missão cumprida, sem feridos ou mortos a lamentar!
- DIONÍSIO. Dionísio Cândido Marques Baptista, soldado atirador de cavalaria. Mora no Seixal.
- BOTELHO. Jorge António Pinto Botelho, soldado atirador de cavalaria. Suponho que reside nos Açores.
- SOARES. Fernando Manuel Soares, 1º. cabo de reconhecimento e informação, integrado no PELREC. Mora no Laranjeiro.
- EZEQUIEL. Ezequiel Maria Silvestre, soldado de reconhecimento e informação, integrado no PELREC. Mora em Almada.

terça-feira, 29 de junho de 2010

A revolta da Companhia do Liberato - 2




Estrada do Quitexe. A «espera» aos revoltosos da Companhia do Liberato
foi feita um troço parecido com este

O "pelrec" acomodou-se nos bancos duros e corridos dos Unimog ´s, esticando o pescoço por sobre a vila do Quitexe que ficava para trás. Soldados da guarnição levantaram-nos as mãos, como se dissessem adeus.
Ao passar pelo Posto 5, na saída da vila, o sentinela ergueu a arma e gritou uma qualquer coisa. Já fora da vila, galgadas as franjas dos aldeamentos, parou-se no asfalto por uns momentos. Tempo de confirmar bala na câmara, de sentir nas mãos o frio das granadas, de afinar miras, pontarias e ideias.
"É a nossa missão mais perigosa. Atenção, as ordens são para cumprir!!! Não queremos mortos...", disse o alferes Garcia, de voz segura, sem denotar o alvoroço e a ansiedade do momento, de arma virada ao céu, segura por cima do cinturão - em que apoiava a coronha. "Alguém tem medo?!!...".
Ninguém tinha medo!
Avançou a coluna até onde se esperaria o grupo de revoltosos - numa recta antes de se cortar para Santa Isabel. O silêncio da estrada de asfalto só era quebrado pelo barulho dos motores dos unimogs e nem os macacos que sempre nos divertiam a saltar de ramo em ramo, isso faziam. Como se estivessem de luto! Um deles, enorme, já adulto, pôs as mãos à cabeça à nossa passagem, como se adivinhasse alguma tragédia.
Parámos antes de Aldeia Viçosa, logo depois do Dambi Angola. Montou-se o sistema de segurança, os morteiros apontados, os obuses, e uma equipa de combate foi para o fundo da recta, a uns 150/200 metros. Tentaria convencer os revoltosos a não avançarem. Mas não abriria fogo. A abrir, seríamos nós!! 
O trânsito estava interrompido desde Aldeia Viçosa. E também não passava do Quitexe. Mas apareceu um camião carregado de café, talvez de alguma fazenda. Reagiu o motorista, que não queria parar. Tinha de fazer muitos quilómetros, para a descarga em Luanda. Teve de ser imobilizado.
A tensão entre o "pelrec" era visível, apalpava-se. Havia ansiedade, que mais levedou ao ver-se, ao longe, um movimento estranho. Afinal, era uma mulher negra que levava um molho de lenha à cabeça. 
"Cabrões, pá... Isto ainda vai dar merda... mas f...,-los todos!..", disse o Neto, com coronha da G3 pousada na bota direita e apalpando as granadas de mão. Eu, em pose muito igual, lembrei-lhe o nosso pacto de furriéis gémeos de Águeda: nunca um abandonar o outro. 
E ali estávamos, para o que desse e viesse! Sem querer amortalhar as nossas vidas!
Ouviu-se de longe, então, o roncar de viaturas a gasóleo. Seriam eles, os revoltosos!!!! - que viriam armados até aos dentes. E drogados, deles se dizia
"Calma, malta!!!...  Só há fogo à minha ordem!...", falou o alferes Garcia, calmo, de olhar sereno, com se nos estivesse a convidar para o rancho. Tal era a calma com que mentíamos ao medo e aos nervos que nos ansiavam a alma.
Foram dadas as últimas instruções à equipa avançada: "Nada de tiros...".
O som das viaturas, de longe, porém, deixou de se ouvir. 
O homem da rádio chamou o Garcia, havia mensagem. Para descanso de todos, e bem de todos!, e sossego de todos!!!, os revoltosos tinham decidido não avançar para Carmona. Livraram-se do nosso fogo e nós do luto da nossa alma! Quantos nós não iriam morrer!!! Quantos mataríamos?!
Regressámos ao Quitexe em ar de quase festa, mortos os estigmas que se nos tinham levedado nas últimas horas.
(continua) 

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A revolta da Companhia do Liberato - 1

Alferes Garcia (primeiro da esquerda, em pé), furriel Viegas (sexto, da esquerda para a direita, em pé), 1º. cabo Soares (segundo, em baixo, da esquerda para a direita) e furriel Neto (último, em baixo, à esquerda). Clicar na imagem, para a ampliar

