quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O futebol no Quitexe, em Setembro e Outubro de 1974

Equipa da CCS. Em cima, Grácio, Gomes, Miguel (1º. cabo), Botelho, Miguel (furriel miliciano paraquedista), NN e Soares (em cima). Miguel (condutor, ?), Mosteias, Lopes, NN, Monteiro e Teixeira (estofador)

Setembro de 1974 foi tempo de futebol, no Quitexe e por todo o Batalhão de Cavalaria 8423. Jogos entre Companhias e com equipas civis. Alguns deles, no campo do Quitexe, ficaram memoráveis, pela evidência técnica de alguns «cavaleiros» e pela arte de "cacetar" de outros. Por mim, não foi longa a experiência, nomeadamente depois de um jogo com civis do Quitexe - no qual, para «vencer»..., tive de usar as minhas «habilidades» físicas para não me deixar driblar pelos adversários. E, alto lá, que eu não era propriamente «analfabeto» na arte de impor «disciplina física».
Usei, para esta «internacionalização» - afinal, sempre estava a jogar fora do continente europeu... - umas botas emprestadas pelo Alípio Canhoto Pereira, que era condutor - um dos que habitualmente ia com o PELREC - e que, por sua vez, as tinha pedido ao irmão José, que estava na 3ª. CCAV., em Santa Isabel. Ele mesmo mo lembrou quando, há um ano, o contactei para o Encontro de Águeda.
O futebol, no Quitexe, era uma das «armas» da Acção Psicológica, usada no combate ao isolamento dos militares e também como estratégia para nos aproximarmos da população civil. Uma bola, como se sabe, faz milagres que a diplomacia não nunca atinge. Ainda hoje é assim.
Faltam dois nomes na foto deste post. Conhecem-se as caras mas esquecem-se os nomes. Alguém ajuda?

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O meu curso de Operações Especiais, os Rangers!!!!!



Há 37 anos, faz precisamente hoje, concluí o curso de Operações Especiais, em Lamego. Os Ranger´s!!! Eu e mais 150 militares. Não fui brilhante, fui o que fui: 16º. classificado, com 15,33 valores finais. O Cristovão, com 16,58, foi o melhor de todos nós.
O curso foi extremamente difícil e nem vale a pena lembrar os épicos desafios físicos e psicológicos a que fomos submetidos na instrução e se fizeram lendas nas nossas carreiras militares. Na prova da Dureza 11, tive um acidente e fui obrigado a recolher às «boxes», por dois dias/três, embrulhado em lençóis e a ser massajado e injectado na enfermaria do CIOE. Ainda hoje sofro deste meu desgraçado joelho direito. Porém, quando fui avisado da realização da «diabólica» Pista Ranger, logo me aprontei para a «alta médica» e fui fazê-la a pé coxinho. Ou a fazia, ou perdia o curso... - à nona ou décima semana de onze. Não podia ser!
A minha melhor prova individual foi a do crosse, de 20 e tantos quilómetros, a 22 de Setembro de 1973, desde Colo de Pito (na estrada para Castro Daire e passando pela ponte de Reconcos) a Penude: terceiro classificado, depois do Cristovão, que era do Barreiro (o vencedor), e do Gonçalves, de Chaves e do meu grupo de combate e que tinha ido para Lamego comigo, da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Foi depois da «baixa», a dois dias do final do curso, e aprontava-me para me deixar andar ali pelo meio do pelotão de 150 homens, quando o alferes Fontes me afoitou: «Vai ganhar, pá!!!! És d´Águeda!!!....».
Corri como doido, com o Cristovão, o Gonçalves, o Praxedes, o Pinto e o Grilo e mais meia dúzia de companheiros - que foram ficando para trás. A seis/sete quilómetros de Penude, estávamos quatro ou cinco na frente e decidimos, os fugitivos: cada qual faz o que quiser, a partir de agora. O Cristovão, como um gamo!!!..., galgou o asfalto a pé ligeiríssimo, de passada larga e agigantando-se - ele, que era um «puto» de para aí metro e 60. Eu e o Gonçalves, puxámos-lhe a rédea. Apanhámo-lo...
O alferes Fontes comandava o nosso grupo de combate, estava a ver ali a consagração dos seus instruendos - incentivado, incentivando.... Um de nós ia seguramente ganhar.
Já estávamos em Penude e, na recta que antecede o corte para o quartel, senti-me forte. Eu tinha sido campeão distrital de corta-mato do desporto escolar e era forte em provas de resistência. 
«Vou ganhar!!...», pensei eu.
Ia «meter» a primeira velocidade e dava o safanão final. Só que quis refrescar-me antes e puxei do cantil, com o azar de partir a corrente que segurava a tampa. Foi mesmo azar!!!! Caiu a tampa, coisa muito pouco usual. E galgou a valeta da estrada, para um baixio. Tive de a ir buscar, descendo a rampa de metro e tal, com mochila e arma a estorvar, até que o descobri entre os ouriços das castanhas...
O Gonçalves, que era camarada dos bons, quis ajudar mas mandei-o embora: «Vai ganhar tu!!....». Mas os segundos perdidos foram preciosos para o Cristóvão, o vencedor.
Depois, ao subir a rampa para o quartel, antes do cemitério, foram-se-me abaixo as pernas. Mas ainda fui terceiro! Era grande a nossa vantagem sobre os mais próximos.
Colectivamente, a minha melhor prova foi a das 24 horas de Lamego. Segundo lugar!!! Com o Pinto, o Couto, o Gonçalves e Arcelino - o Açoreano. O que será feito dele?
- FOTO: O meu primeiro serviço de 1º. cabo miliciano, em Lamego, como sargento de dia ao CIOE (Centro de Instrução de Operações especiais).

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Os últimos dias de Luanda...

Manuel Deus (3ª.CCAV.), Abel e Lourenço (1ª. CCAV.). Foto
de Estrela (CCS), todos operadores-criptos do BCAV. 8423

MANUEL R. DEUS (texto)

Regressei de férias e estive a ler os vários relatos do Viegas, referentes aos últimos dias passados em Luanda. Relatam bem o ambiente tenso, mas no que me diz respeito, não tive qualquer problema. Comparativamente com os últimos dias do Quitexe e a viagem de Carmona para Luanda, direi que foram muito tranquilos.
Recordo-me que à noite, quando saíamos para ir jantar ao restaurante, o fazíamos sempre em grupo. Alguns de nós, levavam as facas de mato por baixo das calças, como forma de precaução e segurança. Felizmente, nunca foram necessárias.
Tirando uma noitada, passada a fazer “vigilância” no interior de uma vivenda, com vários companheiros e na qual me ofereci como voluntário, digamos que foram férias os dias que antecederam o nosso regresso a Lisboa.
Não era nada fácil jantar fora, dada a pouca oferta e muita procura. Normalmente, tínhamos que esperar mais de uma hora até que conseguíssemos arranjar mesa ou um banquinho no balcão. Isto é, para além dos que estavam sentados, havia outra rodada de pessoal à espera, à nossa frente.
Lembro-me de alguns almoços na ilha, em ambiente mais desafogado e tranquilo, mas o custo da refeição duplicava ou triplicava. Digamos que era só para ocasiões especiais.
MANUEL R. DEUS
(ex-operador-cripto da 3ª. CCAV.)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Os revoltosos do Liberato



