domingo, 31 de outubro de 2010

O desarmamento dos milícias e o GE que chegou a capitão

Bar do Rocha, na entrada do Quitexe, do lado de Luanda, na Estrada do Café

O desarmamento dos milícias começou a ser feito, «voluntariamente», a 28 de Outubro de 1974. E sem quaisquer problemas. Para trás, ficavam alguns constrangimentos levantados pelos regedores das sanzalas, qu´andavam tementes de eventuais represálias dos combatentes dos movimentos de libertação - em particular da FNLA, o mais operativo na zona.
Desses dias, mas sem agora conseguir precisar pormenores, lembro-me da reacção meio tresmalhada de um GE que, no bar do Rocha (foto), já mais de meio embriagado, fazia questão de garantir, em ar de bravata e até insolência, que ele «nunca entregaria a arma».
Um GE, repare-se! Não um milícia.
Mas os próprios GE´s, quando chegou a hora do seu desarmamento, também não levantaram quaisquer problemas. Alguns deles, sem qualquer estranheza ou surpresa nossas (nossas, Forças Armadas de Portugal...), acabaram até por aderir ora à FNLA, ora ao MPLA.  
Um deles, vi eu a encontrá-lo - ou ele a mim, como queiram... - na avenida D, João II, em Luanda, com os galões de capitão nos ombros. Comandava uma força do MPLA, nos conturbados tempos de Agosto para Setembro de 1975.
Lembro-me que os seus olhos brilhavam de alegria: «Subi nos vida, esfurrié...», disse ele, para mim e para o Neto, radiante da vida e com o ar da felicidade de quem está no céu.
Era o mesmo GE que muitas vezes me dizia que tinha «mais esdinheiro nos puto que tu...». Tu, que era eu. Valha a verdade que não era difícil, mas, sendo isto verdade ou mentira, certo é que também me dizia que tinha um ou dois filhos a estudar num colégio do Estoril.
- GE. Grupos Especiais. Unidades auxiliares formadas em 1968, constituídas por voluntários africanos de etnia local, que operavam adidas às unidades do Exército Português. No seu auge, em Angola existiam, 99 grupos GE de 31 homens, cada. O BCAV. 8423 tinha adidos os GE nºs. 217 e 223 (Quitexe), o 222 (Aldeia Viçosa) e o 208 (Vista Alegre).
- PUTO. Designação dada a Portugal (continental), por ser pequeno, relativamente a Angola. Angola é territorialmente 14 vezes maior que Portugal.

sábado, 30 de outubro de 2010

Três garbosos «cavaleiros» de Santa Isabel

Lopes, Belo e Graciano, três furriéis de Santa Isabel (3ª. CCAV. 8423)


Os tempos de tropa, costuma dizer-se, são dos melhores das nossas vidas. Nunca os esquecemos, por isto, por aquilo, por tudo!!! E também pelas sementes de companheirismo que se desenvolveram e se transformaram em amizades para toda a vida! Há, na vida militar - e nomeadamente a que se desenvolve em teatros de guerra -  uma solidariedade imensa, que nasce dos momentos comuns de dor e de saudade e se multiplica em cada gesto, em cada dia, pelas semanas e os meses fora, os anos!
Os companheiros de Santa Isabel, os da 3ª. CCAV. do capitão Fernandes, foram os que mais privaram com a CCS - por no Quitexe termos sido contemporâneos, de Dezembro de 1974 e princípios de Março de 1975.
Aqui recordamos, desse tempo, três jovens e gabosos furriéis milicianos:
- LOPES. José Avelino Grenha Lopes, atirador de cavalaria, natural de Galegos de Santa Maria (Barcelos) e residente em Lisboa. Está ligado à área dos têxteis e confecções.
- BELO. Agostinho Pires Belo, amanuense, natural e residente no Retaxo (Castelo Branco), aposentado da administração fiscal. 
- GRACIANO. Graciano Correia da Silva, atirador de cavalaria, de Lamego, vitivinicultor. 

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Apresentação de 6 homens armados da FNLA no Quitexe

Edifício do Comando do CCAV. 8423 (à esquerda), na esquina da rua para a Igreja do Quitexe


A 29 de Outubro de 1974, um grupo de seis elementos armados da FNLA apresentou-se ao comando do Batalhão de Cavalaria 8423, no Quitexe. Era um fim de tarde, já a estender-se para a hora do jantar, seriam para aí umas cinco, cinco e meia, e a guarnição mexia-se no bulício habitual.
As oficinas e secretaria já tinham trancado as portas e fumegavam panelas e tachos na cozinha, enquanto alguns militares enxaguavam o corpo nos balneários, despegando-se do pó vermelho da terra angolana, que era fartamente regado pelo suor que lhes irritava a pele, mas desentupia os poros.
A «coisa», digo eu..., devia estar combinada, pois chegaram os seis homens, seis homens negros da cor do pau-preto, de carapinha meia tapada por bonés rotos e a enfeiar-lhe o rosto, modestamente fardados, de cinturão feito de corda de sisal, camisa em tons de camuflado e calças descaídas, a tapar-lhe os pés meio calçados. E um deles, me lembro eu, de sandálias meio avermelhadas e a deixar ver a sola branca dos pés e as unhas grandes, por onde parecia terem vegetado matacanhas.
O Garcia tínha-nos posto de sobreaviso. «Podem aparecer aí uns gajos..., nada de hostilidades!!!...». E nós ali a vê-los, de olhos desconfiados, como milhafres grandes a mirar as presas, «presas» a subirem a rua de baixo, do lado da estrada para Camabatela, até que um oficial os pegou.
«Filhos da p... Ainda os f.... e é já!!!...», ouvimos por ali, na porta da casa dos furriéis, vendo-os entrar para o edifício do comando - onde já estava a autoridade administrativa do Quitexe.
Os seis homens, viemos a saber, diziam-se pertencer ao quartel de Aldeia e vinham comandados pelo sub-comandante João Alves. Vinham e apontaram o dedo aos militares portugueses - que culpavam de actividades ofensivas na serra do Quibinda. Depois do anunciado cessar-fogo de 15 de Outubro.
«Facilmente concluíram serem tais actividades de elementos estranhos, que procuram, certamente, criar um clima de desconfiança total, entre a FNLA e as NT», lê-se no Livro da Unidade.
Ainda hoje é estranho falar deste momento, que foi tão pacífico e tão relevante, ao mesmo tempo. Faz hoje 36 anos!!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

