segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

BART. 786: Os que antes de nós fizeram o Quitexe...

Edifício do Comando do BART. 786, no Quitexe (em cima) e crachat (em baixo) 


JOSÉ LAPA
Texto

A 11 de Junho de 1965, depois de longa e penosa viagem, o Batalhão das Artilharia 786 chegou ao Quitexe onde, hoje, completa 10 meses de estadia.
Não estamos tão longe desse dia, que não possamos estabelecer um confronto, meditar um pouco e sentir a alegria de um trabalho duro, mas largamente compensador! Quando chegámos, o Quitexe era uma terra triste que ensaiava finalmente, com base no esforço das Unidades que nos antecederam , o regresso à vida que conheceu antes dos dias fatídicos de 1961. A nossa presença trazia uma mensagem de fé, de confiança e boa vontade, que a "Vila do café" sentiu, aceitou e compreendeu. Tão evidente era o nosso desejo de trabalhar, de levar a bom termo a missão que aqui nos trouxe, que houve entre a população civil uma não menos evídente vontade de colaborar. Assim. enquanto as Forças Armadas levaram, dia e noite, a todos os recantos da ZA, uma presença firma mas isenta de ódios, na que foi a "Vila mártir" a população apagava, aqui e ali,os últimos vestígios de destruição, abria as portas que o terrorismo fechara e alindava a sua Vila! Essa conjugação de esforços, essa perfeita união entre militares e civis, tinha, forçosamente, de dar os seus frutos. A população nativa, refugiada nas matas sob a ameaça dos seus "libertadores", começa a acreditar nas Forças Armadas e,mais do que isso , sente que lhe oferecem incondicionalmente, a liberdade, o direito à vida que procurou, em vão, durante 5 anos de falsas promessas. Receoso, a princípio,apresenta-se um pequeno número que vai engrossando na medida em que, á mata,chegam notícias do acolhimento que lhe é dispensado.
Voltam as sanzalas a ladear as estrada par Carmona, o capim é substituido pelas culturas indígenas e, ao domingo, já o Quitexe nos oferece um ar de festa, nas cores garridas dos trajes e no barulhento e tradicional batuque que o nativo não dispensa.
A Vila tem hoje, incontestávelmente, um aspecto mais limpo, mais cor, mais alegria, outra vida! Não levamos a nossa modéstia ao ponto não aceitarmos a parte importante que essa transformação se deve ao Batalhão de Artilharia 786. Antes pelo contrário, a aceitamos, nos orgulhamos dela e sentimos que estes 10 meses de sacrifícios sem conta, hão-de constituir um do períodos mais belos da nossa vida.
JOSÉ LAPA
Abril de 1966

 

domingo, 30 de janeiro de 2011

O guia sabia mais que os tropas operacionais

Vista aérea do Quitexe, antes da chegada do BCAV. 8423. A vermelho, a capela. A amarelo, o espaço da parada, oficinas e casernas (estas, ainda não construídas). A a roxo, a casa dos ffurriéis. A verde, a messe de sargentos. Entre a casa dos furriéis e a messe, o depósito de géneros e a messe de oficiais




ANTÓNIO FONSECA
Texto

A partida para uma operação revestia-se sempre de secretismo, por todas as razões que se conhecem, ou conheceram. Se bem que, e aqui sempre achei estranho, nunca entendi muito bem porque razão os guias tinham conhecimento delas.
Então se nós, militares, são sabíamos, porque razão sabiam os guias?! E porque andávamos nós em surdina e quase a rastejar pela vila do Quitexe para que ninguém nos visse? Por que diabo tinha eu de me esgueirar avenida abaixo? Foi coisa que nunca deu para entender e quem sabia, se sabia, estava calado.

É verdade que nós, por questões de segurança, não devíamos nunca saber! Por outro lado, sempre achámos que se tornava incómodo sabermos pela boca do dono da padaria civil ou até através de um empresário da vila que explorava pó de talco! Pois é, e por estas e outras, o Comando pedia muita contenção a quem se sentia impelido a visitar sanzalas, e principalmente a nelas passar a noite. E aqui é que residia o problema nada fácil de resolver. Quitexe não tinha quartel fechado, e de noite, contava a ronda, muitos eram os vultos a esgueirar-se.
Não foi por acaso que o Pinto, homem de Transmissões, ficou de boca aberta quando uma cliente da “loja” dos radiomontadores lhe disse que o marido ia com os militares de noite!
“Dôs dia ele vai sim, sempre eli vai mas sempre eli volta1...”.
O bom do Pinto, que estava na calha das saídas, foi perguntar ao furriel se realmente iam sair, mas não foi lá muito bem recebido porque o homem estava mal disposto. E porquê?, porque também tinha sabido da mesma forma e não gostou!
A melhor maneira de resolver o problema era acabar com os guias e guiarmo-nos sozinhos, pensou-se. Mas aqui tínhamos dois problemas: o primeiro é que não conhecíamos bem (nem mal) as densas matas; o segundo, é que o guia, por “desemprego” ou por opção, podia mudar-se de catana e bagagens para o outro lado. E levando consigo tudo o que sabia, e que já era muita coisa! Assim, tudo ficou na mesma mas com sérios avisos à navegação, por parte do Comandante, para terem cuidado em vale de lençóis! Mas ninguém percebeu o que raio tinha vale de lençóis a ver com padaria, restaurante ou café, de onde vinham realmente as informações! A questão não havia volta a dar!
ANTÓNIO FONSECA

sábado, 29 de janeiro de 2011

A evolução do Posto 3 e a segurança do Quitexe


O posto de vigia que se vê na foto de baixo (a cores) fica(va) na saída do Quitexe para Luanda, na estrada que ia de Carmona até à capital e era conhecida por Estrada do Café. Toda asfaltada. A imagem é de 2005, mas não difere da actualidade, válida a 1974 e 1975. Ali se vê, à esquerda e se me lembro bem, a famosa Geladinha do Quitexe.
O posto de vigia (o posto 3!) também se pode ver na foto do meio, onde se passeiam os furriéis Viegas (à esquerda) e Miguel Santos (paraquedista), embora visto de outro ângulo.
Já era instalações muito razoáveis (mesmo boas...), nada tendo a ver com os tempos de 1965/66, quando por lá passou o Batalhão de Artilharia 786 - as que se vêem na foto de cima, cedida por José Lapa. «Repare-se na blindagem...», como anota este artilheiro que antecedeu os Cavaleiros do Norte.
O esforço das autoridades militares para melhorar as condições dos aquartelamentos foram evoluindo, e muito... - nada tendo a ver com os primeiros e dramáticos tempos de 1961 e 1962 - quando os militares se viam sujeitos às mais difíceis condições. Por exemplo, de alojamento.
«Tínhamos períodos de semanas inteiras na mata», disse-me, ainda ontem, um dos primeiros militares metropolitanos que por lá se viu em combate, às vezes quase corpo a corpo - José Gonçalves Martinho, agora aposentado da PSP. Semanas inteiras sem uma refeição quente, sem um banho, sem uma cama!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Cavaleiros do Norte que vão aparecendo...