Monumento aos mortos, no aquartelamento da fazenda do Liberato

A 27 de Setembro de 1974, a Companhia de Caçadores 209, instalada na Fazenda do Liberato, revoltou-se, deteve oficiais e furriéis milicianos europeus e intentou avanço para o Comando de Sector, em Carmona. Era principalmente formada por militares angolanos, oriundos do RI20, de Luanda.
Os revoltosos avançaram para Carmona, tomando rumo pela estrada do café - que ligava a capital do Uíge a Luanda, passando pelo Quitexe. Coube ao BCAV. 8423 a ingrata e dramática missão de impedir o seu avanço. Missão que se preparou para uma recta da estrada, perto da Aldeia do Dambi Angola, entre Quitexe e Aldeia Viçosa.
Faz hoje 36 anos!!! Como o tempo passa.
Já aqui demos nota desse ingrato dia, que tantas mortes poderia ter «semeado». Ver AQUI, AQUI e AQUI.
O Livro da Unidade dedica-lhe duas linhas e meia: «Saliente-se ainda que, em 27SET, na sequência de outros incidentes internos, processaram-se na CCAÇ. 209 graves problemas disciplinares, os quais passaram ao controlo do Comando de Sector do Uíge».

domingo, 26 de setembro de 2010

Setembro de 1974, o regresso ao Quitexe

Praia da Ilha de Luanda (em Setembro de 1974) e na avenida do Quitexe (em baixo)

A 26 de Setembro de Setembro de 1974, regressei ao Quitexe, de cujos ares e cheiros já tinha saudades. Tinha galgados milhares de quilómetros do asfalto angolano, de Luanda à Gabela e a Nova Lisboa, pelo Lobito, Benguela e outras praças da terra africana que ia deixar de ser portuguesa, e abraçara amigos e familiares, sentara-me e sentira-me em colos de afectos paridos no meu chão natal de Ois da Ribeira.
Sentia-me forte e seguro para as novas (e mais épicas) aventuras!
O avião pousou em Carmona e por lá estava o pessoal da SPM, que me levou de boleia para o Quitexe. Os últimos dias de Luanda, passeei-os pela ilha, com um salto ao Mússulo, e pela Mutamba, pelo Amazonas e a Portugália, explorando os prazeres da mesa e da noite - nas mais das vezes com o meu amigo e saudoso Alberto Ferreira, o Pimpão (que a morte já levou).
Tinhamos - eu e ele... - uma história d´amores que se desnudavam na Núvem (um bar perto do largo Serpa Pinto) e multilpicavam por cios que não se devem aqui narrar. Éramos irmãos gémeos, vejam lá...
«Lá vais tu, pá... Escreve!!!...», disse-me ele, no abraço do fim da manhã, na Base Aérea nº. 9, em Luanda, onde ele fazia tropa, na Esquadrilha de Abastecimento.
O Quitexe «recebeu-me» tranquilo, mas com um turbilhão de notícias, dados pelo Neto, no jantar com os dois Pires e o Rocha - todos abancados na mesa do restaurante do Pacheco, com o inevitável camarão d´entrada e «sobremesa» de bifes com batatas fitas e ovo a cavalo!!! Os stops, a rotação do BCAV., os problemas disciplinares  da companhia do Liberato (e mal sabíamos os sustos que íamos ter ao outro dia...), a entrada disfarçada de alguns IN´s no Quitexe, em Aldeia Viçosa e Vista Alegre, o castigo ao Albino (1º. cabo do nosso PELREC), um inopinado ataque a madeireiros europeus e a viatura da JAEA flagelada na Quinta das Arcas, disto tudo se falou. Inevitavelmente, não foram esquecidas as «ofensivas» pseudo-disciplinares aos furriéis.
«Há dias, o Machado ia-se passando com o Luzia...», disse o Neto. O que nem era surpresa: boa parte dos furriéis andava sempre à turra e à massa com os sargentos - que nos queriam trazer de corda curta, amarrados aos seus exageros de autoridade.
Acabámos a noite no bar de sargentos, onde a classe me «obrigou» a pagar rodadas de cerveja e brandys Vital - então muito em moda. Dormi descansadinho. Sabia que, ao outro dia, lá para as cinco da manhã e já de serviço, íamos sair com o PELREC. Em missão de picada e pó, para os lados de Luísa Maria.

sábado, 25 de setembro de 2010

Escaramuça em café da cidade de Carmona

 
Viegas, Mosteias e Neto, furriéis milicianos e Cavaleiros do Norte

A jornada angolana do batalhão de Cavalaria 8423 teve actores muito diversos - em feitios, em formação, em coragem e atitude cívica e militar, atavio e pontualidade, mas todos discipinados, homens de aprumo e irmãos. Solidários! Com as regras de excepção que as confirmam.
Os rapazinhos da foto eram dos mais desassossegados: Viegas, Mosteias e Neto. E a eles juntemos-lhe o Machado - o sempre irreverente e cáustico Machadinho!!! Ai, ai..., não se lhe tocasse com uma flor, quanto mais com um espinho!!! Logo havia arranhão. E do grosso, a ensaguentar. Assim fizessem de nós alguma torre, bispo ou cavalo do tabuleiro que tantas vezes enxadrezou as relações dos milicianos com os chefes militares profissionais. 
Um dia - e esta nada tem a ver com a tropa quitexana -, o Mosteias, em Carmona, soltou-se de repente de botas para o ar e de mãos espalmadas na mesa de um café da cidade, com as veias a saltar-lhe do pescoço, desafiando jovens civis europeus, que provocavam a tropa, com dixotes mal-educados e injustos. «Saiam-se!!!....», gritou ele, a fazer o pino e a perder o fôlego. E quando ele fazia coisas destas, a coisa não estaria para brincadeiras.
A sala era grande e estava cheia, com para aí mais de meia centena de pessoas, e o ambiente estava muito escaldado. Em guarda, levantámo-nos eu e o Neto, rápidos, mais o Pires de Bragança e o Rocha (ambos de guelras menos abertas que nós...), mas todos prontos para o que desse e viesse. E o Mosteias a fazer o pino! E nós todos prontinhos para a porrada!
A coisa acalmou, depois de mais um «grito de guerra» do gigante Mosteias, que ainda hoje não sei como o conseguiu: «Dou cabo de vocês todos!!!....». E espumava pela boca, quando de despinou e, de olhos arregalados, se virou para os civis da sala. Que eram muitos!
Interveio um seráfico empregado do café e o patrão, para sossegar as coisas, quis pagar rodadas de cerveja aos tropas. Que nós recusámos.
Lembras-te, ó Mosteias. Tás a ver a cena, ó Neto?? Eu, a 25 de Setembro de 2010, ainda acredito que a escaramuça só não deu numa «batalha campal» pela sorte de Deus que nos acompanhava.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Cavaleiros de Santa Isabel à procura de companheiros...

Aquartelamento da 3ª. CCAV. 8423, na Fazenda Santa Isabel

O engº. José Paulo Fernandes jornadeou pela Fazenda Santa Isabel, depois pelo Quitexe e mais tarde por Carmona e Luanda, comandando a 3ª. CCAV. Era capitão miliciano. Agora, está a «engenheirar» o encontro de 2011 e precisa de contactos da malta.
«O meu desejo é chegar a um máximo de ex-militares, ou suas famílias», escreveu ele, para o blogue. E pede que o contactem, pelo telefone 917 588 737.
O convívio dos Cavaleiros de Santa Isabel vai decorrer em Torres Vedras e, muito em particular, pedem-se contactos dos seguintes ex-militares:
- ALBINO, António Santos, da zona do Seixal;
- ALCOBIA, Bernardino Fernandes, da zona de Lisboa;
- ANTUNES, José Valdemar, da zona da Cova da Piedade;
- BOLRINHA, família de Desidério, na zona de Portel;
- BOTELHO, família de Ricardo, na zona do Montijo;
- BRITO, António Joaquim, da zona de Lisboa;
- CARVALHO, António Moreira, da zona da Trofa;
- CARVALHO, Carlos Alberto, provável emigrante em França;
- CARVALHO, Joaquim Fernandes, da zona de Amares;
- CASTELO, família de Graciano, na zona de Loures;
- CATARINO, família de Joel, na zona do Seixal;
- CHAMBEL, António Joaquim, da zona de Sintra;
- FAUSTINO, família de Vitor, na zona de Lisboa;
- FERREIRA, José Agostinho, provável emigrante em França;
- FERREIRA, Júlio Camilo, da zona da Quinta do Conde;
- GONÇALVES; José Joaquim, da zona de Benavente;
- JACINTO, Vitor Manuel, da zona de Fazendas de Almeirim e provável emigrante nos Estados Unidos;
- MOTA, Augusto A. Santos, da zona de Silvares;
- NEVES, família de José António, na zona de Avelãs de Caminho;
- OLIVEIRA, família de Fernando, na zona de Guimarães;
- PEREIRA, família de José, na zona de Belmonte;
- SILVA, família de Armindo, na zona de Rio Maior.
Se alguém puder ajudar, não espere para amanhã.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Mudanças nos Cavaleiros do Norte

