BATALHÃO DE CAVALARIA 8423. Os Cavaleiros do Norte!!! Um espaço para informalmente falar de pessoas e estórias de um tempo em que se fez história. Aqui contando, de forma avulsa, algumas histórias de grupo de militares que foi a Angola fazer Abril e semear solidariedade e companheirismo! A partir do Quitexe, por Zalala, Aldeia Viçosa, Santa Isabel, Vista Alegre, Ponte do Dange e Songo! E outras terras do Uíge angolano, pátria de que todos ficámos apaixonados!
domingo, 31 de maio de 2009
Quando soubemos que íamos ser Cavaleiros do Quitexe...
sábado, 30 de maio de 2009
O primeiro dia de Luanda...
Algo que me despertou imediata atenção foi o ar descontraído das gentes de Luanda, brancos fossem, ou negros, mulatos, de qualquer cor. Ou os ritmos novos que nos surpreendiam, para além de tudo o que já ouvíramos falar, tivessemos lido ou de qualquer modo soubéssemos da terra angolana.
A primeira noite, iniciada num restaurante da Mutamba, foi como que de magia: pela sensualidade das gentes que passavam diante dos nossos olhos, pela descontração e relacionamento entre homens e mulheres de tantas cores, pelas fronteiras inter-raciais que parecia não existirem. Pelo correr desembaraçado da crianças, brancas, negras ou de qualquer outra mistura de pele, que me pareciam todas iguais enquanto a noite crescia e as estrelas nasciam no céu meio avermelhado que caía para além da restinga, ou do Mússulo. Pode parecer que descobri tudo nessa noite, o que aqui conto! Não foi assim! Mas a minha primeira noite de Angola foi um total piscar de olho, um jogo de cumplicidades, um namoro logo assumido.
«Vive-se bem, por aqui...», disse-me o Albano Resende, nessa primeira noite luandina, ele que era meu vizinho de Ois da Ribeira e fazia pela vida em terras de Angola. Tinha razão!
Faz hoje 35 anos!
Fotos da net.
sexta-feira, 29 de maio de 2009
A partida para Luanda, faz hoje 35 anos...
Largo da Mutamba. Aqui comi o primeiro jantar de Angola
Baía de Luanda à noite. Assim podia ser vista do avião dos TAM
Aeroporto de Luanda nos anos 70. Lá cheguei faz amanhã 35 anos
A chuva caía a rodos mas não impediu o embarque, naquela algazarra típica da irreverência de jovens de 22 anos! Íamos para Angola! E por sinal bem divertidos, como se fôssemos em férias!
A certa altura, alguém comentou que sobrevoávamos Bissau. Se era, vimos uma cidade calma, parecendo-me mal iluminada. E chegámos, já era manhã, à encalorada Luanda - que vimos do ar, sobrevoando a baía, que nos deslumbrou! A cidade paraceu-nos grande e não suspeitámos nela qualquer ar de guerra, o que nos deu grande tranquilidade e confiança!
E lá fomos parar ao Grafanil, o campo militar onde logo nos apareceu um sargento, querendo cambiar escudos por angolares. Lembro-me bem como, ainda no aeroporto, me senti sereno e logo soltei o blusão militar, largando suores fartos e bebendo a primeira cerveja angolana - uma Cuca. Eu levava angolares no bolso! Achei a Cuca demasiado leve. E bebi outra, e outra! Também havia a Nocal, a Eka, depois a N´Gola!
quinta-feira, 28 de maio de 2009
A segunda véspera da partida para Angola...
A 29 de Maio de 1974, desfazia eu os nós da despedida que se aproximava, no fim de almoço e no bar dos cabos milicianos, íamos dentro de pouco tempo para o aeroporto de Lisboa, quando apareceu o Ferreira a correr - vindo do IAO. Olhou a sala, encontrou-nos - a mim e ao Neto e a outros... - e abraçou-se pendurado nos meus ombros.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
A companhia (não) apresentada ao alferes Ribeiro
Gerou-se um burburinho dos diabos, entre a centena e meia de praças que estavam na formatura. Meia volta, passo em frente, um, dois três: «Na formatura, não se fala, não se mexe, nem que passe um c... pela boca!...», gritei eu. Eu estava mesmo furioso para caraças!