As botas que eram da Força Aérea e custaram 400$00



A 28 de Outubro de 1974, recebi umas botas pelo correio. Botas da tropa, bem entendido.
As minhas, um dos dois pares de cabedal que daqui levara, já estavam muito gastas pelos milhares de quilómetros calcorreados desde a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, passando pelo exigente e muito palmilhado Centro de Instrução de Operações Especiais - os Rangers, em Lamego - e não esquecendo os tempos de Santa Margarida. E as operações militares nas matas do Uíge angolano. 
E o que de história tem receber um par de botas?! Bom, é que eram botas da Força Aérea e eu era do... Exército, o que causou alguns engulhos. Nomeadamente, por causa da velhíssima relação persecutória que um quadro superior da CCS mantinha com a minha pessoa.
Fui chamado a contas.
«O nosso furriel não sabe que calça umas botas da Força Aérea?», interpelou-me o impertinente superior hierárquico, uns dias depois. Bem poucos.
«As botas são minhas...», respondi, com ar e atitude de respeito.
«Não pode usá-las, são da Força Aérea...», insistiu quem na tropa mais era que eu.
«São minhas!...», retorqui, já meio refilão, diria mesmo algo insolente - que a paciência também morre.
«Faça favor de as ir tirar, se não participo...», ameaçou-me a superior figura.
«Pois participe!!! Eu conheço das NEP...», respondi eu, já impaciente, mas respeitador qb e até algo receoso, confesso. «Dá-me licença que me retire?».
Fui licenciado e ao outro dia repreendido: «O sr. furriel nunca mais me responde assim, se não....».
Vim a saber - estas coisas sabem-se sempre... - que a venerável figura tinha passado horas a procurar nas NEP um artigozinho da lei com o qual me pudesse «fazer a cama».
«Ó Viegas, pá... o homem até se babava de ansiedade, por não encontrar forma de te pegar...», disse-me um 1º. cabo que assistiu ao acto.
As botas foram enviadas pelo amigo Alberto Ferreira, que era cabo especialista da Força Aérea, na Base Aérea de Luanda. Custaram 400$00. «O correio foi de borla, pois trata-se de um envio de SPM para SPM», contou-me ele, na carta capeada pelo envelope da imagem que se vê acima.
- NEP. Normas de Execução Permanente.
- SPM. Serviço Postal Militar

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Os refrigerantes do Costa tinham álcool

Lopes, Viegas, Bento e Flora (em cima), Rocha, Carvalho, Lopes (3ª. CCAV.)
e Costa (Morteiros) e Reina no dia de ano novo de 1975

Uma das unidades operacionais da CCS do BCAV. 8423 era o Pelotão de Morteiros 4281, comandado pelo alferes Leite - se me não engano, sendo certo que era açoreano. Estava instalado ao lado da padaria, entre as messes da sargentos e oficiais, e dele (do PM) lembro o impagável furriel Costa.
Impagável - e o ponto de vista é meu, ele que me perdõe... - pelas teorias que desenvolvia sobre qualquer assunto (fosse ele qual fosse...) e porque vivia na suspeição de que o álcool fazia mal e não o bebia. Só refrigerantes: dussóis, missions, coca-colas e, vá lá, ousava até beber água.
Nós, então, a gozar com a coisa e por malandrice, até porque ele era lá das lisboas - um queque, do nosso ponto de vista rural... -  «voluntariavamo-nos» para lhe pregar sucessivas partidas, misturando-lhe álcool nas bebidas, à sucapa. Em dose qb, vá lá..., de molde a que ele não entendesse o nosso abuso.
Pois o bom do Costa bebia e entendia que tinham álcool, mas não percebeu que o púnhamos nós. Para ele, na sua santa bondade, os refrigerantes tinham álcool, tinham, tinham... sim senhora, e de tal forma que até o toldavam.
Ai as discussões que nós tivemos na messe do Quitexe, para defendermos a tese de que não tinham álcool, reinvidicando sempre o Costa razões para a sua tese: tinham álcool, sim senhor. Não eram todos, mas ele bem o notava n´alguns! 
- REINA. O amigo furriel Reina fazia anos neste, 22!!!! Foi uma festa!!!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Retirada dos Cavaleiros do Norte das guarnições não urbanas

Monumento aos mortos, na Fazenda do Liberato (em cima) e porta
d´armas do Quitexe (em baixo, à direita), vendo-se hasteada a bandeira de Portugal)

A 25 de Outubro de 1974, começaram a conhecer-se as linhas gerais da  remodelação do dispositivo militar do Sub-Sector do Uíge - o do Batalhão de Cavalaria 8423, que por aqui vamos chamando de Cavaleiros do Norte.
1 - A Companhia de Caçadores 209, que se aquartelava na Fazenda do Liberato ia a regressar à sede (o RI21, em Luanda), com data marcada para 8 de Novembro.
2 - A Companhia de Caçadores 4145 abandonadoria Vista Alegre e passava para o Comando Operacional de Luanda. E para lá rodava a 1ª. CAV. 8423, a de Zalala - comandada pelo capitão miliciano Castro Dias. A operação viria a estar concluída no final de Novembro de 1974.
3 - A 3ª. CCAV., a do capitão José Paulo Fernandes, com guarnição na Fazenda de Santa Isabel, rodaria para o Quitexe - o que se viria a completar em Dezembro.
Na prática, eram abandonadas as posições militares de «mato», nas fazendas de Zalala, Santa Isabel e Liberato. O BCAV. 8423 passava a operar na linha do alcatrão da estrada do café, da Ponte do Dange a Carmona, com posições em Vista Alegre, Aldeia Viçosa e Quitexe

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Aqueles que no Quitexe pediam e ajudavam a tropa...

Capitão Oliveira, Alferes Cruz, Ribeiro e Garcia, furriel Viegas e alferes Simões, na sanzala do Canzenza (1974) 


ANTÓNIO CASAL
Texto

Socorrendo-me da minha memória visual, recordo bem o quitexano que está à esquerda do Viegas. Era um rapaz que não tinha ocupação fixa e que se abeirava da tropa, principalmente da enfermaria, à espera de qualquer pequena tarefa, a troco de comida.
Era afável e educado e a quem se confiava algumas tarefas, principalmente de limpeza. Tinha alguns problemas de dicção, o que o levava a olhar para o chão em alternativa à resposta.
Como ele, havia outros na vila e a quem a tropa não recusava ajuda, de um modo ou de outro. Quando chegámos, de imediato se foram abeirando e alguns até puxavam dos seus "galões", mostrando que já estavam integrados e, ao mesmo tempo, pediam este aval aos militares que substituimos. Era uma luta pela subsistência a que nós assistíamos e que nos era muito estranha. Afinal, tínhamos apenas meia dúzia de dias de Angola e muitas outras coisas iríamos estranhar.
De toda esta gente, não nos esquecemos e até dela falamos nos nossos encontros, como parte integrante do nosso dia-a-dia naquelas terras.
É que. quer se queira, ou não, toda aquela gente e toda aquela vivência fazem e sempre farão parte do nosso passado e das nossas vidas! E renegar o passado, passado de que nos orgulhamos, seria tentar apagar parte da vida, o que não faria qualquer sentido! Por isso mesmo, ainda hoje questionamos: o que será feito de fulano?... E de beltrano?
Nostalgia em estado de pureza à parte, é sempre bom e gratificante sentirmo-nos bem com o nosso passado! E com a nossa vida!
ANTÓNIO CASAL
- NOTA: Este texto reporta-se a AQUI.

domingo, 24 de outubro de 2010

Há 36 anos, uma ida a Aldeia Viçosa...