Avenida do Quitexe. O edifício da esquerda era o do comando do Batalhão, na rua para a Igreja


O mês de Setembro de 1975 foi de algumas alterações no escalonamento militar da zona de acção do Batalhão de Cavalaria 8423. Logo no da 3, em Carmona, realizou-se a reunião mensal do Comando de Sector - participada pelo tenente-coronel Almeida e Brito, comandante dos Cavaleiros do Norte - e a 7, e na sequência, a do comando do Subsector - esta no Quitexe.
A 21, 23, 25 e 27 de Setembro, Almeida e Brito contactou o Comando de Sector do Uíge e operaram-se alterações no posicionamento de algum pessoal do BCAV. 8423: dois grupos de combate da 1ª. CCAV.(a de Zalala) foram para reforçar o BC12 e militares da 3ª. CCAV. foram deslocados para a fazendo Além-Lucunga - para onde foi enquanto «a sua falta não tiver expressão no interior do Subsector», assim se lê no Livro da Unidade.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O capitão miliciano médico Leal...

Alferes milicianos Garcia e Ribeiro, capitão miliciano médico Leal e tenente Luz, no Quitexe (1974)

O capitão Leal espalhou medicina e bondade, pelo Quitexe - onde foi Cavaleiro do Norte e sacerdote da saúde, para militares e civis. Era tudo o que nós queríamos ser: competente, generoso, culto, prestável, jovial e divertido, quase «milagreiro» na arte de nos matar as maleitas e curar as moídelas do corpo.
O capitão Leal era um companheiro mais velho, mas que tinha a nossa idade emocional, que se divertia e nos dispunha em fartas alegrias à conta de uma boa anedota, ou de uma piada sempre bem piada! Mas era principalmente o médico, ali sempre para o que desse e viesse e que nos amolecia as dores e nos  enxaguava a alma de afectos, sempre com disposição em astral alto.
A competência profissional, nem se comenta. Era enorme! A disponibilidade, total! O espírito de servir, como que o levava em regaço, sempre que era precisa uma consulta, para os males do corpo - fosse de militares ou de civis. Era homem de fino trato e piada fina, sempre mais esmerada quando «queimava» o seu cigarro e as lavrava a atirar fumos ao ar. 
O capitão miliciano médico Leal correu dezenas de aldeias e fazendas, onde levava ao povo o conforto de uma consulta, a oferta de uma aspirina, de um quinino, da injecção que matava dores, do medicamento que adiava lutos.
O comandante Almeida e Brito louvou-o, em Setembro de 1974 (há 36 anos), sublinhando-lhe «a maior competência profissional, na reslução de todos o casos clínicos (...), com elevado espírito de servir e perfeitamente identificado com a missão que lhe foi solicitada, nunca se poupando a sacrifícios».
Acumulou funções militares com as de Delegado de Saúde e «apoiou permanenteente todas as populações civis, europeias e africanas». Deixou saudades no Quitexe, quando, em Novembro de 1974, terminou a sua comissão e regressou a Lisboa.
Foi cavaleiro-médico maior!!!!
- LEAL. Manuel Soares Cipriano Leal, capitão miliciano médico. Reside em Fafe. 

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Obrigado às mãos grandes do 1º. cabo enfermeiro Florindo

O 1º. cabo enfermeiro Florindo (o terceiro, da esquerda para a direita), com o Burasquinho (à direita). E quem são os outros? Conhecem-se as caras, mas não se lembra o nome

O Tomás veio aqui fazer memória do seu e nosso amigo Florindo - que pelo Quitexe foi 1º. cabo enfermeiro e onde conquistou afectos e multiplicou companheirismos que ainda hoje se sentem e vivem.
Assim diz o Tomás: 
«Jamais poderia esquecer o Florindo. Ele sempre foi assim (virado um pouquinho para o lado de fora), bonacheirão e amigo. Alto, com o seu bigode proeminente, era certo e sabido que onde pusesse a mão, era dele. Eu fui talvez a primeira vítima, a ser ferrado no pescoço, no posto de vigia à entrada do Quitexe, do lado de quem vem de Luanda. Logo a seguir aconteceu o mesmo a outros colegas.
O tratamento era infra-vermelhos, directamente no local onde tinha ocorrido a ferradela de um qualquer bicho. Depois, e é aqui que entra o Florindo, um belo dia o médico capitão Leal, disse ao enfermeiro Florindo para tirar (ou limpar) a pele queimada, neste caso no pescoço. Aí, eu pensei: «Estou frito!...».
Mas nada disso: o Florindo, aquela pessoa enorme, bonacheirão e de mãos grandes, tratou o ferimento com muita delicadeza e só lhe posso dizer OBRIGADO, a esta distância de mais 35 anos.
«Obrigado, Florindo, e um grande abraço!!!!...».

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Albino que foi 1º. cabo atirador de cavalaria no Quitexe

Albino, Viegas, Neto, António e Florêncio, Cavaleiros do Norte (e do PELREC),
a 29 de Maio de 2010, em Ferreira de Zêzere

O Albino é este homenzarrão da esquerda, em retrato vivo e fresco, de 29 de Maio deste ano. Foi um dos «pelrec´s que jornadeou pelo norte de Angola, pelas matas do Uíge - do Quitexe e pelo Vale do Luege fora, ao largo dos rios Loge, Huamba e Lumenha, pelo Vamba e algumas serras de medos.
As serras eram as da Quimbinda e da Quibianga, a do Quitoque e do Canacajungue, por onde palmilhámos quilómetros e quilómetros de trilhos de traições e picadas do pó quente que nos comia o suor, sempre de ouvido atento ao zumbido mais leve de um mosquito, para que se ouvisse melhor o silvo d´alguma bala, o rebentar de algum morteiro ou granada, ou o explodir de alguma armadilha que nos perturbassem a paz e a vida.
Atirador de cavalaria, cumpridor sereno e colaborante de qualquer tarefa, sempre o 1º. cabo Albino foi de não falhar um serviço ou regatear uma tarefa - fosse qual fosse ela, desde que madrugávamos no Quitexe e, armados e sem medo, jornadeávamos pelo chão de Angola, carregados de armas que matavam ou nos defendiam da vida. Ou, no aquartelamento, sempre servidor de todas as horas.
Um dia, pelo Setembro de 1974, o bom do Albino aprontou-se para, na porta d´armas, fazer lugar de um companheiro que precisou de ir refrescar a garganta.
O que é lhe que custava? Nada!!! Ele ia num instante e vinha noutro e o Albino fazia a guarda. Só que no intervalo dos instantes, passou um oficial - um oficial daqueles de quem apetece sempre dizer mal, até apetece cortar-lhe uma orelha e pô-la ao lume... - e interrogou-o. E participou dele, sem defesa.
Foi castigado: 20 dias de prisão disciplinar agravada. E despromovido a soldado. Cumprido o castigo, foi mandado para Zalala, onde cumpria comissão a 1ª. CCAV., comandada pelo capitão miliciano Castro Dias.
O Albino apareceu no Encontro dos Cavaleiros do Norte, em Ferreira do Zêzere. Já não o víamos desde Outubro de 1974 e ele fez-nos memória desse episódio menos bom da sua vida militar.
«O gajo foi um filho da p..., pá!». Mas falou sem complexos ou constrangimentos. «O que eu queria era voltar a estar com esta malta do Quitexe, malta boa, pá...». E distribuiu abraços e sorrisos e contou histórias, na festa de Ferreira do Zêzere.
E a festa, pá... a festa esteve boa, ó nosso 1º. cabo Albino!
- ALBINO: Albino dos Anjos Ferreira, 1º. cabo atirador de cavalaria. Mora em Sintra e é empresário de construção civil.