O meu castigo foi ser nomeado fiscal de alimentação, à ordem. Acho que nisso fiz um papelão, razão de histórias para outras alturas!
terça-feira, 26 de maio de 2009
A morte da cobra cuspideira com o tiro certeiro do Alferes Garcia
A estrada para Carmona era o norte habitual da malta militar, que lá ia, à cidade, com fome das aventuras que a pacata e familiar vila do Quitexe não proporcionava.
Muitas vezes passámos nós por esta estrada, à cata de algum momento mais divertido, idos da vila onde estava instalado o comando do BCAV 8423. Éramos jovens de sangue quente, muito quente, e permanentemente desejosos dos pecados da carne! O que, verdadeiramente, nem era surpresa ou novidade para ninguém!
Desse dia, faço memória da pontaria «milagrosa» do Alferes Garcia, muito seguro na mira da G3 e no disparo que matou uma enorme cobra que se espreguiçava de um cafezeiro e, quem sabe?, iria cuspir veneno para cima de algum de nós.
Tinha a cobra mais de três metros e um peso e volume para ser pegada por três homens, já morta e bem morta! Lembro-me também de, nesse dia, um dos nossos soldados ter comentado a pontaria do alferes: «O tipo é bom!!....».
segunda-feira, 25 de maio de 2009
Os Cavaleiros do Quitexe em vésperas do embarque para Angola, há 35 anos...
O nosso destino, naquela idade e tempo, estava desde há muito anunciado: a tropa, a mobilização e um de vários destinos da nação que se anunciava multi-racial e pluri-continental. Para isso, tínhamos batido recruta em Santarém e especialidade em Lamego, no Centro de Instrução de Operações Especiais - os Ranger´s! Outros, noutros locais.
domingo, 24 de maio de 2009
O alferes miliciano Almeida dos reabastecimentos
A um qualquer dia de Julho de 1974, no machimbombo de Luanda, chegou à vila o mais esperado «cavaleiro» do Quitexe: um tal oficial de reabastecimentos, que escapara na malha da nossa mobilização e já ia no segundo mês de «balda» á tropa. Quem era ele, quem não era e como seria, o homem era um mistério!
Chegou, finalmente, seguramente farto da viagem no incómodo machimbombo que o trazia da cosmopolita Luanda, e coube-me ir esperá-lo à rua de cima. Eu estava de sargento de dia e incumbia-me encaminhá-lo para onde devia. Era, logo ficámos a saber, o alferes miliciano José Alberto Alegria Martins de Almeida.
A olhar-se para ele, com a nossa curiosidade afiadíssima, não nos escapava o ar de cultura, de sobriedade, de inteligência, que quase pareciam envergonhá-lo. A discrição, uma quase timidez!
Então de onde é que é, como é que é, blá-blá-blá..., logo ali ficámos a saber que tínhamos homem para latas e profundas conversas. Via-se que por aquela alma levedava cultura e sabedoria! E veríamos, depois, que também competência, eficácia, talento e humanismo. Tal e qual e sem nenhum sal a mais.
Coube-me depois, por sorte de serviço, fazer-lhe o debute de oficial de dia e passámos horas no blá-blá-blá das noites de África, que sempre se tornavam misteriosas. E mais cúmplices, ainda, pela curiosidade que ele quis lavrar-me, para saber como era o Quitexe e Angola. E eu, que já era um «veterano de guerra», querendo perceber bem que homem era o nosso! E saber o que se passava por Portugal, que ao tempo se enchia das labaredas revolucionárias incendiadas em Abril anterior!
Hoje, de Marrocos, recebi conversa electrónica do amigo (ex-alferes miliciano) Almeida, a falar do blogue e da vida. Vejamos:
Olá meu (não nosso ! …) Caro Furriel Viegas:
É de Marrakech que estou a responder.