Rua principal de Aldeia Viçosa (em cima) e mapa da região, da Google 
(em baixo). Aldeia Viçosa (ao fundo), Fazenda Santa Isabel (acima) e
Dange, o Quitexe (canto superior direito)


A 24 de Outubro de 1974, hoje se completam 36 anos - vejam lá como o tempo passa!!!!... - jornadeámos do Quitexe para Aldeia Viçosa, em escolta por estrada de asfalto ao comando e oficiais da CCS do BCAV. 8423. Não sabíamos ao tempo, mas sabe-se agora: estava em causa a remodelação do dispositivo do batalhão e sobrava a questão, aliás complicada, do desarmamento do(s) milícias.
Aldeia Viçosa, como aqui já foi dito..., tinha registado várias resistências da parte dos povos (sanzalas) em que se localizavam os milícias - como aliás aconteceu na área de acção do Quitexe. Mas não foi coisa que não se resolvesse e lá foram convencidos os homens, de que não deveriam recear acções da FNLA.
«Argumentam os povos que esses núcleos armados são a sua melhor defesa às acções de depradação do IN», lê-se no Livro da Unidade, acrescentando-se que «tal argumento é difícil de contrariar». Mas a verdade é que também as NT não poderiam garantir a vivência pacífica entre os milícias e os combatentes que se iam apresentando às autoridades, na sequência do processo de descolonização. Eram, ao fim e ao cabo, angolanos e inimigos - até aí combatentes de lados diferentes das trincheiras.
Ainda hoje não encontro explicação razoável para a forma (quase) pacífica como tal acabou por ocorrer no Uíge - pesando, embora, os incidentes (e graves) que por aqui já foram registadas e outras que desconhecemos. Para tudo é preciso... sorte!

sábado, 23 de outubro de 2010

A enfermaria militar de Quitexe e a liamba


Planta de liamba, ou maconha (em cima) e enfermaria do Quitexe (foto de César)


A 23 de Outubro de 1974 houve cinema no Quitexe. E reunião da Comissão Local de Contra-Subversão (CLCS). Desta, naturalmente, pouco sei dizer. Ou nada. Era «coisa» para os comandos e autoridades civis. Nós, jovens militares, pouco sabíamos disso. Mais amantes éramos de um filme no Clube do Quitexe e nem precisava de ser grande «fita». Era sala cheia, pela certa! A tal acção psicológica! A psico!
Acção psicológica era também, diríamos nós, o apoio sanitário e médico permanentenente dado à comunidade civil. Muitas vezes fomos a fazendas e sanzalas, acompanhando o capitão médico Leal, nas suas jornadas de João Semana por terras de Uíge - onde, no Quitexe, era também o Delegado de Saúde.
Os cuidados médicos eram assegurados na enfermaria militar, na transversal da avenida principal para a estrada do café (a de Carmona a Luanda). Vê-se na foto. Era um edifício civil adaptado e que incluía uma enfermaria.
Vem ao caso falar dela, de minha parte, pelo que me aconteceu uma noite - quando, estando de serviço, lá tive de levar um furriel africano (cujo nome não consigo lembrar) e que, totalmente «liambado» entrou numa espécie de coma alcoólico. Curou-o o Florindo, com uns valentas safanões e medicação indicada pelo (furriel) Lopes, depois de um banzé estrambólico do dito «liambas».
- LIAMBADO. Pessoa em estado de excesso de consumo de liamba.
- LIAMBA:A liamba (foto) é uma das formas de consumo de cannabis sativa. É constituída, simplesmente, pelo aglomerado das partes componentes da planta seca, que se fumam em mortalhas de papel, como o tabaco, misturadas ou não no tabaco, ou até com haxixe. A planta era muito abundante na área do Quitexe, também conhecida por maconha e usada por muitos militares. Era uma droga leve comummente fumada pela comunidade civil, que a vendia ou oferecia aos militares.
Há casos de utilização da liamba como activo medicinal e de beleza. 

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O que estávamos nós ali a fazer na sanzala do Canzenza?

Capitão António Oliveira (comandante da CCS), alferes Cruz, Ribeiro e Garcia, furriel Viegas e alferes Simões (3ª. CCAV.) na aldeia Canzenza

Olho para esta fotografia, faço a reversão de memória e não consigo entender como estou ali, a fazer o quê e porquê. O local, identifico-o bem. Basta olhar para o fundo - onde se vê a Igreja do Quitexe. Estamos, pois na sanzala do Canzenza, a nordeste da vila.
Aparentemente, a «delegação» militar estará lá numa qualquer missão psicológica. Repare-se que todos os oficiais estão de farda nº. 1 (a de saída, de festa, não a de serviço...). E o único militar de camuflado sou eu, que nem sequer estou armado.
O alferes Garcia está de máquina fotográfica em punho, pronto a... «disparar». Os alferes Ribeiro e Cruz estão com o ar mais descontraído do mundo e nem a «sombra» do capitão Oliveira lhes retira o sorriso. Ele próprio, o capitão Oliveira, esboça aligeirado olhar bem arredado do seu convencional mutismo - o que não lhe seria fácil e muito menos habitual.
Que raio faremos nós por ali, no meio dos civis?
E quem é esta cara laroca ali da esquerda, que tão bem lembro mas de quem esqueço o nome. Eh!!!..., e nem imaginam!!!, é parecida com a minha irmã mais velha, a Ana Maria. Mas não é ela.
A atenção e disposição da malta parece indicar que se está a ver algo de divertido. Será alguma festa? Não consigo lembrar-me! Alguém pode ajudar?
- CANZENZA. Sanzala vizinha do Quitexe, à esquerda, na saída para o cemitério e Camabatela. De lá era a minha lavadeira. E do Neto. Lá dava aulas a filha do capitão Oliveira.
- FOTO. A foto foi-me enviada pelo 1º. sargento Sérgio Louro, filho do saudoso nosso companheiro José Adriano Nunes Louro, que connosco jornadeou por Angola, cmo 1º. cabo sapador. 