domingo, 19 de setembro de 2010

Os dias de Setembro de 1975 no Quitexe...


Estrada entre o Quitexe e Carmona (anos 70). Note-se a densidade da floresta

A actividade operacional por Setembro de 1975 caracterizou-se por patrulhamentos constantes, já sem operações na mata (salvo uma ou outra excepções) e muito e menos com acções ofensivas.
O troço entre o Quitexe e Carmona era especialmente patrulhado, sempre com um ou outro incidentes, embora sem grande gravidade. Davam-se mais com os motoristas de camiões e transportes pesados - que reagiam mal às operações de stop, para controlo de mercadorias e também de passageiros. Era dada especial atenção ao eventual tráfego de munições e armamento.
Alguns elementos dos chamados movimentos de libertação - principalmente de FNLA e também do MPLA e nenhuns da UNITA, que não operava na zona - continuaram a apresentar-se, o que suscitava alguma curiosidade e também constrangimentos.
As desconfianças, difamos, eram mútuas. Afinal, os inimigos de ontem apareciam-se ali, de cara a cara. E não era fácil a «adaptação», principalmente da parte dos angolanos - que tinham outros hábitos e disciplina diferente.

sábado, 18 de setembro de 2010

Quando um militar procura amigos civis numa Angola em guerra

Cecíla Neves e Rafael Polido, com (o ex-furriel) Viegas, na Missão do Cuando, nos arredores de Nova Lisboa, em Abril de 1975.  Era um dos casais procurados nos últimos dias de Angola


A 21 de Agosto de 1975, uma 5ª. feira, escrevi a minha mãe para lhe dar conta de diligências que, a partir de Luanda, fazia para localizar alguns conterrâneos de quem, em Portugal, se desconhecia paradeiro.
Comecei por fazer referência aos combates entre MPLA e FNLA, no Caxito, arredores da capital angolana. «Guerra forte!...», escrevia eu, a minha mãe. E notava-lhe que «então para o sul, tem sido do piorio». Mas também acrescentava, para a descansar, que «por incrível que lhe pareça, até já nem vou ao quartel desde 2ª. feira, o que quer dizer que a guerra não tem sido com o meu batalhão».
Hoje mesmo, reli-lhe esta carta: «Mentias-me com todos os dentes...», reagiu ela, do alto dos seus 89 anos e 8 meses. Mas eu não mentia, não!
Aqui deixo breve sumário da epístola, no que diz respeito a conterrâneos que eu procurava, numa Angola em guerra:
«Estranhando o silêncio da Cecília e desconhecendo o que é feito do Mário e do Clemente - houve macas fortes na Gabela... - e como não há ligação de Luanda para o sul, fui ontem à Emissora Oficial de Angola e pedi para eles lerem um apelo para a Gabela e Nova Lisboa, utilizando um programa que especialmente se realiza para o efeito.
Ainda ontem ouvi eu próprio esses apelos, duas vezes, uma às duas da tarde e outra às nove da noite. O apelo é mais ou menos a dizer que, preocupado com a falta de notícias deles, que agradeço entrem contacto comigo, pelo telefone 210 de Viana ou, então, para a Emissora Oficial. Esperando o milagre de eles ouvirem o apelo, entre as centenas que a rádio transmite todos os dias, estou sempre a ouvir as horas das mensagens, aguardando qualquer coisa. Das duas vezes que ouvi ontem, não veio nada (...). E vocês aí, sabem alguma coisa deles?
Hoje vou ver se consigo dar com a casa da irmã da mulher do Clemente, aqui em Luanda, e depois digo alguma coisa».
A epístola desse já distante 21 de Agosto de 1975 dava ainda conta dos meus contactos pessoais com vários conterrâneos, em Luanda: os irmãos Resende, o casal Mário e Benedita (ela ia partir, de avião, a 30 de Agosto, e ele ficava, por causa das bagagens); da Cândida e do Ananias, do Zé Barrumas e outros. E rematava com um PS: «O Clemente, mulher e filha seguiram para Portugal na 2ª. feira, de avião, disseram-me em casa do cunhado». Soubera isto na visita a casa deles. 
Era assim que, há 35 anos, um "cavaleiro do norte" se preocupava com civis, em vésperas da sua partida de Luanda para Lisboa. De todos estes amigos, e outros que por Angola faziam pela vida, alguns já faleceram: O Zé Bernardino Resende, o Zé Barrumas e a mulher, o Clemente, o Rafael (marido da Cecília) e Isolina, mãe de Mário e Cecília, ao tempo viúva de Arménio, meu padrinho de baptismo e que, já então, falecera na Gabela - vítima de acidente de viação.
- VIANA. O telefone nº. 210 era o da casa de Manuel Cruz, de Águeda, onde (em Viana) estava eu, o Neto e o Monteiro. Se viesse alguma chamada, seria avisado por uma amiga da estação dos Correios.
- CARTA. Normalmente, eu escrevia a minha mãe cartas (e não aerogramas) de quatro cinco ou cinco folhas, duas por semana, no mínimo e sem poupar pormenores. São, hoje, preciosos auxiliares para estas narrativas do blogue. As citações que faço desta carta de 21 de Agosto de 1975 são feitas ipsis verbis.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Medos avulsos nas picadas de pó quente do Uíge

Alferes António Manuel Garcia e António Albano Cruz, na fazenda Vamba (1974)