Tenho lido, com agrado, a prosa (extensíssima …) dos Cavaleiros.
É evidente que tem tido um (compreensível ) pendor furrielístico, que pode (daqui a uns séculos, quando um historiador incipiente se for basear neste documento !) levar a crer que a nossa missão não teve nem oficiais (o que não seria assim tão grave …), nem soldados (o que já é preocupante…).
Tenho o dever de escrever algo, assim me assista o engenho e a luta contra o defeito de ter uma escrita que tarda muito a estar concluída (daí, o ela depois sair como um bom assado em forno de lenha...).
Tenho poucas fotos da nossa missão, mas tenho muitas memórias: é só por essas memórias que tenho de escrever o primeiro texto sobre o Alferes Garcia.
Como sabes, nunca participei em nenhum dos encontros e reencontros do pessoal do nosso BCAV . Mas concordo que este blogue pode constituir uma forma diferente e interessante de promover esse(s) reencontro(s).
E por aqui me fico, para não competir em extensão de texto com as prosas do meu amigo Celestino…
Um abraço do Zé Alberto (isto é, o discreto Oficial de Reab(astecimentos), que teve a sina de ficar “ad eternum” gerente da messe de oficiais).
- ALMEIDA: José Alberto Alegria Martins de Almeida, alferes miliciano de reabastecimento, natural de Oliveira de Azeméis e residente em Albufeira. Licenciado em economia e arquitectura, é, com o nome profissional de José Alberto Alegria, pioneiro em Portugal da renovação da geo-arquitectura e das modernas arquitecturas em terra (em taipa e adobes). É Cônsul no Algarve do Reino de Marrocos, professor universitário, conferencista, empresário. A foto é recente e do seu gabinete de Albufeira. Ver o currículo AQUI.
- MACHIMBOMBO. Assim se chamava a um autocarro, em Angola.
sábado, 23 de maio de 2009
A ponte do Dange (não) dinamitada
Indo sair uns dias e sabendo ser para missão estacionada, levei alguma literatura. Era 2ª. feira e, de Lisboa, tinha chegado o Expresso, o jornal - que, ao tempo, não se vendia ao "quilo", como agora, e eu lá recebia semanalmente.
Ao segundo turno, passei a ronda e, com a noite toda serena e de lua cheia, sem cheiro de IN, sem ruídos que nos fizessem nascer medos e connosco espreitando o luar que se punha por cima da mata, pus-me a matar o tempo em leitura do Expresso! De repente, um susto: o jornal noticiava que a ponte do Dange tinha sido dinamitada e que tinham morrido dois soldados portugueses! Senti um frémito de medo e angústia! Apanhou-se-me o peito! A ponte dinamitada?!
Estava armado, de G3 com bala na câmara e dilagrama, duas granadas defensivas e outras tantas ofensivas! Os soldados estavam de alerta, as redondezas armadilhadas e a ponte estava ali na nossa frente, intacta! Eu mesmo, não muito antes, a atravessara apeado, vindo de um posto de controlo, do outro lado do rio! Como era possível um jornal de Lisboa, de dois dias antes, dar notícia da destruição da ponte?!!!
«Será outro Dange...», considerou-me o Leal, que era soldado de poucas palavras e estava ali ao meu lado, em turno de descanso mas sempre de olho vivo, sentado sobre uma grade vazia de cerveja e, mesmo em descanso, espreitando os perigos que se suspeitavam da noite!
Olhámos, ambos ansiosos, para o bréu dos Dembos: a lua parecia-nos maior que nas outras noites, o luar abria avenidas no escuro e, de longe, ouviam-se piados e grunhidos de animais da selva! Mais do longe, pareciam ouvir-se batuques - que seriam de uma aldeia que sabíamos próxima!
A noite passou-se, sem mais leituras do jornal e com um milhão de cuidados, sem um momento de cerrar os olhos! Um momento sequer!