O dia, não o recordo. Seria por Outubro de 1974, no Quitexe!!! Numa das raras vezes em que o alferes Garcia foi ao nosso quarto, avisou-nos ele para nos prepararmos: eu e o Neto. 
«Vamos sair!!!...» E ficou meio  especado, de mãos nos quadris, à espera que matássemos a preguiça que nos deleitava o resto de tarde.
Tínhamos chegado poucas horas antes de mais uma escolta, o sol batia a pino e o que mais apetecia era ficar por ali, a sombrear o corpo na  quietude da casa dos furriéis, à espera da hora de jantar.
«Vamos sair!!!...», repetiu o alferes Garcia. Determinado, diria que solene. Seguramente de ar grave, firme.
Não era vulgar, por aquele tempo, que ele saísse connosco em operações, escoltas ou patrulhamentos, por se ocupar no gabinete de operações - onde substituía, ou ia substituir o capitão Falcão. A férias! Por isso, estranhámos. 
«Vamos sair?!...», perguntou o Neto, arengando algumas imprecações de momento.
E eu, de esguelha, a resmungar: «É sempre a mesma m..., pá!!! Mas o que é que se passa agora?».
Já eu apertava o cinturão e aprontava a G3 que repousava ao lado, quando ficámos a saber: a companhia de nativos de Liberato tinha-se revoltado, havia presos, talvez mortos, avançavam para o Comando de Sector, em Carmona, tínhamos de os ir «parar». 
O bravo PELREC rapidamente formou, armado até aos dentes, os 1ºs. cabos com dilagramas, armamento semi-pesado na garupa dos Unimogs, protecção o mais que se podia. Apresentei o grupo ao alferes Garcia, na parada, e fomos em passo formal até onde estava o comandante Almeida e Brito e outros oficiais.
A ordem foi tensa, silábica, letal:  impedir os revoltosos do Liberato de avançar para Carmona. A todo o custo.  Só por cima de nós. Seria por cima dos nosso cadáveres.
Formado ao lado de Garcia, ligeiramente atrás, como mandavam as regras, olhei-lhe de soslaio o rosto tenso. Mas sem uma tremura. Mas firme! Confiante! A mim, deu-me para deixar cair uma breve lágrima - que disfarcei no suor que nos caía em bica, pela cara abaixo.
O Neto, do outro lado, não deixou mexer um nervo.
O pelotão pôs-se em sentido, à ordem do alferes Garcia. Estava ali, garboso e sem um medo, para o que desse e viesse. Eram todos rapazes de coragem! Fez ombro-arma.
Subimos para os unimogs. «Lembras-te de Lamego?... A serra das Meadas?!!...».
Olhou-me o Garcia, despejando-me os olhos com espantosa serenidade. Sem responder, sem uma palavra, sem pestanejar, com a G3 apontada ao céu e as ancas carregadas de granadas, as cartucheiras como uma mulher grávida: cheias de munições!
O Soares, o sempre renitente e reivindicativo 1º. cabo Soares, olhou-nos com um sorriso amarelado de ironia. «É desta vez?!...», perguntou ele, enquanto se acomodava nos bancos corridos do unimog. Ia ele com um dilagrama, seria dos primeiros a disparar, se necessário fosse. O «esta vez...» do Soares seria um combate a sério, o deflagrar de metralha, o silvo das rajadas das metralhadoras, o cheiro da pólvora e a lama do pó vermelho de Angola feita de sangue!
«Vamos, vamos, vamos!!!...», gritou o alferes Garcia, com isso apressando as demoras de subir dos nossos bravos «pelrec´s», enquanto outros já aperravam armas, trocavam as munições para os dilagramas,  aprontavam miras e se engravidavam de dúvidas.Estes momentos podem não ser de medos, mas são de dúvidas, de ansiedade, de constrangimentos invisíveis.
O Neto, de outro unimog, fez-me um sinal de confiança. E era confiança que se sentia. E a coragem sentíamo-la nós a levedar na alma, naquela ordem recebida para a morte. Sentia-se determinação, bravura, generosidade e partilha solidária de um momento que poderia ser véspera de tragédia.

«Não te sentes na serra das Meadas?!!!...», ironizei eu de novo, para o Garcia. Eu tinha saltado para o chão vermelho da avenida do Quitexe e soltei-lhe a pergunta, como que a querer iludir os meus medos. Os nossos medos. Falar da serra das Meadas era recordar o tempo da nossa preparação militar em Lamego, preparação "para a guerra!...".  Aí a tínhamos!
Felizmente, não houve confrontação. Evitou-se uma tragédia.
(continua amanhã)

domingo, 27 de junho de 2010

A primeira grande operação militar dos Cavaleiros do Norte

Um «Ranger» pronto para uma operação militar: lenço verde a proteger a boca do pó das picadas e trilhos (em cima), a G3 pronta a disparar, com bala na câmara (ao meio, à direita), cinco cartucheiras de 20 munições (à esquerda) e granadas defensivas/ofensivas (à direita, em baixo)  


A 20 de Junho de 1974 - já lá vão 36 anos!!!... - realizou-se a primeira grande operação militar em que interveio o Batalhão de Cavalaria 8423. A Operação Castiço DIG, dividida em quatro fases e que só viria a concluída em Julho.
Mobilizou muitos meios humanos: todas as subunidades do BCAV. 8423, a 41ª. Companhia de Comandos e os Flechas de Carmona. «Não se viu grande compensação do esforço desenvolvido pelas NT pois que, salvo uma emboscada sem consequências, no Tabi, só teve por reacção IN a materialização de tiros de aviso», refere o Livro da Unidade.
Menos afortunado foi um soldado da 41ª. Companhia de Comandos, pois foi accionada uma mina AP na Central do Negage e um soldado sofreu a amputação de um pé - o que levou a 41ª. a abandonar a operação, ao fim de 18 horas, quando seria de oito dias a duração da Castiço DIG.
«Outros resultados não teve esta operação, que nao fossem o conhecimento da zona de acção, um primeiro contacto com a mata e um conhecimento das reacções humanas», historia o Livro da Unidade.

sábado, 26 de junho de 2010

O apoio aos fazendeiros do café...


Mercado de café em Carmona e alferes Garcia e Cruz na
Fazenda Vamba (1974). Atrás, vêem-se montes de café. para secar
A orientação do BCAV. 8423, assim substituiu no terreno o BCAÇ. 4211 - o antecessor da zona de acção do comando do Quitexe - foi principalmente orientada sobre os vários aquartelamentos do IN, localizados nas chamadas Centrais do Mungage, Negage, Aldeia, Tabi, Quiculungo e  Nova Caipemba. Talvez outras, também.
O batalhão tinha as companhias sediadas no Quitexe (CCS), Zalala (1ª.), Aldeia Viçosa (2ª.) e Santa Isabel (3ª.). E Destacamentos em Ponte do Dange, Vista Alegre e Luísa Maria. «Adidas» à força militar do BCAV. 8423 estiveram (por tempo que não conseguimos datar) as Companhias de Caçadores 209 e 5145, para além do Pelotão de Morteiros 4281 - instalado no Quitexe, de onde saiu para Carmona entre finais de Dezembro de 1974 e 4 de Janeiro de 1975.  E quatro Grupos Especiais (GE) - o 208, o 217, o 222 e o 223.
A acção foi orientada para os aquartelamentos IN, como era óbvio, mas uma outra tarefa não menos relevante foi, desde sempre, o apoio aos fazendeiros e à cobertura das actividades económicas da região - que, pelo mês de Junho de 1974 fora, se empenhava na apanha do café. O ouro da província do Uíge. O seu petróleo, se quisermos.
Os Cavaleiros do Norte fizeram milhares e milhares de quilómetros a proteger colunas civis - que das fazendas iam a Carmona, para vender as suas produções.  
A foto de baixo mostra uma das deslocações a uma fazenda. Neste caso à da Vamba, com os alferes Garcia (atiradores) e Cruz (mecânico).