Há amigos Cavaleiros do Norte que vão «galopando» ao encontro do blog. Pela graça da net, que galga todas as fronteiras e, ao alcance de um clic, nos bate à porta, ou se senta na soleira da nossa saudade. A de todos. E todos, com mais ou menos dimensão, temos saudades dos tempos que nos fizeram «cavaleiros» de jornada africana.
Últimamente, tivemos contacto com vários.
O capitão LEAL foi um deles e desse reencontro AQUIAQUI demos conta, falando da relação  com este médico, que foi João Semana da tropa e da comunidade civil.
O alferes HERMIDA foi um outro. Era o oficial de transmissões (ver AQUI) e acção psicológica. Por lá jornadeou com a esposa (foto), até que, em Janeiro de 1975, foi para outras paragens angolanas. Engenheiro de formação, reside na Figueira da Foz e com ele falámos plo telefone, achando-lhe o mesmo tom de voz - que parecia brincar com as palavras e as ironias da vida. Matámos  saudades, na conversa, falando de nomes que nos foram comuns num tempo importante das nossas vidas.
O alferes LEITE (ver AQUI) era o comandante do pelotão de morteiros e desde 1976 que está nos Estados Unidos. Emailámos de cá para lá e de lá para cá, contando-nos ele da nostalgia  que sente sempre que a memória lhe aviva os anos de 1974 e 1975, quando oficialou pelo Quitexe e Carmona. É natural dos Açores.
O 1º. cabo ALMEIDA faz vida pelo Algarve. Era o responsável pela cozinha da messe de sargentos e a ele devemos o sabor de quem comeu bem durante a comissão e dele teve cavalheirismo e camaradagem.
O soldado REBELO era auxiliar de cozinha na mesma messe e não houve, alguma vez, alguma coisa que nos faltasse, ou que nos fosse menos bem servida, sempre em pratos de boa disposição e atenta partilha de atenções. Faz a vida por Odivelas. 
VARGAS, soldado condutor da 1ª. CCAV., a de Zalala. Ligou dos Açores, da ilha do Pico - onde tem uma bomba de gasolina, na povoação de Piedade. Da conversa telefónica, resultou sabermos de uma curiosa coincidência: há anos, em viagem que fiz pela ilha e na sequência de um problema no táxi em que me transportava, estive na bomba de gasolina. Mas nem eu sabia de quem ela era, nem ele me reconheceu. Foi uma pena, concordámos anteontem - quando me ligou dos Açores.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Incidentes em Aldeia Viçosa, entre FNLA e MPLA

Vista aérea de Aldeia Viçosa. Aquartelamento militar na parte superior


A 26 de Janeiro de 1975, aconteceu em Aldeia Viçosa o que se esperava. E não esperava. Atritos entre a FNLA e o MPLA levaram à necessária e pronta intervenção das Forças Armadas Portuguesas, para sanar o que se tornava inevitável: os confrontos para além das palavras.
Já por aqui se disse que as actividades de politização organizadas pelos dois  movimentos/partidos eram vistas com alguma desconfiança pela tropa. Não que se metessem connosco, não, não era o caso. Mas porque não se entendiam entre eles e, por isso, se levedavam azedumes e confrontos nada pacíficos.
O mais grave, terá sido a 26 de Janeiro (ontem fez 35 anos), quando MPLA e FNLA, imaginem!, pretenderam fazer um comício conjunto. Só que, afinal, não conseguiram entendimento e ia havendo mosquitos por cordas. O Matos e o Letras, ambos furriéis da 2ª. CCAV. (a de Aldeia Viçosa) e que consultei sobre esta data, não me refrescaram a memória destes incidentes - lembrando-se vagamente de tal ter acontecido. 
O Livro da Unidade, que agora cito, fala que a situação «deu origem à intervenção das NT, em situação apaziguadora, que se conseguiu». 
Ver AQUI

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Os primeiros dias de formação do BCAV. 8423

Regimento de Cavalaria de Santa Margarida, o Regimento de Cavalaria 4 (RC4), unidade
mobilizadora do Batalhão de Cavalaria 8423. Ao fundo, vê-se a capela do campo militar.
Foto de 26/08/2010


A 23 de Janeiro de 1974, nem se pensava em Abril seguinte e, por Santa Magarida, o Batalhão de Cavalaria 8423 dava os seus primeiros passos de formação. Eram os futuros Cavaleiros do Norte.
Duas semanas antes, Almeida e Brito, então tenente-coronel e comandante do batalhão, dera uma prédica sobre os valores militares, numa reunião em que já participou a maior parte dos quadros do 8423. E nela expressou «os princípios e hábitos de vida que teriam de nortear a vida do batalhão», durante o tempo em que, como unidade constituída, «vivesse no RC4 e na Região Militar de Angola». Ainda não se sabia que iríamos parar ao Quitexe.
A 23 de Janeiro - agora se fizeram 37 anos, o tempo voa!!!... - o BCAV. 8423 foi alvo de uma inspecção do coronel Magalhães Correa, da DAC. Repetida a 31, neste caso pelo coronel Paixão, do IGEFE.
Dessas inspecções já neste blog fizemos relato (ver AQUI). O que nos traz hoje a falar disto tem a ver com o orgulho que o grupo de militares do PELREC teve, por ser elogiado o seu comportamento militar - obviamente resultante do seu empenhamento no período de formação e treinamento militar - a recruta. Começara a 7 de Janeiro e era já uma equipa unida, uma família que se cimentou pela jornada africana que nos levou a Angola.
Hoje, 37 anos depois, todos temos orgulho dessa missão!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os passeios turístico-militares de Janeiro de 1975