Quando o sol caiu nos nossos olhos, folgámos o sistema nervoso. Ali perto, vi passar uma velha, que cachimbava e se sentou numa pedra enorme, caída de algures. Lançava fumaças para o céu que se avermelhava, eram menos de sete horas da manhã.
«Bom dia, esfurrié...», disse-me ela, quando me aproximei.
Tínhamos-nos visto na véspera, na tal aldeia, e a velha que cachimbava levava uma cântara de madeira, cheio de fuba. Outra, com água! «Vais comê nos nossa aldeia?», perguntou-me ela, soltando uma espiral de fumo, lenta, em direcção ao céu.
Disse-lhe qualquer coisa e voltei à guarnição, onde já cheirava a leite escuro, para o mata-bicho, nas malgas de lata que o serviam com o pão duro de véspera. «Notícia de m....», pensei eu, sobre o que lera da dinamitação da ponte do Dange e apetecendo-me dar uns bons pontapés a quem tal notícia editou!. «P... que os p....!!!...».
Quando de lá voltámos ao Quitexe, olhei para a ponte numa espécie de adeus! E ela ali estava, intacta! Nunca mais por lá passei!
sexta-feira, 22 de maio de 2009
O inquieto Machado das nossas reinvindicações...
Hoje, telefonou-me o Machado!!! Estava eu no conforto de um café da tarde, numa instituição em que colaboro, quando o telemóvel me anunciou um desconhecido!!! E eu, que teimosamente não atendo desconhecidos, nem gosto de atender em horas de... serviço, afinal... atendi!! Era o Machado, o Machadinho, como gostávamos de lhe chamar!!!
Não havia questão onde tivesse de se botar palavra e opinião que não tivesse o impulso e a crescente e empolgada inquietude do Machado - a quem nunca faltava argumento para discutir o que quer que fosse! Se o grupo de furriéis tomava uma posição, lá estava o Machadinho na primeira frente. Ele e o Neto! E, se me dão licença, eu também dava uma perninha.
Uma vez, era latente o mau-estar entre os milicianos e os sargentos do quadro! Já se prolongava há semanas e nem nos podíamos ver! Por razões que não vem ao caso, mas que nada tinham a ver com indisciplina! Nada disso! E nós, mais refilões, nem entendiámos como é que dois ou três de nós (furriéis) acamaradavam com eles. Então, um dia, tomámos uma decisão radical. Note-se que não foi nenhum plenário, ou coisa que o valesse, foi tudo espontâneo: não mais nos sentaríamos à mesa com os tais fulanos. Tal e qual! E não sentámos, até que os cavalheiros se começaram a portar bem, do nosso ponto de vista! E deixaram de partilhar com (alguns) civis os géneros que nos pertenciam por direito!
Este movimento de furriéis, visto há distância de quase 35 anos, carreia alguma emoção e foi, seguramente, um bom exemplo de camaradagem e solidariedade. O Machado e o Neto bem merecem estar neste pódio de saudade e partilha que desfio nas palavras de hoje.
«Os nossos furriéis são furriéis do caral...», comentavam muitos praças, por esta e outras razões, sempre que nos viam envolvidos em reivindicações. Em reinvindicações, é certo, mas nunca em tresmalhamentos disciplinares!
Avé, Machadinho!!!! Gostei de te ouvir e de saber que é médico o filho dos teus amores!
quinta-feira, 21 de maio de 2009
O companheiro a quem passámos a chamar.. banana
Havia por aquelas bandas uma fazenda (não me recordo o nome, seria a Pumbaloge?!) por onde o PELREC passava frequentemente, em missões de patrulhamento e reconhecimento. Numa das primeiras, tivemos uma singular descoberta: bananas vermelhas.
Pode parecer estranho, e até caricato, terem-se espantado os jovens cavaleiros idos da metrópole europeia para as terras angolanas do norte cafeeiro, por haver bananas vermelhas! Mas, na verdade, nunca eu próprio vira tal cor nas bananais cascas! Foi um espanto daqueles!!