sexta-feira, 25 de junho de 2010

As Forças Militares Mistas (FMM) de Angola

O quartel do Batalhão de Caçadores 12, onde estava aquartelado o BCAV. 8423

Os finais de Junho de 1975 levaram a Carmona (e a toda a Angola) uma novidade militar: a constituição das chamadas Forças Militares Mistas (FMM) - o que seria (e não foi) o futuro Exército Nacional de Angola, unificando as forças da FNLA e do MPLA. Da UNITA não se falava pelo norte. Não existia por lá.
A coisa não foi fácil!
Muitas das diferenças entre os movimentos foram transportadas para as FMM, agravadas pelas consequências dos (in)êxitos militares das «macas» de Carmona. «O mês decorreu sob forte tensão emocional, quer pelos alguns atritos que voltaram a dar-se, quer também porque se estão vivendo momentos de carências logísticas, os quais são reflexo do estado latente de conflito, que continua e que dá azo a um desabar de esperanças que se possa ver em bom e pelo o panorama da manhã», escrevia o autor do Livro da Unidade, referindo-se a estes tempos.
A prática trazia-nos quezílias permanentes, entre o elementos das FMM - que as FAP procuravam normalizar consoante podiam e gerindo conflitos que diariamente nos pregavam sustos. Muitos sustos!!!  Nunca se sabia o que poderia acontecer quando, no BC12 ou nos espaços exteriores de instrução, se confontavam os «inimigos» da mesma pátria, alinhando no mesmo pelotão, sentados na mesma sala, comendo na mesma mesa, com as mesmas armas na mão, aprendendo a mesma recruta militar.
Às vezes, quando ouço alguns senhores a falar do processo de descolonização, ocorre-me dizer que não sabem o que dizem, falam de cor, pois não estiveram no terreno. Nem os senhores que, de galões nos ombros e leis na ponta da caneta, à civil ou à  militar, «subscreveram» no papel o que viria a ser a Angola desse 1975!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Os dias da rádio em Carmona


Lá por Abril ou Maio de 1975, no fim de um serviço de reforço, estava eu a aproveitar o silêncio da casa da guarda para dormir mais um pouco, quando alguém entrou e perguntou: »Quem é este gajo que está aqui a dormir?«
Claro que fingi não estar a ouvir."É pá, acorda... Ah, és tu!? Ainda bem, está aqui á porta uma pessoa que te quer falar», disse quem me chamava.
Mas quem será que me iria procurar no BC12?. Bom, chamava-se Júlio (?), era director da Rádio Clube do Uíge (RCU) e lamentou-se que naquela manhã não tinha tido a habitual emissão de rádio, pois o emissor tinha "pifado".
A rádio era muito importante para todos nós, pois, não tínhamos mais nada quase nada. Nessa altura a rádio trabalhava das 7 às 10, das12 às 14 e das 17 ás 24. Foi nessa ocasião que tive o prazer de trabalhar num emissor de rádio oficial e, logo a seguir, nos estúdios da mesma estação, prestando assistência técnica a quase tudo respeitante à emissão de um programa de rádio (daquele tempo, hoje é bem diferente).
Creio não estar errado, mas nesse tempo quem fazia um programa, era o Medeiros (cripto), já falecido, e o ex-alferes Ribeiro ou o Garcia (também já falecido). Desculpem as minhas incertezas, mas 36 anos é muito tempo.
No fim do mês de Maio (agora, sim, tenho a certeza) decorreram neste edifício os ensaios para um espectáculo, que nunca chegou a acontecer - o do aniversário do nosso BCAV. 8423. Faríamos o aniversário no dia 1 de Junho de 1975, data aceite por unanimidade (?!) para celebrarmos. Mas já se sabe o que aconteceu messe dia.
Para mim, a RCU que se vê na foto e todo o espaço interior e exterior é muito marcante. O Cinema Moreno ficava mesmo em frente.
RODOLFO TOMÁS

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O Encontro de Ferreira do Zêzere na imprensa



O Encontro da CCS do Batalhão de
 Cavalaria 8423 em Ferreira do Zêzere
suscitou o interesse da imprensa local - 
no caso, do jornal Despertar do Zêzere.
O Aurélio (Barbeiro), elemento
da organização, fez chegar
ao blogue a
cópia da notícia e
aqui a reproduzimos
com todo o gosto.
Clicar na imagem,
para a ampliar

terça-feira, 22 de junho de 2010

O furriel «infante» num batalhão de cavalaria...

Furriéis Viegas e Neto no jardim da vila do Quitexe (1974)


Almocei hoje com o Neto e, inevitavelmente, veio a tropa à baila!! O Quitexe, Carmona, Angola..., as  mil e uma histórias que nos fazem deuses de nós mesmos, enfabulando um tempo maior das nossas vidas.  «Conta lá no blogue aquela das armas...». sugeriu ele.
Os tempos eram os primeiros do Quitexe e estava o Neto de serviço, «passeando-se» de pistola no coldre e braçadeira verde, a mostrar autoridade e ordem. E não era dos que facilitassem, embora sempre contemporizasse com algum pequeno ou grande abuso - daqueles pecadilhos que sempre se cometem nas guarnições.
«Ó nosso furriel, de que especialidade é?!», perguntou-lhe o comandante Almeida Brito, que de supetão lhe apareceu, sei lá se desconfiado da arma que lhe via na boina castanha. E que era de infantaria, num batalhão de cavalaria.
«Não tenho especialidade, meu comandante!!..», respondeu-lhe o Neto, batendo continência, aprumado e seguro.
«Ora essa, não tem especialidade!! Então, como assim?!», ter-se-á interrogado Almeida e Brito. E desconfiou-se, como que a pensar se «este gajo não está a gozar comigo!».
«Qual é a especialidade, nosso furriel!!!?...», interrogou de novo o comandante, já meio afinado com o, digo eu, o «soberbo garbo» do jovem furriel. E logo ele, o comandante, que não era nada dado a brincadeiras e desrespeitos. E desrespeito era o que lhe parecia a atitude persistente do Neto, a merecer-lhe já talhada pesada do RDM.
«Não tenho especialidade, meu comandante!!!...», reinsistiu o Neto.
- «Não tens?!!!...», reperguntou o oficial, surpreendido com tal afirmativa e certamente a julgar menos bem da capacidade intelectual do furriel.
«Não tenho especialidade, tenho um curso de operações especiais, sou dos ranger's...», lhe respondeu o Neto, a  explicar a sua arma militar.
O comandante Almeida e Brito, que não era para brincadeiras, bateu o pingalim na bota e virou-lhe as costas. Ficara a perceber porque a boina do Neto não era de cavalaria. Como estava um infante no reino dos cavaleiros!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Cavaleiros do Norte em Ferreira do Zêzere