O mês de Janeiro de 1975, já conhecidos os desenvolvimentos da Cimeira do Alvor - que apontavam para a independência de Angola - foram vividos com muita tranquilidade e também expectativa, quanto ao futuro próximo da guarnição.
A instalação da 3ª. CCAV. (a de Santa Isabel) no Quitexe, libertou-nos de parte dos muitos serviços que mesmo assim tínhamos de assegurar, apesar de já terem cessado as operações militares  - os piquetes, as escoltas, os de dia, os de guarda. Por isso, Carmona - e os desafios que a cidade sempre nos provocava e aliciava - passara a ser destino mais comum dos militares que, por uma ou outra razões, seriam financeiramente mais abonados. 
Mais aliciantes, ainda, eram os passeios que passaram a ser organizados pela acção psicológica - nomeadamente aos fins de semana. As Quedas do Duque de Bragança era uma das grandes atracções do tempo e, a partir do Quitexe, para lá se dirigiram verdadeiras excursões em viaturas militares. E a Malange! Ao Cacuso! A Salazar! Cidades próximas e atracções que refrigeravam a alma e davam ego a quem, os militares, por lá missionava em jornada militar com planeamento diferente da razão que lá nos levara.
A imagem, das majestosas Quedas do Duque de Bragança, mostram o Pires, de Bragança, furriel miliciano de transmissões da CCS do BCAV. 8423. Um Cavaleiro do Norte em passeio turístico e de farda vestida. 
Vida boa! 

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O espectáculo do MFA na cidade de Carmona



A 21 de Janeiro de 1975 realizou-se em Carmoma, no pavilhão do Clube Recreativo do Uíge (foto), um espectáculo cultural organizado pelo MFA e destinado aos  militares de todas as unidades do Comando do Sector. E lá esteve gente do Batalhão de Cavalaria 8423.
A memória confunde-me: não estou certo que no espectáculo tenham participado militares do batalhão ao tempo ainda sedeado no Quitexe (os Cavaleiros do Norte) - sendo seguro que, neste ou outro, houve participação de vários. E também se me escapa a segurança para dizer que um dos participantes mais activos era o então capitão miliciano José Paulo Fernandes, comandante da 3ª. Companhia. Arrisco a dizer que tocava viola e formou um grupo musical que entusiasmou, literalmente, toda a assistência militar e, muito em particular a comunidade civil que assistia também. Alguém pode confirmar, ou esclarecer isto?
A acção psicológica, como se vê, ultrapassava as fronteiras dos quarteis e assumia-se como meio de aproximação entre as forças armadas e os civis. Nesse sentido, e já com o BCAV. 8423 em Carmona, se realizaram torneios desportivos neste pavilhão. E ficou por realizar, o sarau cultural e recreativo que estava marcado para 31 de Maio - o sábado que foi véspera dos incidentes que encheram a cidade de fogo e sangue.  

domingo, 23 de janeiro de 2011

A picada para a fazenda e aquartelamento do Liberato...


Picada para a fazenda e aquartelamento Militar do
Liberato (foto de Luís Patriaca)



 
A picada para o Liberato sempre foi dor de cabeça para quem por ela tinha de passar. Não necessariamente apenas para as colunas militares, também para os civis que por aquelas bandas faziam pela vida. Em Abril de 1966, por exemplo e por relato de José Lapa, estava «novamente muito mal». 
José Lapa, que por lá jornadeou em missão,  fala de «a famigerada picada do Liberato» e o jornal da unidade - a BART  786 - chegava a chamar-lhe de «coitada!». «Não resistiu às primeiras chuvas e voltaram a manifestar-se os mesmos sintomas e mazelas que uma cura superfícial parecia ter eliminado», assim reportava a imprensa do batalhão.
«Os médicos (JAEA) estão outra vez de volta dela... mas até quando?», interroga o jornal do batalhão.
Outra questão era tempo desdse tempo, pois estava concluída a capela. «Se Deus quiser, será inaugurada solenemente na noite de 24 para 25 Dezembro, pouco antes da Missa do Galo que será a primeira Missa nela celebrada», relatava o jornal, de que nos mandou nota o amigo José Lapa.

sábado, 22 de janeiro de 2011

O 1º. cabo Casal participado em plena operação militar


António Casal da Fonseca, 1º. cabo de transmissões,
participado por alferes miliciano em plena operação militar

Por volta das três da manhã, em data que não consigo precisar, fomos acordados para mais uma operação de três dias, que nos levaria à densa mata angolana. Por onde andei, nunca o soube exactamente, mas recordo-me que foram dias de chuvas torrenciais e um calor abrasador, que nos secou as roupas no corpo.
Ao terceiro dia, fomos obrigados a passar um riacho que nos levaria a água aos joelhos. Calculei a distância entre as margens para ver se, saltando, evitava encher as botas de água, para tornar menos penoso o resto da caminhada. O alferes Sousa, de Operações Especiais e comandante do grupo, era especialista a debitar piadas de mau gosto, o que lhe terá causado dificuldades de relacionamento na Companhia, principalmente com sargentos e praças.
«Ó Casal, não tenha medo da água!..., se quiser eu levo-o pela mão… blá…blá…blá»!..., em tom gozão, achando que todo o grupo se iria rir da piada.
Ninguém se riu e muito menos eu, que lhe respondi no mesmo tom, mas com um sorriso largo, não o desrespeitando: «Desculpe lá meu alferes, mas não sou eu que ando a arrojar as botas desde ontem…, não fui eu que passei a mochila ao guia, apesar de ser eu que venho a alombar com um rádio…, e mais, eu até atravessava o riacho consigo às costas»!
Não gostou do que ouviu e nem eu gostei do que me vi “obrigado” a responder! Mas, pronto, estava dito, e de tal não me gabo nem me arrependo! Certo é que não atravessei o riacho, saltando por cima dele depois de tomar um balanço de cerca de 10 metros. Não molhei as botas, mas logo ali mesmo, à beira da água, me foi lida a sentença - uma participação!