Levámos cachos e cachos delas, por gentileza do fazendeiro, e se espantados fomos nós, espanto criámos no Quitexe, na casa dos furriéis. Nenhum deles alguma vez tinha visto bananas vermelhas. E logo cachos e cachos delas!!! Um fartote!
Consolou-se delas um dos nossos companheiros (não vou dizer o nome!!!), à custa disso ganhando por tempos a alcunha de (fulano de tal)... Banana. Ainda por cima, era ele um homem de transmissões, especialidade por onde vagabundeava um rádio chamado... banana! Lembram-se, meninos?!
Foto DAQUI.
quarta-feira, 20 de maio de 2009
A «menina» do Quitexe que foi ao cinema...
terça-feira, 19 de maio de 2009
As cassetes de amor e juras para as namoradas de Portugal...
Eram declarações a metro, feitas de palavras sem fim e quentes, muito quentes, gravadas em fitas magnéticas embaladas em cassetes e que os Correios traziam para Portugal, embrulhadas em papel grávido de saudades - mas sem arder nas labaredas das paixões que medravam no calor angolano.
E o que era isso, isso de gravações? Pois, com um velho gira-disco de agulha e um rádio-gravador, ou um gravador com leitura de cassetes e outro que as gravava, punhamo-nos para ali a debitar promessas e juras de amor às namoradas e mulheres que, no «puto», eram razão de afectos mais íntimos. Não por mim, fiquem todos avisados, que nem namorada tinha! Mas por outros que, roídos de saudades das namoradas, não sabiam como as matar (as saudades!, bem entendido!) - para além de lhes mandarem camiões de vagos e volúveis aerogramas, cheios de corações atravessados de setas de Cupido!
Bom, então era assim o guião: escolhiam-se os discos mais românticos e adequados à mensagem que se ia gravar. A tua namorada é isto, é aquilo, faz assim, faz assado, gosta disto e do quê, qual é o ponto fraco dela?!!! Ai ela é isso? Então, era aí que nós lhe «tocávamos» ao sentimento, em palavras quentes, volupiosas, lavradas com rigor e no momento exacto, enquanto se baixava e se subia o som na «mesa de mistura» improvisada.
As raparigas, com a cassete no regaço, corriam apressadas e em ânsias para irem ouvir a voz dos seus amados, nos seus segredos de quarto e atravesseirando-se de afectos, como se ali estivesse o dono daquela voz - o seu amor que estava na guerra!! Choravam de emoção e saudade, de alegria e de paixão!!! Era só amor!!!
Eu, que era irreverentemente atrevidote e meio lavrador de palavras, debitava prosa e versos de embalar corações, minha esta e minha aquela - às vezes com palavreado de fazer chorar as pedras das calçadas... - e lá "obrigava" os rapazes a confessar as suas perdas emocionais e a confirmar amores e juras, dizendo quantas vezes o que nem lhes passava pela cabeça.
As juras de amor eram tais e de tal maneira que, ouvidas em Portugal pelas cachopas, lhes provocavam verdadeiros apertos de coração, autênticos delírios vivos e volúpias que não se contam! Ai não!!!
Os rapazolas da foto são, somos, somos o Neto e eu: «Em directo, dos estúdios da Ráááááádio Quitexe, directamente para o Bééééééééco, em Águeeeeeeeda!... Para a Ni!!!!...».
segunda-feira, 18 de maio de 2009
A estrada do café e o incêndio na arrecadação
Agora, a história: a 17 de Janeiro de 1975 deflagrou um incêndio na casa a seguir à cor de rosa e que era onde estava instalada a arrecadação de material de aquartelamento e algumas munições e, se bem recordo, os quartos dos alferes milicianos. Foi um susto de todo o tamanho!
domingo, 17 de maio de 2009
O Bar do Rocha...