Setembro de 1975, entre outras actividades - e já por aqui falámos, há um ano, da agitação provocada pelos militantes dos movimentos, aliciando os trabalhadores das fazendas para fugirem aos contratos... - foi de reuniões militares (com militares, ao nível do Comando do Sector do Uíge, e com civis...) e de inspecções de material.
Setembro foi o meu tempo de cirandar em passeio por Angola, de férias, e de 9 a 14, o major Miranda (do Serviço de Material), esteve na CCS e na 2ª. Companhia (a de Aldeia Viçosa) e nas Companhias de Caçadores 4145 (Vista Alegre) e 209, esta do RI 21 mas adida ao BCAV. 8423 (na Fazenda do Liberato).
Atribuição dos pelotões de serviços, estacionados no Quitexe, era, por exemplo, garantia a qualidade e operacionalidade de todo o material: armamento, comunicações e transportes. Assim, era vulgar o PELREC «escoltar» esses companheiros - quase sempre os competentes homens da mecânica, comandados pelo alferes Cruz, com o 1º. sargento Aires e o furriel Morais.
As viagens eram sempre cuidadosamente preparadas, não fosse o inimigo tramar alguma - pois não era certo que a sua apatia fosse real. Temiam-se ataques isolados e, como se sabe, um tiro numa picada, um só!..., causava muitas mossas emocionais e psicológicas, mesmo que não físicas.
O mês de Setembro de 1975, de resto, registou vários incidentes - nomeadamente um ataque a madeireiros na área da Fazendo do Liberato (no dia 30) e uma flagelação a uma viatura da Junta Autónoma de Estradas de Angola (JAEA), perto da Quinta das Arcas.
A foto ilustra uma dessas visitas de apoio, à Fazenda Vamba, mostrando os alferes Garcia (dos atiradores, o PELREC) e Cruz (mecânicos). Da viagem deste dia, ou de outra - já não sei precisar!... - lembro uma chuvada de tiros, em rajadas, ouvidos quando galgávamos a picada de pó quente, já de regresso ao Quitexe, pelo meio da tarde. E o grito determinado do alferes Garcia: «Saltar!...».
Saltámos nós dos unimogs, de alma assustava e corpo ágil e reagindo, rápidos, seguros, de ouvidos e olhos bem abertos, conforme as circunstâncias exigiam, de armas já aperradas e entrincheirando o corpo pela berma felizmente desarmadilhada. O pó quente da picada soltou-se no ar e mordeu-nos o corpo, mas nada se passou.
Às vezes, a guerra que nos levou a Angola, era mais de medos avulsos que de perigos concretos. Ainda bem.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ares e emoções do Quitexe...

Caserna dos atiradores (primeira, à esquerda), parada e edifício do Comando do BCAV. 8423 - á esquerda, o edifício no cruzamento (foto tirada do lado da capela do Quitexe)

O espaço mais militarizado» do Batalhão de Cavalaria 8423, no Quitexe, é o que se parcialmente se vê à esquerda. Ali se concentravam as casernas dos praças, a cozinha e refeitório, as oficinas, a parada. E o comando! Era o espaço-mãe dos Cavaleiros do Norte - onde se respirava a vida, se sonhavam futuros e se viviam alguns medos, quando de lá saíamos para operações, patrulhamentos ou escoltas.
Ali, para o lado esquerdo, é visível, no ar, a barra da entrada da parada - da avenida principal da vila quitexana. Para a direita e na mesma avenida, ficavam a secretaria da CCS, a Casa do Furréis, o depósito de géneros e de armamento, as messes de oficiais e sargentos e a enfermaria - entre outros edifícios civis mas utilizados por militares.
A saída da CCS, a 2 de Março de 1975, deu lugar à sua «ocupação» pela 3ª. Companhia de Cavalaria, que estivera estacionada em Santa Isabel, que pelo Quitexe já coabitara connosco desde Dezembro de 1974 e onde, depois, teve alguns e maus «amargos de boca» - devido aos repetidos incidentes que se registaram entre os militantes dos movimentos de libertação.
Ao tempo, é justo sublinhar a eficácia e coragem do comando do capitão miliciano José Paulo Fernandes - comandante da CCAV.
A mais de 35 anos de distância dos acontecimentos, quase já não damos, ou lembramos a gravidade de muitos momentos dramáticos que por lá se viveram . enquanto indirectamente envolvidos nas confrontações armadas entre os movimentos de libertação.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Setembro de 1974, Nova Lisboa e Quitexe...

Parada do aquartelamento da CCS do BCAV. 8423, no Quitexe (1974)

As comunicações, em 1974, estavam longe das facilidades de hoje - quando um aparelhozito pequenino, que transportamos no bolso (o telemóvel), nos põe em contacto com o fim do mundo, num instantinho.
Ao tempo, andando eu de férias pelo sul de Angola, combinei com o Neto que me enviasse notícias para Nova Lisboa. Aí as recebi, por meados de Setembro e matando a minha curiosidade mas, ao mesmo tempo, sufragando o espírito solidário (digo eu...) que se semeava e multiplicava na guarnição do Quitexe.
Releio agora a actualidade desse tempo quitexano, que ia com actividade operacional  «ao ritmo e a orientação» dos meses anteriores. Isto é. com permanentes patrulhamentos, nomeadamente, e agora cito o Livro da Unidade, «nos pontos críticos em redor dos centros urbanos e aquartelamentos, assim como em apoio as povos apresentados e às diversas fazendas».

 Estrada do Café, ligava Carmona (Uíge) a Luanda e passava no Quitexe

Abril tinha sido mês de revolução portuguesa ia já para cinco meses, eram muitas as dúvidas entre a comunidade militar e levedavam as interrogações e ansiedades da população civil europeia.
A liberdade de trânsito começou a ter condicionamentos, principalmente na estrada do café - de Carmona a Luanda (foto) -, mas repetindo-se com alguma gravidade em muitos outros itinerários, nomeadamente os que, em terra batida, ligavam aos principais centros urbanos e às maiores fazendas de café da região uígense -, o que implicou «maior atenção».
«Não sei o que esta merda vai dar... mas vê lá se te pões aqui, para ir eu de férias», reclamava o Neto, no aerograma que, por estes dias de Setembro de 1974 recebi em Nova Lisboa.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Uma Gabela cheia de encantos...


Cidade da Gabela nos anos 70, com a Igreja ao fundo. Foto de Luís Castro

A minha história de Angola de Setembro de 1974 pouco passou pelo Quitexe. Andei a vadiar, de férias... pela imensa Angola, a Angola das mil paisagens e gentes, dos muitos cheiros a terra e a fruta saborosa e madura, dos mil apetites que se condimentavam em cozinhados do melhor que havia. E olhem que eu ainda hoje sou um bom prato.
Andei a laurear o queijo por Luanda e o Albano Resende arranjou-me boleia d´amigo dele, para a Gabela. Aí fui eu, à procura da gente do meu sangue que por lá fazia pela vida: a Cecília e o irmão Mário Neves (ainda parentes, filhos de meu padrinho Arménio, que por lá faleceu de acidente), o Clemente...  
Pela primeira vez e no Toyota Corolla de tal amigo (vendedor de automóveis...), andei a mais de 100 à hora, conduzindo ele pelas enormes rectas de Luanda para Nova Lisboa, depois do Dondo, depois do Lussusso, até à Quibala - até já a espreitar o paraíso cafeícula da Gabela.
O meu habitual «truque» de chegar sem avisar, resultava sempre: a surpresa desmedia alegrias e encantamentos e aqueles dias que comungava com a família e amigos eram dias de verdadeiro paraíso terrestre.
Lá apareci eu em casa do Mário, pertinho da igreja (foto), batendo à porta, truz-truz, bom dia, sou eu, surpreendendo e deixando-me abafar de abraços. Depois, fui até à fazenda da irmã Cecília - onde me fiz caçador com Rafael, marido dela. Depois, de um dia para o outro, fui comensal da fazenda-jardim de Clemente. Foram dias de não esquecer. 
A Gabela era... bela, rica, apetitosa, generosa!!! Quiçá, dominada pelo império empresarial da CADA (Companhia Angolana de Agricultura), grande produtora de café, a seis, sete quilómetros da cidade, num sítio apropriadamente chamado de Boa Entrada - com estação de caminho de ferro, vivendas de jeito californiano (como víamos nos filmes...) e um bairro residencial para os quadros superiores da empresa - com cinema, piscina, campos de ténis e de futebol, biblioteca, um clube social de luxo, tudo feito uma pequena cidade na imensa fazenda CADA, onde nada faltava, qual paraíso!!!.. Incluía um hospital melhor que o da cidade, assim mo diziam. Até uma barragem e creio que uma escola! Por lá cirandei, num dia de matar curiosidades e me surpreender com a grandeza da obra que os portugueses faziam no chão de Angola. Por ali, apetecia viver, até subir aos céus!
Aldeão que sou, não me deslumbrei com o óptimo e fui esticar o nariz para os bairros operários do Galinheiro, do Cassange, do Hospital e da Sanzala - que notei arrumados, limpos, higienizados, de gente feliz, e tendo pouco a ver com as cubatas tradicionais que conhecia das sanzalas do norte.
A Gabela paria-nos encantos! Deslumbrava! Foram dias de férias grávidos de prazer e felicidade, com a família e os amigos, a encherem-me do mundo novo e imenso que era Angola.
Qual tropa, qual quê?! Qual guerra?!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O Encontro de Águeda foi há um ano...