Os Cavaleiros do Norte - os do Quitexe!!!... - reuniram-se em Ferreira do Zêzere e tiraram a foto oficial. Aqui está ela, com três semanas de atraso mas com muito boa vontade. Também só agora a recebemos e a da minha digital, deu o... berro!
Ali à direita, de pé, o nosso «mais velho», o agora capitão Luz - que pelo Quitexe de Carmona foi tenente e chefe da secretaria do BCAV. 8423. Ao lado dele, de barbas, o então alferes Cruz, agora engenheiro mecânico em Santo Tirso e que por lá comandou o sempre operacional parque-auto. Na outra ponta, de escuro, o engº. Ribeiro, alferes miliciano sapador. À frente, de cócoras, o dr. Albino Capela - ao tempo missionário do Quitexe. Atrás dele, de óculos, o outro Cruz, o furriel rádio-montador - entre o atirador Caixarias (à esquerda) e o analista Alfredo Coelho (o Buraquinho). E, depois, a malta toda!!! E não fez falta quem não apareceu!!!

domingo, 20 de junho de 2010

Os dias que se sucederam aos incidentes de Carmona


A parada do BC12, em Carmona, recebeu  mais de um milhar de refugiados


A protecção dada aos populares de Carmona, recebendo-os no aquartelamento, foi muito mal entendida pela FNLA - a «vitoriosa» da guerra da cidade, frente ao MPLA.
O que concluíram os seus dirigentes é que as Forças Armadas Portuguesas protegiam o MPLA, acusando-nos disso e até ameaçando com represálias, nalguns casos. Tenho na memória o momento dramático de quando, estando eu de sargento de dia e a descansar na casa da guarda, um grupo de «fnla´s», com uma metralhadora instalada num Toyota amarelo, queria forçar a entrada no BC12.
O alarme foi dado pelo sentinela, o Dionísio..., amedrontado (pudera!!!...) na guarita em frente à porta d´armas, e imediatamente foi accionado o sistema de defesa, para evitar o pior. E o pior seria coisa simples como o resultado de um tiro ser dado, uma ordem mal dada, ou mal interpretada. Não se sabe o que aconteceria... Poderia ser uma chacina.
A protecção foi dada no quartel «a um milhar de refugiados», assim se lê no Livro da Unidade. Mas esta atitude solidária e humana, não teve entendimento da FNLA - que, cito o LU, a considerou «discricionária e partidária», disso resultando «um período seriamente preocupante para o BCAV».
A memória traz os dias de tensão que se seguiram após a violência dos combates na cidade. E as dúvidas que um grupo de furriéis milicianos foi pôr ao comandante Almeida e Brito, sobre como agir em caso de ataque directo às NT.  Os furriéis milicianos, nomeadamente os dos pelotões operacionais, eram a primeira «carne para canhão« que evoluía na cidade e no patrulhamento dos itinerários. E se alguém nos apontasse uma arma, nos atirasse uma granada, nos ameaçasse e quisesse amortalhar o corpo? Descansou-nos Almeida e Brito, valendo a verdade que não tanto como gostaríamos. Mas também é verdade que nos sentíamos mais fortes e menos desassossegados quando descemos as escadas do  gabinete do 1º. andar. Ainda bem que nada foi preciso fazer, para evitar mais mortes. Não foi preciso chegar a limites!!! Embora dias de difíceis se adivinhassem!
- DIONÍSIO. Dionísio Cândido Marques Baptista, soldado atirador de cavalaria, mora no Seixal.

sábado, 19 de junho de 2010

A mensagem de Marta Garcia


Alferes Garcia e Ribeiro, capitão Leal e Tenente Luz no Quitexe (1974)


A mensagem de Marta Garcia sensibilizou-me profundamente, como, concerteza, a todos aqueles que a ouviram, ou leram. Mas fiquei contente, ao mesmo tempo, por saber a vida do Garcia prolongada neste mundo, deixando a honrá-lo, tanto quanto merecia, esta descendência que rogo a Deus seja muito feliz.
Privei com o alferes Garcia no Quitexe e em Carmona, integrados na mesma Unidade. Era um rapaz alegre, divertido, generoso, sincero e disciplinado. Um “camaradão”.
Recordo o Garcia, quando nos deslocávamos, no centro da cidade de Carmona, numa viatura militar de caixa aberta (éramos para aí uma dúzia), a cantar, para exibição de voz, a “Grândola Vila Morena” (parece que o Comandante não terá gostado muito da brincadeira,  quando veio a saber...) e o Garcia cantava “umas” da sua terra, que nos faziam rir muito, a todos.
Recordo o Garcia à frente do seu grupo de combate a receber, com todo o aprumo, a “ordem de guerra” dada pelo Comandante, quando foi a revolta da Companhia de nativos da Fazenda Liberato.
Recordo o Garcia quando nos dizia, a mim e aos alferes de CCS, que esperava que provássemos o Vinho do Porto de Carrazeda, mesmo do pipo, em Pombal, a sua aldeia. Não quis o destino que tal viesse a acontecer.
Recordo o Garcia, com saudade, de todos os dias, no Quitexe e em Carmona.
Recordo ainda o Garcia, com gratidão, quando num domingo, já ele na Polícia Judiciária, passou pela Marinha Grande e foi à PSP local perguntar onde me poderia encontrar. Disseram-lhe que àquela hora, 11 horas e tal da manhã, eu deveria estar na missa das 11 (de facto os polícias conheciam-me todos bem).
Então, o Garcia pediu para me dizerem que ele havia passado por lá (Marinha Grande), em missão de serviço, e que deixava um abraço ao capitão Luz e que desculpasse porque o serviço não lhe permitia estar mais tempo. Já agora conto o resto: ainda nessa mesma missa, já no final, um polícia fardado entrou na Igreja, tocou-me nas costas e fez-me sinal para ir lá fora (naquele momento até pensei se tinha feito algum pecado…). E transmitiu-me a mensagem do Garcia.
Era mesmo assim o Garcia. De resto, todos os da CCS o conheceram bem.
Peço desculpa de me ter alongado mais um pouco, mas ao falar do Garcia não o sabia fazer doutro modo.
Que o Criador o tenha em bom lugar.
Um abraço à sua filha e neto.
Um abraço a todos.
ACÁCIO LUZ