O Bar do Rocha era um dos locais de culto das noites quentes do Quitexe! Numa delas, um GE, já adiantado em vapores alcoólicos, provocou uma cena bem desagradável, ameaçando um militar a tiro e granada. Felizmente tudo se resolveu, sem consequências, controlada que foi a situação, com mais ou menos facilidade! Havia, felizmente, disciplina e respeito, entre as hostes militares - apesar de, ao tempo, se registarem muitos incidentes em outras guarnições e principalmente na metrópole. Era já o PREC!
Se houve coisa que no Quitexe se viveu sempre - e em todo o Batalhão de Cavalaria 8423 - foi o respeito institucional e pessoal, sem que tivessem de se invocar regulamentos para que a família militar se estimasse e fosse solidária!
Mas eu falava do Bar do Rocha, lembrando as petiscadelas com que por lá nos lambuzávamos, satisfazendo o estômago e matando a sede dos nossos lutos dos cheiros e tempêros das nossas cozinhas de família.
- GE. Grupos Especiais. Unidades operacionais africanas. Beneficiavam de treino militar e estavam organizadas como grupos de combate, estacionados junto às companhias do Exército, sob ordens das quais serviam. No Quitexe, estavam os GE 217 e 223. Em Aldeia Viçosa, a 222; o 208 em Vista Alegre.
sábado, 16 de maio de 2009
Um susto, ou uma emboscada...
Um dos nossos mais vulgares serviços eram feitos às fazendas, dando protecção aos seus movimentos de viaturas, nomeadamente em tempo de colheita e venda de café - no mercado de Carmona (como se vê na foto, tirada da net). Iam-se dezenas e dezenas de quilómetros a engolir o pó das picadas, sempre de arma tensa e olho vivo, para repetir a viagem no sentido inverso! E, depois, de novo repetindo. No mesmo dia!
Não era fácil! Eram muitos, muitos quilómetros num só dia, por picadas sempre inseguras e nas quais cada dúvida ou ruído aumentavam os nossos medos. Uma vez, serpenteava a coluna por um monte quando avariou um unimog. Foi um susto!!! Maior susto ainda porque um militar viu um homem, aparentemente armado, por detrás de um penhasco. Reagimos, foram tomadas todas as acções de circunstância e uma equipa do pelotão avançou, lesta e corajosa, para um imediato «golpe de mão», se assim posso dizer - a equipa do 1º. cabo Cordeiro. E galgou o monte à direita da coluna. Estes momentos são de muita inquietação e exigem serenidade. E coragem!!! Nada viu a equipa, que foi e voltou, connosco todos em ansioso alerta, controlando emoções e respirando apressados para o que seria o nosso baptismo de guerra. E lá continuámos a missão - interrompida por uns bons três quartos de hora de tensão. Passámos neste local, nesse dia, mais três vezes e, não se ouvisse o roncar dos motores dos unimogs, diria eu que olhávamos aqueles penhascos em silêncio sepulcral! De cortar à faca!! De olhos e sentidos apurados!!!
Soubemos mais tarde, por um suposto membro da FNLA (supostamente integrante desse alegado grupo), que nos tinham emboscado e se preparavam para atacar, quando avariou a viatura. A reacção imediata do nosso grupo terá evitado males maiores. O sítio era propício a uma verdadeira flagelação - a uma carnificina. Quase bastaria, na verdade, que nos atacassem à pedrada.
- CORDEIRO: José Manuel de Jesus Cordeiro, 1º. cabo atirador de cavalaria, natural da região de Leiria.
sexta-feira, 15 de maio de 2009
As «mulheres» e a Maria de Angola do Quitexe...
quinta-feira, 14 de maio de 2009
O glorioso PELREC da CCS do BCAV 8423
Ora vejam lá quem eles eram, em cima, da esquerda para a direita, todos garbosos e muito corajosos: Cordeiro, Messejana, Pinto, Soares, António (?), Ezequiel, Marcos, Dionísio, Caixarias e Florindo (enfermeiro).
Em baixo, pela mesma ordem e também «armados até aos dentes», prontos para tudo: Vicente, Viegas, Francisco, Leal, Mendes (?, transmissões), Hipólito, Aurélio, Madaleno e Neto.