Sentença interrompida por duas rajadas e dois ou três tiros isolados, que não nos terão passado muito longe! Devo dizer que houve ali alguma aflição, se não muita, porque as primeiras árvores distavam cerca de 20 metros. Fizemos melhor do que a instrução nos ensinara e rastejámos até ao arvoredo, lambendo a lama avermelhada. Não mais se ouviu um tiro e as horas que se seguiram foram de receios e cuidados. Não vimos ninguém, o que não era o melhor sinal, e pelas 15 horas a operação foi dada por terminada.
Visivelmente nervoso e sempre temendo que o TR 28 não fizesse o seu papel, aproximou-se de mim o alferes para que eu fizesse o contacto para o regresso ao quartel. «Você acha que o rádio vai funcionar?...contacte lá o quartel antes que se faça noite!»
E funcionou mesmo, com o Mário do outro lado da linha a perguntar se estava tudo bem - nesse mesmo dia, ao posto de rádio do Quitexe, enviadas de Santa Isabel, já tinham chegado noticias de outras movimentações. E a matar o tempo de espera, e também de medos, ali ficámos sentados a falar de coisas que nem tinham nada a ver com a operação. O seu curso de engenharia por acabar – tinha chumbado um ano - e do que eu fazia, ou não fazia, na vida civil, aguçando-se-lhe a curiosidade. E muito menos se falou da tal participação com que me ameaçara, assim como da troca de palavras na travessia do riacho que, vendo bem, não passaram de coisas menores. Até aos dias de hoje!
ANTÓNIO FONSECA

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O jantar de anos com marisco de há 35 anos...

Neto e Viegas, dois aguedenses que foram Cavaleiros
do Norte, no Quitexe, em 1974 e 1975)


Vejam lá como são estas coisas: encontrei hoje o Neto, à hora do almoço, estava ele com amigos da vida empresarial dele, e com as mesas cheias, deu para ficar na que ficava ao lado da dele, ia eu com dois amigos meus, das Finanças. «É pá, fez ontem 35 anos que comemos camarão no Rocha!», disse-lhe eu.
O Neto pôs-se a rir e intrigados ficaram os três companheiros dele, com quem já começava a refeiçoar. «Mas quem será este cromo?», deverão ter-se eles interrogado.
«Então?!...», olhou-me o Neto, a perguntar-me o que se tinha passado.
Lá lhe contei a história dos anos da senhora minha mãe e que nesse dia de 1975, dia 20 de Janeiro, fiz muita questão que fôssemos jantar ao Rocha - um restaurante muito frequentado por militares e que fica(va) ao lado direito da entrada do Quitexe, para quem vai de Luanda para Carmona. E jantámos bem, com entradas de camarão.
As nossas mães, de condição diferente, encontravam-se ao sábado na praça de Águeda - onde a minha vendia os seus produtos hortícolas, para guarnecer a sua magra economia doméstica, e a dele fazia compras. Lá trocavam informações sobre nós: «Então, o seu filho escreveu, como é que ele está e não está, blá, blá,. blá...».
O almoço lá se passou e com horas já apertadas para o trabalho - pois todos trabalhamos... - lá veio a peregrina ideia de se beber uma taça de espumante em honra da senhora minha mãe. Espumante do bruto!!! Do bom! E lá veio uma, lá vieram duas garrafas! E sobrou alguma coisinha no fundo? Era o sobravas. Foi todinho, em honra do jantar de fez ontem 35 anos. Como tempo voa, meus amigos... 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A mãe que fazia anos e tinha o filho na guerra...


Hoje fui reler a minha mãe o aerograma que escrevi, para lhe saudar o dia 20 de Janeiro de 1975. Fazia ela, por esta data, uns juvenis 54 anos. Hoje, faz 90 e tem uma memória de aço! Quem me dera!!!
A minha incorporação militar foi menos de um ano depois da morte de meu pai e, como todos sabemos, as famílias portuguesas desse tempo viviam o estigma da guerra do ultramar - onde iam parar todos os rapazes, aos 20/21 anos, nem que fossem coxos, surdos, mudos ou carecas! Eu não escapei à onda e por casa ficou a senhora minha mãe, viúva e só - que as minhas irmãs tinham casado e ido à vida delas.
«Eras um bruto!!!...», atirou-me ela, de um ápice, a  «mastigar» a piada de filho saudoso que eu lhe mandara no aerograma que hoje lhe reli, «castigando-a» por nele a felicitar pelos anos que fazia mas também a interpelar sobre os dias que se passavam entre a sua escrita para o filho que andava na guerra.
«Julgas que eu tinha a tuda vida!!!...».
E não tinha. Teve vida sacrificada, sem luxos, sem prebendas, sem coisa a mais que fosse para além da mesa sempre com pão, a gaveta sempre cheia e a roupa sempre lavada. A dor da partida do filho para a guerra, não sei se não terá sido muito igual à da perda de seu marido, meu pai!.
«Vê lá se voltas, rapaz!!!...», disse-me ela na madrugada de 26 de Maio de 1974, quando nos despedimos - sofrida, assim a via eu, mas segura e sem um ai. 
Eu ia para Santa Margarida e logo depois para Angola. E sei lá eu quantas orações fez pela sorte do filho, nesse tempo que foi o meu tempo de Angola. 
«Lembra-se do que me disse quando voltei?...», provoquei-a hoje, a testar a sua memória e brincalhar com os seus afectos.
Sabia muito bem. Eu fôra chamar a minha irmã, para a ir acordar, e ao ver-me, de olhos a sorrir, os mais doces que alguma vez lhe vi, perguntou-me: «Então, já chegaste, rapaz?!!!...». 
Hoje, fez 90 anos. A festa vai ser sábado. 
NOTA: Foto de C. Viegas, no Quitexe, em
data muito próxima de 20/01/1975

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Outras festas de Natal do Quitexe de 1974