Ontem, dia 12 de Setembro de 2010, fez um ano desde quando os rapazes da CCS do BCAV 8423 se juntaram, no encontro da Pateira de Fermentelos, em Águeda. Como o tempo voa!!! 
Alguns «galoparam» quilómetros que não lembraria ao diabo, só para comer a... sopa. O (alferes) Almeida fez mais de 2000, desde Marraquexe, em Marrocos, e parando em Albufeira - aonde voltou. O (furriel) Morais «picou as esporas» desde Elvas. O Mosteias pôs toda a cavalagem do seu Audi a«voar» desde Sines. O mesmo fez o Zambujo. O Pires «montou-se" na sela do seu Vectra, desde Bragança.
Tudo foi uma festa, todos fizeram a festa -  a que não faltou sequer o toque de clarim, para o rancho. Já lá vai um ano e já estivemos juntos mais uma vez, a 29 de Maio, em Ferreira do Zêzere - justamente35 anos depois da nossa partida para Angola.
Texto adaptado do post de há um ano. 
Ver AQUI e AQUI e postagens seguintes. 

domingo, 12 de setembro de 2010

Valeu a pena servir em prol do Exército Português

Porta d´armas do Regimento de Cavalaria 4, em Santa Margarida (foto de 26 de Agosto de 2010)

A CCS do Batalhão de Cavalria 8423 chegou a 8 de Setembro de 1975, vindo de Angola, e seguiram-se a 1ª. CCAV., a de Zalala (no dia 9), a 2ª. CCAV., a de Aldeia Viçosa ( a 10), e a 3ª. CAV., de Santa Isabel (a 11). Ontem mesmo, à noite, no lembrou o Buraquinho, quando passava os olhos pelo blogue, a matar saudades dos seus (nossos) tempos de Angola.
A CCS era comandada pelo capitão SGE António Martins de Oliveira. As três companhias operacionais pelos capitães milicianos Castro Dias (1ª:), José Manuel Cruz (2ª.) e José Paulo Fernandes (3ª.).
Vale a pena aqui sublinhar - e é justo - que as vivências que aqui tem sido narradas têm muito (têm tudo!!!...) de comum com todos estes bravos e solidários companheiros da jornada de África. Uns com maior dramatismo, outros nem tanto, todos foram actores seguros de um tempo em que todos souberam honrar a farda, a unidade e o país.

«Recordo e agradeço-vos todos os momentos de vida do Batalhão, sabendo olvidar os que são para esquecer e sabendo elogiar os que são para recordar a realidade de Unidade da Cavalaria Portuguesa», escreveu o então tenente-coronel Almeida e Brito, a fechar o Livro da Unidade. E sublinhava: «Valeu a pena o vosso servir em prol do Exército Português».
Ontem, o Buraquinho, fez questão de notar que "a tropa foi um tempo único das nossas vidas», durante o qual, e cito-o, «todos aprendemos muitas coisas para o nosso futuro». Assim foi. Subscrevo-o, integralmente!

sábado, 11 de setembro de 2010

Saída de Luanda, chegada a Lisboa e a casa...

Uma das entradas do Campo Militar do Grafanil, com a capela escavada
na árvore, nos arredores de Luanda (anos 70 do século XX)

RODOLFO TOMÁS
Texto

A noite de 7 para 8  de Setembro de 1975, há 35 anos, foi  uma das noites mais longas da minha vida. Estávamos no Campo Militar do Grafanil e a pensar: «Dentro de 24 horas, onde é que estaremos?». E este pensamento não nos saía da cabeça, até nos martirizava - a ponto de nem nos deixar dormir.
Num dos espaços abandonados, que tinham sido da (ainda) CCS do BCAV. 8423, dormimos no chão, deitados em cima de cartões: eu (Tomás), o Emanuel dos Santos, o António Silva (rádiomontador) e o (ex-1º. cabo radiomontador) António Pais. Também não admira, com granadas a rebentarem ali por perto, só para despacharem o que não era recebido.
Era grande a ânsia de largarmos a farda e, principalmente, o compromisso de proteger as populações. Estávamos todos fartos de ser mal tratados, espezinhados, caluniados, cuspidos, insultados..., enfim, creio que quase não há adjectivos para descrever tudo por quanto passámos, uns muito mais do que outros.
A noite foi andando e, finalmente e após apenas 3 horas de sono, acordámos para aquela que seria a grande manhã da nossa liberdade, que tanto ansiávamos. Tínhamos partido para Angola com a mensagem de que tinha havido uma revolução para devolver a liberdade ao povo, mas nós éramos soldados e usávamos uma farda que tinhamos de respeitar.
Embarcámos das 10 para as 11 horas da manhã e chegámos a Lisboa por volta das 18. Não tínhamos nenhum Ministro ou Secretário de Estado à nossa espera. Nem sequer fanfarra. E mais tristes ficaram, muitos de nós, ao procurarmos no «aquário» do Aeroporto de Figo Maduro por familiares ou algum amigo, mas nada, ninguém! Cada um terá a sua história, mas a nossa terminou assim.
Logo que nos foram entregues as guias de marcha, cada um foi para seu lado. Não havia dinheiro e do aeroporto para Santa Apolónia não era nada fácil. Por mim, tomei um táxi - com o Santos, de Vagos, e o Silva, de Oliveira do Douro -, e lá fomos para o norte. Ainda parámos para jantar, perto de Leiria, onde comemos o habitual bife com ovo a cavalo, e quem pagou foi o táxista. Depois fizemos contas, claro. Cheguei finalmente a casa, no Porto, eram já 3,30 horas da madrugada do dia 9 de Setembro de 1975 e só adormecí por volta das 6 horas da manhã. Mas que grande odisseia!
RODOLFO TOMÁS

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Os presos que vieram de Luanda e foram soltos em Lisboa

Aeroporto Internacional de Luanda, nos anos 70 do século XX.
Aqui embarcámos a 8 de Setembro de 1975, para Lisboa