NOTA: O pelotão não está completo, saímos para mais um patrulhamento, e a foto é de 16 de Outubro de 1974. A pose sorridente tinha a ver com uma «boca» mandada pelo (furriel) Neto. Alguém nos pode confirmar as identidades?! Tenho dúvidas em duas.
quarta-feira, 13 de maio de 2009
E o Quitexe, onde é, onde fica?!
Era a nossa grande ansiedade: para onde vamos? O que nos espera?! Quem está lá, como vai ser?
Em Santa Margarida chegara-me um «cheiro»: íamos para o norte de Angola. E devorei tudo o que pude ler, para antecipar o conhecimento da então província ultramarina. Em Maquela do Zombo tinha estado o Zé Ramiro, meu vizinho. Por Quitexe passara o Zé Pires, também vizinho. Em Sanza Pombo estava o Higino da ti Efigénia, daqui também mas civil. E havia a já então lendária Nambuangongo. O Quibaxe, Piri, sei lá.
Só em Luanda soubemos que o nosso destino era o Quitexe. E assustei-me. Tinha visto umas fotografias trágicas, de mulheres violadas e assasinadas, crianças mortas! À catanada e a tiro. Outra imagem de terror era a de cabeças de negros espetadas em paus. Em 1961, ano 1 da era emancipalista dos naturais, no terreno! E aqui não entro em pormenores. Mas isso tudo nos martelava na cabeça!
Conversei com amigos civis, em Luanda - que do Quitexe me pouparam algumas coisas que saberiam. E lá fomos: Cacuaco, Ucua, Dange, Vista Alegre, Aldeia Viçosa, Quitoque, Quimassabi, o que lembro mais!!
E a cidade mais perto? Carmona! E o que me disse Casares, furriel miliciano que de alguma maneira substituí nos GE: que tivesse cuidado, coisas que agora não conto! Lá chegámos, numas dez horas de viagem, ou mais, com paragens que deu para encontrar, num bar de Quibala, o conterrâneo Zé Taipeiro, aqui meu vizinho, a 80 metros de casa! E o Quitexe, afinal, foi uma boa surpresa!
terça-feira, 12 de maio de 2009
O Mosteias que era casado e foi pai...
O Mosteias era um gajo do caraças! O Mosteias era um gajo bom!! O Mosteias era um tipo que casava o impulso com a razão, misturando-as e reagindo-as numa doce partilha de amizade e camaradagem. O Mosteias era um portento de força física, praticante de halteres improvisados e dono de imponente figura. Era o mais alto, o mais pesado, o mais calmo, o mais bonacheirão, o melhor de todos nós numa série de coisas. Sapador de infantaria, era o gajo das minas e armadilhas!!! Ele, o montijense Cândido Pires e o amarantino Farinhas! Um trio muito singular!
O Mosteias era único furriel miliciano casado de toda a CCS. O que lhe dava uma auréola muito especial, entre todos nós, quando falávamos pela noite dentro, olhando a lua avermelhada dos céus africanos e sentindo os cheiros de cio de Angola, contando e ouvindo histórias, entre um gole de cerveja, um trago de wisky, ou simplesmente a endeusar as nossas irreverências de juventude, delas fazendo lendas e maioridades!!! A quietude bonançosa das noites do Quitexe dava para tudo, embrulhando-nos de emoções! E falasse-se de saudades!! Aí, aí... então aí ficávamos todos a olhar e a medir as estrelas no céu angolano e a antecipar sonhos das próximas horas de sono! A sonhar não digo com quê!!!
Não consta que o Mosteias alguma vez tenha usado a sua instrução militar especializada, em qualquer picada ou trilho da zona cafeeira de Angola por onde «vagabundeávamos» em patrulhamentos e operações. E ainda bem!!!! Sinal de que não havia perigos!!!
Divertia-se e ansiava-se ele, no dia a dia, era com o sonho e a expectativa de receber da mulher grávida a notícia de que já era pai!!