O Natal do Quitexe, em 974, viveu-se e sentiu-se em várias frentes, para militares, ora com civis.A foto, que julgo ter sido tirada na casa paroquial, mostra um grupo de militares com jovens civis. E, na frente, de óculos, o padre Albino Capela.
Olhando melhor, vê-se um quadro negro, com a palavra «Boas», em giz branco - supõe-se que a enunciar Boas Festas.
O momento do retrato também poderá ter sido nalguma escola, no Quitexe ou em aldeia em volta! Pois, não sei - nem ninguém mo soube dizer. De qualquer modo, mostra a sã convivência inter-racial que era característica da sociedade quietexana e, também, o á-vontade relacional entre as comunidades militar e civil.
Não consigo identificar a senhora do lado esquerdo e muito menos o militar que se lhe segue - embora até dê ares de mim próprio. Mas depois, por esta ordem, aí estão seis garbosos alferes miliianos do BCAV. 8423: Hermida (CCS), Pedrosa e Simões (3ª. CCAV.), Cruz, Ribeiro e Garcia (CCS). 
Eram outros nataos, os de há 36 anos!  
- HERMIDA. José Leonel Pinto de Aragão Hermida, alferes miliciano de Transmisssões, residente na Figueira da Foz.
- PEDROSA. Luís António Pedrosa de Oliveira, alferes miliciano atirador de cavalaria, residente em Leiria.
- SIMÕES. Mário José Barros Simões, alferes miliciano atirador de cavalaria, professor nas Caldas da Raínha.
- CRUZ. António Albano de Araújo Sousa Cruz, alferes miliciano mecânico-auto, engenheiro mecânico em Santo Tirso.
- RIBEIRO. Jaime Rodrigues Picão Ribeiro, alferes miliciano sapador, engenheiro mecânico, residente no Tramagal.
- GARCIA. António Manuel Garcia, alferes miliciano de operações especiais (Ranger´s), de Pombal de Ansiães (Carrazeda de Ansiães), falecido a 2 de Novembro de 1979.
?


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O regulamento de limpeza da caserna do PELREC



O pavilhão que aqui se vê ao lado esquerdo era a caserna do pelotão de atiradores da CCS do BCAV. 8423 - o PELREC (Pelotão de Reconhecimento, Serviço e Informação), comandado pelo alferes miliciano Garcia.
Ali moraram, de 6 de Junho de 1974 a 2 de Março de 1975.
A caserna seguinte era a dos sapadores e outras especialidades. Outros, de outras especialidades, espalhavam-se por diferentes espaços da guarnição - casos dos enfermeiros (na enfermaria), dos homens das transmissões, das secretarias, cozinhas, padarias,  messes e bares, depósitos de material e aprovisionamento. 
Um belo dia, e porque se esvaziaram alguns deveres da malta do PELREC, entendemos eu e o Neto «reciclar» as NEP´ s, adaptando-as aos 30 atiradores e na caserna afixando regras comportamentais. Já antes tiveramos igual iniciativa - e ambas, aliás, foram muito bem aceites pela malta. Um dos «pelres´s», por dia, era responsável pela limpeza das zonas mistas. O que lhe dava algum trabalho. Mas ninguém se melindrou, ou foragiu da «lei».
Chegou a «novidade», todavia, aos ouvidos do tenente Mora, 2º. comandante da CCS.
«O que é que vocês fizeram?!...», perguntou-nos, com cara de caso, o bom do alferes Garcia - que na messe de oficiais ouvira conversa que nos comprometia e responsabilizava.
Ora, «não fizemos nada...», assim lhe dissemos.
Que não, que havia marosca, que «alguma fizeram...», insistiu o alferes Garcia. O tenente Mora andara a praguejar na messe, arguindo «os furriéis Neto e Viegas», que teriam «armado mais uma das deles...». Até o capitão Oliveira já estava dentro do assunto e a alegada falta disciolinar chegara até já aos ouvidos do comandante.
Nós não dávamos nada por achados e nem sequer nos lembrávamos da afixação da NEP. Já numa outra ocasião, e dela sabia o alferes Garcia (que a autorizara), tínhamos feito coisa idêntica - a de afixar o regulamento na caserna -, e disso não viera mal ao mundo. Portanto, nada nos acusava na consciência.
Mas o Garcia lá nos falou do nosso pecado: «Vocês não afixaram nada na caserna?!...», perguntou-nos.
Ah, pois, tínhamos afixado, sim... Era uma parte das NEP´s, sobre a limpeza. «É isso algum problema?...», indagámos ao bem disposto oficial miliciano.
Pois, não era, ele nos disse. E foi explicar ao tenente Mora que nada de especial se passava.
- MORA. José Eloy Borges da Cunha e Mora, tenente do SGE e adjunto do comandante da CCS. Faleceu a 21 de Abril de 1963, com 67 anos.
- GARCIA. António Manuel Garcia, alferes miliciano de Operações Especiais (Ranger´s). Natural de Pombal de Ansiães (Carrazeda de Ansiães). Faleceu a 2 de Novembro de 1979, com 27 anos.
- NEP: Normas de Execução Permanente.
Ver AQUI.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Incêndio na arrecadação de material do Quitexe

A arrecadação em chamas (em cima) e a inter
venção dos bombeiros no incêndio do Quitexe


A 17 de Janeiro de 1975, hoje se completam 36 anos, deflagou um incêndio na arrecadação de material da CCS, no mesmo edifício que servia de residência dos oficiais do BCAV. 8423. Os prejuízos foram elevados e supõe-se que a origem tenha estado num curto-circuito. Foi um grande susto, mas houve tempo para salvar os pertences dos militares.
O fogo «estourou» ao princípio da noite e o facto de se saber que havia depósito de material de guerra num dos espaços do edifício casusou seríssimas preocupações. Ouvia-se, de resto, o estourar de munições, a rebentar com o calor das labaredas e chegou a supôr-se o pior. As aflições foram muitas.
Acudiu a tropa, como pôde - e pôde muito... - mas faltava a água e a chegada dos bombeiros, com uma bomba manual e com meia-dúzia de litros de água, deu mais para rir que para acreditar no êxito da sua intervenção - o corpo de bombeiros, de resto, não passava de três e, como se vê na foto, até se apresentavam de gravata.
Houve «avultados prejuízos materiais», como se lê no Livro da Unidade, que cita «a maior dedicação da parte do pessoal militar». Mesmo assim, ainda olhando o LU, «não houve possibilidade de evitar a destruição total do imóvel, por falta de meios adequados para apagar o incêndio, inclusivé a própria água». 
Ver AQUI.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Inauguração de um posto telefónico no Quitexe


A barreira de controle do Quitexe, na estrada de Carmona para Luanda - a estrada do café - não é do tempo BCAV. 8423, dos Cavaleiros do Norte. É de guarnições anteriores, como a do Batalhão de Artilharia 786 (BART. 786. Ao nosso tempo, circulava-se sem controlo de trânsito, salvo quando eram pontualmente feitos por razões de natureza militar.
É do tempo do BART. 786, também, a inauguração de um posto telefónico na Secção de Operações e Informações do respectivo Comando. A «inauguração», como relatava o jornal da unidade, decorreu «com grande solenidade» e, por coincidência, num dia 13. Dia 13 de Abril de 1966.
 O melhoramento, no dizer do sargento Piedade Silva, «muito irá contribuir para o descanso das pernas dos que ali trabalham». O cronista do jornal, reportando o acontecimento, fazia notar que «já se fala, também, segundo averiguamos, de nomear um telefonista privativo para aquela Secção».
A razão era evidente: a instalação da linha provocou elevado "consumo" do novo equipamento, qual brinquedinho que todos queriam usar - pela necessidade, ou pela curiosidade. O uso dado nos primeiros dias, ironizou-se, até desgastou o micro-auscultador.