Volto hoje a 8 de Setembro de 1975, e ao aeroporto de Luanda, para falar dos presos algemados que nos foram entregues e que «largámos» em Lisboa. Estávamos nós a «comer» minutos para o embarque, mortinhos por deixar a capital angolana, quando um grupo de militares portugueses nos procurou. Vinham com alguns presos das cadeias das forças armadas, que nós tínhamos de «escoltar» e entregar à Polícia Militar, em Lisboa.
Reagimos, não estávamos para aí virados, mas o que é isso?, mas lá assinámos a guia de entrega e recepção dos detidos, cada um deles algemado a um dos nossos braços.
O meu «escoltado», ao tempo com 27 ou 28 anos, vinha dos calores prisionais do deserto de Moçâmedes e o registo criminal incluía farto cadastro: várias prisões em celas militares, a última delas para «pagar» um assassínio. A tiro, teria abatido um sargento. Ele assim o disse!
Valha a verdade que não acreditei muito nas histórias do nosso  «herói» e fui-o contraditando com alguns gracejos e ironias. A gozar com a petulância e eventual exagero das suas bravatas - que me pareciam muito inconsequentes! Fiquei até com a ideia que ele me queria impressionar com essas suas histórias, fazendo-se forte e e herói fatal de «aventuras» que, a serem verdade, seriam razão para outros «mimos».
Chegados a Lisboa, e de novo «casados» d´algemas com os presos, começámos a ver todos os nossos companheiros a dar de frosques, a correr para as suas casas no seu «adues à tropa!». A pé, de comboio, de táxi! E nós ali pespegados, à espera da Polícia Militar - que nunca mais vinha. E não veio!
Resolveu-se a questão com a inesperada decisão do Mosteias: «Sabes onde é?!...», perguntou ele ao «seu»  preso, sobre o destino da guia de marcha. Sabia! «Então vai lá ter!!!...», disse ao detido, que espantou os olhos com a decisão. E, pegando na chave, desalgemou-o!
Eu e o Neto, e não me lembro de outros, ficámos não menos espantados mas seguimos-lhe a «ordem» e soltámos os nossos presos. E eles lá foram não sei para onde e nós ambos para Águeda. Soubemos mais tarde que os presos se apresentaram mesmo e foram soltos na mesma hora, por quem tinha essa competência, na unidade a que iam dirigidos. Eram os tempos da revolução!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O primeiro dia do regresso, 35 anos depois...

Viegas e Neto, em Águeda, na Festa do Leitão, a 9 de Setembro de
2010, 35 anos depois da chegada de Angola

Águeda, 8 de Setembro de 2010, são pouco mais de 19 horas. O destino juntou-me à porta da Festa do Leitão de Águeda com o pai do Neto, a mãe, o irmão Albuquerque e a cunhada. «Olhe que está fazer 35 anos, precisamente neste momento, que eu e o Xico estávamos a chegar de Angola!!!...».
Sorriram-se os olhos do pai António Ribeiro Neto, gargalhando sobre mim; olhou-me de alegria a mãe, bateu-me nas costas o irmão Albuquerque e admirou-se a cunhada do meu preciosismo. Pouco mais de uma hora depois, estava eu a abraçar o Neto, na mesa da família que, na Festa do Leitão, saboreava o excelente pitéu gastronómico. «Amanhã, aqui! Ao meio dia e meio...». E assim foi!
O Neto e eu, hoje mesmo e a dois... - exactamente quando passaram 35 anos da nossa chegada de Angola... - fomos comungar essa recordação, na mesa do leitão assado à Bairrada que se comia nas festa de Águeda, bem regado com o excelente espumante bruto da zona, fresquinho e repetido (e lá foram duas garrafas!, pois não!...). E desfiámos recordações.
O Neto veio falar de uma cena, vivida a três (com o Monteiro), em Luanda  e que eu não lembrava, quando os Cavaleiros do Norte ficaram sem as G3. Sem elas, mas com granadas! Várias granadas! Defensivas, ofensivas e incendiárias...  E fomos «passeá-las» por Luanda, num autocarro, levando-as como defesa e mostrando a nossa força, nomeadamente quando tivemos de as «exibir», na passagem da avenida dos Combatentes para a D. João II - quando uns fedelhos armados e reconhecendo-nos como militares, nos insultaram e ameaçaram como quiseram.
«Não te lembras, pá?!... Rapámo-las do bolso, as incendiárias, e já íamos a pôr as mãos nas cavilhas?! Pusemos aquela garotada armada todinha em respeito...».
Assim foi, de verdade. E eu diria que eles, os jovens armados, nem teriam imaginado com quem se metiam, logo fugindo na noite e com o rabinho entre as pernas.
Recordando o incidente, saíramos nós para a cidade, numa das últimas noites de Angola, com a assumida consciência dos perigos de cada esquina, ou das ameaças de qualquer grupo armado - que podia, num ápice, roubar a vida a qualquer um. Já sem armas, que tivéramos de entregar em espólio, sobravam granadas que tinham vindo «camufladas» de Carmona, com milhares e milhares de munições - que estavam a ser queimadas no Grafanil, por ordem de quem em nós mandava.
Então, há granadas, andamos de granadas, levamos granadas!! E com elas, exibindo-as como ameaça e trunfo de guerra, lá nos livrámos de mais uma encrenca. «O pá, varríamo-los todos...», lembrou o Neto, 35 anos depois.
E, à conta desta e de outras, lá se foram duas garrafas de espumante bruto, o Baga das Caves Primavera! A acompanhar duas travessas de leitão! Ah guerreiros!!!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Adeus Angola, que vou para Portugal...

Aeroporto Internacional Craveiro Lopes, em Luanda (anos 70 do século XX)


Campo Militar do Grafanil, nos arredores de Luanda, 8 de Setembro de 1975. Poucos dos Cavaleiros do Norte, os da CCS, dormiram na noite mais longa dos 15 meses e alguns dias que fizeram a nossa comissão em Angola.
A luz rasgou o dia, num instante. Como sempre! A caserna vivera empolgamentos irrepetíveis! Comeu-se, bebeu-se e cantou-se até ao exagero! Houve até quem dançasse o merengue e abusasse um bocadinho do álcool. Nada de mais! Ainda não são seis horas da manhã e já toda a CCS, quase toda a CCS!..., está de mala aviada, sem sono e ansiosa, impecavelmente fardada, garbosa, esmeradamente escanhoada. Estão a chegar as berliets que nos vão levar ao aeroporto.
Ainda não são 8 horas e já lá estamos! Suando do calor e da emoção! E da espera na bicha que se faz para chegar ao avião. Por ali vamos todos fazendo e desfazendo sorrisos. Daí a dez/onze horas, não mais... já estaremos em Lisboa! Depois, cada qual galgará os caminhos que os levarão aos seus adros familiares, aos colos das suas casas  natais, as regaços das mães, mulheres e namoradas, aos cheiros das suas ruas de 15 meses antes.
Na hora do embarque, a mim, ao Neto e ao Mosteias, não me lembro se a mais algum imediatamente futuro ex-furriel, entregam-nos um preso! Um preso, a cada um! E lá fomos nós, de algemas dadas. Tínhamos de os entregar em Lisboa!
Acomodámo-nos no avião!!! O 707 levantou as asas e voou, voou, voou... até Lisboa - onde chegámos por volta das 6,30/7 horas da tarde. Ainda era bem de dia!
Lá nos esperava o Benício, motorista da fábrica do pai do Neto, que nos «carregou» para Águeda. Como é que está Portugal, como é que está Águeda?, este e aquele, isto e aquilo, enchemos o Benício de questões.
A estrada não era auto-estrada e as menos de duas horas de hoje, eram quatro ou cinco por aquele tempo! Parámos em Alcoentre, para comer bacalhau. Bacalhau com vinho branco, que saudades!
Já era mais de uma e meia, mais para as duas horas!, quando chegámos a casa do Neto, onde o esperava a família - o pai, a mãe, os irmãos, a namorada Eunice,  sua Ni ainda de hoje! Quanta alegria, quanta felicidade se espalhou na casa dos Neto´s!!! E eu para ali a um canto, meio esquecido, a deliciar-me de os ver tão felizes e tão exuberantes. Eu ali, a 8 quilómetros da casa onde, sem me saber tão perto, dormia minha mãe a serenidade e luto da sua viuvez.
Lá fui lembrado e veio o Benício trazer-me. Por cautela, fui bater à janela da casa de minha irmã. Truz, truz, truz, no vidro!!!... Já lá vão mais de duas horas de madrugada. Ouço meu cunhado Zé Pinheiro a acordar, sobressaltado. «Quem é?!...». Ora, quem é?, quem o acordaria àquela hora? «Sou eu!!!...«, lhe disse.
E, sem estar a ver, adivinhei a cotovelada na minha irmã. «Acorda, tá ali o teu irmão...».
Ninguém sabia que eu vinha e minha irmã levantou-se para ir acordar a nossa mãe. Isso lhe pedi. Já lá iam mais de três horas quando a senhora dona Maria Dulce abriu a porta da nossa modesta sala. «És tu, rapaz? Já vieste?!...».
Dormi com e como os anjos. Acordei com o toque das trindades da manhã, às seis e tal. Virei-me para o outro lado, mas pouco depois já estava a pé, no pátio, a abrir a porta do curral da vaca, os dos porcos, a contar as galinhas, a ouvir as badaladas das oito horas! Tam, tam, tam... Até que minha mãe chegou, já da horta, a chamar-me para o café de cevada com migas de broa. Estava em Ois da Ribeira, na minha casa! Já era 9 de Setembro de 1975, amanhã fará 35 anos!!! Um dia antes, estava em Luanda, em Angola!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O último dia de Luanda, 7 de Setembro de 1975...