Tivera uma curiosa história, a do seu casamento com Leonor, filha do patrão, que era despachante oficial em Lisboa. História que ele contava com com indisfarçável gozo e felicidade!!: «Olhe, amanhã vou casar-me com a sua filha. Se quiser ir, é na Conservatória tal....».
- «Ó Mosteias e foi mesmo assim?!!...», perguntávamos nós, sempre de sorriso afiado! Para sempre ouvirmos a mesma história, contada com felicidade que não se contava em quilómetros. «Ó Mosteias, já te viste com a criança no colo?!... », respingávamos-lhe nós, rapazes na irreverência dos nossos 21/22/23 anos, para o provocar, em sorriso de refinada malícia, sugerindo-lhe o cofiar dos anéis dos cabelos da criança, o tocar-lhe a pele macia, dar-lhe o biberon, mudar-lhe as fraldas.
O Mosteias olhávamos com supremo desdém, de sorriso cúmplice, como se não houvesse no mundo pessoa mais feliz que ele. Um dia alguém lhe leu um poema: «Pai, o teu Natal é longe de mim/A mãe pousa as mãos no ventre/E sinto-lhe saudades sem fim/Porque me sente/Filho de ti!!!....". Qualquer coisa parecida com isto.
«Ó pá, mariquices, pá...», balbuciou ele. E riu-se, riu-se, riu-se! E saiu de ao pé de nós!
Não sei porquê, mas sempre tive a ideia de foi chorar para o quarto.
Dias depois, era pai!! E veio a Lisboa conhecer a criança!
- MOSTEIAS: Luís João Ramalho Mosteias, furriel miliciano sapador de infantaria. Mora em Sines. O filho seguiu a carreira da actor.
segunda-feira, 11 de maio de 2009
O Papélino do Quitexe, que era Agostinho, ou talvez não...
domingo, 10 de maio de 2009
A Noite de Natal de 1974
A foto é do Quitexe, vila onde estava a CCS do BCAV 8423, tirada a partir a capela, vendo-se parte das instalações militares.
Vê-se claramente o telhado do refeitório, a cobertura mais à direita - onde tanto se refeiçoou com as saudades da sopa e do arroz de galinha da mãe. Ou do bacalhau com todos, um peixe frito, uma rojoada.
A noite de Natal de 1974, estava eu de serviço (sargento de dia), foi das mais emocionantes de toda a comissão de 15 meses. Comeram-se rojões e bacalhau, refeiçoando juntos oficiais, sargentos e praças - precisamente no refeitório. O capitão Oliveira, que não era homem de muitas falas, falou ao pessoal, algo emocionado e em frase curta. A família dele - mulher, filha e neto - morava a poucos metros, certamente estava ao ouvir!
Eu estava de serviço e tinha «instruções» para relaxar alguns eventuais exageros. Sem flexibilizar a necessária a segurança. Assim aconteceu! Por volta da meia noite, passei - eu, com o Madaleno e o Marcos... - por todos os postos, levando cachaça, vinho, cerveja e wiskyes aos sentinelas. Nenhum deles dormiu nessa noite. Quiseram, mais ou menos ensonados, partilhá-la irmamente, dividindo as bebidas com bacalhau cru. Nenhum deles «abusou». A noite de saudades e de nascimento foi partilhada com amor e solidariedade!
- OLIVEIRA. António Martins Oliveira, capitão SGE, comandante da CCS. Tinha sido aluno da Escola Central de Sargentos, em Águeda, e tinha comigo e com o Neto uma relação menos boa! Julgo que por sermos de Águeda. Encontrei-o nos anos 80, em Aveiro, já como major, era o responsável pelo DRM (Distrito de Recrutamento Militar). Morava em Ovar.
- MADALENO: Francisco José Matos Madaleno, soldado atirador de cavalaria, da Covilhã.
- MARCOS. João Manuel Lopes Marcos, soldado atirador de cavalaria, do Pego (Abrantes).
Foto de José Oliveira, do BVAC 1917.