Estas coisas não acontecem por acaso e os bons dos artilheiros do Quitexe não esqueceram de agradecer ao Comando de Sector, que "emprestou" o cabo necessário para a ligação.
Dados de José Lapa (na foto)

sábado, 15 de janeiro de 2011

A notícia de um falecimento na aldeia...


Aeroporto internacional Craveiro Lopes, em Luanda (1974/75)

Aqui falei, no dia 11 d Janeiro, de um encontro de ribeirenses em Luanda, no bacalhau do Vilela - ao bairro da Cuca. E da visita que, nessa altura, eu e o Albano Resende fizemos ao Neca Reis.
Neca e Aníbal (também Reis, o Lito) foram os dois primeiros conterrâneos mobilizados para Angola, em 1961. O Neca, que é meu vizinho de a 100 metros, passou mesmo pelo Quitexe e Carmona, em passas de guerra que nem vale a pena lembrar.
Esta tarde encontrei-me com ele e eu, de memória fresca pelo post de 3ª.-feira, lá lhe lembrei a bacalhauzada do Vilela.
«E sabes que novidade me deste ao outro dia?», perguntou-me ele, de olhar grave e olhos a quase marejar para a emoção. Não, não me lembrava. «Deste-me a notícia da morte do meu pai...».
Rebobinei a memória, reli apontamemtos e vem ao caso lembrar que, na manhã de domingo, dia 12 de Janeiro de 1975, estando eu em Luanda, fiz um telefonema para a vizinha Celeste, querendo  surpreender minha mãe, que era vizinha da loja que tinha um dos apenas dois telefones que existiam na minha aldeia. Telefonar de Angola para Portugal, naquele tempo, era uma verdadeira epopeia, um verdadeiro atrevimento, e em nenhuma das vezes consegui falar com a autora dos meus dias. Mas, dessa vez, disse-me a vizinha Celeste que tinha sido o enterro do pai do Neca, na véspera. O enterro de José Simões dos Reis - que conhecíamos por Taipeiro.
Fiquei naquela de ir ter com ele, ou não. Ele já saberia, ou não. Na véspera, que tinha sido o dia de funeral e da bacalhauzada, não sabia. Resolvi-me a ir e lá fui de táxi, até ao restaurante onde ele trabalhava - para lhe dar a notícia. Horas depois, lá tinha de voltar ao Quitexe e dei-lhe a má nova num ápice de tempo. Ele ainda não sabia. Naquele tempo as comunicações não eram como hoje, quase instantâneas - e ainda lá não tinha chegado a má nova. 
«Ainda servi os almoços e depois fui para casa. Só uns dias depois recebi uma carta a dar-me a notícia», comentou-me o Neca, na conversa de hoje. E desfiou-me, depois, a maldição do seus tempos de militar em Angola, ns epopeicos tempos de 1961 e 1962. 

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Estado Maior do Comando de Sector do Uíge reunido no Quitexe

Edifício do comando do BCAV. 8423, à esquerda, na
avenida principal do Quitexe  



A 15 de Janeiro de 1975, o Estado Maior do Comando do Sector do Uíge esteve no Quitexe, reunindo com todas as unidades da área e participação dos respectivos oficiais. O objectivo era definir as actividades operacionais e, pelo mesmo motivo, o comandante Almeida e Brito já tinha estado em Carmona, no Comando de Sector - onde voltou no dia 28.
A mesma razão o levou também a Vista Alegre, onde estava a 1ª. CCAV. 8423, comandada pelo capitão miliciano Castro Dias. E à 2ª. CCAV., em Aldeia Viçosa, do capitão miliciano José Manuel Cruz, a 23. No dia 18, esteve no BC12, em Carmona (a nossa futura unidade). Contactos em que se fazia acompanhar do oficial-adjunto do BCAV. 8423, o capitão José Paulo Falcão.
Ao tempo, os movimentos emancipaliatsa prosseguiam as suas actividades políticas, verificando-se que, e cito o Livro da Unidade, que «a área do Quitexe é quase na íntegra da FNLA, enquanto nas áreas de Aldeia Viçosa e Vista Alegre se verifica uma mesclagem deste movimento com o MPLA» - o que, voltamos a citar, «tem dado azo a situações de atrito entre eles».
Melhor que eu disso poderiam falar os companheiros da 1ª. CCAV. e 2ª. CCAV., mas lembro, vagamente, notícias de alguns incidentes em Aldeia Viçosa, que obrigaram a pronta intervenção das Forças Armadas Portuguesas. Havia, é justo lembrar, algum respeito dos homens dos movimentos pela tropa portuguesa e esse facor terá sido dissuasor de alguns mais graves e complexos problemas.
Ver AQUI.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A falta de água na guarnição da Fazenda do Liberato


Aspecto da guarnição militar da Fazenda Liberato
(foto de Luís Patriarca)

Não me engano se lembrar que apenas duas ou três vezes estive no Liberato - fazenda por onde durante anos se instalaram várias unidades militares. E é certo que foi uma revolta da companhia mista lá sedeada em Setembro de 1974, a última de todas, que mais preocupações criou à guarnição do Quitexe.
O Liberato era para lá das matas e do asfalto, a picada metia-nos medos e os barulhos que nos zurziam os ouvidos nem às vezes nos deixavam respirar. E nós que gozávamos o privilégio de «morar» numa vila como o Quitexe, abençoávamos este luxo, mas solidários, sempre, com os nossos companheiros que eram «desterrados» para as ingratas posições militares da mata norte-angolana. Zalala e Santa Isabel, ou Luísa Maria, com as suas diferenças e pluralidades, nunca seriam tão «apetitosas» para a vida de um militar em missão de guerra como seriam o Quitexe, ou Aldeia Viçosa, ou Vista Alegre, ou até a Ponte do Dange - povoações ao longo da estrada do café, asfaltada até Luanda.