- LUZ. Acácio Carreira da Luz, tenente do SGE e chefe de secretaria do BCAV. 8423, agora capitão, na situação de aposentado e residente na Marinha Grande. 
- MARTA. Marta Garcia Pracana, filha do (falecido ex-alferes) Garcia, professora universitária e residente em Vila Nova de Gaia. Ler a mensagem em http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2010/06/mensagem-de-marta-garcia.html
- NOTA: Da «ordem de guerra» aos revoltosos do Liberato, aqui virei falar um dia. Ainda sinto os cabelos em pé, de quando, na formatura, ouvimos a ordem do comandante Almeida e Brito. Ordem para não os deixar passar. E a espantosa serenidade do Garcia, na frente do pelotão. «Vamos...» disse ele, enquanto os nossos bravos «pelrec´s» subiam para as viaturas, a aperrar armas, a colocar dilagramas, a aprontar miras. E sentia-se confiança e coragem naquela ordem. Sentia-se determinação, bravura, generosidade, partilha solidária de um momento que poderia ser véspera de tragédia.  
«Não te sentes na serra das Meadas?!!!», ironizei-lhe eu, ainda no chão vermelho da avenida do Quitexe, referindo-me ao Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), de Lamego. Disse aquilo para iludir os meus medos. Os nossos medos. Felizmente, não houve confrontação. Evitou-se uma tragédia.

A evacuação de crianças e refugiados para Luanda

Refugiados na parada do BC12, com o Emanuel Miranda dos Santos


Não posso afirmar ao certo o dia em que foi feita a evacuação de todos os civis do BC12, mas creio que terá sido no dia 14 de Junho. Sei, isso sim, que foi num sábado que tudo aconteceu.
Homens, mulheres e crianças foram evacuados em coluna militar até ao aeroporto de Carmona, onde embarcaram no "barriga de ginguba",  o famoso Nord`atlas. Mais de 100 pessoas encheram por completo o aparelho, no primeiro voo, o que era normal acontecer - ultrapassando a sua lotação.
Depois!... bem, foi arregaçar as mangas e toda a gente colaborou, sem excepção, a fazer uma das maiores faxinas que eu já vi na minha vida. Lembro que, nessa manhã, esgotámos a água e eu fui com o Mendes (electricista), do parque-auto e do "Casal Ventoso", até às bombas de água - que ficavam fora do BC12 - de G3 nas mãos, não fosse o diabo tecê-las, para fazer quase o impossível.
Uma correia de transmissão, tipo automóvel, tinha rebentado. Já naquele tempo havia "Mac Gyver`s" e assim, o homem do Casal Ventoso usou o que tinha à mão: sacou de um cinto que trazia e, ali mesmo, fez a emenda com um cordel, do tipo fio do norte. Durou pouco mas serviu para o "desenrasque".
De todos os refugiados de guerra os que mais davam pena eram, sem dúvida, as crianças. O Emanuel dos Santos (foto) era muito sensível com a sua fome e carências.
RODOLFO TOMÁS

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saudades do bravo e garboso soldado Leal!!!

Hipólito, Monteiro, Almeida e Vicente (em cima), Garcia, Leal, Neto e Aurélio
(em baixo), homens do PELREC.  Almeida, Vicente, Garcia e Leal já faleceram.

O bravo e garboso soldado Leal, atirador de cavalaria que jornadeou pelo Quitexe e Carmona, faleceu faz hoje três anos. Subitamente!!! Conversava com a mulher, queixou-se de uma dor e de mau-estar, deitou-se por uns momentos, voltou a levantar-se e caiu nos braços daquela que foi o seu grande amor e a mãe de seus filhos.
Natural de Caixaria (Pombal), já era pai quando voou para Angola e por lá foi nosso irmão de todos os dias e para o que fosse preciso. Sempre disponível, sempre afectuoso, sem virar a cara ao que fosse. Foi um grande companheiro. Aqui o recordamos, com saudade!!! Até que nos voltemos a encontrar!
Ver AQUI.
- LEAL. Manuel Leal da Silva, soldado atirador de cavalaria, natural e residente em Caxaria (Pombal), onde faleceu a 18 de Junho de 2007.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A Fazenda de Santa Isabel e a 3ª. Companhia do BCAV. 8423



Fazenda Santa Isabel, o castelo. Onde estava a 3ª. CCAV. do BCAV. 8423

MANUEL RAMOS DEUS
Texto

Santa Isabel, apesar de ser uma fazenda isolada, foi onde passei o melhor tempo em Angola.
Havia sempre caça, que comprávamos a um preço muito acessível aos nativos. Não faltavam os cachos de bananas, que nos permitia comê-las quando estavam no ponto. Papaias, mamões, etc., também não faltavam.
Certa noite, um grupo foi à caça e caçou uma pacaça enorme. Tivemos carne para alguns dias, o que permitiu ao 1º. Sargento Marchã equilibrar as finanças!
Apanhou-se também uma gibóia com cerca três metros! Foi uma novidade paratodo o pessoal da companhia.
Havia um pombal, com um bando enorme de pombos, aos quais deu a "moléstia" e, a pouco e pouco, ficou reduzido a cinzas!
É evidente que terá havido momentos difíceis e tensos, mas devido às minhas funções, não passei por eles e, por conseguinte, não falo do que não vivi.
- MARCHÃ. Francisco António Gouveia Marchã, 1º. sargento SGE e chefe da secretaria da 3ª. CCAV. do BCAV. 8423, em Santa Isabel.
- DEUS. Manuel Ramos Deus, 1º. cabo operador-cripto da 3ª. CCAV. do BCAV. 8423, em Santa Isabel.
- PACAÇA. A pacaça de Santa Isabel, ver AQUI.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A maior fortuna da mãe negra de olhos tristes...