Baía de Luanda nos anos 70 do século XX

A 7 de Setembro, hoje se completam 35 anos!!..., era domingo e a azáfama foi grande no aquartelamento do  Grafanil, onde se faziam vésperas da viagem da CCS dos Cavaleiros do Norte para Lisboa.
De malas feitas e apresentação sempre bem ataviada, todos contávamos as horas, os minutos e os segundos que não mais morriam, para o nosso momento do regresso a casa. Seria a partida às 11 horas do dia seguinte, do aeroporto de Luanda - onde devíamos estar entre as 7 e as 8!!!. E onde chegaríamos, de malas na mão e coração alvoraçado, com a alma cheia de ansiedade.
Não havia sorriso que não se pudesse medir a metro! Era de orelha a orelha, era grávido de alegria, enchia todo o imenso campo militar - por onde debutaram a guerra, dezenas e dezenas de jovens militares portugueses.
"Então malta, amanhã lá vamos...", disse o Neto, gritando como só ele gritava, entre a algaraviada de sons e gritos, e ais!!!, e saltos!!!, e as patetices dos momentos que se casam com a felicidade!!, gritando na caserna dos bravos Cavaleiros que se iam fazer aos ares do atlântico, de Luanda para Lisboa!
O dia começou com alvoroços, para mim e para o Neto, que disseramos adeus a Viana logo no bem cedo da manhã e viajávamos no Honda, em que carregávamos as últimas malas e adereços. Fomos de novo «apanhados» no posto de controle que fôra da PSP, na estrada de Catete - que ia de Luanda a Viana e por aí fora, para o sul da gigantesca Angola. Já por ali nos assustáramos, numa outra vez, com a malvadez de uns imberbes armados, que nos quiseram assaltar. Desta feita, queriam eles e de novo de arma em punho, sacar-os as garrafas de whisky que tínhamos em armazém de poupanças e carreávamos para Portugal. Ai, mas quais quê, exaltou-se o Neto.
"Vocês roubam-nos mas é o car....!!! Filhos da p...", gritou ele. E vigorosamente ameaçou os vários adolescentes armados, até que veio gente adulta, que repôs a calma e lá fomos nós para o Grafanil!
Galhofámos pelo campo militar até à hora do almoço, que fomos comensar a Luanda e combinados com o PELREC de estarmos todos juntos na nossa última de Angola. Mais ou menos o mesmo fizeram os outros pelotões.

O Albano Resende, o meu amigo civil (na foto, comigo, na ilha de Luanda, com o mar em fundo...), tinha descoberto sítio de bom camarão e gambas e foi de marisco a almoçarada. Farta!, bem apetitosa!, bem regada de cerveja!, e com o inevitável bife com ovo a cavalo na sobremesa.
Andámos pela tarde dentro em juvenil galderice pela cidade e, de pé, olhámos a baía - ali ao lado da marginal, vista da sombra do Banco de Portugal. Já com a alma cheia de saudades, já com a nostalgia a engravidar-nos emoções e sentidos. Adeus Albano!, adeus Luanda!, adeus cheiros e paladares de Angola!
E lá fomos nós para o Grafanil, já sem direito a jantar. Que não havia! Sorte nossa foi alguém do grupo ter sido achado por um conterrâneo com pastelaria na capital e que, já não sei em que condições, nos levou dúzias de pasteis e garrafas de vinho branco, com que nos fomos saciando e degustando pela noite dentro.
A última madrugada africana nasceu tranquila e com toda a gente a postos, prontinha para a última viagem. A do regresso! A noite foi passada em fartas memórias e estórias dos nossos15 meses de Angola!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O soldado Neves e o familiar da Corimba...


Hotel Presidente, na marginal de Luanda (em cima) e a estrada de Luanda para o Grafanil

Os últimos dias de Luanda foram vividos em grande frenesim, entre a balbúrdia dos cada vez mais dramáticos e repetentes incidentes urbanos e a euforia entusiasmante de quem se via já no seu adro natal. Já por aqui contei de como os dividi, mas esqueci de falar da forma familiar e amiga como, no Campo Militar do Grafanil, nos comungávamos de entusiasmos e afectos com os nossos companheiros cabos, soldados, furriéis e alferes milicianos. Se há gosto que vale a pena recordar, na verdade, é o dessa partilha solidária que, em todos os momentos, se solidificou e multiplicou entre todos.
Num dos últimos dias de Luanda, o Neves, soldado do PELREC, andava triste e amuado. Que se passaria? Coisa simples, viemos a saber, mas para ele de enorme importância: tinha um familiar (ou um amigo?, não recordo) em Luanda, que ele queria visitar desde que chegara a Angola. Mas não tinha meios. Tinha a direcção, porém, num papel já debotado dos suores de 15 meses de Angola e que já mal se lia. 
O amigo (ou familiar?) vivia na Corimba.
A coisa, para mim e para o Neto, pôs-se muito fácil: «Ó homem, a gente leva-o lá...». E levámos, no carro do Neto, achando-lhe a casa que procurava.
Ficou lá pela manhã, com o nosso compromisso de o levarmos à noite, para o Grafanil! Mas atrasámo-nos, distraídos na sensualidade e cio das noites de Luanda, e atabalhoou-se o Neves, com medo de algum castigo. Soubemos que se precipitou, mesmo, a querer ir a pé até ao Grafanil, que era a uma porrada de quilómetros, uns 14 ou 15!, mas foi "travado" pelo familiar. E finalmente lá o pegámos.
O Neves estava branco na cara e medroso na alma! Que não, que não ia ser castigado, nada!, garantíamos-lhe nós! Que não se preocupasse! Que não tivesse medo! Mas o bom do Neves foi lívido e sem uma palavra até ao Grafanil, onde o alferes Garcia fazia de oficial de dia e lá o descomprometeu. E descansou! 
Para o desafligir, ficámos algum tempo com ele, num dos bares do campo militar, com ele e outros a despejar nocais, ou cucas, ou n´golas - cervejas angolanas, bem fresquinhas e que tantas vezes nos tinham matado dores de alma.
«Mas eu não vou levar uma porrada?!...», perguntava o Neves, repetidamente, aflitivamente, camuflando-se do grupo que parodiava no bar.
«Não, homem!!...», gritava-lhe o Neto, sempre mais expansivo que eu e a azucrinar o juízo do santo do Neves.
«Ele ainda está com medo?....», perguntou o Garcia, a quem fomos dar o «até amanhã». Como lhe dissemos que sim, foi buscá-lo e ficou a conversar com ele pela noite fora. Eram assim feitos, de pormenores e de partilha, diria que de amor!..., os nossos últimos dias de Angola.
- NEVES: José Coutinho das Neves, soldado atirador do PELREC. Mora na zona de Sintra.