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O desarmamento das milícias

Sanzalas (aldeias) da Província do Uíge (Angola), anos 70 do século XX
O que terá acontecido no Quitexe militar de 21 de Outubro de 1974, há 36 bem medidos e saudosos anos, na área de acção do Batalhão de Cavaçaria 8423? Recorro-me do Livro da Unidade: «O desarmamento das milícias começou a processar-se a 21 de Outubro e não teve boa aceitação, por parte dos povos, nomeadamente nos postos sede» - os do Quitexe e de Aldeia Viçosa.
As milícias agiam em forma de auto-defesa e foram uma das primeiras formas de resistência local aos ataques do IN. Os civis, coordenados pelos regedores das aldeias, eram armados e, digamos, uma espécie de primeiro tampão das investidas do IN. Mas, como reconhece o Livro da Unidade, «salvo honrosas excepções, não tiveram acções de vulto em defesa dos seus aldeamentos».
Havia mesmo suspeitas da sua prosmiscuidade com o IN. «Sabe-se que os apresentados e o FNLA vivem em contacto permanente, quase geral e há largos anos», lê-se no Livro da Unidade. E nós mesmos, os Cavaleiros do Norte, poucas dúvidas tínhamos sobre essa cumplicidade. Ou nenhumas. O que se temia, porém, e compreende-se, é que, após o cessar fogo, pudessem ser exercidas vinganças e represálias sobre quem lealmente  tinha servido as autoridades portugueses».
E por lá houve muito quem, assumindo o estatuto de milícia armado, serviu de resistência às acções do IN. Muita inquietação houve por estes últimos dias de Outubro, entre quem se via no fio da espada: português de ontem (como milícia e em defesa das aldeias) e angolano de amanhã. Independente. 

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A rajada na pequena camarata do bar dos praças


O bar dos praças era espaço de matar muitas mágoas e (quase) todas as dores da saudade, onde se segredavam desgostos e deslumbraram sonhos. Muitos heroísmos por lá se enfabularam, muitos aerogramas por lá foram lidos e escritos!! E quantas fúrias por lá se «esmagaram»!!!, quantos desgostos por lá se embebedaram, para... esquecer!
O bar dos praças, era o bar dos... praças. Tudo dito! Mas não vem ao caso por isso, mas por um princípio de noite de susto, levedado na pequena camarata onde se acomodavam alguns praças, que lhe faziam segurança.
Um deles, o Neves!
O Neves era atirador, mas não ia nunca com o PELREC. Sofria de doença epiléctica, não era aconselhado para patrulhas, escoltas ou operações. E quanto ele sofria isso, quanto ele escondia a sua dor em silêncios que crescentemente o deprimiam. Um dia, aqui contarei a história da uma vez que o Neves foi ao mato. Hoje, lembro uma noite do Quetexe, quando ele, sentado na cama de cima da pequena camarata do bar, sem querer, disparou uma rajada de G3.
O «cavaleiro do norte» que nos lê deve lembrar-se dos mil perigos de morte que se espreitaram: a rajada a silvar no pequeno espaço, a ricochetear uma, duas..., três vezes. Umas 15 a 20 balas a bater nas paredes, nos armários, nas camas, no chão de cimento!!!... Pxxxxeeeeeee, pxiiiiiiiimmmmm, pimpimpim!!!! Os gritos dos soldados ali pousados em repouso e o medo que assaltou a guarnição: estaríamos nós a ser atacados dentro de portas?
Não estávamos, logo se viu. Mas nunca, no tempo da CCS, tanto de medo se alvoroçou o Quitexe. Lembras-te ó Garcia, que eras oficial de dia? Lembras-te, ó Neto, que estavas de piquete!.
- NEVES. José Coutinho das Neves, soldado atirador, natural e residente em Sintra.
- POST. Ver post sobre o Neves, AQUI.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Deserções do Grupo de Mesclagem de Aldeia Viçosa

Rua principal de Aldeia Viçosa, correspondendo à estrada do café, onde estava a 2ª. CCAV. do BCAV. 8423  (foto de Ivo Cardoso)

O mês de Outubro de 1974 foi mês de cinco deserções, todas da 2ª. CCAV. 8423, instalada em Aldeia Viçosa. Calma, os desertores fora cinco soldados dos grupos de mesclagem, todos angolanos.
As companhias operacionais - a de Zalala (1ª.), de Aldeia Viçosa (2ª.) e de Santa Isabel (3ª.), no caso do BCAV. 8423 - eram complementadas com militares de origem local (angolanos), formando um pelotão operacional. Eram os chamados Grupos de Mesclagem, que também incluíam militares europeus - na falta de quadros angolanos de comando.
A Companhia comandada pelo capitão miliciano Cruz tinha um Grupo de Mesclagem, formado por 36 homens e foram cindo deles que desertaram em Outubro de 1974. E, depois, outros se seguiram, ou foram desmobilizados. Compreende-se: tinham andado a lutar sob a bandeira portuguesa e a independência estava iminente. Poderiam sofrer represálias. 
Não sei o que será feito deles e já lá vão 26 anos, nem os terei conhecido. Mas posso dizer que tinham  recebido instrução militar no Regimento de Infantaria 20, em Luanda - o RI20. Não vou dizer os nomes, por respeito à sua opção, assumida num quadro muito especial das suas vidas e do seu país. Que nascia.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Pilhagens da FNLA em Outubro de 1974

Edifício da Administração Civil do Quitexe, no jardim da vila uígense. Os detidos nos patrulhamentos de Outubro de 1974 eram entregues ao administrador do Concelho. Aqui se diria, ao presidente da Câmara Municipal