Furriéis milicianos Neto e Viegas no final de mais uma operação militar (1975)

Os primeiros dias de Junho, em Carmona, foram de muitas dúvidas e medos e regados de sangue, nas mais das vezes inocente. Foram dias de muitos momentos grávidos de incertezas, de perigos que se semeavam a cada esquina das ruas da cidade, a cada sombra que nos enublava a vista e enlutava a alma. O que mais custava era ver o olhos tristes da crianças com medo, pedindo pão e amparo.
«Dá o eslata, esfurrié!!..», pediam elas, apontando a nossa ração de combate, quando passávamos nas ruas da cidade, ou nos bairros envolventes - por onde se gritavam lutos e fome, prolongados nos dias que medravam de «macas». Uma delas, sei lá qual, lembro lá quem!!!..., ranhosava-se pelo queixo abaixo e estendia a mão direita, enquanto enfiava a outra nos anéis do cabelo em carapinha.
«Dá o eslata, esfurrié!!...», insistia a criança de olhos tristes e de alma a chorar - a pedir-me o que eu não tinha para dar, naquele momento. Foi umas da que, nos dias de refúgio do BC12, se acamaradou no aquartelamento e por lá matou fome e medos.
O som da metralha ouvia-se sempre, de mais longe ou de mais perto, e o que nos espantava era a serenidade das crianças, no meio da balbúrdia de sons e de cheiros a pólvora.
Uma jovem mãe, de criança traçada nas costas, soluçava silêncios de dor que viemos a saber dever-se a um outro filho desaparecido. O outro, um outro..., sujo de ranho e de terra, brincava de tronco nu e calção maltrapilhado e roto, fazendo riscos no pó vermelho da rua do pequeno bairro.
«Vais no quartel!! Queres ir?...», perguntou-se à mãe.
Não disse nada, mas riram-se-lhe os olhos, carregando um embrulho de plástico com toda a sua fortuna. A outra, a maior fortuna desta mãe negra de Angola..., eram os filhos. Mas não sabia de um deles! Não sei se alguma vez soube!

terça-feira, 15 de junho de 2010

O Encontro dos Cavaleiros de Santa Isabel

Ribeiro e Flora (furriéis) e José Paulo Fernandes (capitão), da 3. CCAV. 8423 (Santa Isabel)


A 3ª. Companhia do BCAV. 8423 esteve reunida em Coruche, a 5 de Junho de 2010 - num encontro organizado pelo Friezas. E a 6 de Junho de 2009, em Alter do Chão, com a «chancela» do (ex-furriel) Gordo e onde nem a chuva estragou a festa dos cavaleiros de Santa Isabel!
A foto é da «cavalaria» na confraternização do ano passado - no momento em que (o comandante da Companhia, nos idos tempos de Angola) José Paulo Fernandes fatiava o bolo da praxe, sob os olhares atentos do Ribeiro e do Flora.
- FERNANDES. José Paulo de Olveira Fernandes, capitão miliciano e comandante da 3ª. CCAV. do BCAV. 8423, instalada em Santa Isabel.
- RIBEIRO. Delmiro da Silva Ribeiro, furriel miliciano atirador de cavalaria, engenheiro de telecomunicações, residente na Livração.
- FLORA. António Pires Flora, furriel miliciano atirador de cavalaria, quadro superior da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Os confrontos militares no chão do Uíge!

Avenida de Portugal, em Carmona (anos 70 do Século XX)

Os incidentes dos primeiros dias de Junho de 1975 não se limitaram a Carmona, onde se aquartelava a maior parte da guarnição do Batalhão de Cavalaria 8423. Também ao Quitexe!!! O nosso Quitexe!!! E no Negage, onde se situava a base aérea militar. E a Ponte do Dange, a Aldeia Viçosa e Vista Alegre, onde quer que existissem forças armadas dos movimentos.
Os combates entre MPLA e FNLA que ferozmente ensanguentavam Luanda, na verdade, foram transbordando. Primeiro para as localidades mais próximas, depois crescentemente pelo Cuanza-Norte acima, até ao Uíge - terra do café, de que Carmona era a capital.
O grave conflito que enlutou o chão uígense só não terá tido mais graves consequências pela intervenção serena e apropriada das Forças Armadas Portuguesas - pelo seu sentido de grandeza, cumprindo com elevados riscos a tarefa de soberania e honra que lhe competia.
«O grave conflito armado entre os movimentos de libertação atingiu todas as vilas do distrito, onde tais forças existiam, através das suas forças, ELNA e FPLA», refere o Livro da Unidade, de que nos socorremos também para lembrar o papel das FAP, «a calma demonstrada, o sangue frio posto, o espírito de sacrifício mostrado», como garantes da sua «tenacidade e firme certeza de que está imbuído no sentido de grandeza próprio do consciente desinteressado e leal desejo de cumprir a missão que lhe está sendo imposta no processo de descolonização».
A FNLA, em clara supremacia militar, «ficou com a sua hegemonia mais vincada» e pode dizer-se que «todos quantos se possam considerar combatentes ou simpatizantes do MPLA foram expulsos do distrito». Isto, ainda citando o Livro de Unidade, «nos melhores dos casos», porquanto «noutros há a citar algumas dezenas de mortos».
- FAPLA. Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, braço armado do MPLA.
- ELNA. Exército de Libertação Nacional de Angola, braço armado da FNLA.

domingo, 13 de junho de 2010

A família que morreu em casa...

Hospital Provincial de Carmona (1975). Pelotão de Reconhecimento, Serviço e Informação (PELREC).  Almeida é o primeiro ds esquerda, em cima. Vicente, na linha de baixo, é o primeiro do lado esquerdo. Depois, eu e o Francisco. Hipólito é o sexto.