Ao nosso tempo, por lá fez jornada a Companhia de Caçadores 209, do RI21 (Luanda), que integrava militares angolanos e alguns quadros da então chamada metrópole - era o caso do Marques (furriel), que era do Caramulo mas foi meu companheiro na escola de Águeda. Noutros tempos, outra gente por lá cumpriu comissão. Em Abril de 1966, por exemplo, por lá estava estacionada a CART. 784, do BCART. 786, e José Lapa veio dar-nos nota de que, sendo embora o mês de época das chuvas, por cruel ironia, começou por lá o racionamento de água.
E porquê? Ora, porque o rio Calambinga não levava a dita, era é só lama, e foram necessárias várias e morosas "operações" para a tentar captar, embora com fraca garantia para se extraírem umas gotas do precioso líquido.
O médico, preocupado e com a sabedoria que tinha sobre a matéria, já engendrara um improvisado filtro e o comando de Engenharia também por lá trabalhou no assunto.
O que não se sofria, para se ter água.
Ver AQUI.
E AQUI.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Acidente na estrada de Camabatela, pouco à frente do cemitério


Ao fundo, vê-se o casario do Quitexe e aqui, na foto do cemitério da vila, olha-se um momento de profundo recolhimento da comunidade civil, em honra e memória dos que, quitexanos de natal ou de paixão, civis ou militares, ali estavam em repouso final. 
O campos dos mortos ficava na saída da vila, na estrada (picada) para Camabatela, talvez a um quilómetro da urbe quitexana, ou nem isso. De poucos metros à frente, recordo um acidente de Unimog, saíamos nós num dos primeiros patrulhamentos da comissão que por lá nos levou. Virou-se a viatura, saltei eu e saltaram outros, mas feriu-se o Hipólito e o Dionísio - que eram garbosos soldados do PELREC.
Foi um susto, sentiram-se os suores frios do medo, mas felizmente com poucas mazelas físicas - se bem que o condutor (cuja cara lembro, mas o nome esqueço...) tenha ficado maleitado de um dos braços. A ocasião foi aproveitada, nos dias seguintes, para prelecções sobre as motivações e implicações de segurança em pisos a que não estavam os nossos condutores habituados.
A foto, que nos foi enviada por José Lapa, recorda o cerimonial do dia 1 de Novembro de 1966, no cemitério de Quitexe.
- HIPÓLITO. Augusto de Sousa Hipólito, 1º. cabo de Reconhecimento de Infantaria, do PELREC, natural de Vinhais e residente em França.
- DIONÍSIO. Dionísio Cândido Marques Baptista, soldado atirador do PELREC, residente no Seixal.  

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O bacalhau do Vilela num encontro de ribeirenses



O Katekero (foto), no Largo Serpa Pinto, era o meu pouso habitual - sempre que me deslocava a Luanda, ora por qualquer razão de serviço, ora de férias ou nalgum desenfianço de ocasião.
Lá me ia buscar o Albano, sempre que a sua vida de comercial na imensa metrópole luandina lhe permitia proporcionar-me alguma passeata turística - a visitar algum lugar mais especial, ir à ilha ou ao Mussulo; a algum restaurante mais especial. Num destes dias de Janeiro de 1975, fomos à zona mais alta - onde ele descobrira outro conterrâneo nosso e familiar dele, o Neca - que meses antes eu localizara no Úcua, ao balcão de um snack-bar.
Assim foi e, para a noite, foi decidido ir ao Viela - um famoso restaurante da estrada da Cuca, área onde viviam  duas famílias ribeirenses - o Mário (e a Benedita) e o José Martinho (e Emília). Este, fôra um dos primeiros combatentes do Quitexe e dele ouvi relatos da bravura que, nos dramáticos meses de 1961, provocou e sentiu martírios e dores que a memória não esquece, mas não quer lembrar. Era, ao tempo, agente da PSP em Luanda.
Jantar no Vilela, assim e com a nossa gente, como se estivéssemos ali no adro, no fim da missa, a perguntar por cada um das nossas famílias e a sentir os cheiros e os sabores da nossa terra de Ois da Ribeira, foi um luxo emotivo muito especial. Até mete saudades!
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E AQUI.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A independência de Angola e os primos Resende

Estrada do Café, á saída de Carmona (Foto de Bembe, em Agosto de 2010). O troço que se vê ia dar ao Quitexe (a 41 kms), para Luanda. Aeroporto de Carmona (em cima)

O mês de Janeiro de 1975 decorria sem grande alvoroço, murmurando-se embora, pelo Quitexe, uma nova remodelação do dispositivo militar - na sequência da próxima extinção do BC12, em Carmona. Lá chegarímos, a 2 de Março.
Ao dia 9, combinado com amigos próximos - que me defenderiam as costas, caso fosse necessário... - preparei-me para uma escapadinha a Luanda. Pela estrada de asfalto, galgavam-se 280 quilómetros, zás, trás, pás e já lá estávamos. Mas mais fácil era ir de avião, voando de Carmona.
Buscou-me o Albano, no aeroporto, e por lá me deixei ficar no remanso do Katekero, à mão de qualquer sítio mais desejado de Luanda - na baixa de todas as cores e apetites, das mesas e esplanadas de sabores e frescuras, dos calores, dos cios e das emoções das noites, que invariavelmente desfrutava na companhia do Alberto. E por lá nos fazíamos até passar por irmãos gémeos.
A 10 de Janeiro, hoje se completam 35 anos, o Albano «pregou-me» uma surpresa: a visita ao primo Paulo, que eu conhecia da casa da família Resende (aqui a 100 metros) e da relação deles com as minhas irmãs - e por quem nutria a admiração de ser dirigente do Benfica de Luanda e da secção de basquetebol feminino, que tempos antes (1966/67) tinha sido campeã nacional. Suponho até que tinha sido ele o treinador da equipa.
Vimos as instalações do clube e a noite foi para falar de política, que nesse dia começava no Alvor a Cimeira que iria determinar a independência de Angola. Decorreu entre os dias 10 e 15 de Janeiro de 1975, sendo a base das negociações constituída pela plataforma acordada pelos três Movimentos, em Mombaça, no Quénia.
Não o sabíamos nessa noite, como é  óbvio, mas o Acordo do Alvor viria a afirmar a FNLA, o MPLA e a Unita como «os únicos e legítimos representantes do povo angolano» e proclamava o direito à independência, com Angola «constituindo uma entidade una e indivisível nos seus limites geográficos e políticos» desse tempo e que, neste contexto, Cabinda era «parte integrante e inalienável do território angolano».