Os dias de Outubro de 1974 foram semeados de diferenças de nível de estabilidade, de humor e de expectativas. Ora se sonhava para «amanhã» a saída para Carmona, a caminho de Luanda e de Lisboa; ora, incidentes do dia-a-dia punham em causa a estabilidade político-militar. Logo, a segurança de pessoa e bens. E, quanto a pessoas, digamos que o principal problema tinha a ver com a comunidade civil branca e europeia.
Temiam-se represálias, havia muita gente da população nativa recalcada de estigmas e ressentimentos de uma vida - e que ameaçava fazer isto e aquilo, «vingando-se» de atitudes e gestos dos ontens que lhes eram comuns. O homem branco, por definição, era homem... mau! 
Ja aqui falámos do provável ajuste de contas que levou dois madeireiros à morte, executados na picada entre as fazendas Alegria II e Ana Maria. Mas outros incidentes houve. Socorrendo-me do Livro da Unidade, aqui recordo hoje que, neste dia de 1974, (...) «a FNLA começou a procurar realizar actividade de pilhagens aos utentes dos itinerários», especialmente entre o Quitexe e Vla Viçosa.
Razão para intensificar os patrulhamentos. Razão para o PELREC «sair» quase todos os dias para a estrada. Num desses patrulhamentos - e sem que consiga recordar a data - um soldado da CCS caiu da Berliet em andamento, na estrada de asfalto, e ficou muito mal-tratado. Não me recordo do nome (não era do PELREC), mas sei que teve de ser hospitalizado, com graves problemas na zona lombar e pernas. Alguém se lembra quem foi?
- PELREC. Pelotão de Reconhecimento, Serviço e Informação (atiradores), comandado pelo alferes miliciano António Manuel Garcia (Ranger´s).

domingo, 17 de outubro de 2010

Uma visita à 3ª. CCAV. 8423 de Santa Isabel

Belo, Cardoso e Reino, furriéis milicianos da 3ª. CCAV. 8423, à porta do bar de sargentos da Fazenda Santa Isabel

A 17 de Outubro de 1974, lá foi o PELREC, sempre atento e vigilante, a caminho da fazenda Santa Isabel, escoltando o Comandante de Sector do Uíge e o grupo de oficiais da CCS que lá foram em missão.
Santa Isabel era o espaço da 3ª. CCAV. 8423, comandada pelo capitão miliciano José Paulo Fernandes, e foi destino frequente dos pelotões operacionais da CCS - o PELREC, o de sapadores, o de morteiros e o destacado de outras Companhias.
Não era raro este tipo de contactos entre oficiais do Batalhão, muitas vezes com oficiais da cadeia de comando do Comando de Sector do Uíge (CSU) e da Zona Militar Norte (ZMN). E a escolta, valha a verdade, nem era muito difícil ou especialmente perigosa. Boa parte do percurso era feito em estrada de asfalto - a do café - e a picada era perfeitamente transitável, embora farta de pó e sempre com os seus medos!
A nós, furriéis e praças, o mais atraente deste tipo de visitas era o reencontro com companheiros de batalhão - a família dos Cavaleiros do Norte que se começara em Janeiro desse 1974 e que, hoje, é uma grande saudade. Em Santa Margarida.
A foto mostra três deles: o Belo, o Cardoso e o Reino.
- BELO: Agostinho Pires Belo, furriel miliciano de Alimentação, natural e residente no Retaxo (Castelo Branco). É aposentado da Administração Pública.
- CARDOSO. João Augusto Martins Cardoso, furriel miliciano de Transmissões, natural de Arganil e residente em Coimbra. Aposentado da Administração Pública.
- REINO. Armindo Martins Reino, furriel miliciano de Operações Especiais (Ranger), natural e residente no Sabugal. Aposentado da GNR.

sábado, 16 de outubro de 2010

O GE João, que deu a notícia do fim da guerra

Estrada de Carmona para Luanda, no Quitexe. A chamada Estrada do Café

RODOLFO TOMÁS
Texto

Não sei se foi neste dia - o 15 de Outubro de 1974 -, ou no dia a seguir, que, quando ia da casa dos rádio-montadores para tomar o pequeno almoço no rancho geral, na estrada Luanda  para Carmona, e junto à casa onde morava a "Dusol", apareceu-me, quase de repente, um GE alto e com um grande físico, que era comandante de grupo e chamava-se João, creio eu.
Deu-me um grande e forte abraço disse-me:«Acabou a guerra, nosso cabo!!!...».
Ouvi-o, mas, como ele estava muito alcoolizado, fiquei mais preocupado em verificar se eu próprio tinha ficado com os ossos todos inteiros. Só mais tarde ouvi as notícias do Rádio Clube do Uíge e era verdade.
O João, comandante do grupo GE, não mentira, mesmo estando embriagado, às 7 horas da manhã.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O cessar-fogo anunciado pela FNLA

A 15 de Outubro de 1974, a FNLA anunciou o cessar-fogo, ainda que não oficial. Estranhamente, não houve euforias e festejos. A guarnição soube do facto - que se previa há algum tempo -, mas não tenho memória de qualquer manifestação. Não sei mesmo se dele (do cessar fogo) soubemos mesmo no dia - que, ao tempo, as comunicações não eram tão rápidas quanto hoje.
A «rádio da caserna» era o melhor meio de comunicar e nós, os furriéis, tanto quanto sabíamos de algum sussurro da classe de oficiais, lá o interpretávamos à nossa maneira e dividíamos com os praças. Mas tudo muito à cautela e sem quaisquer euforias. Para mais, ainda na véspera dois civis europeus tinha sido assassinados numa emboscada entre as fazendas Alegria II e Ana Maria. Nunca fiando, em tal cessar-fogo!
Mas a verdade é que o acordo foi depois assinado em Kinshasa, entre uma delegação militar portuguesa e a FNLA e após duas reuniões com Holden Roberto, precedidas sempre por contactos com Mobutu. Mas isto sabemos nós agora.
- FNLA. Frente Nacional de Libertação de Angola, liderada por Holden Roberto.
- MOBUTU. Presidente do Zaire.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A emboscada e a morte de dois civis europeus...




A 14 de Outubro de 1974, a expectativa de paz e sossego que fazia parte dos sonhos mais próximos dos Cavaleiros do Norte foi fortemente abalada: o IN fez uma emboscada a uma viatura e matou dois civis europeus.
O ataque ocorreu entre as Fazendas Alegria II e Ana Maria, mesmo no limite nordeste da área de acção do BCAV. 8423. A notícia foi uma «bomba de gelo» entre a guarnição. Se o cessar fogo estava iminente (seria, como foi, anunciado no dia seguinte...), o que pensar deste ataque, aparentemente inopinado mas que resultou na trágica morte de dois civis europeus?
A situação inquietou a guarnição, interrogada sobre o que poderia acontecer no amanhã. E foram tomadas medidas preventivas, reforçada a vigilância e atentados pormenores operacionais. «Terá sido uma acção esporádica, mas o facto é que foi mais uma acção, que veio pôr de sobreaviso para a possibilidade de desrespeito à ordem», lê-se no Livro da Unidade.
A razão do ataque e das mortes terá sido, porém, consequência de um ajuste de contas. Assim se admitiu, ao tempo. Dias depois.
- NOTA: A foto é de um (de dois) madeireiro(s) morto na zona de acção do BCAV. 8423. Não, de nenhum destes dois civis. Ver AQUI.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Remodelação do dispositivo militar do BCAV. 8423