Os dias mais sangrentos de Carmona, deixaram marcas pesadas e lavadas em sangue para o futuro de muita gente. Uma família civil foi reduzida a uma pessoa. Eram seis!!! O bombardeamento numa das ruas que dava para a zona industrial, num patético combate entre as forças beligerantes, esmagou cinco pessoas, debaixo da escada interior da residência.
Poupemos as palavras do drama. Quando chegámos ao hospital com os feridos do Montanha Pinto - ontem aqui falados... - foi-nos solicitado que fossemos à tal rua, onde se combatia de uma ponta para a outra, num estranho baile de morteiros que caíam e explodiam onde a sorte dava. A maior parte longe dos objectivos, metralhando e esfacelando telhados, casas civis e o que calhava.
Passámos pelo grupo do Rocha, que nos avisou do que se passava por aquele lado - vindo eles de uma qualquer missão. Íamos nós na nossa, já seriam duas para as três da tarde, esgalgados de fome. Recolheríamos os feridos, voltaríamos ao hospital e rezaríamos para que pudessemos dar uma saltada ao BC12.
Não foi fácil entrar na rua, mesmo nos irregulares momentos de tréguas do bombardeamento. Suspeitava o grupo que abordámos (não me lembro se da FNLA, se do MPLA, mas para o caso vale o mesmo!!!) que iríamos apoiar o outro (o inimigo) e dificultava a nossa passagem. Mas lá fomos!
A casa estava esvrentada, paredes no chão, móveis destruídos!! Como outras casas estariam!!! Ouvimos um breve gemido e acorremos à escada destruída, sob a qual se protegeram mãe, dois filhos e, creio, dois sobrinhos. Mortos!!! A senhora protegera-os com o corpo, mas a violência da deflagração destruira os degraus e o patamar de cimento da escada e ateara um pequeno incêndio que se pegou a tapetes e cortinados. Porém, facilmente controlado - com o engenho e rapidez de acção do Cordeiro, do Marcos, do Vicente, do Francisco e do Hipólito, e/ou outros, que improvisaram uma mangueira, já não sei como, e o apagaram.
Regressados ao hospital, demos a notícia ao familiar. Sem uma palavra, ele entendeu tudo. «Disse-lhe para não ir lá...». Mas ela foi. Foi morrer com os seus meninos!
Foi, seguramente, o  momento para nós mais dramático dos nossos lutos de Carmona.
- ROCHA. Nélson dos Remédios da Silva Rocha, furriel miliciano de transmissões, de Valadares (Vila Nova de gaia), técnico de vendas.
- CORDEIRO. José Manuel de Jesus Cordeiro, o Savimbi, 1º. cabo atirador de cavalaria. Natural e residente em Porto de Mós.
- VICENTE: Jorge Luís Domingues Vicente, 1º. cabo atirador de cavalaria, de Vila Moreira (já falecido)
- MARCOS. João Manuel Lopes Marcos, soldado atirador de cavalaria, natural e residente em Pego (Abrantes).
- HIPÓLITO. Augusto de Sousa Hipólito, soldado atirador de cavalaria, natural de Vinhais, com residência em Lisboa e a trabalhar em França.
- FRANCISCO. Vitor José Ferreira Francisco, soldado atirador de cavalaria, natural e residente na Marinha Grande.
- OUTROS. Esta lista peca por defeito. Outros militares entraram nesta acção, mas não recordo os nomes. Lembro estes e, neles, todos os outros.

sábado, 12 de junho de 2010

Os mortos esperariam...


Primeiros dias de Junho de 1975, a 2 ou 3. O PELREC evolui na cidade de Carmona e já levara algumas dezenas de civis refugiados para o BC12. Ouve-se regularmente o rebentar de morteiros e obuses e, de quando em vez, uma ou outra rajada.
O Francisco, no cruzamento da Rua do Comércio para a Praça da ZMN e dos edifícios públicos, ofereceu «resistência» - porém, rapidamente quebrada... - à subida de uma família para a Berliet. Dias antes, quase no mesmo local, tinham ofendido a equipa de PM - eu, o António e ele.
Estamos ao fim da manhã, hora de refeiçoar a ementa quente que os nossos companheiros da cozinha e da padaria nunca deixaram faltar naqueles dias de metralha, de sangue e muitas dores! Foram extraordinários!!! De uma generosidade impagável!!! Alguns deles andaram dias seguido sem dormir: o Pereira, o Almeida, o Ferreira, o Rebelo, o Baião, que me perdõem os que aqui esqueço! Foram todos iguais!!!
Guardámos as armas e íamos para o refeitório quando fomos chamados: havia mortos e feridos no bairro Montanha Pinto (foto), mesmo ao lado da nossa messe. Tínhamos de ir.
«Cuidado com o fogo!..». gritou o tenente Mora, creio que na altura nas suas vezes de oficial de dia. O ribombar dos morteiros ouvia-se no BC12, como se soprassem a fronteirar as nossas orelhas.
«Calma, pessoal... Eles não se metem connosco!!!...», foi dito aos bravos soldados do PELREC, já nós descíamos para a cidade! Para os descansar! E iludir os nossos medos.
«Não metem, o c......!! ...da-se!!!», gritou um eles, a morder os lábios de raiva e a cuspir da Berliet para o asfalto, enquanto esbracejavacom violência, pontapeando a caixa da viatura e fazia mira na G3, pelo canto do olho. «Calma, ó fulano...», disse-lhe, levantando-lhe a arma. Nestes momentos, sentíamos uma estranha calma e uma coragem que muitas vezes nem identificávamos connosco.
«Estamos a ver o alvo!!!», disse o Garcia, pela rádio de outra viatura, num bairro a que passaram pelo campo de futebol. «Estão debaixo de mira!!!... manenham contacto».
A barriga dava horas desde as quatro ou cinco da manhã, mas tínhamos de avançar. E, digamos, na verdade avançar com muita confiança! Se coisa havia que nos descansava - neste caso para além da protecção das NT, do alferes Garcia -, era o respeito que, nestes dias de violenta e mortífera metralha na cidade, os movimentos tinham pelas FAP. Parecia, por vezes e ao vivo, a imortal guerra de Solnado: chegávamos, dizíamos ao que íamos (buscar feridos) e parava-se o combate por uns minutos. O tempo de os recolher.
Naquele dia e no Montanha Pinto (foto), avistámos uma linha de fogo da FNLA e fizemos segurança à ambulância militar, para transportar os feridos. Os mortos esperarariam! A guerra lá «parou» e logo abandonámos o local. Ainda a tempo, porém, de vermos a serem disparados morteiros, que caíram quase em cima dos próprios apontadores e municiadores. Estranha guerra!
- FAP. Forças Armadas Portuguesas.
- ZMN. Zona Militar Norte.
- PM. Polícia Militar, em Carmona denominada Polícia de Unidade (PU).
- NT. Nossas Tropas.

Perguntai ao inimigo quem fomos!

Avenida Capitão Pereira, em Carmona (anos 70 do século XX) 



MANUEL MACHADO
Texto

Há episódios que nos marcam para sempre. O que aqui ontem contei, marcou-me muito e felizmente há ainda muitos dos participantes vivos. Não porque tenha sido um acto de grande significado em tempo de guerra, mas pela atitude, pela generosidade, pelo desprendimento e, porque não dizer?, pela valentia de pôr a sua vida ao serviço do bem comum.
Estávamos em Junho de 1975, aquartelados no ex-BC12, em Carmona, quando rebentou a sério a guerra civil na cidade e arredores. A verdade é que a FNLA, apresentou-se na cidade com um grande número de efectivos, bem armada e bem fardada. Deu-se ao luxo de exibir caros blindados do tipo Panhard e o Exército Português não tinha nenhum no local.
A nova situação militar constituiu nova preocupação para o comando Português. Um dia, fui chamado à sala de operações para dar informação do armamento anti-carro que possuíamos. Só podiamos responder com o lança-granadas foguete (Instalaza), municiado com granadas de fósforo. Tratou-se, então, de dotar as torres de vigia do quartel com esse equipamento e dar instruções de funcionamento a quem exercia a vigilância do perímetro da unidade.
Também fiz parte do grupo de furriéis milicianos que resolveu, sem autorização, fazer uma patrulha à cidade de Carmona para ver como estava o ambiente e preparados para o que desse e viesse. Não andámos lá muito tempo, porque o Comandante de Batalhão, quando soube, ordenou o nosso regresso ao quartel, com o argumento de que, em caso de problemas graves, ficava sem sargentos para enquadrar as tropas.
Sãp episódios da nossa missão em Angola!
MANUEL MACHADO