A data da independência ficou marcada para 11 de Novembro de 1975, definindo como órgãos de poder, para o período de transição, um Alto-Comissário e um Governo de Transição, presidido por um Colégio Presidencial. Também previa uma Comissão Nacional de Defesa, para decisões no tocante à segurança.
Precupado com isto estava o Albano, menos interessado me parecendo o primo Paulo - como ao outro dia (já era sábado) concordámos ao almoço, no então recém-inaugurado Mutamba, muito perto do trabalho de outro irmão do Albano, o Manuel - que se juntou ao manjar da enorme esplanada interior do restaurante.
«O que é que achas disto?», perguntou-me o Albano.
Que preparassem as malas, que mandassem o que pudessem para Portugal, que, que e que...
Surpreendeu-se o Albano e trocámos fartas impressões sobre a situação que se vivia em Luanda. Nada simpática. Nada segura. Muito vulnerável, assim me parecia. Nessa noite, do nono ou décimo andar do Katekero, vi os céus de Luanda a «arderem» de fogo cruzado. Grupos isolados trocavam «mensagens» ao som das armas.
Ver AQUI.
AQUI.

domingo, 9 de janeiro de 2011

O primeiro dia de 1973 no Quitexe

Entrada do Quitexe, do lado de Luanda (foto de Jorge Oliveira, 2004).
À direita, o bar do Rocha



ANTÓNIO FONSECA
Texto

O primeiro dia do ano de 1973, logo às nove da manhã, tínha-me já no bar do Topete, de volta de uma bifana. Aliás, para ser mais verdadeiro, de duas, com o molho a impregnar o pão e acompanhadas de…”Missions”, que a hora era imprópria para outras bebidas.
A noite tinha sido longa, mal dormida e cheia de alertas, e, talvez por, isso acordei com fome, muita fome. Aproveitei para acertar melhor o almoço que eu mesmo organizei, com um grupo bem restrito e “certinho” e que seria (e foi) servido lá para as 13,30 horas. Cabrito assado, com aquele molho africano que só eles sabiam fazer, com o devido acompanhamento e iguarias. E com cerveja, claro está!
Voltei para a vivenda, onde alguns ainda estavam ferrados no sono, e dei de caras com um amigo, sub-chefe dos Voluntários do Quitexe e quase meu vizinho na então Metrópole. Logo percebi que me ia convidar para o almoço e não me enganei. Não me fiz rogado e nem me desculpei com o almoço que eu mesmo organizara no Topete. Que me perdoassem os amigos, mas eu teria de pedir dispensa e ir comer o cabrito para outro lado. Então, se o amigo Daniel até fizera a noite por troca com um colega para que me pudesse convidar, eu tinha lá coragem de lhe dizer que não?! Quis fazer-me essa surpresa, que muito me honrou.
Dispensado pelo grupo, apresentei-me na casa que me convidara. E lá estava, à minha espera, a D. Maria. No almoço, que ela adivinhava animado, iria falar-se da sua (nossa) terra, de costumes natalícios e de tantas coisas que ambos interiorizavam e que sempre aproveitavam a minha presença para despejar o que lhes ia na alma. E assim foi, durante as horas que durou o repasto, bem conversado e bem regado.
«Tudo isto está divinal!...», gabava eu a cozinheira que, sabia eu, beneficiara de uma mãozinha caseira na preparação daqueles molhos que tornavam a comida ainda mais suculenta.
«Foi tudo feito com muito gosto…», respondia com um sorriso de orelha a orelha e cúmplice com o marido, enquanto sacudia a mão da pequenita que se punha em bicos de pés para chegar às filhoses.
O vinho, um garrafão de cinco litros, foi do verde e oferecido pelo Sr. Morais, assim como uma garrafa de whisky já velhinho, com que nos brindou já ao fim da tarde.
Nem as duas bifanas da manhã no Topete me tiraram o apetite para o almoço, e ainda bem. E voltando ao Topete, por lá almoçou o grupo que eu mesmo convidei e agreguei e do qual fui dispensado, tendo tudo corrido de forma animada e sem quaisquer queixas da gastronomia. E nem deram pela minha falta, o que também não terá sido difícil. E ainda bem!
E tudo isto há 38 anos…, andava esta alminha por terras do Quitexe!
ANTÓNIO FONSECA

sábado, 8 de janeiro de 2011

O talhão militar do cemitério do Quitexe

Funeral do furriel Pinto e do soldado Malheiro, do
BART. 786, em Abril de 1966, no cemitério do Quitexe 


O cemitério do Quitexe tinha o chamado Talhão Militar - onde foram sepultados elementos das forças armadas portuguesas que, pelo Uíge, faleceram em combate ou por acidente.
Lá fui algumas vezes, olhando as placas com os seus nomes, procurando (sem encontrar) algum que fosse da região de Águeda.
Quantas emoções se sentiram, quantas interrogações nos  constrangiam, quantas dúvidas nos assaltavam nesses momentos de reflexão!!
Estranhamente, ou talvez não, os momentos passados no cemitério (como na igreja de Santa Maria do Quitexe)m  davam-nos uma enorme tranquilidade espiritual - - diria até que mais força emocional e física..- - para enfrentarmos a dureza e incertezas da nossa comissão militar.
Há dias, aqui falei dos militares do Batalhão de Artilharia 786. Com foto de José Lapa. Hoje, também de José Lapa, aqui trazemos a foto dos funerais de dois militares mortos em acidente de viação, na estrada Quitexe-Aldeia Viçosa no mês de Abril de 1966: o furriel miliciano Luís Joaquim Pereira Pinto, de Torre de Moncorvo, e o soldado Alfredo Rebelo Amorim Malheiro, de Vila Nova de Cerveira, ambos da CART. 785 e falecidos a 24 de Abril de 1966.
- LAPA. José António Ferreira Lapa, 1º. cabo escriturário da CCS do BART 786. Comerciante reformado, natural de Santa Marinha e residente em Vilar de Andorinho (V. N. de Gaia).