Fazenda de Santa Isabel, onde esteve instalada a 3ª. Companhia de Cavalaria, do capitão  miliciano José Paulo Fernandes (foto de Agostinho Belo)

A remodelação do dispositivo militar do BCAV. 8423 era muito falada nos dias de Outubro de 1974. A nível de praças e sargentos milicianos eram muitos os murmúrios - que não passariam de resto, de mais que desejos. Por exemplo, o de regressar a Portugal. Obviamente, o maior!
Numa das visitas a Vista Alegre, um «segredo» se soube, da boca de um oficial dali e cujo nome não lembro, numa breve conversa de bar: a CCAç. 4145 iria abandonar a vila, passando para o Sector Luanda. Viria a ser substituída pela 1ª. CCAV., a de Zalada - comandada pelo capitão miliciano Castro Dias. Eram boas notícias, calculávamos nós: se estes vão embora, estes dias são vésperas de nós também irmos. Também se soube que a CCAÇ. 209, a do Liberato, também iria embora. Pelo Subsector do Uíge iria sobrar o BCAV. 8423!
Outra confidência, esta do alferes Garcia, tinha a ver com a 3ª. CCAV., a de Santa Isabel e confirmava o nosso prognóstico e desejo: iria para o Quitexe (o que aconteceu em Dezembro). Então, nós (CCS) iríamos para Carmona. E fomos, mas só a 2 de Março de 1975.
A remodelação do dispositivo militar, na prática, confirmava a saída definitiva da Fazendas Santa Isabel, Zalala e Liberato, militarmente ocupadas desde 1961/62. O cessar fogo anunciado por FNLA, MPLA e UNITA abriu portas para este dispositivo e os Cavaleiros do Norte iriam ficar ao longo da estrada de asfalto, a do café, que liga(va) Carmona a Luanda. No Quitexe, em Aldeia Viçosa e em Vista Alegre. Quanto ao regresso, é que a «coisa» não tinha maneira de ser anunciada. Viria a ser apenas dez meses depois, a 8 de Setembro de 1975. 

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Escolta ao comandante da ZMN na viagem a Luísa Maria

Furriel Viegas na Fazenda Luísa Maria (em cima) e brigadeiro
Altino Magalhães (foto no texto)

A 12 de Outubro de 1974, os sempre generosos «cavaleiros» atiradores do PELREC fizeram uma escolta muito especial, à fazenda Luísa Maria - onde jornadeava um pelotão da 2ª. Companhia, a de Almeida Viçosa. Fomos «dar segurança» ao então brigadeiro Altino Magalhães, que era o Comandante da Zona Militar Norte (ZMN) e Governador do Distrito do Uíge.
Os tempos, ao tempo, tinham das suas coisas menos boas e desconfiava-se abertamente do comportamento da FNLA - que persistia em actividades de pilhagem, que motivavam muitas queixas dos civis. «Procurou-se contrariar esta acção de banditismo com o lançamento de patrulhamentos inopinados, sem que, contudo, se preveja parar com elas já que, à aproximação das NT, o  FNLA se furta ao contacto e, consequentemente, não se evita a acção já realizada e a realizar, à posteriori, pois a presença das NT não é, e não pode ser, contínua», assim se lê no Livro da Unidade.
Ao tempo, murmurava-se como iminente a declaração oficial de cessar fogo, mas nunca... fiando. As hostilidades mantinham-se vivas, pese embora tivessem terminado as operações militares na mata. Bem mais perigosos pareciam ser os conflitos urbanos. E quantas vezes foram...
A 12 de Outubro, armados até aos dentes - incluindo metralhadoras pesadas e morteiros, se me lembro bem... - partiu manhã cedo o PELREC, pelas picadas de Santa Isabel fira, a proteger a importante caravana militar: o comandante da ZMN (e governador do Uíge), o brigadeiro Altino de Magalhães (a mais alta patente de toda a zona) e oficiais do BCAV. 8423.
Correu bem a viagem, para lá e para cá! Sem quaisquer problemas, embora todos nós de olhos bem abertos e o corpo molhado da lama feita de suor com o pó vermelho da terra de Angola. Há 36 anos, hoje se completam. 
NOTA: O registo de datas é feito a partir do Livro da Unidade (o BCAV. 8423) e de apontamentos e correio pessoal.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Os helicópteros de apoio à coluna de Carmona para Luanda


A épica coluna de Carmona para Luanda, aqui minimanente relatada entre 30 de Julho e 19 de Agosto - em sucessivas postagens - foi agora enriquecida com vários documentos fotográficos, disponibilizados pelo (ex-furriel de alimentação) Belo.
A imagem - belíssima, de resto... e dele - é a de um dos helicópteros que acompanharam (e protegeram) a coluna. Como AQUI (clicar) se conta, um deles foi atacado entre Lucala e Salazar. À distância de 35 anos, associar a beleza da foto ao drama  que então viveram os milhares de pessoas - militares e civis - que integraram a coluna parece quase umcontra-senso. E uma ofensa! Mas, inequivocamente, foi a verdade de dias armargos, de sofrimento e de coragem de toda aquela gente. Gente que se fez a caminho, enfrentando obstáculos e ameaças, para ser livre e não morrer.

domingo, 10 de outubro de 2010

Clube Recreativo do Quitexe, onde eram exibidos filmes - para
a tropa e também  para a população civil. Acção psicológica!