Ver texto de ontem: http://cavaleirosdonorte.blogspot.com/2010/06/valentia-dos-nao-operacionais-do-bcav.html
- MACHADO. Manuel Afonso Machado, furriel miliciano mecânico de armamento. Natural de Covelo do Gerez (Montalegre) e residente em Braga, onde é quadro superior da EDP. Foto de 1975.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

A valentia dos não operacionais do BCAV. 8423

Furriel Rocha, alferes Pedrosa e furriéis Machado, Lino e Cruz, na piscina de Carmona


MANUEL MACHADO
Texto



Corriam os primeiros dias de Junho de 1975, estava eu de sargento de dia ao batalhão, quando o 1º. cabo cozinheiro Pereira me  comunicou que a bomba de água tinha avariado, sem possibilidades de arranjo imediato e que já não havia água no quartel.
Entretanto, tinha sido pedida ajuda aos Bombeiros de Carmona - que tinham disponibilizado um auto-tanque, mas que não se atreviam a deslocá-lo para o BC12, devido a beligerância entre os movimentos de libertação.
Nesse dia, os combates intensificaram-se e já estava dentro do quartel cerca de 1200 refugiados e o pessoal militar, com necessidades de higiene e limpeza, para além da confecção de refeições. ~
A preocupação do 1º. cabo cozinheiro foi devidamente contada ao  oficial de dia - o alferes Pedrosa, da 2ª. CCAV., já instalada no quartel - que me informou que toda a tropa operacional estava no exterior a fazer segurança aos bancos, ao hospital, ao Comando do Sector do Uíge, etc. Restava o pessoal não operacional. Como já estávamos para lá das 17,30 horas, nas instalações restava o pessoal de serviço e os militares que permaneciam à espera do jantar.
O alferes Pedrosa disse-me logo: «Tem que organizar uma escolta, para que o camião cisterna possa vir para o quartel».
Dirigi-me à caserna da CCS, que conhecia melhor, e a um grupo de militares: «Preciso de voluntários para uma escolta».
Quase toda a gente se ofereceu e preparei uma coluna com uma Berliet e um Unimog 404. Arranquei na viatura da frente, como me competia, e entreguei o comando da viatura da retaguarda a um 1º. cabo do pelotão de manutenção, com indicação para responderem ao fogo que lhe fosse dirigido, e enquadrei os militares da viatura da frente.
Atravessámos a cidade pela zona industrial, com paragem nos dois chek-points montados pela FNLA e até à zona das piscinas. Aqui, enquadrámos o camião-cisterna entre as duas viaturas militares e fizemos o caminho inverso sem qualquer problema, até ao quartel.
Este pequeno episódio só serve para prestar a minha homenagem a estes homens que, sem qualquer hesitação e sem medo, também arriscavam a sua vida, num local onde todo o dia houve fogo e íamos agora atravessá-lo de noite.

Estes são os anónimos que também fizeram a guerra e de quem muita gente desconhece a sua valentia e a generosidade.
Pretendo apenas, passados que foram 35 anos, dar a conhecer um pequeno momento que demonstra inequivocamente a valentia destes homens e a honra que tive em os comandar por um breve lapso de tempo.
O lema do batalhão “perguntai ao inimigo quem somos”, aplica-se assim como uma luva a todos os militares do BCAV8423, sem qualquer distinção, porque todos cumpriram e até excederam as missões que lhe foram confiadas.
MANUEL MACHADO
Ler amanhã: Perguntai ao inimigo quem fomos!



- MACHADO. Manuel Afonso Machado, furriel miliciano mecânico de armamento, da CCS do BCAV. 8423. Natural de Covelo do Gerez (Montalegre) e residente em Braga, onde é quadro superior da EDP.
- ROCHA. Furriel-miliciano de transmissões. Natural e residente em Valadares (V. N. de Gaia), técnico de vendas.
- PEDROSA: Luís António Pedrosa de Oliveira, alferes miliciano atirador de cavalaria, da 3ª. CCAV. (Santa Isabel), natural e residente em Marrazes (Leiria).
- LINO. José Rodrigues Lino, furriel miliciano mecânico-auto, da 3ª. CCAV. (Santa Isabel). Natural do Fundão.
- CRUZ. António José Dias Cruz, furriel miliciano rádio-montador da CCS, natural de Cardigos e residente em Lisboa, onde é quadro da Câmara Municipal.
- PEREIRA. Alcino Fernandes Pereira, 1º. cabo cozinheiro da CCS.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O Encontro da CCS dos Cavaleiros do Norte em 2011!!!...

Aurélio (barbeiro), Cruz e Ribeiro (alferes) e Alfredo Buraquinho (1º. cabo). Ao fundo,
vê-se o aeroporto de Carmona, no power-point do Encontro de Ferreira do Zêzere

O (alferes) Ribeiro foi o mestre de cerimónias do Encontro de Ferreira do Zêzere - co-organizador com o Aurélio (barbeiro) e o Vicente (condutor). Falou da muita alegria do reabraço dos cavaleiros, do gosto de organizar o encontro, de reencontrar amigos e companheiros da jornada de África.
«Os muitos que aqui estão são a prova da amizade que ficou desses tempos!», disse Jaime Ribeiro, que agora professa o seu magistério civil por terras do Tramagal.
Saudou os bravos Cavaleiros do Norte, agora às portas da sexagenaridade mas que, nos idos anos de 1974/75, levedaram experiências e amadurecimentos por terras do Uíge, servindo a Pátria Portuguesa no solo da nação nova que nascia. Com bravura, sem medos, com honra e garbo militares.
E passou (passaram) o testemunho: a organização do Encontro da CCS do BCAV. 8423 de 2011 estará a cargo do (furriel) Monteiro e do (1º. cabo enfermeiro) Gomes. Era para ser o Buraquinho, mas a coisa deu em «buracada». Será na zona do Porto e a data será oportunamente anunciada.
Que nasça outro encontro como o de Ferreira do Zêzere 2010!! Só pode!!!