Outubro de 1974, entre os dias 10 e 23, foi tempo para a exibição de filmes, no âmbito das actividades de acção psicológica do BCAV. 8423. É desse tempo a célebre ida de um militar ao cinema, disfarçado de mulher - sendo «seduzido» por um outro militar, de patente mais alta. Ver AQUI e AQUI.
Os filmes eram projectados na sala do Clube Recreativo do Quitexe (foto), onde prestava serviços o rádio-montador Rodolfo Romás. Deles, particular, lembro o que fazia a história de Eusébio - que rodou por Zalala, Aldeia Viçosa e Santa Isabel, por onde jornadeavam as companhias dos capitães Castro Dias (1ª. CCAV.), José Manuel Cruz (2ª. CCAV.) e José Paulo Fernandes (3ª. CCAV.). E em Vista Alegre, onde estava a Companhia de Caçadores 4145.
A 10 de Outubro de 1974, hoje se completam, o BCAV. 8423 participou na reunião de comandantes do Comando de Sector do Uíge, em Carmona.

sábado, 9 de outubro de 2010

Batuques receberam a 3ª. Companhia em Santa Isabel




Fazenda Santa Isabel, onde se instalou a 3ª. Companhia do BCAV. 8423 (foto do Belo, registando o momento da chegada)


A 11 de Junho de 1974, galgados uns 300 quilómetros de asfalto e idos de Luanda em coluna que conheceu Cacuaco, Caxito, Vista Alegre e Aldeia Viçosa, os garbosos Cavaleiros do Norte da 3ª. CCAV. chegaram a Santa Isabel. Santa Isabel, a fazenda que iria ser regaço e colo a estes homens que a Angola foram jornadear uma comissão militar de honra.
Cortaram à esquerda, depois de Aldeia Viçosa, comeram os primeiros pós de picada e ouviram os gemidos da macacada que saltava nas árvores. Talvez lá de mais longe, até talvez o uivo de alguma fera!! A mata, que os olhos tinham visto grande e misteriosa na estrada de asfalto, desenhava-se-lhes agora de alguns medos, fronteirando-se na picada de pó quente e vermelho que chegava à fazenda.
Conta-me o Belo, que foram recebidos pela companhia que iam render, pelo gerente Carvalho (da fazenda) e com «os batuques dos negros». «Até parecia uma festa!!!....», acrescentou-me ele, recordando os momentos de 11 de Julho de 1974 e como que olhando, olhando em saudade nostálgica, o espaço e o tempo, o sítio, os rostos e os cheiros, o matar da toda a curiosidade do momento da chegada a Santa Isabel. «Então, é neste buraco que vamos ficar?!!!....». Era! E foi até Dezembro do mesmo 1974.
A 3ª. CCAV. do BCAV. 8423 rendeu a 3ª. CCAÇ. do BCAÇ. 4211, que rodou para Quiximba. O comando era do capitão miliciano Paulo Fernandes. Bom praça!! Digo eu: grande oficial miliciano. Com ele, por lá jornadearam os alferes milicianos Mário Simões, Pedrosa de Oliveira, Carlos Silva e Augusto Rodrigues, o 1º. sargento Francisco Marchã e os furriéis milicianos Delmiro Ribeiro, António Flora, António Fernandes, Alcides Ricardo, José Carvalho, José Lino, Graciano Silva, António Luís Gordo, José Avelino Lopes, Agostinho Belo, Ângelo Rabiça e Luís Capitão (já falecido), José Querido, João Cardoso, Armindo Reino e Vitor Guedes. E 104 cabos e soldados. Já lá vão mais de 36 anos!
- BELO. Agostinho Pires Belo, furriel miliciano de Alimentação (Vago-mestre). Natural e residente no Retaxo (Castelo Branco). Aposentado da Direcção Geral das Contribuições e Impostos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O fazendeiro que fazia jogo duplo...

Grupo de contratados do sul (bailundos) para a colheita do café
(foto do blogue «Relembrando Terras do Quitexe»)

A Comissão Local de Contra-Subversão (C LCS) do Quitexe reuniu a 3, 16 e 23 de Outubro de 1974, não custando adivinhar que os principais problemas debatidos tinham a ver com a segurança e o anunciado exôdo dos trabalhadores das fazendas de café.
Tal facto, e cito o Livro da Unidade, «teve elevado incremento no período, provocando o fecho de algumas fazendas, nomeadamente nas cordas de Zalala e do Canzundo» e também «na zona de Vista Alegre e em muitas outras» - o que provocou a paragem da laboração e, consequentemente, elevados prejuízos económicos.
A altura era, digamos, a da maturação do café e o que mais se temia era que a paragem viesse a afectar a futura colheita, a partir de Janeiro de 1975 - o que lesaria, gravemente, o poderio económico da província, que estava muito concentrado naquele produto. Por alguma razão se dizia que o Uíge era a «capital do café».
Ao tempo, Outubro de 1974, a comunidade civil  europeia sentia medrar a instabilidade, a insegurança e os seus medos e as preocupações da maioria dos fazendeiros conduziram, segundo o Livro da Unidade, à «fuga do pessoal dirigente, por julgar que a sua presença não tem justificação e até não será aceite no futuro».
Era, ao tempo, dado como certo que a fuga dos trabalhadores (nomeadamente os bailundos) era forçada pela FNLA. Regista o Livro da Unidade, de resto, que havia «provas absolutas de que é a FNLA que impõe a saída dos trabalhadores rurais, sob coação de morte, se não o fizerem».  
É deste tempo, também, uma singular e não de todo inesperada informação do alferes Garcia: «Vamos à  fazenda de um gajo que joga duplo!! Olhos bem abertos, hein!!!».
«Como assim?!...», perguntei eu, que nem era inocente de todo.
«O gajo dá dinheiro e alimentação aos tipos. Joga nos dois campos! Está provado... Se calhar até lhes dá armas....», disse o Garcia.
Na verdade, nenhum dos trabalhadores daquela fazenda alguma vez foi ameaçado. Antes e depois! Por lá estacionámos umas horas, o capitão médico dr. Leal fez as consultas que tinha a fazer, distribuiu remédios e afectos, e os trabalhadores sempre por ali andaram muito descontraídos, tal qual o fazendeiro. Pudera!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Os dias de Outubro de 1974 no Quitexe

A foto não tem a melhor qualidade mas mostra, à direita, a entrada da zona parqueada do quartel do Quitexe. Vê-se a guarita da guarda e bandeira nacional hasteada

A 4, 21, 25, 26 e 28 de Outubro de 1974, oficiais do BCAV. 8423 reuniram-se com oficiais de outras unidades  e o Comando de Sector do Uíge, em Carmona, seguramente para definirem estratégias militares, em função da evolução dos acontecimentos.
As hostilidades com e dos combatentes da FNLA (os únicos que operavam na zona) estavam tacitamente paradas - embora com desconfianças, pelo menos da parte portuguesa (e é desta que posso falar), em particular dos militares operacionais, os que ainda tinham de calcorrear trilhos e picadas, em missões que tanto podiam ser «simples» escoltas, visitas sanitárias às sanzalas e fazendas, ou patrulhamentos (apeados e motorizados).
Tinham cessado as operações no mato, mas cada saída do Quitexe sempre era um perigo para as colunas militares. 
A plataforma de entendimento que estava a ser negociada pelas duas partes (portuguesa e angolana), na verdade, em pouco mudou a vida operacional que se conduzia na zona de acção do BCAV. 8423 - caracterizando-se, principalmente, por intensa actividade de patrulhamentos, quase sempre com pequenos incidentes.
O objectivo, em função de repetidas acções de banditismo na zona, era criar condições de segurança ao tráfego rodoviário - especialmente entre o Quitexe e Aldeia Viçosa.
O Outubro de 1974 misturou dias de folguêdo (passe a expressão), com alguns outros mais doridos e estigmatizados pelos perigos de quem circulava em troços da terra angolana do Uíge.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Fomos soldados de corpo inteiro!

Vista aérea do Quitexe, com a capela em primeiro plano. As instalações militares, logo a seguir, para a esquerda (parque-auto e comando) e direita (secretaria, casa dos furriéis, dep´psito de géneros, messe de oficiais padaria e messe de sargentos - por esta ordem, edifícios do lado de cá da avenida


MANUEL MACHADO
(texto)

Hoje mesmo naveguei pelo blogue e verifiquei que está aqui um excelente documento de memórias. As de reviver o passado de dignidade e humanidade destes homens que não fugiram, porque não tinham medo. A nossa história honra o nosso nome e o da nossa descendência, do qual devemos orgulhar-nos.
"FOMOS SOLDADOS" de corpo inteiro, cumprimos a nossa missão, sempre atentos a tudo e a todos. Estou lembrado de, no final de 1974, ser chamado ao Comando de Batalhão, com os furriéis Viegas e Neto, para dar explicações sobre a nossa conduta "política". Respondemos perfilados e sem hesitações às questões que nos foram colocadas e saímos do inquérito com o mesmo espírito com que entrámos. Fomos sempre militares disciplinados e disciplinadores, a quem não havia nada a apontar. Desde o Quitexe a Carmona estabelecemos sempre uma grande ponte de colaboração e diálogo com as populações civis, colaborando com todos fraternalmente.
Também quero deixar aqui expressa a minha gratidão ao (ex-furriel) Viegas, pela ideia de criar este espaço de partilha de lembranças, que está muito bem organizado e mantém viva a chama do lema com que estivemos nas terras de Angola: "Peguntai ao inimigo quem somos!».

- MACHADO. Manuel Afonso Machado, furriel miliciano mecânico de armamento. Natural de Covelo do Gerez (Montalegre) e quadro superior da EDP em Braga (onde reside).

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O furriel Reino era o miliciano mais novo de todos

Bento, Rocha, Viegas, Flora, Lopes, Costa (morteiros) e Ribeiro (em cima), Carvalho, Belo, Lopes (3ª. CCAV.) e Reino, em baixo. Passagem de ano de 1074/75, no Quitexe. Em baixo: Reino, ladeado pelo capitão Fernandes (à esquerda) e comandante Almeida e Brito, na ceia da Natal de 1974



O «mistério» do furriel Reino que não aparece na Ordem de Serviço do CIOE com as classificações dos Ranger´s do Batalhão de Cavalaria 8423 está desfeito: foi do turno de instrução a seguir.
Ele mesmo hoje, dia dos 100 anos da República, fez questão de nos lembrar que apenas chegou ao batalhão, a Santa Margarida, em Fevereiro de 1974. «Fui substituir um outro cabo miliciano, que conseguiu escapar à mobilização. Com alguma boa cunha!!...», disse-me ele, ao telefone, brincalhando com a situação. 
O Reino, portanto, «chapou» com alguns de nós como instrutores do terceiro (e último) curso de Operações Especiais de 1973, em Lamego. Por Angola, fez jornada na Fazenda de Santa Isabel, no Quitexe e em Carmona, antes de Luanda. Era o "caçula» dos furriéis milicianos, o que lhe dava honra de jantar de Natal ao lado dos comandantes. Bom companheiro!!! Fez carreira na GNR, de que está aposentado.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Os Ranger´s do Batalhão de Cavalaria 8423

Cópia da Ordem de Serviço nº. 234, de 4 de Outubro de 1973, do CIOE, com
as classificações de Monteiro, Viegas e Neto. Clicar na imagem, para a ampliar 


O que tem 4 de Outubro de 1973 a ver com o Batalhão de Cavalaria 8423?! Nada, ao dia. Alguma coisa, porém, a partir de 7 de Dezembro do mesmo ano, dia da Ordem de Serviço nº. 286, do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), em Lamego. Quando foram publicadas as mobilizações dos aspirantes a oficiais milicianos e os cabos milicianos Ranger´s que iriam integrar o batalhão.
A 4 de Outubro - faz hoje 36 anos - saíram, à ordem, as classificações do 2º. Turno de 1973 do Curso de Operações Especiais. O nosso. Recapitulo as dos cadetes e instruendos que viriam a ser Cavaleiros do Norte, com a posição e classificação final de cada um:

Oficiais Milicianos
(ao tempo, aspirantes a oficiais milicianos)

* 23º.lugar: Augusto RODRIGUES, da 3ª. Companhia de Cavalaria (em Santa Isabel), com 14,78 valores.
* 24º.lugar: João Francisco Pereira MACHADO, da 2ª. CCAV. (em Aldeia Viçosa), 14,75.
* 25º. lugar: Mário Jorge de Sousa Correia de SOUSA, da 1ª. CCAV. (em Zalala), 14,73.
* 26º. lugar: António Manuel GARCIA, da CCS (no Quitexe), 14,70.
Manuel Meneses Alves, em Fevereiro de  1975, foi transferido para a 2ª. CCAC. do BCAV. 8423. Tinha sido 45º. classificado do curso, com 13,40 valores. O curso tivera 57 cadetes.

Furriéis Milicianos
(ao tempo, 1ºs. cabos milicianos)

* 5º. José Augusto Guedes MONTEIRO, da CCS (Quitexe), com 16,05 valores.
* 16º.- Celestino José Pinheiro Morais VIEGAS, da CCS (Quitexe), 15,33.
* 26º.- José Francisco Rodrigues NETO, da CCS (Quitexe), 14,68.
* 40º.- Manuel Moreira PINTO, da 1ª. CCAV. (Zalala), 14,23.
* 60º.- António Carlos Dias LETRAS, da 2ª. CCAV. (Aldeia Viçosa), 13,25.
Armindo Henriques REINO era o furriel miliciano OE da 3ª. CCAV., mas não consta desta lista da OS do CIOE. Provavelmente, será de curso anterior.
- CIOE. Agradeço ao sargento-chefe Monteiro Duarte, o favor de me enviar cópia de Ordem de Serviço.